Muito Além de Mim escrita por Mi Freire


Capítulo 29
Tudo tão estranho.




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 Max passou um tempão lá fora no telefone tentando resolver o problema da nossa falta de energia na casa. E como não tinha muito o que eu pudesse fazer, eu fui para o meu quarto tentar dormir, mas como já era de se esperar: não foi nada fácil.

Eu só conseguia pensar no tal beijo.

Na hora, não apareceu tão errado. Na verdade, pareceu muito certo, exatamente o que eu queria e precisava, só não tinha me dado conta até acontecer de fato. Agora, algum tempo depois, eu já não sei o que sinto em relação a isso: culpa, desespero, ressentimento ou se tudo isso misturado e mais um pouco.

Me peguei pensando na cena do beijo por várias perceptivas diferentes, como se eu fosse uma telespectadora sentada numa plateia de teatro e não como se eu fosse a atriz principal.

Eu não sei em que momento minha mente se calou, mas foi aí que eu finalmente consegui adormecer. Max não apareceu no meu quarto aquela noite, nem para dormir no colchão no chão e nem para ouvir um pedaço da história que eu estava escrevendo.

Pelo menos eu não tive pesadelos, o que foi estranho. Mas se bem que, ultimamente eles têm diminuído bastante. Eu só estava ocupada demais passando meu tempo livre com Max antes de dormir, que nem tinha notado que isso estava acontecendo.

Pensei seriamente em não descer para o café da manhã no dia seguinte, mas certamente iriam achar estranho a minha ausência.

Catarina tinha saído com Isabeli muito cedo, Max não apareceu e Célia ainda não tinha chegando, então, eu tomei meu café sozinha mesmo, lá fora, no solzinho fraco da manhã.

Célia chegou quando eu estava dando uma geral na sala de estar que por conta da falta de energia de ontem estava uma pequena zona com toda a confusão que isso causou.

Eu me sentei com ela para conversarmos. Ela me perguntou como tinha sido meu final de semana por aqui, e eu, é claro, omiti vários detalhes. Para mudar de assunto, perguntei sobre a venda dela e ela me garantiu que foi um sucesso total.

Eu andei pela casa toda, impaciente, procurando o que fazer e por dentro, eu me perguntava onde Max havia se metido – no escritório como sempre? – E como ele se sentia em relação ao que tinha acontecido entre nós. Eu sentia que uma hora ou outra precisaríamos conversar, mas primeiro ele tinha que dar as caras.

Lá pelo meio da tarde, descobri que ele tinha passado o tempo todo na cidade ainda resolvendo questões sobre a nossa energia elétrica e quando enfim ele chegou em casa ele mal me olhou.

Isso seria normal se fosse antes, no comecinho, quando cheguei aqui e nós tínhamos pouca proximidade e nem nos falamos direito. Mas agora era diferente. Algo tinha acontecido. E antes do beijo, eu já achava que nós éramos bons amigos, afinal, passávamos um tempo considerável juntos.

Bom, se ele quer que as coisas sejam assim, tudo bem então, vou fingir que ele não tem importância para mim também.

Eu sei que isso é um tanto quanto infantil, mas ninguém precisa ser certinho e perfeito o tempo todo, fazer sempre boas escolhas e dizer e fazer sempre a coisa certa.

Eu estava chateada e com raiva, por isso na hora em que me dediquei a terminar de escrever minha história, não me saí muito bem. Acabei depositando amargura demais nas palavras e não era assim que eu queria que fosse. Por isso, deixei a escrita de lado.

Quando Isabeli chegou do colégio, eu a ajudei com um trabalho de casa em seu quarto, depois coloquei ela de baixo do chuveiro, ajudei-a se trocar e por fim fomos jantar com o resto do pessoal que já estavam todos a mesa, na cozinha.

Isabeli foi a que mais falou e isso foi ótimo, pois qualquer coisa era melhor que um silencio pesado e esquisito. Ela falou sobre o colégio, sobre as amiguinhas, sobre a professora e falou principalmente sobre o primeiro contato com seu pai.

Quando ela começou a falar do pai dela, eu não me aguentei e acabei me emocionando ali mesmo, no meio do jantar.

— Tia Nina, porque você está chorando? – Ela colocou a mãozinha pequena com as unhas pintada de rosa no meu braço. — Você também ama muito o seu papai?

Pedi desculpas a todo mundo e subi às pressas para o meu quarto. Só não corri porque isso poderia ser um pouco perigoso e arriscado para o bebê que eu estava carregando.

