O QUE EU ME TORNEI DEPOIS DE VOCÊ escrita por Serena Bin


Capítulo 2
Capítulo 2 - Alex Riversong


Notas iniciais do capítulo

Olá amores!
Aqui estamos com o segundo capítulo de "OQEMTDDV" - Sigla grande, eu sei. Mas relevem ♥
Amores, eu estou realmente muito feliz com essa fic e antes de tudo eu gostaria de agradecer aos comentários do primeiro cap ♥
Ella Rodrigues, Amauri Filho, Alethea, Chessie The Cat e Iapsa. Sério, foi muito legal saber que a grande maioria gostou da Reese. Ela é um pouco cricri, mas acreditem, a vida vai mudar.
Bem, esse cap é dedicado a vocês. ♥
Meu muito obrigada, e vamos conhecer Alex Riversong!
Boa Leitura a todos!



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Acordo em um local branco, mas esse não é o meu quarto habitual. É diferente. Há luzes por todos os lados e canos saindo do meu corpo. Meus olhos parecem desfocados e não consigo distinguir os donos das vozes, mas as reconheço.  Uma delas pelo menos.

— UTI! – a voz de James entra em meus ouvidos. Mais baixa que o normal, quase abafada. – Aguenta firme, Reese!

Ao meu lado sinto um toque bem leve segurando minha mão. Acho que é minha mãe porque consigo ouvir aquele gemido angustiado característico dela.

A dor volta a me castigar no momento em que atravesso uma porta grande e branca, então uma ultima pontada me atinge. Depois disso, não há mais nada.

Eu nunca parei para pensar no momento em que eu partiria. Na verdade, eu sempre acreditei que  viraria poeira de estrela quando morresse. Mas não foi isso o que houve. Na verdade não houve nada. Nem sequer morri, porque quando acordo definitivamente, me encontro em um local isolado por cortinas verdes e tenho a certeza de que o pior aconteceu: ainda estou viva.

Há eletrodos presos em meu peito semi-nu e as máquinas ao meu redor piscam e chiam sem parar. A orquestra de bips se mistura a conversas rápidas do que julgo ser a UTI do Saint Davynia. De repente, alguém aparece entre as cortinas.

— Reese? – a voz de James pergunta – Como se sente?

— Sonolenta. – respondo como se estivesse embriagada. James senta ao meu lado. Ele está vestindo um roupão verde e toucas cirúrgicas da mesma cor – O que aconteceu? Não consigo me lembrar.

— Você teve uma complicação durante. Porque não me contou que estava se sentindo mal?

— Porque queria ir ao casamento – respondo mau humorada.

— Você poderia ter morrido, Reese. – James segura minha mão fria entre as suas. O gesto é reconfortante, mas estranho.   – Deveria ter me contado.

— Você não deveria segurar minha mão dessa forma. É meu médico. – digo.

— Tem razão. Mas hoje não estou aqui como seu médico. Estou aqui como seu amigo. – James me encara com uma expressão que mistura preocupação e cautela. Há algo nele que lembra meu irmão, Artie. Talvez seja o fato de que vejo em James, um porto seguro. Alguém que entende os meus motivos de não querer mais viver e que apesar de tentar constantemente salvar minha vida, não me condena por querer morrer.

— Estou cansada, James. – digo reflexiva.

— É normal, você acabou de sofrer uma parada...

— Estou cansada de sobreviver.

Os olhos de meu amigo recaem sobre mim. Sinto se o olhar de James pudesse atravessar meu peito. Ele se mantém calado enquanto eu continuo:

— Lembra quando você disse que me diria quando eu estivesse condenada? Jura que vai cumprir sua promessa?

James parece perder o fôlego enquanto reflete sobre algo em sua mente,  então, inesperadamente ele pega uma caneta e anota algo em minha mão esquerda; em seguida toca meu rosto e sai do isolamento sem dizer uma única palavra. Depois, quando abro minha mão, vejo que bem na palma está escrito alguma coisa. Uma única frase. Eu sinto muito.

