Muito Além de Mim escrita por Mi Freire


Capítulo 18
O tempo acabou.




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Eu não sei ao certo como fui parar ali no alto de um penhasco. Perguntas sem respostas já não me importava mais. Eu estava feliz. Com uma sensação boa de satisfação. Minha vida era perfeita em vários sentidos. E isso era tudo.

Lá em baixo ondas suaves batiam nas rochas. O mar parecia calmo e tranquilo. A água era cristalina. O céu estava azul, cheio de nuvens branquinhas. Gaivotas passavam por mim cantando. O vento suave batia nos meus cachos.

Fechei os olhos e inclinei a cabeça para o alto.

Não tinha como descrever o que eu estava sentindo ao certo. Eu estava feliz, mas era uma felicidade imensurável. Nenhuma palavra parecia suficiente. Eu só queria gritar bem alto para todo mundo ouvir o quão magnífica eu me sentia. Mas é claro que não foi o que eu fiz. Eu só fiquei ali, de olhos fechados, sentindo tudo e ouvindo tudo. Aproveitando cada instante, cada sensação, cada friozinho na barriga, cada som a minha volta, o arrepio na pele.

— Estava procurando você.

Abri os olhos e vi Andrew se aproximar de jeans, camiseta branca e descalço. Os cabelos bagunçados pelo vento.

— Eu só queria me despedir.

Ele sentou-se ao meu lado e olhou em volta.

— Uau! Aqui é lindo.

— É, mas... – Fiquei séria. — Como assim se despedir?

— Eu estou de partida.

Ele virou o rosto para mim e me olhou com um meio sorriso.

— Você vai embora? Mas.... Porque?

Eu não estava entendendo nada. O que ele queria dizer com esse papo de despedida e partida? Não era verdade, certo? Ele só estava brincando comigo. Minha vida só era perfeita por causa dele. Eu só era feliz de verdade por causa dele. Antes de ele aparecer na minha vida eu era feliz, mas não dessa forma. Não desse jeito e se ele for embora... Tudo isso acabará.

Eu não estou pronta para deixá-lo.

Eu nunca estarei pronta.

— Chegou a minha hora, Nina.

Porque ele estava fazendo isso comigo? Porque ele está estragando tudo? Até agora eu estava tão feliz, tão em paz. E então ele chegou e resolveu pisar no meu coração dessa forma? Ele não tem esse direito. E quero dizer isso a ele, mas não consigo. Simplesmente não consigo.

Estou engasgada com suas palavras.

— Andrew, pare com isso. Não é justo.

— Eu sei, meu amor. – Ele segura minhas duas mãos. Seu sorriso desapareceu e minha preocupação só aumenta dentro do peito. — Eu gostaria que fosse diferente. Eu gostaria de poder mudar as coisas. Mas não posso. Não posso!

— Você tem que tentar! Você precisa lutar. Você precisa fazer isso por mim. Por favor... Não me deixe...

Choro em seu peito por algum tempo e tudo que ele faz é me abraçar carinhosamente, beijar meus cabelos e dizer que vai ficar tudo bem. Mas não tem como ele garantir isso.

— Olha só – Ele se afasta um pouco para poder olhar dentro dos meus olhos, mas eu mal consigo vê-lo por causa das lágrimas que inundam meus olhos. — Você vai ficar bem. Muitas pessoas cuidarão de você. E não é como se eu fosse embora para sempre, eu vou continuar aqui de certa forma. Bem juntinho de você. Você só precisa me encontrar.

— Mas eu não quero! – Grito. — Eu não quero que você vá. Não quero que ninguém cuide de mim além de você.

Viro meu rosto. Não quero olhar para ele. Eu o odeio por fazer isso comigo. Esse lugar, que até então era magico, de repente virou meu pior pesadelo.

Como faço para ir embora daqui?

— Me escuta, Nina. O tempo está acabando. Eu preciso que você me escute. – Pede ele, pacientemente.

— Não me toque! – Grito com ele mais uma vez. — Vá embora. Me deixe em paz. Não quero falar com você agora.

— Mas esse momento é tudo que temos. – Ele tenta me conter e como sempre, ele consegue. Ele tem um jeitinho certo para isso, por isso eu o amo tanto. — Olha para mim.

