Sons escrita por SobPoesia


Capítulo 5
Tentando.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/699998/chapter/5

O dia havia demorado a passar. Alguma coisa sobre a culpa do acidente; sobre estar perdida e confusa com todas aquelas matérias e constrangida com o que havia dito.

A verdade não me agradava, mas era a única que existia.

Não queria voltar com os garotos, então entrei calmamente no ônibus. Coloquei meus fones de ouvido. Aquilo tinha de acabar, até porque, ainda tinha de ir para a escola de surdos.

Mandy se sentou ao meu lado.

—Teve um bom dia? – ela sorriu.

Minha música ainda estava desligada, então consegui a ouvir.

—Não muito – os tirei.

—O que vai fazer mais tarde? Talvez eu possa te ajudar a melhorar o seu dia... A comida da minha mãe ainda é muito boa. – seu sorriso se expandiu um pouco mais.

—Eu ainda tenho serviço comunitário. – suspirei.

—Como? – seu sorriso se fechou.

—Vou ajudar na escola de surdos. Saio de casa as 18 e só volto as 21.

—Eu posso te buscar. – mas rapidamente abriu novamente.

Pela primeira vez, reconheci seu esforço. Sabia que ela se importava, que queria o melhor para mim. Não havia como dizer não.

—Só se pudermos tomar sorvete. – sorri.

Mandy assentiu, então foi se sentar perto de suas outras amigas, que a chamavam interruptamente.

Coloquei meu fone e liguei a música, seguindo o resto da viagem com uma certa paz no coração e Kanye nos ouvidos.

O exaustivo dia estava melhorando. Aquela era a única melhora que eu esperava. Uma ponta de esperança surgiu dentro de mim.

Fui consumida por esse sentimento bom. Tal qual nunca havia sentido antes.

Era tão triste, tão desesperançosa, uma garota que não via futuro em si mesma, se rebelando contra tudo. Não queria ser assim mais. Queria ser aquela sensação boa.

Desci do ônibus e caminhei ao lado do meu irmão mais novo até a minha casa. Nossa mãe estava na porta, como de costume, a nos esperar. Ela bagunçou o cabelo dele, que correu para dentro segurando sua mochila.

—Vai jantar conosco? – ela suspirou.

—Tenho de ir para a outra escola agora.

—Não minta. Você ainda tem pouco mais de uma hora antes. Separei uma roupa mais seria para você em seu quarto, é só tomar um banho e descer, vamos te esperar e comer juntos, como uma família, Francesca. – seu sorriso terno e voz ríspida me consumiram.

Minha mãe estava tentando se conectar comigo. Por quanto tempo ela estava tentando fazer aquilo e eu não tinha notado? Quanto tempo ela estava tentando me tirar das ruas e me trazer para um jantar? Quantas vezes ela me perguntou aonde ia? Quantas vezes me chamou de Francesca, o nome da sua mãe?

Assenti. Que mal teria?

Subi as escadas que ficavam bem à frente da porta. Os três quartos ficavam na parte de cima da casa. O meu era o primeiro a esquerda.

Azul escuro, com um minúsculo closet e banheiro, teto rebaixado, uma cama de casal desarrumada abaixo da janela e uma grande e cheia de papéis escrivaninha. Era pequeno, realmente pequeno, se parecia com uma pequena caverna com cheiro de roupa suja e escuridão, mas era a minha casa, a minha caverna, o meu porto seguro.

Em cima da cama estava uma blusa preta de botões com longas mangas e uma calça skinny jeans escura. Completamente diferente das largas roupas estampadas das quais estava acostumada a usar.

Sabia que não me sentiria bem com aquilo, mas resolvi tentar.

Entrei no banheiro, tomei uma ducha rápida, vesti as roupas e me olhei no espelho. Tinha um porque das roupas largas. Minha barriga se mostrava todas as vezes que algo mais justo entrava em contato com meu corpo. Me sentia gorda, esquisita.

Quem era aquela garota? Ela parecia tão triste, tão assustada. Não era a antiga eu, muito menos esta nova versão que estava criando enquanto o tempo ia passando.

Saí do banheiro. Tinha de haver uma maneira para aquilo ficar melhor... tirei as mangas da blusa, com as mãos. Aquela coisa seria agora tinha ares mais rebeldes, assim como eu. Amarrei qualquer moletom com cor que encontrei em minha cintura, ficando com um blusão xadrez apertando minha barriga, coloquei meu all star surrado e suspirei.

Olhei-me no espelho novamente. Isso era mais algo com o qual eu queria me parecer, ainda que não fosse exatamente isso.

Era suficiente para mim.

Desci para um calmo e caloroso jantar de família.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Sons" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.