Muito Além de Mim escrita por Mi Freire


Capítulo 9
Meu amigo está com problemas.




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Arrastei o Eli para a praia já que ele finalmente estava de folga e não tínhamos nada melhor para fazem além de ferver dentro daquele minúsculo apartamento com uma única janela. Andrew e seus amigos já estavam por lá. O dia está lindo, porém muito mais quente que qualquer outro que já presenciei aqui. Não surpreende que a praia esteja tão lotada.

Assim que chegamos ao calçadão, puxo meu celular de dentro da bolsa de ombro e envio uma mensagem para o Andrew perguntando onde exatamente ele está.

Eu já falei muito sobre o Andrew com o Eli, deixando de fora somente os detalhes desnecessários. Então, é a primeira vez que eles se veem pessoalmente e são devidamente apresentados.

Meus dois homens preferidos no mundo.

— Eu não acredito que você vai ficar lendo, enquanto o seu homem está surfando e dando um show.

Sorrio e afasto o livro do meu campo de visão.

— Eu preciso terminar de ler esse livro que comprei recentemente, Eli. Preciso desenvolver a minha escrita.

— Eu pensei que você estava a todo vapor!

— Por isso mesmo! 

Acabo aceitando o conselho, até porque tenho todo o tempo do mundo para terminar de ler esse livro. E tudo que importa agora é que o Andrew é realmente muito bom no surf. Muito ágil, habilidoso. Parece até um profissional.

Estou orgulhosa, porque pensei que ele só tinha me dito sobre o surf para me impressionar. Mas eu me enganei.

— Ele é biólogo, salva animais, surfa muito bem, gosta de escrever cartinhas e bilhetes, te dá chocolates e mimos, é bonito, tem um corpão incrível, um cabelo bom, olhos lindos, uma pele fantástica.... Qual é mesmo o defeito dele?

— Bom, até agora não encontrei nenhum. – Admito.

— Ah, meu Deus. Não é possível que esse homem exista! Será que estamos em um sonho? Como faz para pedir um desses para mim?

— Acho melhor não tirarmos conclusões precipitadas. Até porque estamos juntos há pouco tempo. Nunca se sabe o que vem depois.

— É. E não dá para ficar melhor que isso. Ou será que dá?

Continuo sorrindo enquanto Eli tagarela ao meu lado e olho na direção no Andrew no mar com sua prancha quase sem piscar.

Noah volta do mar um pouco antes do Andrew. Ele também surfa, mas não é tão bom quanto o meu namorado. Meu namorado. Ainda é difícil me acostumar com essa palavra. Mas sei que vou acabar me acostumando rapidinho.

Mason aparece logo depois. Ele comprou umas batatinhas rusticas tamanho família e trouxe alguns refrigerantes.

— Será que o Noah é gay? – Eli pergunta baixinho no meu ouvido.

Como se os meninos fossem entender nosso português...

— Não sei. Andrew e eu não conversamos muito sobre os dois. E eu não tive muitas oportunidades de falar com eles.

— Tente descobrir, então.

— Mas você não está com o Fernando?  

— Sim, só que não é nada muito sério. Como eu já ressaltei um milhão de vezes. – Ele revira os olhos de maneira divertida.

Quando Andrew finalmente volta para perto de nós, ele se senta ao meu lado, passa o braço molhado em volta dos meus ombros e me beija na bochecha.

— Está se divertindo, Eli? – Pergunta Andrew, em inglês. Acho que ele não quer que os amigos se sinta excluídos.

— Não sou muito fã de praias. – Comenta Eli, com toda sua sinceridade de sempre.

Fazer o que? Ele é assim. Não esconde nada.

— Ah, não vai me dizer que você também não sabe nadar. – Andrew brinca, fazendo todos rirem.

Dou um soquinho nele, achando graça também, apesar de todos já saberem do meu pequeno segredinho.

— Não. Eu sei nadar muito bem. O problema é que eu não gosto muito da combinação de água mais areia. Estraga a minha pele e meu cabelo!

Dou uma risadinha.

Só o Eli mesmo para dizer uma coisa dessa.

— Mas e você, quando foi que aprendeu a surfar desse jeito? – Perguntou Eli ao Andrew.

