The Scientist escrita por Kizimachi, Luh Castellan


Capítulo 3
Capítulo III - Nietzsche e Cabernets.


Notas iniciais do capítulo

Depois de muito, muito, muito tempo, estou de volta às fanfics. Estive sem a mínima criatividade. Talvez seja culpa da faculdade e da onda poética que me bateu, mas tá aí.



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Nico di Angelo

 

Meu Deus. Várias coisas foram inesperadas na minha vida: Minha vocação para as ciências humanas, a convocação para palestrar no CACH, meu pai vir assistir a palestra e, o pódio até alguns segundos atrás, meu 0.1 na primeira prova de Sociologia (acontece). Mas isso que aconteceu ganhou. Com enorme vantagem.

Eu não tinha fechado os olhos, mas só comecei a processar a imagem agora: Thalia e Percy à esquerda, indo em direção ao estacionamento, algumas pessoas tirando fotos à direita, e, à minha frente, uma loira um pouco ofegante me encarando com seus olhos cinzentos.

— Anna… Annabeth… Eu entendi as análises de Max Weber, de Thomas Hobbes, até mesmo as de Nietzche, mas isso eu não entendi.

Não sei qual expressão fiz, mas, de repente, uma súbita mudança de humor atingiu-a, que falou:

— Quer saber, isso foi um erro, Nico, me desculpe - Encarava o chão e contorcia os dedos freneticamente, numa tentativa de manter as mãos ocupadas. Em seguida, ela virou-se rapidamente e rumou em direção ao estacionamento.

Passei alguns segundos pensando no que fazer e tomei a decisão. A melhor, eu espero. Corri até ela, que já estava no estacionamento e segurei-a pelo pulso, fazendo com que me encarasse.

— Espere, Annabeth. Não foi um erro - ela soltou a respiração, aliviando a consciência, eu imagino. Segurei sua delicada mão com a esquerda e, com a direita, a acariciei. Para minha surpresa, ela não se retraiu. A loira andava me surpreendendo bastante ultimamente. - Olha, eu só não te conheço. E tipo, ter me beijado foi a mesma coisa de começar um livro pelo meio, entende? - Ela sorriu com a analogia - Vai para sua casa agora? Pelo que percebi, sua mãe foi embora ainda no intervalo. Estou magoado com ela, por sinal - a minha dramaticidade a fez rir, quebrando totalmente o clima tenso . - A não ser que você tenha vindo no seu carro.  

— É você tem razão. Não sei porque vim até aqui, não tenho como ir para casa mesmo. Acho que vou pedir um táxi.

— Não! Tenho uma ideia. Que tal irmos pra um restaurante? Aquilo que chamavam de comida lá  dentro me deixou com mais fome, e ainda posso te conhecer. É claro, isso se uma nobre donzela de biológicas quiser sair com esse incompreendido e coitado de humanas.

Seu riso espalhou-se pelo estacionamento.

— Eu adoraria sair com esse incompreendido e dramático de humanas. Deveríamos chamar o casal 20? - Apontou o dedo para o local onde Thalia e Percy se agarravam, encostados ao carro dele.

— Acredite em mim, eles já têm seus planos.

Annabeth olhou novamente para os dois e torceu o nariz.

— Ok, donzela, queira me acompanhar - Em um raro gesto de cavalheirismo, ofereci-a meu braço, que aceitou. Conduzi-a até meu carro, onde abri a porta para ela.

— Muito cavalheirismo da sua parte, Nico. Nem parece o rapaz de outrora, que confundiu meu nome com o de uma boneca satânica.

Ri de leve e dei a volta para o banco de motorista. Liguei o som no aleatório e dei partida no carro, fazendo a rota mentalmente até o restaurante que eu bem conhecia. O caminho estava sendo bem silencioso. Um silêncio aconchegante.

Havia acabado de tocar On Top of the World, de Imagine Dragons e estava começando Ink, de Coldplay. Pelo contraste, resolvi trocar a música, embora eu amasse Ink. Quando coloquei o dedo no botão de passar a música, ela deu um leve tapa na minha mão.

— Deixe aí. Então… Além de Imagine Dragons e Coldplay, do que mais você gosta?

— Green Day, Foo Fighters, Muse… Ah, e Tool e Pink Floyd. Me ajudaram muito em vários trabalhos. Sabe, rock progressivo.

A garota revirou os olhos.