— Ei. – Catarina surgiu logo em seguida. — O que aconteceu com você?

— Não é nada. – Funguei, tentando conter as lágrimas. — Eu só fiquei emocionada com o jeitinho que ela estava falando...

— Não parece que foi só isso. – Ela me olha meio desconfiada. — Mas tudo bem, não vou insistir. Você sabe que se precisar conversar sobre qualquer coisa eu estou aqui, certo?

Assenti.

— O.K. Vou deixar você em paz.

Eu poderia ter me aberto com ela. Desde o começo nós nos tornamos grandes amigas. Fora o Eli, eu nunca tive alguém como ela na minha vida, ainda mais do sexo feminino. Ela era como uma irmã gêmea que eu nunca tive e que conheci só agora e mesmo com o tempão em que estivemos separadas, no instante que nós reencontramos, foi como se nunca tivéssemos sidos separadas.

Mas eu não pude me abrir. Não com ela. Pois Max está há mais tempo envolvido em sua vida. Eles são como irmãos que passaram a vida toda juntos e são super ligados. Eu não posso me meter nisso, não posso estragar isso. Não cabe a mim misturar as coisas dessa forma. Seria injusto com qualquer um dos dois.

Eu precisava muito conversar com alguém, por isso decidi que ligaria para o Eli e contaria tudo. E foi o que aconteceu. Fui despejando as coisas sem nem pensar direito nas palavras.

— Nina, quer saber de uma coisa? Eu já meio que imaginava que isso ia acontecer. Ele é muito gato e é aquele tipo de cara fechado que a gente não resisti em descobrir o que há por trás. E vocês moram na mesma casa, iriam ficar próximos de qualquer maneira, sem contar que vocês perderam uma pessoa especial e isso liga vocês dois de alguma maneira, como se vocês precisassem um do outro para sobreviver juntos a tudo isso. Eu não sou nenhum especialista, mas é o que eu acho.

— Eu entendo seu ponto de vista e até concordo em certas partes, mas pensa um pouco comigo: isso não pode acontecer. Isso nunca deveria ter acontecido. É horrível! Ele é o irmão do cara que eu amei e perdi. Isso é tão, tão errado, Eli. Agora nem sei o que fazer. Será que devo ignorar o que estou sentindo e tudo que aconteceu? Fingir que nunca houve nada? Ou talvez eu tenha que ser um pouco mais radical. Pode ser que essa seja a minha hora de ir embora e encontrar um lugar longe daqui e dessas pessoas.

— Você ficou maluca? Você não pode ir embora, pelo menos não ainda. Pensa um pouco no bebê. Você não tem nada. E essas pessoas estão aí para te ajudar, para te apoiar, para dar uma força. Não seja ingrata, não jogue tudo fora assim. Respira fundo. Seja um pouquinho coerente. Ah, e eu nem preciso te dizer que ignorar o que a gente sente é impossível, certo? Você sabe, não sabe? Então se você sente mesmo algo pelo homem da floresta, você precisa pensar numa forma de resolver isso de frente. Não seja covarde!

— Uau. Nossa! Eu te liguei pensando que você me ajudaria, mas na verdade só piorou as coisas, sabia?

— Sinto muito se eu te decepcionei, mas você vai ter que dar um jeito nisso sozinha. Se você precisa do meu apoio, saiba que você o tem. Eu, particularmente, não vejo nada de errado nessa história. Você espera o quê? Que o Andrew lá do céu esteja odiando você por estar seguindo em frente finalmente? Tá... e daí que o cara é irmão dele? Quem poderia ser melhorar companhia para você do que o próprio irmão dele a quem ele tanto amava?

Paro para pensar um pouco em todas as conversas que eu tive com o Andrew antes de partir. Em todas as vezes em que ele me disse para seguir o meu coração e fazer o que eu acho certo mesmo que o resto das pessoas pensem o contrário, porque independente disso, ele me apoiaria, ele estaria sempre do meu lado.

Agradeço ao Eli pela conversar esclarecedora, que de certa forma abriu a minha mente para muitas questões em aberto.

E novamente Max não apareceu e isso me deu um tempo a mais sozinha antes de dormir para pensar em certas coisas. Pensar, principalmente, em todos os meus assuntos mal resolvidos. Todas as questões em aberto da minha vida. Eu nunca vou conseguir seguir em frente se ainda existir perguntas sem respostas.

Chegou a hora de mudar isso.

**

Passaram-se dois dias.