— Aprendi logo depois de conhecer o Noah. Foi ele que me ensinou. Eu aprendi rápido e me apaixonei logo de cara.

— Sério que foi ele que te ensinou? Porque você é visivelmente melhor do que ele. – Eliezer provoca.

Dou um cutucão nele e faço cara feia de reprovação.

— Tudo bem. Ele tem razão. Eu não sou tão bom quanto gostaria. – Noah se defende, levando tudo numa boa. Ainda bem que ele é um cara legal.

Não tinha como ser diferente: Eli e Andrew se deram super bem. Por um momento fui até excluída, porque os dois só conversaram entre eles sobre vários assuntos aleatório. Principalmente sobre mim. Andrew queria arrancar informações valiosas do Eli que entregou quase tudo sobre mim que eu gostaria que o Andrew não soubesse. Pelo menos não ainda.

— Você sabia que o nome dela não é Nina e sim Nikolina?

— Por quanto tempo você ia esconder isso de mim? – Pergunta Andrew com um sorriso brincalhão.

— Você sabia que ela não é muito de lavar as próprias meias?

— Ei! Isso não é verdade. – Defendo-me.

— Bom, ela até lava. Não vou negar. Mas ela tem mania de andar com elas pelo chão. Por isso estão sempre encardidas.

— E o que mais você pode me contar sobre ela?

— Muitas coisas. – Eli sorri maliciosamente.

Tudo bem. Acho que consigo lidar com isso. Até porque Andrew iria acabar notando essas coisas em breve.

Não tem como escapar quando se entra de peito aberto em um relacionamento.

Deixo eles conversarem e aproveito para conhecer melhor os garotos que ainda estão por ali. Acabo descobrindo que o Noah não tem namorada. Nem namorado. Já o Mason tem uma quedinha por uma colega de trabalho que ele acredita que é bonita demais para o caminhãozinho nele. O que digo que é bobagem. Porque ele é um cara bacana e merece o melhor. Só precisa se convencer disso como venho tentando me convencer.

Já é quase noite quando resolvemos ir embora. Vou na frente com o Andrew e o Eli fica mais atrás, puxando conversando com os outros dois.

— Você não quer ir lá para casa agora? – Andrew pergunta de repente.

— Ah, não sei. Estou toda grudenta. Acho que não seria uma boa ideia. – Tento me justificar.

— Sabe, lá em casa nós temos chuveiro também. E temos toalhas limpinhas.

Sorrio para ele.

— Assim você me convence fácil.

— Se quiser, pode chamar o Eli. Podemos pedir algo para o jantar.

— Vou ver com ele.

Andrew vai para o carro e eu espero o Eli parar de tentar xavecar o Noah que pela cara não deve estar entendendo nada.

— Quer ir para casa dos meninos?

— Agora?

— Sim...

— Não vai dar, não. Marquei de sair com o Fernando.

— Uau! Você é rápido, hein.

Nos despedimos e ele se vai, sozinho.

Tomo um banho quentinho e visto a regatinha reserva que estava dentro da minha bolsa, mais o shortinho que eu já estava usando, apesar de estar um pouquinho sujo.

Andrew me espera sentado em sua cama também já de banho tomado e uma roupa limpinha cheirando a sabão.

— Fiz isso para você. – Ele me entrega uma tijelinha.

— Brigadeiro?

— Você não gosta?

— Eu amo! Só estou... Surpresa!

Uma das coisas mais difíceis de se viver em outro país é se adaptar as comidas que você nunca tinha visto antes em toda vida e a falta que algumas das nossas comidas fazem: brigadeiro, coxinha, paçoca. Não são coisas que eles comam aqui e até desconhecem. O que parece um absurdo, mas não é.

— Mas... Como você conseguiu? – Sentei-me ao lado dele sobre o confortável colchão de casal.

— Eu mesmo fiz. Comprei alguns ingredientes dias atrás, num mercadinho aqui perto que vende de tudo no mundo.

— Nossa! Você precisa me levar nesse lugar.

Depois de conversarmos e devorarmos o brigadeiro em dois segundos, nós nos deitamos, nos beijamos um pouco e acabamos adormecendo de uma hora para outra.

