Todos os sonhos do mundo escrita por Marcia Litman


Capítulo 3
Capítulo III




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/699719/chapter/3

Quando Marina entrou na casa de Luciana, seus olhos encontraram a bagunça de papeis espalhados por todos os lugares da sala e ela imaginou se o apartamento da amiga tinha sido bombardeado.

— Desculpa a bagunça — Luciana coçou a cabeça, mordendo o lábio inferior. — Não te esperava hoje. Não esperava ninguém que pudesse se assustar com essa loucura pra falar a verdade.

Marina colocou a mão no queixo.

— Tudo bem, não ligo pra essas coisas, Lu. Posso ajudar em alguma coisa?

Não precisava ser detetive para imaginar que todos aqueles papéis estavam relacionados ao investimento na carreira de escritora. Marina sabia bem que Luciana não era uma pessoa que costumava levar trabalho para casa, a não ser que fosse muito urgente. Além disso, quase tudo o que a amiga falava nos últimos tempos era sobre os textos que estava escrevendo e os concursos dos quais pretendia participar.

— Eu ‘tava tentando organizar que texto mandar pra onde, sabe? — Luciana desviou de alguns papeis, até que obteve êxito em chegar ao sofá, sentando-se. — Mas são muitos regulamentos, muitos detalhes e especificações diferentes. A linguagem que essas pessoas usam nos editais me deixam muito confusa. Imprimi tudo isso porque minha vista já ‘tava toda embaçada de ficar lendo no computador. Mas, bem, não resolveu muita coisa também.

Marina se equilibrou nas pontas dos pés, tentando chegar até o sofá sem marcar nenhum daqueles papéis com a sola do sapato. Quando conseguiu se sentar, logo puxou o edital mais próximo para si, lendo o que estava ali.

— Vamos começar pelo início então: vamos ler um por um e entender as minúcias deles. Vou fazer algumas anotações em cada um desses papeis, bem — Marina se esticou e pegou uma caneta preta sobre a mesa de centro — Com isso. Coisas como: se é pra mandar pela internet, impresso, mínimo e máximo de palavras, detalhes de documentação, premiação e essas coisas. Aí você pode ver qual texto se encaixa ou mesmo se vale a pena investir.

Luciana olhava para a amiga, os olhos tão fixos nela que Marina teve medo de que ela tivesse ficado todo aquele tempo sem piscar.

— Hum, certo — Luciana olhou para o papel na mão de Marina e depois para o rosto dela novamente. — Agora que você traçou esse plano, parece que era tão simples.

Marina riu quando Luciana colocou a mão na testa.

— Não se preocupe. A maior parte das pessoas se dá mal em coisas como essas porque nem se dá ao trabalho de ler editais e regulamentos desse tipo.

— Ou manuais e termos de uso da internet.

— Ou manuais e termos de uso da internet — Marina riu diante da constatação. — O que pode dar problema. Minha mãe me falava isso desde que me entendo por gente e apliquei esse hábito muitas vezes. Isso já me salvou de muitas coisas.

Luciana olhou para Marina.

— Então acho que você é mesma a pessoa certa pra me ajudar.

Marina gostava de poder ser útil para sua amiga e, ao mesmo tempo, apreciando o fato de que ela e Luciana poderiam passar um pouco mais de tempo lado a lado. Quando Luciana sorriu para ela, percebeu que aqueles sentimentos eram recíprocos.

.::.

Luciana mordeu os lábios, percebendo que as coisas estavam mais complicadas em seu coração quando viu que Marina estava acompanhada.

Marina sempre tinha sido uma boa companhia, Luciana não podia negar. E por isso mesmo, desde que tinham se reencontrado naquele barzinho no dia do aniversário do seu chefe, ela tinha ficado muito feliz de poder reatar uma relação que sempre lhe fora muito benéfica. Às vezes era muito difícil se acostumar com o ritmo de São Paulo. E as pessoas que ali moravam, por mais que fossem simpáticas e receptivas com quem vinha de fora, pareciam sempre tão aceleradas que era como se nunca fosse possível acompanhá-las. Marina entendia o que ela passava e o que era viver naquela cidade maluca, então era fácil poder contar com a garota e se apoiar na amizade dela.

Além disso, Marina tinha aparecido em um momento em que a solidão acabara por atingi-la em cheio, naquele término que não tinha sido nada fácil de ser enfrentado. E isso fez com que ela se apegasse à moça ainda mais rápido. Luciana acabou percebendo que isso seria perigoso quando se pegou pensando nela com mais frequência que o esperado. A armadilha estava posta e ela tinha caído, sem chance de escapar.