Sorrio ao constatar que James cumpriu com sua promessa.

Os dias passam, mas não tenho nenhum contato com o tempo porque as horas dentro da UTI são tão lentas que torna-se inútil contar.

Eu não morri na noite do casamento de Artie e Lexa. James vem me ver poucas vezes durante o dia, e quase nunca vejo minha família. Na maior parte do tempo de minha sobrevida monótona, passo sozinha tendo como música, os chiados e pios deprimentes das máquinas que me mantêm viva, mas em uma noite qualquer, há uma movimentação diferente na UTI.  Por entre as frestas das cortinas, vejo uma correria se instalando no local.

— Coloquem-no no oxigênio! – alguém grita do lado de fora de meu espaço reservado, tento aproximar-me para afastar as cortinas,mas quando o faço, uma enfermeira me impede.

— Ele está quase sem pulso! - uma outra voz responde de maneira agitada. Minutos agonizantes se passam, até que uma voz masculina se ergue sobre a agitação dizendo:

— É tarde demais – um longo período de silencio se instala na UTI até que outra voz diz:

— Hora do óbito, vinte e três horas e seis minutos.

Em seguida, ouve-se apenas o ranger de rodinhas saindo pelo corredor, então a UTI volta a ser o local silencioso de sempre. A morte chegou para uma pessoa ao meu lado. Isso é bastante sério se pensarmos que poderia ter sido eu. Poderia ter sido eu.

Naquela noite, quando adormeço, parece que se passaram apenas alguns segundos quando James me acorda com sua voz esganiçada.

— Preparem-na para o centro cirúrgico – ele orienta alguns enfermeiros, em seguida olha para mim e sorri – Boas notícias, Reese! – seus olhos brilham, e o resto de coração que ainda bate em meu peito se acelera quando o ouço dizer – Temos o doador.

***

Quando eu era pequena, sonhava em ser cientista da Nasa. Queria desbravar o espaço e fazer contato com ets. Mas então, veio o problema no coração, e os sonhos ficaram para trás. Cada dia da minha vida, era dedicado a garantir o próximo. Quando viver vira uma rotina, a vida perde o sentido.  

Durante todos esses anos, eu estive viva, mas nunca vivendo.  E eu deveria me apegar com todas as forças a ideia de um transplante, mas a notícia do tem um som diferente em meus ouvidos. Encontrar doadores é uma tarefa complicada, principalmente porque o paciente precisa vencer uma batalha antes de receber a doação: primeiro, é preciso que alguém morra; depois que a família dessa pessoa, no auge de sua dor pela perda do ente querido pense em salvar vidas através da doação dos órgãos; depois, há a classificação de necessidade, onde que tem menos tempo de vida é contemplado. Mas, ainda assim, depois de passar por todas essas etapas, existe mais uma, e talvez a mais perigosa delas: a rejeição, onde, como o próprio nome já diz, é um período onde seu organismo como se fosse um grande prédio residencial, faz uma reunião de condomínio para decidir se aceita o novo morador.  E como na maioria das reuniões de condomínio, essa tem grandes chances de acabar em confusão. Confusão essa que tem como consequência, a rejeição do órgão. E, mais difícil do que morrer por falta de esperanças, é morrer pelo excesso dela.

Quando entro no centro cirúrgico, uma mascara de gás é colocada em meu rosto e nos breves segundos que leva para que faça efeito, tenho tempo apenas de ouvir James desejando a sua equipe boa sorte.

***

Em algum lugar além do horizonte, duas crianças brincam no que parece ser um campo de flores, mas não qualquer flor. As crianças brincam em um campo de lavanda, onde as pequeninas flores roxas voam com o soprar da brisa, deixando nítido o perfume no ar.

As duas crianças, um menino e uma menina, correm até que a garota de repente cai no chão. Desesperado, o garoto corre até ela e a socorre.

— Não morra! – o menino diz – Fica comigo. Eu te proíbo de morrer, Rain.

Rain.