No dia seguinte, vamos ao Clube e aproveitarmos para colocar minhas aulas de natação em dia. Dessa forma, o dia passa rápido e quando dou por mim já é outro dia. Mais um dia de aula e trabalho duro no Café.

Na quarta-feira o Mr. Wilson apareceu com uma surpresa.

— A partir de agora teremos um novo funcionário. Meninas, quero que vocês conheçam Josh Wilson.

As meninas e eu ficamos de boca aberta. Não podíamos acreditar que o que víamos era real. O filho do Mr. Wilson trabalhando aqui com a gente? E porquê? Como? Nem sabíamos que ele tinha um filho. Foi só mais tarde que através do próprio Josh acabamos descobrindo toda a verdade.

Josh nos contou que tinha 19 anos e que tinha ido para a faculdade não fazia muito tempo após ter ganhado uma bolsa por causa do futebol. Mas acabou sendo expulso, porque se envolveu em brigas com colegas rivais e também porque acabou ingerindo substancias ilegais e proibidas.

Tudo isso deixou o Mr. Wilson furioso. Ele e a mulher até quiseram mandar o Josh para um internado militar longe daqui, mas na hora H sua esposa desistiu, muito ressentida e fez um acordo com Josh: propôs que ele trabalhasse no Café da família por um tempo, refletisse no que tinha feito de errado e conseguisse se inscrever em outra faculdade, na próxima temporada e começasse a pagar pelos próprios estudos.

O mais maluco de tudo isso é que enquanto contava tudo isso a nós três, Josh se acabava de rir. Como se tudo não passasse de uma grande piada. 

Bom, quem sabe agora, o Mr. Wilson não vai implicar tanto comigo e vai pegar mais pesado com o filho dele.

— Ele até que é bonitinho. – Comentou Judy quando nos afastamos para recomeçar o trabalho após a pausa. — Mas não parece muito confiável. Ou não bate bem da cabeça.

Concordo com ela.

Josh é esquisito, muito palhaço e risonho. Parece que não leva nada realmente a sério. Mas é bonitinho. Magrinho, alto, cabelos loiros naturais, cheio de sardas, olhos azuis. Só o nariz que é um pouco grande demais para o rosto quadrado.

Apesar de tudo, ele logo pegou o jeito com a coisa. Sydney é uma ótima professora. Não é à toa que é uma das coisas que ela pensa em fazer futuramente. E ainda não sei se é bom ou não o fato de ele estar sempre brincando com os clientes. Não é todo mundo que está sempre de bom humor.

Quando o Mr. Wilson está por ali mesmo que nos fundos, Josh é um ótimo funcionário. Mas quando o pai não está ele meio que se aproveita. Para de trabalhar, senta-se e fica todo à vontade, come o que tiver por ali, mexe o tempo todo no celular e sai lá para fora flertar com as garotas que passam de biquíni em direção à praia.

Judy já está de saco cheio, mas não pode dizer nada porque ele é o filho do dono e ela tem medo de complicações. Sydney leva tudo numa boa. Ela é toda paz e amor. E eu tento não me envolver muito, pois nada disso é da minha conta.

Na sexta-feira à noite, Andrew passa para nos buscar para irmos a uma festa. Ele não entrou muito em detalhes, mas ao chegar lá foi que descobri que não era uma festinha qualquer. Era a festa. Uma festa em um túnel abandonado. O tipo de festa que eu cresci vendo nos filmes americanos: copos vermelhos e azuis para lá e para cá, barris de chopp em todos os cantos, muita gente cheirando a álcool, suor e tabaco e a música tão, tão alta que meu coração parecia que ia se romper a qualquer momento com toda aquelas batidas.

Eli sumiu logo no primeiro minuto e o Andrew teve que segurar a minha mão o tempo todo para eu não me perder.

— Eu não sabia que você gostava desse tipo de festa. – Digo no ouvido dele após ele me entregar cerveja.

— Na verdade, eu não gosto muito. – Disse ele. — Mas achei que seria legal experimentar coisas novas com você.