— Tudo seu é relacionado a escola e trabalhos? - Alfinetou.

— Tenho que construir meu futuro, Annabeth. Ninguém vai fazer isso por mim.

— Eu sei, mas você não me vê falando de conceitos médicos a cada duas frases.

— Aí é que está a importância das ciências humanas! Tudo gira em torno delas. Por exemplo, todas as ciências que conhecemos hoje vieram da filosofia.

— Blá blá blá Sócrates, blá blá blá Platão - Ela abria e fechava a mão como se imitasse um fantoche.

— Eu tenho fé que você lidará com vários dilemas filosóficos numa mesa de cirurgia, Annabeth. Ou, até mesmo, se algum paciente perder a vida na sua frente.

Ela olhou para mim e sorriu com deboche.

— Não precisa ficar com raiva, Aristóteles Jr. Estou só tirando com a sua cara. É fofo quando está irritado e franze o cenho, como uma criança que acabou de perder o do…

Coloquei a mão direita na sua boca.

— Shiiiu, essa é a melhor parte da música.

Annabeth cruzou os braços como uma criança emburrada.

— Quem está parecendo a criança agora? - Perguntei, triunfante.

Ela me ignorou e ficou tamborilando os dedos na janela, no ritmo da música, por um tempo.

— Para onde estamos indo, afinal? - Quebrou o silêncio.

— Estamos com fome, acho que vou te levar para uma farmácia.

Ela me devolveu um olhar de tédio.

— Me refiro ao nome do lugar. Mas se bem que não é uma má ideia, comprar seus remédios controlados que já devem ter acabado.

— Hilário, Annabele, hilário.

— Annabele é o caralho - Suas bochechas ficaram vermelhas, como acontecia quando ela estava zangada.

— Sabe, você está cada vez me surpreendendo mais, Annabeth. Nunca pensei que ouviria um palavrão vindo da boca de alguém como você, sempre acostumada com sucrilhos no prato.

A garota suspirou e desviou a atenção para o celular.

— Não espere ouvir com frequência, isso só acontece em situações meio extremas - Falou enquanto digitava.

Em seguida, um certo silêncio pairou. Resolvi quebrá-lo.

— Então… E quais são as suas bandas favoritas?

— Sou meio eclética, na verdade. Na minha playlist você encontrará de Taylor Swift à Green Day. E eu poderia passar horas enumerando minhas bandas preferidas. Ah, também tenho um certo gosto por música brasileira. Acho idiota o preconceito que as pessoas têm com os cantores de lá, sabe? Brasil não é só Michel Teló e Ivete Sangalo.

— Eu gosto muito de uma banda brasileira: Nação Zumbi. Na verdade, pesquiso muito sobre o Brasil, e sei que essa banda representa grande parte da cultura da região Nordeste do país. É fantástica. Ah! Estava muito ocupado enchendo seu saco e esqueci de responder. Vamos ao Spice Symphony. Gosto muito do restaurante, e deixo para ir em momentos especiais.

— Uau, me sinto especial, nesse caso - falou, com um meio sorriso nos lábios.

— Não é todo dia que fico sem reação por algo.

— Não é todo dia que vejo um jovem de humanas que não é “estilo vender miçangas na praia” e que dá uma palestra incrível como aquela.

Revirei os olhos e complementei:

— E eu pensando que a preconceituosa era Thalia…

Ela riu e empurrou de leve o meu ombro.

— Estou te zoando, você sabe.

— Também tenho fé que um dia você precisará de mim para algo e irá implorar por isso. E acabamos de chegar - Parei o carro em frente ao restaurante, onde um grupo de manobristas esperava por clientes. - Não vou abrir a porta dessa vez. A cota de cavalheirismo acabou, por ora.

Ela ergueu as duas mãos para o alto, rendendo-se.

— Tudo bem, não brinco mais.

Então abriu a porta e saiu, alisando as dobras do vestido. E eu não deveria estar olhando fixamente para sua silhueta, ou para os pontos em que o tecido colava-se ao corpo, com certeza não deveria. Entreguei a chave do carro a um dos manobristas e conduzi a loira até a entrada.

 

Annabeth Chase

 

O nome “Spice Symphony” tomava toda a entrada, iluminado por leds. Um maitre abriu uma das portas de vidro educadamente para passarmos. Lá dentro, paredes revestidas com madeira davam um clima aconchegante ao local. Várias mesas já estavam preenchidas, o que me fez deduzir que era um restaurante bastante procurado. Uma moça de roupas brancas e coque impecável nos conduziu até uma mesa vaga, numa das laterais do recinto.

