O que eu quero dizer a você! escrita por Cássia Novaes


Capítulo 1
Capítulo Único — O que eu quero dizer a você


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal. Tudo bem?

Essa é uma história que eu sinceramente senti o dever de criar, pois na minha opinião ela é muito necessária. A ideia já havia vindo alguns tempo atrás, porém, após assistir os videos maravilhosos de jout jout, eu finalmente estou postando ela.

Boa Leitura!



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Lá fora chovia muito desde a madrugada. Uma tempestade que não parecia ter um fim. Pelo aviso no noticiário, essa tempestade — já prevista para essa época do ano — fez grandes estragos. Fechou pontes e grande parte da serra cedeu pela manhã. Considerando que eu havia acordado há horas, permaneci deitado, sozinho na cama. Meus pensamentos variam entre o tempo chuvoso e Thomas, sabendo que esse mau tempo atrapalharia sua chegada.

A porta da frente de casa rangia. Acordei por conta daquele barulho irritante e do cotejar constante no telhado. Cansado daquilo levantei irritado, encostando a porta com uma cadeira.

As cortinas já estavam completamente molhadas por conta do vento forte, que trazia a água para dentro, atravessando a janela furada. E mais uma vez eu me arrependia por optar morar em uma casa tão velha como essa. Como a casa havia sido um presente de Boas-vindas a cidade da vovó Green, eu aceitei de bom grato. Feliz por ter um lar. 

Calçando os chinelos eu caminhei até o banheiro, lavando o rosto com um pouco de água fria. O cabelo castanho escuro caía por sobre os olhos, lembrando-me que hoje seria o melhor dia para cortá-los. Escovei os dentes e em seguida conferir se todos os medicamentos estavam seu sua devida ordem.   

Antes mesmo que eu chegasse a cozinha, minha cadela Nana pulou em cima de mim. Latindo alto e apoiando suas patas sujas na calça do meu pijama, azul-claro. Pedindo desesperadamente sua comida.   

— Calma, garota — acariciei seus pelos curtos e avermelhados.

Nana é um Mastiff inglês de porte grande e babona. Ela veio marcando o piso inteiro de madeira com suas patas imensas e molhadas. Prevendo seu alvoroço, servi de uma vez sua comida, colocando uma porção boa em sua tigela, perto da pia.  

A porta da frente tinha uma escapatória, por onde ela se espremia durante a noite, pois isso as patas sujas de lama.

Apesar da sujeira no piso ela estava fazendo a coisa certa. Era melhor suas patas sujas do que outras coisas em casa. Mesmo chovendo, Nana segue obedientemente a ordem de dar uma pequena volta pelo jardim todas as manhãs. O lugar certo, para certas necessidades.

Enquanto o meu café amanhecido era fervido eu dedilhei algumas notas sobre o piano de cauda no meio da minha sala. Relembrando os ensinamentos do meu pai, Charles Green. Ele falava com sua voz calma as melhoras notas para se tocar. E desde de muito pequeno eu sentava-me ao lado dele e observava sua melodia encher a casa enquanto seus dedos hábeis iam dedilhando as teclas com delicadeza. Lembro-me muito bem de todas as manhãs de domingo, quando meus irmãos e eu acordamos sempre com o cheiro delicioso de bolo e biscoitos. Que nossa mãe preparava todas as manhãs de domingo.

Alegria e mais alegria era celebrado lá dentro, fazendo com que tivesse certeza de que deveria prosseguir com a música. Uma carreira não tão fácil, porém, proporcionando uma alegria esplendorosa diariamente. Para mim era um prazer entrar eu meu próprio mundo e me alegrar com as melodias de Debussy ou Bach.   

A vida simples na cidade conservadora de Jackson, no estado de Ohio, Columbus — não deixou que os meus sonhos fossem extintos. Fui para a Juilliard School, em Nova York. Mas voltei para a pequena cidade escondida e extremamente calma, onde minha família sempre morou. Agora eu dava aulas de música em uma escola particular que criei na cidade. Grande parte dos meus alunos são crianças pequenas, entre 5 e 9 anos. Fazendo muitas das vezes as vontades de seus pais.   

Minha irmã aprendeu a tocar violino dessa maneira, entretanto, depois de um tempo ela acabou se divertindo e acabamos fazendo até mesmo algumas apresentações na Forest Hill High School, quando éramos mais novos. Sua carreira agora havia mudado desde que ela se mudou para Califórnia. Olívia optou seguir a carreira do cinema, sendo a melhor roteirista do universo. Isso eu dizia com orgulho. Meu irmão mais velho, George, nunca admirou história de arte, escolheu cursar direito. Hoje em dia ele mora em Indiana, com sua esposa e filho. Os vejo frequentemente devido à pouca distância. Já Olívia eu encontrava nas festas de natal e comemorações mais intensas.   

