A história de um portão escrita por Isabela Na Janela


Capítulo 1
A história de um portão (cap. único)


Notas iniciais do capítulo

Escrita em 15 de dezembro de 2014.



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Esta é a história de um portão.

Um portão que, apesar de não receber admiração merecida, era feliz.

Seu porte alto, branco, longo, de metal e seus bonitos e complexos detalhes lhe davam o mérito de portão mais bonito da rua. Ele se orgulhava disso.

Todos os dias, as mãos quentes de alguém da família Ângulo lhe tocavam no corpo metálico e o fazia deslizar. Ele, por sua vez,  deslizava facilmente até seu repouso e essa era a melhor sensação de sua vida. Sentia livre, relaxado e satisfeito sempre que isso acontecia. Mas tal prazer dava-se pelo deslize em si, mas pelo toque que recebia para exercer tal ação.

Veja bem, às vezes a ventania batia em seu metal, assim como água ou as patas do cachorro da família. Todavia nada se comparava ao acaricio das mãos humanas. Eram únicas, macias, quentes, com textura singular...

Ah, e sentia-se tão contente nos dias chuvosos! Recebia como prova de amor toda vez que alguém da família ficava em baixo da chuva apenas para lhe entregar o cafuné cotidiano.

Gostava até quando o filinho mais novo e muito imaginativo tratava-o como uma grande montanha, e usando seus detalhes sobressaídos, escalava- o até o muro.

Ser acariciado era apenas um... digamos, salário por cumprir tão prazerosamente sua função maior: proteger sua família.

Impedia qualquer estranho de entrar naquela casa.

Ah... Como a vida lhe era boa!...

Até que um dia, o outro chegou.

O motor.

Feio, ranzinza, sem nenhum detalhe ou decoração, e  bem menor que o próprio portão, foi posto num suporte acima de si, no lado de dentro do muro.

O motor recebia ordens de um controle, que era ainda bem menor que o próprio. Quando o botãozinho era apertado, o arrogante motor lascava um choque nas costas do nosso amigo e ele, sem conseguir se controlar, era forçado a deslizar-se.

Do dia para a noite, não havia mais mãos a acariciá-lo; e deslizar-se, a coisa que mais o fazia feliz, tornou-se um pesadelo.

A família nunca mais encostara sequer um dedo em seu corpo metálico.

Os anos iam passando, e as ausências de carícias aumentavam. Às vezes, chegavam tão perto dele que o coitado enchia-se esperanças, pensando que iam abri-lo com as próprias mãos. Mas sempre se enganava. Quando via, o botão era acionado, suas costas machucadas, e ele, exausto, deslizava-se.

Já odiava a vida que tinha. Sua família não mais descia do carro para abri-lo. Sua vida era monótona e dolorida. O máximo que arranjava, de afeto, era quando um visitante chamava alguém dentro da casa e segurava em suas grades, como costume.

Mas tal prazer era curto, pois sempre que uma visita fazia o movimento, logo vinha o cachorro, todo nervoso, e pulava em si, fazendo o portão balançar e arranhando- o com suas garras.

Sua pintura, com o tempo, foi descascando e logo virou ferrugem. Seu deslize, que antes era perfeito e gostoso, criou dificuldades. Estava velho.

Não aguentando a vida que tinha, pensou-se em se suicidar. Mas não viu como. Afinal, era apenas um portão inanimado, controlado por um objeto, que para desaforo, era dez vezes menor que si mesmo. Sentia saudades de sua juventude. Sentia saudades do afeto.

Até que, certo dia, o motor começou a tossir, uma tosse periódica. Não demorou um dia para que tivesse um piripaque. Falhou no meio do trabalho, deixando o portão meio aberto.

O dono da casa, pai da família, arrancou-lhe de seu suporte e examinou-o. Fez uma expressão séria e fechada, dizendo a todos que o motor chegara ao fim. Não funcionaria mais. Dito isso, o jogou no terreno baldio duas casas abaixo da sua.

O portão não acreditava no que ouvia. Só podia ser um sonho! Teve uma recaída, de, por um segundo, sentir pena do velho, mas a animação era maior.

Em seguida, a dona de casa terminou de desliza-lo com as próprias mãos, e esse era uma lembrança que para sempre levaria. Há tanto tempo não sentia esse toque: o da mão humana. Esquecera o quanto era macia...

Seu deslize estava duro e era difícil empurra-lo, então tomaram a providência de aplicar em suas rodas um produto, e em cinco minutos, ele voltara a ser o bom e velho portão com belos detalhes de sempre!

Agora, sua vida voltara ao normal. Muitas vezes os moradores de sua casa abriam-no com certo ar de desdém (tinham desacostumado ao esforço). Mas isso não importava. Pois sua vida tinha voltado a ser o que era, e ele estava fazendo o que mais amava.


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