A mesma moça quis puxar a cadeira quando fui sentar (visto que meu acompanhante não se manifestou para isso), mas a dispensei educadamente. Tenho membros perfeitamente saudáveis.

Encarei o menu cheio de nomes desconhecidos. Eu não era muito fã de comida indiana.

— Então… o que vai querer, senhora Chase? - Nico indagou-me, sentado despojadamente na cadeira, com uma certa cara de tédio.

Ergui uma das sobrancelhas.

— Alguma sugestão?

— Nunca peço a mesma coisa. Sempre peço o “prato do dia” ou coisas do tipo.

Voltei-me para um garçom que eu nem havia notado até aquele momento.

— Traga-me a especialidade da casa. O mesmo para o sr. Di Angelo - Encarei-lhe e ele maneou a cabeça em confirmação.

— Então, Annabeth, fale-me mais sobre você.

Cruzei as mãos sobre a mesa.

— Não há muito o que falar. Vinte e um anos, quinto período de medicina…

— Por favor, poupe-me dessas partes sonolentas. Me fale sobre você de verdade. Hobbies, seu livro de cabeceira, quem você é quando está na frente dos amigos, essas coisas.

Franzi o cenho diante desse novo questionamento.

— Gosto de ler, rabiscar um pouco… Atualmente estou lendo “O universo numa casca de noz”, gosto de variar e sair da minha zona de conforto, mas geralmente curto um bom romance. Enfim, não tenho nada de especial - Baixei o olhar para o tecido da mesa - Sou apenas uma universitária comum.

A ânsia pela sua resposta me incomodava, mas o que acabou incomodando mais foi o tempo até ela sair da sua boca. Ele ficou me encarando, como se me estudasse. E talvez ele estivesse mesmo fazendo isso, constatei com um suspiro ao lembrar do que ele cursava.

— Presumo que você deve ter passado grande parte da sua adolescência em casa, saindo apenas quando necessário...

— Sim, nunca fui muito de sair. Só um acampamento de verão vez ou outra, para onde Thalia me arras…

— … mas isso não é desculpa para não contar sua história. É nessas condições que aprendemos mais sobre nós mesmos. Me parece que há algo que marcou sua passagem. Não sei se bem ou mal, mas creio que foi um período duradouro.

— De cientista social, agora é médium? - Brinquei. - Você falou igualzinho à cigana que pedia para ler minha mão, quando eu pegava o metrô. Tudo bem, o que você gostaria de saber sobre mim especificamente?

— Não vou te limitar, Annie. Fique à vontade.

Suspirei, deixando as mãos caírem sobre a mesa. Meus dedos brincavam com a taça vazia enquanto eu decidia por onde começar. Para um momentâneo alívio da minha mente, o garçom chegou com o vinho e despejou-o precisamente nas duas taças. Mas Nico em nenhum momento tirou seu olhar obscuro e desafiador de mim. Ele ansiava por aquilo, então resolvi contar-lhe a vida de Annabeth Chase.

Desabafei sobre uma infância e adolescência cheia de cobranças, sobre como minha mãe depositou atenção redobrada sobre mim após o rompimento com meu pai.

— É como se... Nada fosse bom o suficiente para ela. Nada de B’s nas notas. Meu boletim só deveria estampar A+. Nada de elogios, no máximo lábios franzidos e olhar de "razoável, mas poderia melhorar". Eu deveria ser a filha perfeita. Mas não a culpo, ela realmente passou por momentos difíceis. Ficou mais fria, distante. Dedicou-se intensamente à carreira. Concluiu o doutorado e não esboçou nenhuma emoção quando meu pai casou-se novamente. E fazia vista grossa comigo. Nada de festas, namoros, baladas... Minha vida sempre foi meio que um carrossel: de casa para a escola, a mesma rotina monótona, girando… Quando eu recebi as cartas de aprovação para todas as 15 faculdades que me inscrevi, foi a única vez que a vi realmente orgulhosa.

Beberiquei um gole de vinho antes de prosseguir. Nico ouvia a tudo atentamente, absorvendo cada palavra que saía da minha boca.

“Acabei escolhendo ficar por aqui mesmo... E a Hunter tinha uma boa reputação e estrutura para o meu curso. Um pouco da cobrança diminuiu depois disso. Acho que ela finalmente percebeu que cresci, entende? Tipo, "meu trabalho está feito por aqui" ”.