Mesmo relutante, eu olho.

— Você tem que ir para casa. Vai doer no começo, mas você é forte. Sempre foi muito forte. Em pouco tempo você irá se sentir um pouquinho melhor. Mas você tem que se esforçar. Você me promete que vai se esforçar?

— Do que você está falando? Eu não vou para casa! Eu vou ficar aqui com você.

— Me escuta, por favor. E me prometa que vai ao menos tentar? Se não por você, por mim, por nós. Eu detesto de ver chorar ou sofrer, mas não tem jeito. Não posso evitar.

— Sim, você pode! Só não vá.... Fique aqui comigo.

E então, tudo em nossa volta muda em questão de segundos. O céu escurece, as nuvens ficam carregadas, o vento mais forte, as ondas batem com forças nas rochas lá em baixo, o mar fica agitado e parece furioso. Eu me apavoro ainda mais.

— Olha para mim – Andrew puxa meu rosto em direção ao seu. — Eu te amo, ta? E quero que você seja feliz, seja lá como for. Lembre-se disso, o.k? Eu estarei torcendo por você. E me desculpe por te machucar tanto. Eu juro que não queria que fosse assim, mas não tem jeito. A vida é o que é.

Ele me beija de uma forma que nunca me beijou antes, uma mistura de desespero e sofrimento. Como se aquela fosse a nossa última vez. Mas não é. Não pode ser. De qualquer forma eu me prendo a ele com força. Não quero deixa-lo. Meu coração está se quebrando em mil pedaços.

— Preciso ir agora. – Ele se levanta, eu tento segura-lo, mas ele é mais forte do que. Sempre foi.

— Não faça isso... – Quero me deitar em posição fetal e chorar e chorar até não sentir mais nada.

Mas isso não ajudaria em nada, então penso no que eu poderia fazer para mudar essa situação.

— Eu te amo... Eu amo tanto você... Fique aqui...

Quando olho para ele, fico abismada. Quando foi que ele ganhou um par de asas? Asas de anjo? Eu estou ficando doida ou é isso mesmo que estou vendo? Mal posso acreditar.

Ele me olha uma última vez antes de saltar. Desesperada corri até a beira do penhasco. Mas ao contrário do que eu imaginava, ele não se estraçalhou nas rochas lá em baixo. Ele voo. Voou para longe com suas asas de anjo. E eu gritei tanto, pedindo para ele voltar. Só que ele não voltou.

Eu esperei tanto e ele nunca mais voltou.

**

— Nina! Nina! Acorda...

Abri meus olhos. Eu estava no nosso quarto. No nosso apartamento. Com ele ao meu lado. E estava suada. Bastante apavorada também.

— Acho que você estava tendo um pesadelo.

— Sim! Eu estava! E foi horrível.

Me aninhei a ele com força.

— Você não pode me deixar. Nunca.

Ele soltou um risinho.

— Ei, foi só um sonho ruim. Isso não vai acontecer. Não se eu puder evitar.

— Você não está entendendo. – Olho para ele. — Você tem que fazer mais do que isso... Evitar não é o bastante...

— Então o que eu devo fazer?

— Lutar... por mim, por você, por nós.

— Mais?

— Sim! Lutar com todas suas forças e um pouco mais.

— Entendi. – Ele beija minha testa com carinho. — Pode deixar. Captei o recado. – Ele me puxa de novo para junto dele. — Agora vem cá, vamos aproveitar o tempinho que ainda temos antes de termos que nos levantar para ir trabalhar.

**

— Onde vocês estão agora?

Estou conversando com o Eli pelo celular enquanto saio do trabalho e vou caminhando para casa.

— Estou a caminho da Grécia nesse instante.

— E como está o Fernando?

— Mais incrível do que nunca. Ele é puro amor, Nina. Ele é atencioso, gentil, fofo, super educado... Perfeito!

— Parece que você encontrou o homem da sua vida.

— Com certeza! Antes eu não tinha certeza de nada, mas agora eu tenho e sei que ele é o cara para mim.

— Ah... Estou com tanta saudade de vocês dois!

— Sabe que eu também estou com saudade de pegar no seu pé diariamente? – Nós rimos. — E a sogrinha, ainda está por aí?