Mais uma vez fui a uma consulta medica, só que dessa vez Célia fez questão de me acompanhar. Estava tudo bem. O bebê estava crescendo e ganhando peso. Ele tinha um coração forte que sempre que eu ouvia o meu próprio coração batia mais depressa.

Aproveitando que estávamos ali na cidade, passamos na ferinha para saciar a minha vontade de comer uva verde e acabamos comprando uma caixa cheia delas para levar para casa.

— Preciso conversar com você sobre uma coisa. – Comentei com Célia lá fora, no jardim, de baixo de um dia nublado.

Eu finalmente tinha criado coragem.

— Estou pensando em ir visitar a minha família esse final de semana para acertar algumas coisas mal resolvidas.

Célia pareceu surpresa.

— Isso é ótimo!

— Acho que já está na hora.

— Se você estiver pronta...

— Eu não sei algum dia estarei pronta, mas sinto que devo fazer isso agora, antes que seja tarde mais para todos.

— Então, tudo bem. Saiba que eu sinto orgulho de você por isso. – Ela me deu um forte abraço, mesmo com as mãos cheias de terra. — Se quiser, posso te levar até lá. Sem problemas.

— Não, obrigada. Sinto que devo fazer isso sozinha.

O sol já estava se pondo quando peguei meu notebook e resolvi escrever um pouco lá fora enquanto os grilos cantarolavam sem parar por toda parte.

Vi Catarina chegar exausta, porém feliz. Vi Isabeli correr pelo quintal, com os braços abertos. Vi Max entrar e sair o tempo todo. Vi Célia arrancar ervas daninhas de seu maravilhoso jardim.

Fechei os olhos por um segundo e vi Andrew sorrindo para mim de um jeito que me deixava boba e mais apaixonada ainda.

Quando terminei de escrever mais um capítulo, resolvi parar e dar uma pausa. Olhei em direção a escuridão da mata quando ouvi um barulho estranho. Em seguida, pude identificar alguns risinhos vindo daquela direção.

— Eu estava morrendo de saudade, Max.

Rosana.

Eu não precisava ser muito esperta para adivinhar que Max estava aos beijos com Rosana atrás de uma moita por ali.

Isso me entristeceu e enfureceu ao mesmo tempo.

Pude ouvir claramente quando ela se despediu dele e saiu correndo pela mata como uma raposa fugitiva após roubar os preciosos ovos de um galinheiro.

Max deu as caras, mas pela cara dele não esperava me encontrar ali, como se estivesse espiando o tempo todo.

— Precisamos conversar. – Levantei-me, decidida. Deixei o notebook abandonado no banco para poder olhar nos olhos dele.

— Eu não tenho nada para falar com você. – Disse ele, rude. Ia passando por mim em direção a porta quando segurei-o.

— Max, por favor, vamos conversar um pouco sobre o que aconteceu. Você não pode me ignorar pelo resto da vida!

Eu estava começando a ficar desesperada.

— Qual é o seu problema, hein? – Ele me olhou, furioso. — Você não percebe o quanto aquilo foi errado? Ou você acha o quê? Que eu tenho te evitado de propósito?

— Eu sei, eu sei. É só que... Eu preciso saber o que você sente. O que aquilo significou para você. Eu não posso conviver com isso sem saber o que se passa na sua cabeça, Max...

— Nada disso importa, Nikolina. Tudo que eu sinto é culpa por ter traído meu próprio irmão. Como você acha que eu me sinto tento que lidar com isso? Você acha que é fácil olhar para você e perceber que eu cometi o maior erro da minha vida?

Nossa, isso dói. Como dói.

— Apenas vamos ignorar tudo isso e sermos civilizados, certo? Eu só preciso de tempo e espaço. E tudo aquilo, os momentos em que tivemos antes, vamos deixar para lá.

— Mas porquê? Nós podemos ser pelo menos amigos!

— Não, nós não podemos e você sabe disso. Agora, por favor, esqueça essa história, foque na sua vida e me deixe em paz.

Ele se soltou e fugiu, deixando-me desolada.

Ficou tudo muito claro para mim agora: ele não sente nada, além de culpa. Eu também senti culpa, mas senti também uma pequena chance de esperança. Mas nem amigos mais nós podemos ser mais, logo agora que eu estava começando a gostar dele na minha vida, no meu tempo, incluído na minha rotina.

Não sei como vou conviver com isso, mas sei que darei um jeito, como eu tenho dado durante toda a minha vida.

