Come back home escrita por Yennefer de V


Capítulo 1
Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Oláááá!

Vocês não sabem como AMEI escrever isso aqui. Faz um tempo, quem me acompanha sabe, que estou metida em comédia/romance/pequenos dramas. Eu adoro escrever cenas de ação, portanto, Lorcan contra dois lobisomens foi maravilhosamente gratificante.



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Occitânia, sul da França (Languedoque-Rossilhão, Carcassona)

 

Lorcan Scamander pediu com um gesto de duas mãos para que a senhora parasse de falar tão rápido. A idosa, de calças acinzentadas e leves, uma camiseta de mangas longas, surrada e suja, com um lenço branco enrolado na cabeça, a pele do rosto e das mãos expostas já muito maltratadas pela exposição frequente ao sol de até 40 graus, não o atendeu.

Pareceu a Lorcan que ela fazia esforço para se fazer entender falando alto, com amplos gestos e expressões corporais.

O trouxa ao seu lado, que felizmente entendia occitano, um idioma antigo que veio antes do francês em Carcassona, também pedia que a senhora se expressasse mais devagar.

De todas as palavras que ela falou em seu monologo, olhando de Lorcan para o trouxa ao seu lado, Lorcan só entendeu as expressões “Bête du Gévaudan” e “Saint-Michel”, já que a idosa fez o favor de falar em francês.

Finalmente a velha parou de falar, dando um respiro. Lorcan olhou para o homem:

— O que ela disse? – perguntou impaciente. – Repetiu todo o Antigo Testamento?

O trouxa olhou para Lorcan em tom de quem pede desculpas.

— Ela está muito preocupada Arcanjo. Peço desculpas pela sua inquietação. É muito difícil compreender o antigo occitano. Há dois meses a filha jovem de um dos trabalhadores da vinícola apareceu com uma mordida no pescoço, aos gritos, de madrugada. A mocinha tinha ido visitar o namorado às escondidas. A senhora viu a ferida e explicou que pareciam dentadas de presas e que a moçoila teve sorte por estar viva, graças a Deus.

A idosa cuspiu mais algumas palavras e fez gestos bruscos, apontando para o pescoço e fazendo uma careta medonha mostrando os dentes. Lorcan a ignorou.

— Continue, por favor.

— No mês seguinte, um homem foi encontrado morto não muito longe daqui, totalmente estripado. Boatos de que com aparentes dentadas, garras afiadas e força bruta, impossível para ter sido um ataque de um simples rottweiler como está passando na televisão. Nenhum château que eu conheço pelos arredores cria essa raça de cachorro e eu moro aqui há anos. Na mesma semana a filha do trabalhador sumiu sem deixar rastros. Disseram que fugiu com o namorado.

A velha tornou a entrar na conversa com sua inquietação, repetindo “Bête du Gévaudan” mais uma vez. Ela levou a mão a um pingente de crucifixo na altura do pescoço, fazendo o sinal da cruz no rosto.

— O que mais? – perguntou Lorcan.

O homem ficou sem graça.

— Ela e os outros trabalhadores têm certeza de que a Besta de Gévaudan retornou.

A senhora, impaciente, fez um sinal para que o homem se apresasse com a tradução, dizendo de novo “Saint-Michel”.

— A Besta de Gévaudan foi um animal feroz no século XVIII que tinha pele avermelhada, rasgava a garganta das vítimas, que eram sempre jovens. Foi descrito pela primeira vítima como sendo corpulento, com dois dentes afiados, focinho comprido e orelhas eretas. Era uma zona rural com frequentes ataques de lobos aos rebanhos, só para ter uma ideia do exagero. Mutilou, estripou e decapitou muitas pessoas até ser abatido por...

O homem perguntou algo a senhora em occitano. Lorcan entendeu a resposta dela:

— Antoine de Beauterne Marques. – ela não largou a mão do crucifixo.