Eu quase não bebi, porque não sou muito fã de cerveja. Andrew também não pelo que pude notar. Mas nós curtimos bastante mesmo assim. Dançamos, rimos, nos beijamos e falamos com gente nova. Foi uma experiência boa, principalmente porque eu estava com ele e me sentia segura ao seu lado.

Lá pelas duas horas da madrugada nós fomos embora. Eli e os meninos ficaram. E pela primeira vez, Andrew aceitou subir no meu apartamento. Infelizmente eu não tinha muito o que mostrar a ele. Era pequeno e nada interessante.

Ao sentamos no beliche, olhei para ele com um sorriso. E agradeci a noite de hoje. Ele retribuiu com um beijo. E de repente senti que tudo em volta estava ficando muito mais quente. Ou será que era só o meu corpo em chamas?

Andrew me ajudou a tirar a jaqueta jeans e depois a blusinha de alça que eu estava usando. Depois eu me deitei e ele veio para cima e continuou me beijando intensamente.

Recuei um pouco para recuperar o fôlego.

— Se você quiser nós podemos esperar um pouco e fazer com que seja perfeito para você quando tiver que ser. – Disse ele ao me olhar no fundo dos olhos.

— Já é perfeito o bastante com você aqui. – Digo com um sorriso mínimo e o puxo para um beijo suave.

Ia acontecer. Ia finalmente acontecer. Nada planejado. Nada muito extraordinário como em alguns filmes ou livros. Nada de velas, pétalas de rosas ou música romântica. Apenas eu e ele e nossos corpos suados colados um no outro dentro de um apartamento pequeno e abafado pelo calor.

Andrew levantou-se um pouco para tirar a própria camiseta, mas quando isso aconteceu ele bateu a cabeça com tudo no beliche de cima, onde o Eli dorme sempre.

Eu e ele rimos sem parar.

Depois disso foi pura sintonia. Prazer. Desejo. Amor. Paixão. Ardência. Intensidade. Suavidade. E vívido.

Acabei acordando primeiro no outro dia. Levantei-me com calma e preparei café para gente. Andrew ainda dormia. Todo encolhido no canto por a cama ser pequena como tudo por aqui. E pelo visto, Eli não dormiu em casa essa noite.

Alguém bateu a porta.

— Eli?

Quase nem acreditei. Ele não era de bater. Tinha sua própria chave e nunca antes tinha aparecido nessa situação. Nunca vi o Eli tão derrotado. A roupa e o cabelo um trapo. Os olhos vermelhos e inchados. O hálito fedendo a cerveja.

— Você está bêbado?

— Perdi a chave de casa, Nina. Eu sinto muito! – Ele choramingou alto e se jogou em cima de mim de forma dramática.

Fechei a porta para não acordar o Andrew.

— Eli, o que aconteceu?

— Ele me deu um fora! Ele simplesmente me deixou lá plantando esperando. – Disse ele quase sem fôlego. O nariz escorrendo. As lágrimas rolando. — Não sei o que eu faço, Nina. Acho que o perdi de vez.

— Espera.... Você está falando de quem?

— O Fernando! – Ele quase cuspiu em cima de mim. — Ele me deixou. Ele me odeia. Nem se quer atende as minhas ligações. E quer saber? Eu o odeio também. Mas dói tanto, tanto.

Ele esfregou os olhos, tentando controlar o choro, mas só de olhar pude ver que era uma tarefa muito difícil para ele.

— Alguma ajudinha aí? – Andrew colocou a cabeça para fora.

— Não. Está tudo sob controle. Não se preocupe. Eu cuido disso. Ah, fiz café para você. – Tentei sorrir, mas toda a situação era muito bizarra.

Eli continuava choramingando, sem saber se amava ou odiava o Fernando, se deveria ir ou não ligar para ele ou ir atrás dele para saber o que tinha acontecido, o porquê de ele não ter aparecido e ter dado um pé na bunda dele sem mais nem menos.

Olhei para o Andrew ainda parado ali observando toda aquela cena e dei meu melhor sorrindo. De repente, Eli se calou. Me virei para ele a tempo de vê-lo desabar no chão com tudo. Fez-se um barulho forte. 

— Acho que agora sim vou precisar de uma ajudinha.


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