Optar por voltar a morar aqui em Jackson não foi muito fácil. Minha avó por parte de pai estava doente devido algumas complicações causadas por conta de uma simples cirurgia. Meus pais estavam longe em uma viagem de férias e eu me ofereci de bom grato, prevendo ser apenas um breve período. Porém, ela acabou falecendo no começo de maio. Arrasando totalmente a nossa família.  

Uma das vantagens de continuar aqui em Jackson, foi que logo em seguida eu conheci, Thomas. Ele também era professor. Dava aulas de filosofia na escola principal da cidade. Apesar disso, nos conhecemos ao acaso enquanto eu fazia compras no mercado local. Ainda de luto eu procurava um pão integral, meio perdido na sessão de pães por ser novo na cidade, quando esbarrei com ele no corredor. O cabelo cor de mel estava caído sobre os ombros, um pouco mais compridos naquela época. E os olhos verdes acinzentados que me fitaram, se atentaram no meu rosto com curiosidade, enquanto eu lhe pedia desculpas, envergonhado.

Constrangido, eu abaixei a cabeça e sai literalmente correndo de lá.   

Pensei comigo mesmo: 

“Aquela não era a hora certa de se apaixonar, Ian."

Não por um homem tão bonito, alto e desconhecido, mas sendo um romântico convicto e apaixonado pelas palavras de Shakespeare, soube muito bem reconhecer e sentir como era se apaixonar com apenas um simples olhar. Aquilo que aconteceu, como Thomas sempre diz: foi amor à primeira vista.   

Demorei muito tempo para encontrá-lo de novo. Já que nossas rotinas não faziam conexão uma com a outra. E novamente com as mãos do destino entraram no controle. Totalmente ao acaso eu o encontrei em uma apresentação que alguns dos meus alunos fizeram na escola de Van Winkle, onde ele dava aulas. Ele se aproximou de mim, tímido, fazendo com que eu quase enlouquecer com seu perfume. Thomas se apresentou e elogiou meu trabalho com os alunos.

Ele pronunciava as palavras com muito cuidado e eu soube naquele momento que ele estava nervoso. Lhe fiz um breve elogio também, agradecendo por receber o convite de estar presente ali em pleno sábado. Muito gentilmente e com receio eu o convidei para jantar antes de ir embora naquela noite. Meu rosto ficou corado e meu coração tremeu com seu sorriso, sincero, meio de lado. Se ele fosse hétero poderia estar apenas sendo cortês, mas aliviado com seu sim, programei tudo antecipadamente.  

Depois daquele encontro singelo vieram outros e quando dei por mim, Thomas já fazia parte da minha vida.   

Alguns meses atrás ele recebeu uma grande oferta para dar aulas em uma escola particular em Portsmouth. Com um salário maior e aulas agendadas em períodos flexíveis. A escolha, apesar das viagens, foi fácil.   

Alienado em pensamentos não vi a hora passar. Após saborear meu café da manhã, tomei a  incumbência de organizar a bagunça daquela casa. O espaço era até mesmo grande. Havia dois quartos. Um banheiro espaçoso e uma cozinha integrada com a sala. A lareira velha era de grande ajuda nos dias de neve. O piso era velho. As paredes estavam prestes a cair, mas aquele era o lugar que eu podia chamar de lar. Ainda mais depois que Thomas havia se mudado. Uma decisão que de início me deixou desconfortável, apesar de ter sido um consenso entre nós dois. Minha única aflição era — como eu iria contar sobre aquilo? Era necessário agora, eu pensei.   

Enquanto organizava tudo, meu celular vibrou sobre a bancada perto da pia, anunciando uma mensagem. Era de Thomas, dizendo que chegaria em breve. Pensando em mil possibilidades, preparei até mesmo o almoço. Filé de frango grelhado, acompanhado de batatas asterix recheadas com manteiga. E, esperando ele eu voltei ao piano.   

Assim que a porta rangeu com Thomas abrindo ela, Nana correu latindo alto para recebê-lo. Pude ouvir a alegria dele pela recepção de nossa cadela babona e sorri continuando a tocar. Como sempre, seu perfume inundou a casa antes que seu tom de voz suave, de barítono, enchesse o lugar. E eu me alegrei ainda mais quando senti suas mãos dançarem pelos meus ombros, fazendo uma breve massagem.

— Olá, meu amor — ele me abraçou por trás enquanto seus lábios encontraram minha bochecha, depositando um beijo suave e muito rápido.

Pausei as notas no piano automaticamente e ao sentir a maciez de sua pele conforme meus dedos deslizavam pelos músculos definidos de seus braços, fortes. 

— Essa chuva atrapalhou um pouco — ele disse, calmo. 

— Imaginei. Precisamos começar as reformas dessa casa ou você irá me encontrar soterrado aqui dentro algum dia desses — sua risada era reconfortante.

— Daremos um jeito nisso em breve, tudo bem? — minha mão conseguiu alcançar sua nuca, puxando seu pescoço até que encontrasse seus lábios molhados.