— Por Antoine de Beauterne Marques. – repetiu o homem. – E era realmente uma besta de proporções absurdas. Apenas de comprimento o bicho tinha um metro e oitenta. Não conheço mais detalhes. Ele foi empalhado e enviado para Versalhes.

Lorcan analisou a situação por um momento. A idosa ficou se remexendo na sua frente, ansiosa.

— Ninguém conseguiu achar a primeira moça? Ela realmente fugiu com o namorado?

— O pai não sabe. Ficou repetindo que ela era uma boa garota.

O homem e a velhota começaram um dialogo rápido em occitano. Lorcan não prestou atenção neles. Ficou observando a vinícola, cujos trabalhadores braçais pareciam muito mais resistentes do que os bruxos acostumados com suas varinhas. A vinícola se estendia por terra cor de creme, em plantações de fileiras verdes, que se dividiam em campos largos do tamanho de estádios de quadribol. No espaço entre os campos havia caminhos de terra abertos para a passagem.

As vinhas eram um pouco mais altas do que Lorcan. Eram plantas que se enrolavam às estacas de madeira fincadas no solo, que terminavam no alto com uma porção de folhas e uvas ainda verdes, pois era agosto. O calor era infernal para Lorcan. Ele estava com regata, shorts e tênis, mas percebeu que isso não o protegia do estrago do sol como faziam as roupas longas dos trabalhadores. Seus ombros e sua cabeça raspada estavam ardendo, seu rosto ardia e seus olhos se semicerravam pela claridade.

O homem voltou sua atenção à Lorcan.

— Foi o padre da paróquia quem o indicou, Arcanjo. Explicou que você aplicou um exorcismo bem sucedido em Toulouse. Apesar de ser um ritual feito por padre, nosso vigário é muito humilde, não tem conhecimento suficiente e ninguém acredita nos trabalhadores. Por isso pedimos sua ajuda.

Na verdade, o “exorcismo” feito por Lorcan em Toulouse foi apenas um bicho-papão dentro da cômoda comprada em uma feira de garagem para uma garotinha, que a estava enlouquecendo. Depois de subjugar o bicho-papão, ele pegou seu pagamento em euros e desapareceu.

Provavelmente o Ministério da Magia Francês teria apagado a memória da família e dos conhecidos se a fama de Lorcan, o “Arcanjo”, apelido para o arcanjo Miguel (“Saint-Michel”), uma figura católica líder do exército de Deus contra as forças do mal, não tivesse se espalhado pela população trouxa da França também.

Ele estava foragido na Grã-Bretanha, sendo procurado pelo Ministério da Magia Britânico. Decidiu mudar o local de suas caçadas de recompensas.

A idosa, já muito nervosa e irritada, começou a esganiçar de novo. Crocitou várias palavras mal humoradas para o interprete de Lorcan.

— Ela quer saber se você pode nos ajudar.

Lorcan olhou para a velha, uma crente em religião de trouxas, sendo atormentada por animais das trevas sem ter a quem recorrer. Seu olhar, agora, era de piedade. Ela lhe falou algumas palavras baixas e juntou as mãos como se fizesse uma prece, implorando.

— Pergunte a ela como estava a lua quando os ataques aconteceram.

O homem franziu a testa. Falou em occitano com a velha. Ela arregalou os olhos e fez uma bola com a mão no ar para Lorcan, murmurando algo.

— No caso da jovem era lua cheia. No caso do homem ela não faz a menor ideia, mas podemos averiguar a data.

Lorcan passou a mão na testa, secando o suor, e sentiu a cabeça tonta de calor.

— Não será necessário. De quanto é a recompensa? – perguntou Lorcan, mas já sabia que ia aceitar.

— Cem euros, senhor.

Lorcan balançou a cabeça negativamente.

— O dobro ou nada. Não estarei lidando com apenas uma Besta de Gévaudan.

O homem estremeceu. A mulher, ao ouvir a palavra “Gévaudan” ficou olhando para ele, suplicando uma explicação.