— Célia? Ah, sim. Ela não tem dia para voltar. Passou tanto tempo longe do filho caçula que só que passar o máximo de tempo possível com ele. Você tem que conhecê-la!

— Eu adoraria! Pelo jeito que você vive falando dela, ela deve ser a sogra que todos pedem a Deus. Mas com certeza um dia iremos nos conhecer. Temos todo o tempo do mundo, certo?

— Claro! Nesse momento, você só precisa focar na sua viagem e no seu homem. Não se preocupe com o resto.

— Eu estou tentando, mas é difícil não me preocupar com você estando tão longe de mim.

— Fica tranquilo, Eli. O Andrew está cuidando de mim. Todos estão. Eles são maravilhosos! Por falar nisso, acredita que a Sydney e o Mason já estão pensando em ter um bebê?

— Nossa... Como eles são rapidinhos!

— Pois é... Eles têm tentado bastante ultimamente e deixam isso claro para todo mundo. É até engraçado. Eles realmente querem contar todos os detalhes para todo mundo.

— Eca. Que horror! Mas e você o Andrew? Depois daquele incidente... Nunca mais tentaram nada?

É claro que eu contei a ele da minha primeira suspeita de gravidez que acabou não dando em nada.

— Decidimos não pensar muito nisso agora. Vamos deixar rolar. E o que tiver que ser, será. Sem pressão. 

— Caso acontecer, não esqueça de me contar primeiro, hein? Eu como padrinho dessa criança vou querer estar por dentro de tudo desde o comecinho.

— Pode deixar! – Entro na padaria. — Eli, vou desligar, agora, ta bom? Vou comprar umas coisinhas para jantar com a minha sogrinha maravilhosa que eu sempre pedi a Deus.

Ele ri.

— Ta bom. Vai lá. Beijos! Não esqueça que eu te amo muito e que logo, logo voltei para você.

— Aguardarei ansiosamente.

E então desligamos. Me dirijo até a atendente e peço um pedaço da torta de framboesa e um pedaço da de limão.

Estava louca por algo doce para hoje à noite.

Depois, vou direto ao hotel onde Célia está hospedada. Ela já espera por mim. Nós devoramos os pedaços de torta, bebemos vinho e assistimos a um filme meloso na tevê.

Só mais tarde, Andrew passa de carro para me buscar e nós vamos para casa, onde tomamos banho juntos e fazemos muito amor até estarmos exaustos e irmos dormir.

**

Nós o acompanhamos até a rodoviária da cidade, onde ele se encontraria com os colegas de trabalho para partir.

— Não se preocupem. Só serão três dias.

Ele abraça a mãe e se despede, depois vem até mim.

— Voltarei logo.

Ele me beija e eu o abraço.

— Vou sentir saudade.

— Estarei pensando em você o tempo todo.

— Você promete?

— Prometo. – Ele se abaixa para pegar sua pequena mala de viagem. — Eu te amo, Nina. Se cuida, ta?

— Você também.

Dou um último abraço nele e um beijinho rápido.

— Preciso ir agora.

Não sei porque, mas ouvir ele dizer aquilo me dá uma sensação ruim no estômago. Faz eu me lembrar daquele sonho ruim, mas não quero pensar nisso agora. Não quero pensar nisso nunca mais. Aquele sonho foi o pior de todos que já tive.

Ele acena e sorri antes de entrar no ônibus. Com o coração apertado tento sorrir e acenar de volta.

Odeio quando ele precisa fazer essas viagens, mas preciso entender e apoia-lo.

— Vem, Nina. Vamos para casa. – Célia pega minha mão. — Seremos só nós duas por três dias. Vamos aproveitar.

Passei o resto do dia aguardando uma ligação dele, até que não me aguentei mais e eu mesma resolvi ligar.

Ele atendeu de primeira.

— Não se preocupe, eu estou bem. Amanhã começa o trabalho pesado. Eu fiquei sem bateria, mas já estou na pousada. Aqui é lindo.... Queria que você estivesse aqui.

Conversamos por alguns minutos, então resolvi desligar e deixar ele descansar um pouco.