— Eu senti saudades — sussurrei tomando fôlego.  

— Também senti — ele proferiu de volta para mim — Tenho que voltar ou voltar somente na quarta-feira. Teremos o feriado e o começo da semana juntos — disse.

— Isso é bom — isso soou como sussurro.

Seu beijo calmo demonstrava sua saudade. Era incrível a forma como Thomas atuava sobre meu corpo. Sendo cauteloso e voraz em simultâneo. Fazendo com que eu me apaixonasse por ele diariamente. Seu jeito tranquilo e calmo se adequá perfeitamente com o meu jeito às vezes um pouco estourado. Até sua família se parecia com a minha. Com relação à harmonia, devo ressaltar, pois, ao invés de ter dois irmãos malucos como eu, Thomas tinha apenas um irmão mais novo, Peter. Seus pais, vindos de uma linhagem simples, agora viviam no Canadá. No entanto, esses eu ainda não havia encontrado.   

Aquele certo medo ia e vinha conforme o tempo. Eu sabia que deveria ser sincero com ele, pois ele sempre era comigo. Já estávamos construindo uma vida juntos. Porém, o medo dele ir embora crescia com a coragem, diminuindo ela a nada depois de um tempo.

Para mim, nossa paixão era tão enlouquecedora e forte — não que eu duvidasse desse amor, mas, tão diferente seria sua vida ao meu lado. Que talvez ele não suportasse ficar.    

O final daquela noite chegou com ambos deitados na cama. Posicionado de barriga para cima, eu observava seu lindo rosto, aconchegado a ele, enquanto Thomas assistia seu programa preferido na TV — Football Night in América. Ele se mantinha quase que na mesma posição que eu, mas, com um dos joelhos flexionados junto ao corpo. Entrelacei nossas mãos e olhando para o teto eu respirei bem fundo e então falei de uma vez.

— Eu preciso te contar uma coisa, Thomas — falei em um tom suave, respirando profundamente.

— Hum? — seus olhos se mantiveram na televisão, concentrado  

— Faz algum tempo que eu quero te contar, que eu tenho… Tenho AIDS, Thomas — eu não respirei depois que falei isso.

Para mim, foi como se o mundo tivesse se alargado, como uma mola elástica e não houvesse voltado mais. Thomas ficou em silêncio, sem responder e eu até mesmo duvidei se ele havia mesmo escutado o que eu disse. Eu não teria coragem de dizer aquilo de novo. Disso eu tinha certeza. Forcei-me a voltar a respirar quando senti ele puxar nossas mãos, entrelaçadas, ao encontro do seu peito.   

— Tudo bem — foi o que ele disse.    

— Tudo bem? — questionei um tanto na dúvida se ele havia mesmo escutado o que eu disse ou se a televisão estava mais interessante para que ele assim tivesse absorvido minhas palavras.  

— Sim — falou de forma natural outra vez.

Thomas ainda não havia olhado para mim, mas apesar de ainda olhar para frente, percebi que seus olhos não estavam mais na TV. No entanto, fiquei apreensivo à medida que ouvia suas doces palavras.   

— Cientificamente estamos ambos aqui deitados. Um ao lado do outro, apenas nós dois, certo? Ian e Thomas. Não existe mais ninguém aqui, existe? — dessa vez ele perguntou olhando nos meus olhos. Seu cabelos, cor de mel estava bem mais curto como de costume. E seus olhos sobre a luz mínima do quarto se transformaram em um tom de mel aguado.  

— N-não... — minha voz falhou.  

— Existe sim — ele me contradisse — O conhecimento. A informação de que você pode e terá a melhor vida possível. Uma luta diariamente, claro. Mas sabendo que vamos viver eternamente juntos.  

— Você sabia, não é? — ele esboçou um sorriso tímido.  

— Sim, afinal nunca vi ninguém se preocupar tanto com coisas básicas.

— Eu sinto muito.  

— Sente muito pelo quê? — uma ruga se fincou em sua testa lisa. Estendi a mão, desfazendo ela.

— Por tudo, eu sei que deveria ter contado isso antes e...

— Você não tem a obrigação de contar isso para ninguém, Ian. Não diga isso.  

— Mas... como ficamos agora, então? Isso… Algo muda pra você?

— Claro que não — ele riu — Vamos ficar como sempre ficamos. Se amando.  

 Aquelas palavras confortaram meu coração, me fazendo perceber que o amava ainda mais do que imaginei. E que ele me amava também apesar de tudo. Aquele medo foi desnecessário. A única coisa que eu pude dizer naquele momento foi:   

— Eu amo você.   

 

 “Há aqueles que lutam um dia; e por isso são bons;  

Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;

Porém, há aqueles que lutam toda vida; esses são os imprescindíveis."

— Bertolt Brecht.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem! Se gostaram, comentem, ficarei muito feliz com isso. ♥
Um grande beijo!



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