O homem traduziu e a mulher deu uma exclamação muito alta.

— São duas. – resmungou Lorcan e cuspiu no chão, a boca seca. – Duzentos euros.

O homem explicou para a mulher, que desconfiada, aceitou.

Lorcan fez uma conta na cabeça. Aproximadamente setenta galeões por dois lobisomens. Estava se metendo em uma encrenca muito grande.

[...]

Até a semana da lua cheia Lorcan procurou pelos dois lobisomens em forma humana. Tinha uma leve suspeita de que o primeiro atacante, a Besta de Gévaudan imaginária dos viticultores, era muito boa em se esconder (fosse homem ou mulher). Parecia, pelos relatos dos trabalhadores, ser fria e calculista em seus ataques.

Já a moça, a pobre vitima do maníaco, provavelmente estava assustada e foragida no calor infernal de Carcassona e ia se transformar pela segunda vez consecutiva sem ninguém para ajuda-la.

Infelizmente, Lorcan não deu de cara com nenhum dos dois. Caso achasse a garota, ia largá-la em um hospital mágico. O maníaco ia dar um jeito de entregar aos aurores sem aparecer no Ministério.

A sorte não estava ao seu lado àqueles dias.

A única coisa que o fez sorrir foi um bilhete que recebeu da teimosa Molly Weasley, a medibruxa com quem mantinha um romance secreto em Londres. Lorcan não podia responder, dado o perigo de ser preso. Era perigoso para Molly escrever para ele também, porém, esporadicamente, ela não parecia se importar. Como Lorcan não podia aparecer no St. Mungus ou tinha chance de ser preso, ele sempre era tratado por Molly quando se feria demais.

 

Querido Arcanjo,

Como está sua saúde? Espero que péssima. Volte para (minha) cama assim que não aguentar mais andar.

Mordidas em você inteiro.

M II W.

 

Lorcan teve sonhos inapropriados com o corpo nu de Molly àquela noite.

[...]

Lorcan gostava de encontrar o colega Houdini quando podia. Houdini, como era conhecido pelos trouxas, era um homem de rosto redondo, com uma dobra no queixo, cabelos, barba e bigode acastanhados. Usava óculos grossos que lhe davam ar de sabedoria. Houdini era levemente rechonchudo, não o suficiente para ser considerado gordo e tinha um sorriso e olhos simpáticos que o ajudavam em sua profissão.

Com um passado criminoso numa carreira no Ministério da Magia Britânico e um talento absurdo para Poções, Houdini oferecia seus dotes de fabricação de Veritaserum (o Soro da Verdade), Felix Felicis (a Poção da Sorte) e Amortentia (a Poção do Amor) aos trouxas, como se fossem dons vindos para ele dos céus. Houdini cobrava honorários absurdamente caros pelos seus serviços. Impedido de ostentar fortuna pelo mundo trouxa, já que ia chamar atenção dos aurores e autoridades, ele preferia a vida de boêmio.

Ele e Lorcan estavam sentados nas altas cadeiras do The Celt Pub, famoso entre turistas e moradores trouxas de Carcassona. Atrás do balcão no qual Lorcan e Houdini pousavam suas cervejas trouxas havia um bar repleto de prateleiras com garrafas das mais variadas cores, tamanhos e conteúdos. Os barmen se moviam com ligeira rapidez para abastecer os clientes. Acima das cabeças de Lorcan e Houdini, mesmo no balcão do bar, estavam suspensas luminárias simples, que os atingia com uma iluminação levemente amarelada.

No corredor havia mesas com quatros cadeiras cada, todas cor de ipê, uma madeira muito escurecida, assim como o bar e suas banquetas altas, deixando o pub com uma atmosfera envelhecida, suas luzes amarelas e as paredes pintadas de amarelo, cheias de retratos.

