Sam me olha com um sorriso no rosto e confirma com a cabeça, olho em seus olhos e lhe mostro um dos meus melhores sorrisos; é bom ter um amigo para compartilhar meus segredos, mesmo que seja apenas por esse verão, gosto muito do Sam e do seu  jeito, sua risada me contagia e me faz rir junto, isso com certeza não é possível perceber através de mensagens de texto.
Estou puxando-o  para o campo cheio de árvores; ao chegarmos, ofegantes, ele olha para o círculo perfeitamente simétrico de cogumelos brancos e árvores coloridas,  se afasta um pouco e fala:
— Por que me trouxe aqui?

Ele está pálido e continua:
 - O que você é?
Agora,  estou confusa; então, falo:
— O que você quer dizer? Eu o trouxe aqui porque achei esse lugar há uns dias, e minha avó disse para eu não vir mais, entretanto fiquei confusa e curiosa e, como você  é meu amigo, achei que podia confiar em você!
— Então quer dizer que você não sabe o que é isto? Quer dizer que você não entrou ainda?
O que estava acontecendo? (pensei):
 - Por que todo mundo me pergunta se eu entrei ou não ali? O que há de errado se eu entrar?
— Como assim, todo mundo?
 - Minha avó perguntou e você também, o que está acontecendo?
Ele fica quieto:
— Por favor me conte o que está acontecendo!
Ele pega minha mão, delicadamente, e me afasta do circulo:

— Olha tem coisas que você não entend...

Eu o interrompo, aumentando meu tom de voz:
 - Acho que, se você e minha avó pararem com essa gracinha de que eu não entendo o que está acontecendo e me explicarem tudo isso, talvez eu entenda!
Ele tira sua jaqueta, que parecia estar apertada e o fazia sentir calor, ficando com uma regata branca; abaixa-se, fica de joelhos e, enterrando a cabeça em suas mãos, diz:
— É difícil!
— Tente! Por favor!
Eu, também, me ajoelhando, respondo, levantando sua cabeça e olhando-o nos olhos:
— Não dá!
 Levantei-me, bufando:
— É o seguinte, se você não me contar vou ter que descobrir sozinha!
Viro-me, caminho em direção ao círculo, e ele fala, vindo até mim e agarrando meu pulso :
 - Não posso falar nada, se eu não tenho certeza do que você é!
Eu não sou burra, ele e minha avó estavam escondendo alguma coisa séria; se eles me disseram para não entrar naquele círculo, eu não faria isso, mas queria uma explicação.

Puxando meu punho da mão dele, para tentar negociar a verdade, tropeço e caio  dentro do círculo; não me machuco, e Sam pula, também, para dentro, e se agacha ao meu lado, perguntando:
 - Você está bem ?
Confirmo com a cabeça, mas quando, finalmente, olho para  Sam, vejo que suas costas e seus ombros estão brilhando em um tom dourado; brilho que desce até quase seus cotovelos. Afasto-me, confusa, ainda, caída no chão, e o observo, pasma, ele baixa a cabeça, coloca suas mãos no chão com os punhos cerrados, e quando o brilho acaba, em seus braços surge  uma tatuagem de asas, que percorre suas costas até os cotovelos. Ao abrir minha boca para perguntar algo, sinto uma dor insuportável em meu pulso e me contorço de dor ,insuportável na terra seca e marrom do meio do círculo; olho para meus pulsos e vejo o mesmo brilho que vi nos de Sam, mas com uma coloração não  mais dourada e, sim, roxa. Sam se aproxima de mim, segura meus braços, enquanto me contorço e grito de dor, e diz:
— Calma! isso vai acabar logo prometo!
Em meio ao caos do meu corpo,  vejo que ele, realmente, está assustado e preocupado; olho para o outro lado do círculo, ainda, com imensa dor, Sam segue meu olhar, e percebemos a árvore de folhas roxas, brilhando imensamente em sua coloração. Quando a dor cessa e eu paro de gritar, meus olhos se encontram com os de Sam, e, então, vejo que meus pulsos não brilham mais, apenas minha mãos os cobrem; sinto algo percorrer minhas costas de baixo pra cima, e, quando chega a minha nuca, olho meu amigo que está pasmo e confuso, e sinto a mesma dor que sentia em meus punhos, porém 100x mais forte... e esta é a ultima coisa de que eu lembro.

ºº

Acordo em minha cama, assustada, não há ninguém ao meu lado...e onde está Sam? E minha avó? O que aconteceu?  Eu só me lembro que estava no meio da mata, no círculo com Sam, da dor em meus pulsos e da sensação em minhas costas...

 Estou com muitos cobertores, me levanto devagar e coloco meu chinelo que está ao lado de minha cama; o ambiente está frio, olho para a janela fechada - deve ser noite - me dirijo ao banheiro e sinto uma dor de cabeça aguda; ligo o chuveiro e espero que a água caia aquecida logo; fecho a porta e penso: “ será que tudo aquilo foi um sonho? E eu dormi demais? ” Esfrego os olhos para enxergar melhor, olho-me no espelho e percebo meu vestido preto um pouco sujo de terra...”então não foi um sonho? O que está acontecendo comigo?”  Bem, só consigo pensar em tomar um banho agora; tiro minha roupa e me dirijo ao box, a água quente percorre meu corpo,  me lavo por inteira e então me sento no chão e abraço minhas pernas, como se isso me protegesse de todo o frio ao redor; a água escorre por minhas costas e eu penso sobre o dia de hoje - em cada fala e em cada ação, quando me lembro do que ocorreu no círculo. Ergo minha mão direita, na altura de meus olhos e vejo algo preto em meu pulso, minha visão está embaçada pelo vapor da água quente, então, trago meu braço para mais perto de mim, e, assim, consigo ver um desenho em meu pulso,  uma lua; passo meus dedos por cima dela e ela não sai,  me levanto e o lavo com sabão, mas não sai; parecia uma tatuagem; desligo o chuveiro e dirijo-me ao espelho, tento tirá-la com tudo que tenho ao meu redor... ela não sai. Apoio meus cotovelos sobre a pia e coloco minhas mãos em minha cabeça, como se pudesse pensar melhor sobre o que fazer;  uma de minhas mãos desce até minha nuca e então me lembro da última sensação; abro a primeira gaveta da pia e pego meu espelho portátil; posiciono-o para que eu consiga ver atrás de meu pescoço,  e, então, vejo algo: outro desenho  de asas roxas contornadas de preto e alguns detalhes em branco; imagino que talvez ele também não saia... é quando ouço alguém bater à porta.