Me lembro quando papai deu esse apelido a mim, na noite em que eu disse a todos durante o jantar que quando crescesse, trocaria meu nome de Reese, para Rain. Porque eu queria ser livre como a chuva.

A garotinha sou eu, com oito anos. Caindo no campo de lavanda. Sentindo a primeira pontada no coração. A primeira de muitas.  Mas como se fosse um truque de mágica, no instante seguinte, não há mais dor. Apenas uma cicatriz que se estande pelo meu tórax, onde o sinto pulsar de maneira leve e ritmada.  Em seguida, tudo  se desfaz e acordo com a voz de minha mãe dizendo que já é hora de acordar.

***

— Você tem médico agendado para essa manhã, não se esqueça,  - minha mãe diz enquanto abre as cortinas de meu quarto – Reese! Vamos, acorde!

Me demoro na cama por mais alguns minutos e é involuntário ficar tocando a cicatriz em meu peito. A coisa pinica e incomoda como se um grupo de formigas estivesse construindo um formigueiro ali.

O coração foi doado há pouco mais de dois meses, e depois de um período de isolamento finalmente tive alta do Saint Davynia, mas isso não significa que eu esteja livre dos médicos. Pelo contrário, preciso me consultar a cada quinze dias para ter certeza que o condomínio que é o meu corpo, anda se dando bem com o novo coração.  Então, naquela manhã, quando pergunto a James se está tudo bem, ele responde positivamente. O coração está se adaptando bem a mim.

— Já pensou em que vai fazer agora que é uma pessoa saudável? – James pergunta em tom de brincadeira.

O que eu vou fazer agora que sou saudável? Eu nunca parei para pensar nisso. Pensei em tantas coisas, mas nunca em o que fazer agora que tenho um novo coração. Acho que isso se deve ao fato de que não estava nos meus planos fazer uns transplante. Eu havia me planejado para morrer, não para viver. E agora, pensando bem, depois do casamento de Artie, não tenho mais nenhum plano. Nada com o que eu queira ocupar meu tempo, mas James é do tipo que precisa de respostas, então eu apenas digo:

— Vou viajar. Acampar. Plantar uma árvore, sei lá...

James me olha com aquele famoso olhar do “eu te conheço muito bem para saber que você não vai fazer nada disso”, e ele está certo. Odeio viajar. Detesto acampar e plantar árvores não entra na lista de coisas que eu gostaria de fazer.

— De qualquer forma, espero que aproveite – James diz – Você teve uma nova chance, Reese. Não a desperdice.

Nos dias que se seguem, muito embora eu faça alguns planos, acabo sempre no sofá da sala vendo televisão. E os dias passam, e meu novo coração parece nem existir porque não há mais nem sinal de dor ou incômodo. Quando setembro chega, vem com ele uma coisa estranha.

— Reese McHollen? – o carteiro diz assim que me vê – Pode assinar, por gentileza?

Assino o recibo e em troca, recebo um pequeno pacote de papel pardo onde no remetente existem apenas as iniciais “AR”. O endereço é o mesmo de onde fica o hospital Saint Davynia.  No pacote misterioso, apenas um envelope e um dvd sem identificação.

Várias coisas se passam em minha mente, desde imagens obscenas até um ataque terrorista, o que faz com que eu evite os objetos por algumas horas, mas a noite,  sozinha em meu quarto, decido quebrar de vez minha curiosidade. Por alguma razão, acabo assistindo ao dvd primeiro. A apreensão toma conta de mim no momento em que a imagem se forma na tv. E então, uma gravação amadora tem inicio.

— Testando. Um, dois, três, testando – diz a voz vinda da gravação – Tá gravando? É, tá gravando.  

Em seguida eu vejo seu rosto. O rapaz de cabelos loiros que caem em ondas pela testa mantém um ar alegre e descontraído enquanto fala e seus olhos, muito azuis, expressam calmaria.  O rapaz parece ter a minha idade e demonstra intimidade com a câmera, sobretudo, demonstra facilidade para falar como se as falas estivessem ensaiadas há muito tempo.

