Sons escrita por SobPoesia


Capítulo 26
Mãe.




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Demorou algum tempo até que eu recebesse visitas que não fossem policiais – coisa que eu não quero ter de explicar agora.

Primeiro, porque a única visita que eu recebi foi da minha mãe. Não, isso não é uma reclamação. Eu não queria ver ninguém, infelizmente, acho que não queria ver ninguém nunca mais. Sabia, muito bem – por experiências passadas –, o que todos os meninos estavam pensando a respeito de mim, e, nem por um mísero segundo, eu concordava com aquilo ou com a ideia de eles pensarem aquilo de mim. Já Mandy era mais uma questão de vergonha, afinal, como eu ia explicar tudo isso a ela sendo que eu mesma não entendia?

Segundo, porque a minha cabeça não estava boa. Não é uma coisa que eu consiga explicar, mesmo que quisesse; mas algo a respeito de pancadas consecutivas não me permitiam funcionar normalmente. Era difícil compreender, lembrar das coisas, falar frases completas exigia muito mais de mim do que eu estava disposta a oferecer. Precisei de algumas semanas e muita escrita disto aqui para que eu voltasse a perto do que algum dia já fui, ainda que completamente diferente.

Terceiro, porque eu não queria sair para um mundo no qual Steve não estava presente.

E, sim, eu sei muito bem o que vocês estão pensando. Ele era absurdamente abusivo, ele era tóxico, ele me transformou nessa desmorfe que eu sou hoje, porque ele seria tão importante assim para a minha vida, para o meu enfrentar o mundo?

Porque ele era o meu mundo. O meu mundo começou com Steve. Antes dele, eu tinha um mundo de brinquedo construído pelo meu pai e, assim que ele morreu, eu tinha um mundo de drogas e assaltos construídos por Steve. Era imperfeito, era quebrado e era fora do normal, mas era tudo que eu tinha, e, por fim, era tudo que nós tínhamos. E, só por isso, era tão difícil sair daquele limbo.

Recomeçar é uma tarefa difícil.

Mas essa história é sobre recomeços.

Então, quando a minha mãe trouxe algumas roupas que não combinavam juntas na minha mochila surrada e me disse que era hora de sair daquele quarto e ir para o qual supostamente era o meu, eu não estava feliz, mas sabia que era necessário.

Lavei meu cabelo. Vesti coisas largas, pensando no conforto e em como aquilo ia me esconder do mundo. Suspirei. Atos que para mim pareciam repetitivos e cansados.

Minha mãe conversou com médicos e enfermeiras, eu assenti. Ela assinou alguns papéis, e eu sorri de uma forma falsa que fazia meus olhos – já não muito abertos – se fecharem. Uma parte de mim ficou ali. Uma parte de mim estava dentro do caderno com estas palavras tortas e mal escritas jogadas dentro da mochila. Eu suspirei uma última vez.

O sol tocou meu rosto, de uma maneira que, para mim, foi diferente. Sorri, verdadeiramente desta vez. Imaginei–me em cima do meu skate, deslizando por qualquer que fosse a rua que não conhecia. Sem meninos, sem pista. Era um ato de rebeldia e paz pessoal, tão pessoal quanto masturbação.

Nem todas as coisas tem de mudar. Algumas podem ser só parte da sua identidade.

Abaixei a cabeça e entrei no carro, na parte de trás do mesmo.

—Aquele menino ligou para a nossa casa – minha mãe bateu a porta com força.

—Qual? – Olhei para fora, detestava olhar para ela enquanto ela falava.

—Com o cabelão e a tatuagem no braço.

—Chip?

Meu coração bateu mais forte por alguns segundos e se amenizou.

—Sim. Vocês namoravam ou algo do tipo?

—Nada do tipo, mãe.

—Ele pareceu se importar. Disse que foi muito difícil achar o número, já que seu celular sumiu no acidente.

Respirei fundo.

O sol. O motor do carro ligando.

—Eu não quero falar com ele. Ele poderia ter me visitado se realmente quisesse falar comigo.

—Ele não te visitou? – De relance ela olhou para mim no sinal fechado, coisa que só notei de canto de olho.

—Ninguém me visitou, não que eu quisesse, ou que tivessem pessoas para me visitar.

—E o que você quer? – Ela suspirou, focada com os olhos para frente.

Eu não sabia a resposta.

Então parti para a única coisa que conhecia bem, o ataque.

—Você não se importa com o que eu quero, não precisa fingir, mãe.

—Francesca, essas coisas realmente me machucam – ela fungou.

—E você sabe que tipo de coisas me machucam? Porque, infelizmente, eu acabei de passar mais de um mês no hospital e a minha própria mãe veio me visitar no máximo umas cinco vezes. Eu não tenho nenhum amigo que fosse me ver, e o Steve morreu. E, agora, tenho que te ouvir falar sobre as coisas que te machucam? Eu não ligo para as coisas que te machucam! Porque você não liga para mim!

As palavras pulavam da minha boca em sentimentos descoordenados que nem eu mesma sabia que sentia.

Mas era bom tirar tudo aquilo do meu peito.

Era bom gritar olhando para a sua cabeça insatisfeita.

Era bom não soterrar tudo debaixo de algum pano no meu coração.

—O que você quer de mim?! Eu fiz o meu melhor! – Ela parou o carro abruptamente, não que eu realmente me importasse.

—Sinceramente, eu queria que tivesse sido você e não o papai.

Eu não me arrependi.

Eu só...

Disse.

Minha mãe olhou para trás com seus olhos negros cheios de água.

—Eu também queria isso, Francesca. Se isso fosse te fazer sorrir, fosse te fazer ter algum rumo na vida, eu iria. Mas não é a minha culpa, não é a sua culpa, não é a culpa de ninguém. Ele simplesmente foi escolhido para ir primeiro. E eu tenho feito tudo que sei fazer para tentar preencher o vazio que ele deixou, mas nada nunca vai ser o suficiente, nem para mim e nem para você. Então não me culpe, porque não é a minha culpa. E pare de se culpar, porque isso só vai te fazer sentir pior.

Ela respirou fundo.

Eu duvido que em anos nós tivéssemos tido um contato tão intenso, uma troca de olhares tão conectiva. Mas simplesmente aconteceu.

Voltei–me ao recosto do carro.

—Eu quero hambúrgueres. – Sorri, de canto de boca.

—Isso eu posso fazer – ela rodou a chave de ignição.


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