— Meu caro Griffindor, o que sugere é completamente irracional!

O jovem loiro e esguio suspirou exasperado, tentando encontrar apoio nas suas companheiras de mesa. Helga rapidamente desviou os olhos. Havia semanas que a moça se comportava estranhamente ao seu lado, mas por ora preferiu ignorar e investigar mais tarde.

Voltou sua atenção para Rowena. Aí estava uma mulher que sabia usar a cabeça! Ela saberia colocar algum senso nas ideias desmioladas de Godric.

—Talvez "irracional" não seja a palavra que procura, Salazar - a voz firme e contundente da Senhorita Ravenclaw ocupou com autoridade o ambiente. - Acho que seria "inusitado".

—Certamente que não! - Salazar voltou a falar, dessa vez menos afável. - Imagine só, determinar a seleção de Casas com o uso de apenas um Chapéu! Isso é um absurdo. É necessário pelo menos uma prova prática para termos uma noção com quem estamos lidando.

A risada poderosa de Godric veio logo depois. O barítono rapidamente explicou o motivo da graça:

— Você sabe bem o resultado disso, não sabe? Nós iríamos lutar por aqueles que se mostrassem mais promissores.

— É evidente - acrescentou Rowena encarando também Helga. O olhar severo exigia da amiga uma participação mais ativa na discussão.

Helga se remexeu desconfortável na cadeira, como se estivessem lhe aplicando a maldição Cruciatus. Encarou os outros Fundadores de Hogwarts. Havia uma emoção estranha que cobria seus olhos, uma que ela desconhecia. A sede de poder mal disfarçada em cada um deles. Isso ela logo percebeu quando atribuíram rapidamente a qualidade que faria um bruxo melhor que o outro.

Godric, com o seu porte exuberante e energia expansiva logo optou pela coragem. A reservada e calculista Rowena ponderou e escolheu inteligência. O último homem no alto do seu porte e da sua elegância nomeou a ambição.

Será que eles pensavam que estavam sendo discretos? Que ninguém percebia a intenção velada de tranformar a Casa em mero reflexo dos Criadores?

Eles achavam que a enganavam. Mas ela via tão claramente o esforço deles quanto percebia a retórica com que buscavam disfarçar seus interesses vazios. Para que querer ser algo mais do que si mesmo?; isso que Helga não conseguia entender.

—Por que é tão importante para você, Salazar, que o seu aluno já venha pronto? Não confia na sua didática para transformá-lo em um bruxo competente?

Salazar odiou a voz melódica perfurando seus tímpanos. Mas afinal, isso não deveria ser supresa.  Odiava a cascata dourada que caía pesada nas costas de Helga. Odiava cada centímetro do rosto de boa moça. Mas em absoluto, odiava suas alfinetadas banhadas em falsa boa vontade. Aquela mulher poderia enganar os outros com seus olhos redondos, sua expressão assustada de coelho, mas ele era o único que enxergava Helga como ela verdadeiramente era. Sonsa.

—Minha cara Helga, uma cela só pode ser feita de couro. Dê algodão ao melhor artesão e ele não seria capaz de forrar nem mesmo a orelha de um cavalo. Entende onde quero chegar? - perguntou com uma forte dose de desdém.

—Ora, Salazar, apesar de não ter a inteligência em tão alta conta como Rowena, carrego alguma comigo - ela retrucou com frieza, o que foi ineficaz para impedir que a deboche continuasse:

— Ah, pois tenha certeza que eu nem sonharia em insinuar algo diferente.

O sangue da mulher ferveu e ela estreitou seus olhos. Por um instante Salazar achou que finalmente veria do que aquela bruxa era capaz. Mas então ela piscou e sua expressão voltou a ficar serena.

Maldita.

Godric pigarreou, sem entender a tensão entre os dois.

—Pensei que estávamos discutindo sobre a Seleção..

Helga olhou para o chão, aparentemenre fascinada pela forma como o mármore se moldava ao piso. Rowena partiu em defesa da amiga:

— E estamos. Infelizmente para ti, Salazar, a matemática hoje não está a seu favor. Três contra um - comunicou mecanicamente.

O homem em resposta se levantou, abruptamente. Fitou os outros três Fundadores e jurou com rancor:

—Eu não vou permitir isso.

Godric acenou em pouco caso com a mão. Ele tinha o péssimo hábito de subestimar o temperamento difícil de Salazar.

—Lamento, mas não tem escolha.

Com uma última olhada venenosa, o homem puxou a capa com um floreio sombrio.

—Veremos.

E com essa nota enigmática, deixou a sala.

Rowena tamborilou os dedos na superfície da mesa. Helga evitava deliberadamente o contato visual, já imaginando o que viria em seguida.

—Você vai convencer ele - Rowena determinou em tom categórico.

Godric soltou mais uma de suas gargalhadas enquanto Helga uniu as sobrancelhas em desacordo.

—Eu?

— Claro, você é maleável - explicou Rowena sem muita paciência.

—Que emoção! - exclamou Helga laconicamente - assim parece falar de um tecido e não de uma pessoa.

Godric logo a cortou:

— Entendeu o ponto de Rowena - retrucou enquanto fazia carinho na mão da Fundadora da Casa Corvinal.

Essa, por sua vez, trocou um olhar com o noivo.

—Além disso, eu e Godric não podemos perder tempo com isso,  com a festa do noivado e o casamento a caminho.

Helga suspiro longamente. Ergueu-se para a mesa e guardou o Chapéu de couro que repousava na mesa. O objeto ainda reluzia da magia recém-criada.

Mal sabiam os Fundadores que essa seria sua primeira memória. Ele que observava tudo silencioso ficara intrigado com o que acabara de testemunhar. As quatro personalidades distintas mal se equilibravam sem um destempero. Ele previu uma tempestade se aproximando do castelo de Hogwarts, seu berço, e agora seu lar.

Helga apertou o objeto por entre os dedos buscando controlar o nervosismo. Odiava essas brigas, e elas ficavam cada dia mais constantes. Precisava fazer a sua parte para manter a paz no castelo. Prometeu aos amigos:

—Verei o que posso fazer. E enquanto isso, vou manter o Chapéu Seletor em segurança nos meus aposentos. Salazar poderia causar algum dano a ele apenas para ganhar.

Mal sabia ela que o homem seria capaz de muito mais que isso.