No outro dia ele só mandou uma mensagem pela manhã e passou o resto do dia sem mandar mais nada, nem ligar. Imaginei que estava ocupado, trabalhando. Afinal, foi o que ele foi fazer.

Célia e eu fomos ao shopping comprar umas coisinhas, almoçamos por lá também. Já era noite, quando fui fazer uma visita aos meus amigos. Célia tinha ficado em seu hotel.

Eu queria me manter ocupada o tempo todo para não ter que ficar precisando pensar no Andrew e imaginando coisas.

No outro dia, acordei com o celular tocando. Era ele.

— Te mandei umas fotos daqui. Depois você vê. Ah, e tenho uma surpresa para você também. Comprei algo.

— Ah, então me diz o que é!

— Não posso. – Ele ri. — Vai ser surpresa.

E então, ele precisa ir. E eu fazer algo para me ocupar. Decido dar uma geral na casa. Tirar algumas coisas que a gente não usa mais para doar. Sei que algumas pessoas dependem disso. E se eu posso fazer algo por elas, eu farei.

Passei o dia inteiro ocupada com isso que nem vi o tempo passar, até a Célia aparecer com o nosso jantar: comida tailandesa. Depois tomei um banho e acabei dormindo durante o filme em que assistíamos. Ela me fazia um cafuné.

Andrew estaria em casa no dia seguinte, nós só não sabíamos o horário. Então, aguardamos o dia todo. Já era fim de tarde quando o celular tocou. Era ele, mas quem falou do outro lado foi outra pessoa. Um homem. Um colega.

— Aconteceu uma coisa. Preciso que a senhorita me encontre em algumas horas. – Disse ele, todo sério. — Mandarei uma mensagem.

Antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, ele desligou.

Olhei para Célia, desesperada.

— Não se preocupe, querida. Vai ver não foi nada. Não vamos pensar no pior agora, ta bom?

Uma hora depois recebemos uma mensagem com um local de encontro.

Pegamos nossas coisas e saímos correndo. Chegando lá eu já não me aguentava mais de tanto nervosismo e ansiedade. Célia estava ao meu lado, me dando apoio. Ainda não tínhamos visto ninguém.

Será que tudo não passava de uma pegadinha?

Ou quem sabe Andrew armou tudo isso para me surpreender. Ele disse que tinha comprado algo.

Um carro preto se aproximou primeiro. Desceram dois homens dele e vieram em nossa direção. Suas expressões não eram nada amigáveis.

— O que aconteceu? Me digam logo o que aconteceu!

— Calma, senhorita. Vamos explicar tudo...

Ele se virou quando ouvimos outro veículo se aproximar: uma ambulância.

— Ai, meu Deus! Ele se machucou muito? O que aconteceu? Por favor! Alguém pode me explicar o que é isso!?

Eles foram até a ambulância e eu fui atrás. Abriram devagar as portas do veículo e foi quando eu vi o corpo do homem que eu amo estendido sobre uma maca.

Não pensei muito, apenas subi no veículo para ver de perto o que estava acontecendo. E então eu o toquei: estava gelado e duro feito pedra. Os olhos fechados e a pele muito pálida. Eu o sacudi com força e chamei por ele. Nada. Nenhuma resposta. Olhei para fora, em busca de respostas. Mas tudo que vi foi Célia aos prantos e os homens tentando consola-la.

O que estava acontecendo, afinal?

— Por favor... Por favor... O que é isso? O que significa isso? Alguém me explica? Não estou entendendo... Esse não é o Andrew. Não pode ser ele...

— Sinto muito, senhorita. Nós o perdemos. Sinto muito.

Eu não senti mais nada a partir daí. Eu apenas congelei. Achei que fosse desmaiar, mas isso não aconteceu. Eu fui arrastada dali e me sentaram em um algum lugar por ali.

Finalmente começaram a explicar toda a história, tudo o que tinha acontecido. Mas eu não tinha muita certeza se estava ouvindo direito, se estava ouvindo certo.

Meu corpo estava ali, mas a minha alma muito distante, perdida em um beco escuro, onde não havia nenhuma luz no final dele.

Nada.

Tudo se resume a nada.


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Notas finais do capítulo

Algumas explicações no próximo capítulo.



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