De um jeito inesperado, ele colocou sua mão sobre a minha, alisando-a carinhosamente. Aquele mesmo olhar não se desfez, e foi somado a um belo sorriso confortante.

— Vejo que toda a cobrança, ou até mesmo chatice, algumas vezes, dela teve resultado, Annabeth. Perguntei um pouco de você à Thalia, e o relatório dela somado a esse nosso…- Hesitou ao pronunciar a palavra - encontro me diz que você é uma pessoa sensacional. Darei os parabéns a senhorita Atena. E aproveite sua vida agora, já que é sua chance - Ele falou, jogando os braços pra trás e se espreguiçando.

Não pude evitar de enrubescer um pouco. Em parte pelo elogio, em parte por saber que ele foi perguntar de mim à minha prima. Uma pequena pontada de pânico surgiu depois dessa constatação. Sabe-se lá o que aquela doida falou de mim.

— O que você perguntou à ela sobre mim? E por que você fez isso? - Deus. Acho que mostrei um certo nervosismo.

— Relaxe, Annabeth. Você apenas me deixou… intrigado.

— Isso é um elogio? Sinto-me lisonjeada - Falei de modo mais brincalhão. - E sim, estou tentando aproveitá-la ao máximo - Debrucei-me na mesa e apoiei o queixo nas mãos, tentando enfatizar a frase.

— Como, por exemplo? - A curiosidade do di Angelo parecia não ter fim. Mas não era algo ruim, além de realmente parecer uma curiosidade sincera, e não aquelas perguntas forçadas. Mais tarde tomarei vergonha e começarei a perguntar sobre ele. Afinal, eu ainda não sei nada sobre ele, enquanto ele parece adentrar mais e mais em cada detalhe meu.

— Bem, estou lendo mais livros e...

— Ah, não, Annabeth, livros não - Sua reação surpreendeu-me.

— Co… como assim? Pensei que você adorasse livros pelo seu curso e…

— Exatamente! Gosto muito de livros, mas sejamos objetivos, estou falando em diversão de fato, tipo sair por aí e coisas do tipo.

— Ah.

— E…?

— E o quê?

— Como está aproveitando sua vida?

— Ah, é, desculpe. Sabe, é como te disse, não saio muito.

— Entendo. Prometo que vou mudar isso em você. Promessa de mindinho - com uma cara extremamente séria, como alguém que fazia um juramento perante um tribunal, Nico me estendeu seu dedo mindinho. Com um sorriso de leve, estendi o meu e entrelacei no dele.

— Agradeceria muito por isso. Às vezes acho que vou enlouquecer - como num roteiro de cinema, após o estabelecimento da promessa de mindinho, o garçom chega com a comida. - Nico, fale-me mais de você. Você já sabe ou deduziu tanto sobre mim e eu estou olhando pra um abismo, e, se bem me lembro, Nietzsche dizia que “quando você olha por muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”.

— Uau. Depois dessa frase, estou pensando seriamente em te pedir em casamento, Annabeth Chase - após uma leve risada, continuei:

— Então, quais são seus livros, séries e filmes favoritos?

— Crime e Castigo, de Dostoievski. Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche. Paraíso Perdido, de John Milton. E A Náusea, de Sartre. Sobre os filmes, gosto muito de O Homem Duplicado, Who Am I, A Onda, The Philosophers e… - a nossa conversa se estendeu por mais uns 90 minutos. Enquanto comíamos, Nico respondeu minhas perguntas, me questionou mais e falamos um pouco sobre nossas famílias e metas de vida.

Nico insistiu em pagar a conta, mas eu fiz um baita drama, convencendo-o a dividir. No caminho para minha casa, conversamos um pouco sobre a cidade, e, ao chegarmos em frente a mesma, ele parou o carro e abriu a porta para mim. Percebi, pelo espaço vazio na garagem, que minha mãe não estava em casa. Deveria estar em uma reunião. Ou num encontro, quem sabe...

— A cota de cavalheirismo voltou, Nico?

— É verdade. Esqueci disso - rimos juntos e um leve silêncio tomou o momento.

— Escuta, quer entrar? Tem alguns cabernets sobrando.

— Claro, adoraria, Chase. Depois de você - e apontou a porta da casa.


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Notas finais do capítulo

Boa leitura.



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