— Oi – o garoto diz através da tela da tv e eu, tomo um susto porque ele fala como se pudesse me ver – Eu sou o Alex, Alex Riversong e eu amo a vida, mas isso não é importante. – agora as iniciais fazem sentido “AR” – Quando você estiver assistindo esse vídeo, eu já estarei morto há bastante tempo, mas não totalmente. Calma, eu explico. Coloque a mão no seu peito – Alex faz uma pausa; e como naqueles desenhos da Dora Aventura, involuntariamente obedeço a ordem – Tá sentindo? Esse sou eu, vivendo em você. Esse é o meu coração. Na verdade, nosso. Eu decidi dividi-lo com você, por dois motivos: 1. Eu  sou uma pessoa legal. 2. Porque eu sei que vou partir em breve e existem muitas coisas que eu não vou ter tempo de fazer como Alex. E se eu viver em você, posso faze-las. – a gravação tem uma pausa de mais ou menos um minuto, onde Alex parece refletir sobre o que disse, em seguida, ele respira fundo e volta a falar – Eu te proponho um acordo pessoa que está com o meu coração. Você tem meu coração em seu peito, mas ele só será seu de verdade, depois que você cumprir dez etapas. As dez etapas estão escritas em um papel que está dentro desse envelope que veio junto com este dvd. – meus dedos tocam o envelope em cima da cama; Alex respira fundo mais uma vez – Prometa para mim que vai cumprir essas dez etapas e depois o coração será seu.  Obrigada, pessoa.

A gravação se encerra continua por mais alguns minutos, mas eu não vejo o restante. Não sei o que pensar porque ainda me encontro paralisada com o teor do dvd. É como se fosse uma piada. Uma piada sem graça e até mesmo aterrorizante, tão estranha e impensável que desligo o dvd e o jogo no lixo, junto com o envelope citado por Alex.

— Tudo isso é loucura, Reese – digo a mim mesma enquanto tento dormir, mas nada que eu faça, me ajuda a descansar. A todo momento revivo as falas de Alex em minha mente, e como se fosse um objeto de tortura, meu coração pulsa cada vez mais forte até que num único salto, me levando da cama e corro até a lixeira, resgatando o envelope e o dvd. – É claro que não vou cumprir nada, e é claro que não é verdade. Apenas por curiosidade...

Abro o envelope sentindo um misto de apreensão e desprezo pelo conteúdo que ainda nem li. Retiro uma folha amarelada dobra em quatro partes. A caligrafia é horrorosa, mas legível  e me permite ler com um certo esforço. No topo da folha, um título pare piscar em letras garrafais:

“COISAS QUE O ALEX QUERIA FAZER MAS NÃO TEVE TEMPO”

Logo abaixo, uma lista com dez etapas. Mas não etapas de uma provas, são mais como tarefas.

Plantar uma árvore;

Pular de para quedas

Percorrer de bike um trecho da rota 66;

Acampar no deserto do Arizona

Encontrar um lar para Amy, a cadela cega do Canil Dansis Dog;

Contar histórias para as crianças da Brook Children;

Estar em dois lugares ao mesmo tempo;

Ser útil a uma causa social

Conhecer o mar

Escrever um livro.”

No fim da lista, antes de assinar, Alex escreve uma ultima frase.

“Lembre-se, pessoa. A vida vale a pena. Às vezes ela pode ser amarga e difícil, mas acredite. Ela sempre valerá a pena.” 

 

Volto a olhar para a tv e encontro o vídeo pausado enquanto Alex Riversong me olha como se pudesse me ver através da tela. Seu olhar é de alguma maneira predador. É como se a qualquer momento ele pudesse sair da tela da tv e saltar até mim, mas isso não acontece. E isso é uma coisa aterrorizante. 


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Notas finais do capítulo

Obrigada a todos!
Bem, fique a vontade para comentar se quiser...é de graça e ainda motiva a autora.
XD