**

Eu ia dar um tempo desse lugar. Estava decidido. Não só por causa do climão que estava entre mim e Max agora, mas também porque eu precisava resolver a minha vida.

Eu já tinha adiado isso por muito tempo.

Na noite anterior, eu já havia me despedido de Catarina e Isabeli, dizendo a elas que iria visitar minha família, mas que logo voltaria para casa, só não sabia quando.

Dependia muito do que eu encontraria por lá.

Fui dormir cedo aquela noite para evitar de ficar pensando nas coisas que poderiam ou não acontecer. Eu estava aflita, muito tensa.

Depois do café da manhã, Célia me levou de carro até a rodoviária da cidade. Em mãos eu tinha meu celular, a passagem e uma mochila com algumas peças de roupas e alguns produtinhos de higiene pessoal. 

— Me ligue quando quiser se precisar de algo. – Célia me abraçou apertado, como se estivéssemos nos despedindo de vez.

— Obrigada.

Ela ficou do lado de fora, esperando pelo momento em que o ônibus partiria. Da janela, eu acenei quando o motorista ligou o motor. Ela acenou de volta com um olhar triste. E aos poucos ela foi sumindo de vista e o ônibus entrou na rodovia e ganhou velocidade.

Por sorte, no banco ao meu lado não tinha ninguém. O ônibus também não estava muito cheio. Eu escutei um pouco de música e adormeci. Fui acordada por uma senhora em nossa primeira parada. Eu precisava muito usar o banheiro e comer algo. De volta ao ônibus para prosseguimos viagem, eu li um pouco. Ainda estava de dia. Mas com todo o balanço do ônibus, não consegui conter meus olhos e acabei pegando no sono mais uma vez, no meio da leitura.

Chegamos ao destino final por volta das sete da noite.

Na rodoviária, mais uma vez usei o banheiro e comprei uma água, solicitei um Uber e fiquei aguardando do lado de fora.

Eu não tinha avisado a ninguém sobre a minha visita.

O Uber me deixou na frente da casa: uma casinha simples com um pouco de umidade na fachada e um jardim malcuidado na frente. Era evidente que precisava de algumas reformas, mas meus avós nunca se importaram muito com isso e viviam enrolando para chamar alguém para dar uma olhada no imóvel.

Respirei fundo antes de bater na porta.

Lá dentro, eu ouvi vozes e uma certa movimentação.

A porta se abriu devagar...

— Nikolina?

Era meu avô.

Minha avó surgiu logo atrás.

Os dois com a mesma cara de espanto e supressa. O que já era de se esperar. Nem parecia que eu tinha passado anos longe de casa sem dar muitas notícias e que eles morriam de saudade.

Eu sempre achei que a minha partida sempre foi mais um alivio do que qualquer outra coisa.

— Oi, vovó e vovô. – Tentei sorrir, desconfortável.

Levou um tempo para a ficha cair e foi então que eles se ligaram e me abraçaram, me beijaram e me receberam.

Mas foi uma coisa rápida e não muito intensa.

A palavra certa é: esquisito. De ambas as partes.

— Olhe só para você! – Minha vó me olhou de cima a baixo. — Você está mudada e... meu Deus! Você está...

— Grávida.

— Muita coisa mudou, então. – Comentou meu avô, se sentando no sofá velho. — Você se casou? Onde está seu marido? 

— Morto.

Os dois arregalaram os olhos.

— Meu namorado está morto.

Sentei-me finalmente.

Estava admirada com a facilidade de dizer tais palavras. Morto. Isso. Andrew estava morto. Ficou até mais fácil de dizer. Não porque ele já tivesse morto para mim devido ao tempo que se passou desde tal fatalidade, muito pelo contrário, ele sempre estaria vivo em meu coração. Mas o tempo, ele realmente ajuda em alguns sentidos.

— Oh, minha nossa! – Vovó levou a mão ao coração. — Eu sinto muito, querida. O que aconteceu? Foi recente?

— Não. Na verdade, já faz algum tempinho.

A expressão deles foi como se quisessem me perguntar o porquê de eu não ter ligado para dizer isso antes, mas nós três sabíamos as respostas para todas essas perguntas.

— Me conta... Mas, você está bem?

— Muito melhor agora. E, além do mais – Passei a mão na minha barriga volumosa. — Eu tenho um bebê para cuidar agora.

— Sozinha? – Isso pareceu choca-la ainda mais.

— Não exatamente. Eu tenho morado com a família dele e eles são pessoas maravilhosas para mim. Me ajudam bastante.