Havia músicos trouxas tocando no fundo, próximos aos banheiros, com uma cantora e dois homens que a acompanham com instrumentos. Lorcan já estava acostumado ao som.

O pub estava lotado. Os trouxas estavam extasiados com a música e com seus grupos de amigos, falando aos berros, gargalhando, flertando, festejando e bebendo. Houdini adorava cada minuto daquela bagunça.

Uma turista passou por eles, loira de cabelos curtos, falando espanhol com uma amiga, e Houdini olhou para ela de maneira indiscreta.

— Que tal meu amigo Arcanjo? – perguntou em voz alta, brindando sozinho com seu enorme caneco.

— Não. – respondeu Lorcan, espiando as turistas.

Houdini soltou uma gargalhada.

— Ainda ilusoriamente comprometido com a medibruxa? Companheiro Arcanjo, você realmente acha que ela não cai na cama dos bruxos de Londres?

Lorcan virou a cabeça para Houdini, visivelmente irritado. Só de pensar na possibilidade já ficava com vontade de aparatar para a casa de Molly e devorá-la a noite inteira.

— Não me importo. Não me interesso por trouxas bêbadas. – resmungou.

Houdini deu outra gargalhada e acenou com a cabeça para a loira que tinha passado. Lorcan virou a cabeça para uma das mesas, lotada com um grupo jovem. A loira estava olhando descaradamente para ele. Houdini piscou para ela e voltou sua atenção à Lorcan.

— Talvez eu deva oferecer meus serviços para ela.

Lorcan estremeceu só de pensar na possibilidade da loura pagar muitos euros para enfeitiçá-lo com Amortentia. Houdini pegou seus cartões de visita só para perturbá-lo mais. Eles diziam:

Você quer sorte?
        Você quer a verdade?

Você quer o amor?

Pergunte por Houdini e Houdini o achará!

 

Lorcan pegou o punhado de cartões e enfiou de volta organizadamente no bolso da camiseta do amigo.

— Ela está bêbada. – argumentou, cansado do assunto.

Houdini gargalhou.

— Nunca vou usar meus poderes para enfeitiçar um amigo. – afirmou, pedindo com um gesto que o barman enchesse os canecos dos dois novamente.

Lorcan acenou negativamente com a cabeça e tapou o caneco com a mão, dispensando a bebida.

— Vou trabalhar amanhã.

Houdini ficou interessado.

— Outro bicho-papão?

Lorcan apoiou os dois cotovelos no balcão, deixando o caneco de lado.

— Não dessa vez. Dois lobisomens.

Houdini fez cara de assombro.

— Uou companheiro. Você está brincando com coisa grande. Tem certeza que vale o risco? – sorveu um longo gole de cerveja.

Lorcan deu um suspiro.

— Um deles é uma jovem. Foi mordida há dois meses. Não deve nem entender o que está acontecendo.

Houdini deu um assobio alto.

— Você tem culhões. Onde você acha que eles estão?

— Vou tentar as casas abandonadas e os carros às beiras das estradas. Muitos dos trabalhadores estão enfurnados lá como acromântulas num buraco. O lobo já cometeu o erro de atacar a trabalhadora local e chamou atenção, por isso me contrataram. Não vai cometer o mesmo erro novamente. O segundo homem que ele atacou, conseguiu devorar. Era um imigrante marroquino.

— As péssimas condições de sobrevivência dos trouxas! Vivendo em carros e casas caindo aos pedaços para acordarem cedo e colherem uvas mecanicamente! – bradou Houdini, levantando seu caneco, sem ninguém prestar atenção nele pela algazarra no pub. – Se eles pudessem apenas ganhar alguns galeões. Boa sorte pra você amigo Arcanjo. Que o Deus cristão desses crentes o siga!

Lorcan aceitou, de má vontade, mais uma rodada de cerveja.


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Notas finais do capítulo

Hey! Então, o que acharam da parte 1?

Caso haja interesse, posto a parte 2!

Comentem aqui embaixo / o/



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