Luciana tentou então disfarçar e tapear o próprio coração, de modo a fazer com que ele se condicionasse a ficar em negação. Talvez ele pudesse ser domado e a moça pudesse seguir sua vida, sem ter que se afastar. Não diria nada em voz alta, nem para si mesma, e forçaria sua mente a pensar em Marina apenas como sua amiga. Não precisava de nada que acabasse por bagunçar ainda mais a sua rotina.

Dessa forma ela entrou no barzinho que tinha combinado de se encontrar com Marina. Assim que chegou ao estabelecimento, mandou uma mensagem, dizendo que já estava ali. Luciana logo viu o braço da moça, que ia de um lado para o outro, sinalizando onde estava, e andou naquela direção. Quando estava bem perto, viu que Marina não estava sozinha.

— Ei, desculpa o atraso — Luciana disse, assim que parou ao lado da mesa da moça.

Marina olhou o relógio no pulso.

— Você está na hora certa só para variar — ela riu.

Luciana então conferiu o próprio relógio.

— O meu deve estar adiantado então.

Marina deu de ombros e então olhou para a pessoa que estava ao seu lado.

— Lu, Bruno, acabei me distraindo e esquecendo que vocês não se conhecem, então deixa eu apresentar vocês. Bruno, essa é a Luciana. A gente se conhece desde pequena, mas viemos nos reencontrar totalmente por um acaso aqui em São Paulo — ela riu. — Lu, esse é o Bruno. Ele é meu colega de trabalho. Nós nos encontramos aqui por um acaso, enquanto eu esperava você.

Luciana estendeu a mão para o rapaz, que a segurou num cumprimento.

— Prazer em conhecê-lo.

— Igualmente.

Os três se sentaram e Luciana sustentou um sorriso, embora sua mente estivesse a mil. Havia algo no jeito em que ele olhava para Marina que a incomodava, como se tivesse algo não dito entre os dois. E ela não gostava da sensação de pensar que eles não eram apenas colegas de trabalho, muito menos do fato de que aquela possibilidade a deixasse tão mal.

Bruno teve que ir embora cerca de meia hora depois. Ele recebeu uma ligação que informava um problema pessoal e logo se apressou em resolver. O rapaz se desculpou, cumprimentando ambas e disse a Marina que depois compensaria aquela ausência, bastava que marcassem algo. Marina assentiu em concordância antes que o rapaz fosse embora.

— Vou tentar me esquivar disso e esperar que ele esqueça — Marina fez a afirmação trinta segundos depois que o rapaz foi embora.

Luciana franziu a testa.

— Achei que ele fosse seu amigo, Marina.

A moça tomou um pouco do suco que tinha em seu copo.

— É complicado.

Luciana colocou uma mecha de cabelo atrás da cabeça, achando que tinha ultrapassado algum limite.

— Ok…

Marina se ajeitou em sua cadeira.

— Na verdade não é complicado, Lu. A gente saiu uma época, mas ele ‘tava bem mais afim que eu. ‘Tava um pouco sufocada e pedi que a gente parasse de se ver, ficasse só com a amizade. Ele disse que não poderia ser amigo, então falei “ok, então sejamos apenas colegas de trabalho”. Hoje nos encontramos por um acaso e ele disse que tinha sido estúpido na época - o que é verdade -, e que queria tentar amizade de novo. Só que…

Luciana se aproximou um pouco mais.

— Você não se sente confortável com isso.

Marina deu de ombros.

— É.

— Você é sempre tão direta, por que não diz isso a ele?

— Porque não gosto dessa sensação de que estou magoando alguém. E acho que esqueci como é lidar com outras pessoas quando se trata dessas questões românticas.

Luciana balançou a cabeça e por um momento pensou que tinha muito em comum com aquele rapaz.

— Será pior se ele achar que ainda tem chance com você.

Marina olhou para a mesa, mexendo em no garfo que estava ali.

— Você tem razão — Marina mordeu os lábios.

Luciana franziu a testa, estranhando a repentina insegurança estampada nos gestos da amiga. Tinha alguma coisa a mais que Marina não estava dizendo, algo que a deixava travada.

— Se quiser que eu esteja com você quando for falar com ele…

— Não, não — Marina levantou os olhos, tocando o braço de Luciana que estava sobre a mesa. — Eu tenho que fazer isso, é o mais certo.

Luciana assentiu.

— Mas, se precisar, é só falar, certo?

— Certo. E agora — Marina pegou o cardápio que estava em um dos cantos da mesa e entregou nas mãos de Luciana. — O que você quer pedir?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Todos os sonhos do mundo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.