Vovó engoliu em seco, ressentida.

Meu avô me olhava quase se piscar, acho que se perguntando então porque eu tinha vindo, se minha vida parecia tão maravilhosa longe deles e de tudo isso aqui. Acontece que eu não tinha vindo por eles. Eu tinha vindo pela mamãe e eu esperava encontra-la aqui, mas pelo jeito ela não estava presente.

Fiquei com medo de perguntar a acabar me decepcionando e me arrependido de ter vindo. Vai que ela voltou a dar trabalho, consumir drogas, fazer loucuras e decepcionar todo mundo a sua volta. Sinceramente? Não estou pronta para isso de novo.  

— Você deve estar cansada... Está com fome?

Eu não estava com fome. Tinha comido bastante besteira durante a viagem, mas sabia que seria melhor para o bebê eu comer algo mais sustentável e mais saudável para nós dois.

Segui minha vó até a cozinha.

A casa continuava igual ao que sempre foi. Nada mudou. Só a tinta das paredes. Os móveis ainda eram os mesmos, as fotos, os objetos de decoração, o tapete surrado, as panelas antigas...

Ela me serviu um prato de comida.

— Obrigada.

Apesar de estar sentada bem na minha frente, me olhando como se eu fosse de outro mundo, ela não puxou conversa, nem fez nenhuma pergunta. Mas eu sabia que era o que ela queria, acho que ela só não sabia como ou se deveria. Provavelmente, ela esperava que eu me abrisse por livre e espontânea vontade, mas pelo jeito isso não ia rolar, pois eu estava muito desconfortável.

Aqui, eu sempre me sentia como se não fizesse parte desse lugar.

Depois de comer, pedi permissão para tomar um banho quente. A viagem foi tranquila, porém muito cansativa. Ficar todas aquelas horas sentada, foi horrível.

Vovó me disse que o meu quarto já não estava mais disponível, havia se tornando um estúdio para o vovô tocar seu trompete e que eu, infelizmente, teria que dormir num colchão na sala.

Eu disse que não tinha problema, eu ficaria bem em qualquer lugar. Eu menti, é claro. Não posso dizer que já não esperava por isso, mas saber que eles se desfizeram de quase todos meus fragmentos com tanta facilidade, só serviu para confirmar o quanto nossa relação era distante e frágil.

Antes de dormir, liguei meu celular. Havia duas ligações perdidas do Max as quais eu preferi ignorar. Mandei uma mensagem ao Eli, relatando onde eu estava e como me sentia. Mandei uma mensagem também a Célia, dizendo que estava bem e voltaria logo. E por mim, escrevi para Catarina, dizendo que já estava com saudade dela e de Isabeli.

**

Eu estava lá fora perdida em lembranças do passado de quando eu era criança e vivia nessa rua, quando senti alguém se aproximar. Quando eu me virei para trás, lá estava ela. Minha mãe. Muito diferente do que eu lembrava.

Ela era a última pessoa que eu esperava ver hoje.

Preciso admitir que apesar de tudo, senti certo alivio em reencontra-la ali bem diante de mim. Significava que ela não estava por aí presa na cadeia ou em um hospital de tratamento.

E ela estava linda, parecendo estar muito bem. Não era tão mais magra, com olhos fundos, aparentando estar sempre doente e mau cuidada, com o cabelo sem brilho e a pele sem vida.

— Mãe...

Ela abriu um sorriso.

Não me contive e fui de encontro aos seus braços.

Abraça-la assim já não me dava uma estranha sensação de tristeza e de sofrimento que quando criança eu costumava sentir.

Eu vivia sempre com medo de que as vezes em que nos encontrávamos, poderiam ser as ultimas. 

Agora era uma sensação nova e diferente. Uma sensação boa.

— Filhinha... você está tão crescida...

Ela passava a mão no meu rosto e cabelo, me sentindo.

— E veja só, parece que eu vou ter um netinho...

Eu sorri, com os olhos cheios de lágrimas.

— Mãe... Você parece tão bem.

— E eu estou! Principalmente, porque você está aqui agora.

Nos abraçamos novamente, por mais tempo agora.

— Me conta tudo! Quero saber tudo sobre você!

— Mãe... Não agora... podemos sair daqui?

Ela me olhou sem entender.

Esse lugar estava me sufocando!

— Vamos apenas sair daqui.

— Tudo bem, então. Vamos começar devagar.

— Vamos começar por você. – Sugeri, esperançosa.

— Você gostaria de conhecer a minha casa? A minha nova vida?


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