São João [CcL 10] escrita por Lady Lanai Carano


Capítulo 1
Capítulo Único - São João


Notas iniciais do capítulo

Hello! ;D
Bom gente, aqui vai uma one-shot fresquinha do Café com Letra 10! Espero que agrade ^^ e eu fico feliz de poder participar do meu quinto café!
Beijos de Mel ^^



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Era dia onze de junho, sábado, às seis e trinta e quatro da noite.

Eu estava ajudando as criancinhas adoravelmente barulhentas em suas pescarias, querendo simplesmente desfazer aquelas trancinhas idiotas e me empanturrar de pipoca e milho cozido. As festas juninas do bairro eram divertidas, a menos que você seja um dos sorteados para ajudar nas barraquinhas. 

Acredite em mim. É um inferno. Experiência própria.

Eu estava devaneando sobre como quando eu tivesse trinta anos e estivesse multimilionária, importaria robôs do Japão e faria eles trabalharem nas festas juninas, quando ouvi uma voz familiar atrás de mim.

— Se o mundo estivesse morrendo de fome e dependesse de quantos peixes você pescava, eu já estaria dando adeus à minha família. - Tomei um susto e derrubei a vara que eu estava segurando, prestes a entregá-la a uma das crianças.

— Vai arrumar o que fazer, filho de uma rapariga - xinguei, voltando ao que eu estava fazendo, tentando ignorar a presença do meu odiável melhor amigo.

— Ah, para. Você ama a minha mãe - Daniel cantarolou - Vou contar pra ela que você chamou ela de rapariga.

— Em Portugal rapariga não é xingamento, ora.

— Então você não quis me xingar?

— Argh! Vê se some, praga. - O empurrei para fora da barraquinha. - Se não for ajudar não atrapalha.

— Eu vim aqui pra chamar você para assistir ao casamento caipira. Vai começar daqui a pouco. - Franziu a testa. - Eu estou aqui para prestar meus humildes serviços de melhor amigo e você me trata assim? Você sabe, Deus não aceita amigos como você no Céu. Você vai apodrecer nas profundezas do inferno enquanto eu vou estar lá no Céu, tomando quentão com São Pedro e rindo da sua cara.

— Tá bom, eu vou, se isso fizer você calar a boca. - Mesmo fingindo estar irritada, eu estava aliviada por finalmente estar livre, pelo resto da noite. Saltitei alegremente, ignorando as criancinhas decepcionadas, e puxei Daniel comigo. 

Me meti entre as pessoas nas duas fileiras que cercavam a rua. O casamento caipira não era o meu evento favorito de São João, mas ao menos era o meu timing para parar de trabalhar e deixar um outro coitado qualquer tomar o meu lugar. E também era uma oportunidade para morrer de inveja de quem for a noiva, já que o noivo era sempre o mesmo: Gabriel Benutti.

Sabe aquele clichê do garoto perfeito que todas morrem de suspiros por ele? Gabriel era assim. Todas as garotas amavam ele, inclusive eu. Já perdi as contas de quantas rezas eu fiz a Santo Antônio para ser a noiva em todos os casamentos caipiras, mas eu sempre saía decepcionada. Daniel dizia que Santo Antônio não atendia as minhas orações porque ele sabia que Gabriel não me merecia. Nunca lhe dei ouvidos quanto a isso.

Não demorou muito tempo e Gabriel apareceu. Foi possível ouvir o som de dezenas de garotas suspirando ao mesmo tempo. Involuntariamente, alisei a minha camisa xadrez e apertei os lacinhos de fita na ponta das minhas tranças. Minha mãe sempre reclamou da minha postura e do meu relaxo; mas isso é porque ela nunca me viu quando Gabriel passava.

Depois, veio a noiva. Me lembrava vagamente dela; acho que estudava no meu colégio. Era bonitinha, e estava tão nervosa que parecia que ia desmaiar a qualquer momento. Não consegui julgá-la, porque acredito que ficaria do mesmo jeito no lugar dela.

— Não vejo graça nisso - Daniel reclamou, entediado, do meu lado. - Vamos, logo logo vão acender a fogueira. E eu quero ver você pular dessa vez!

— Aposto que eu consigo - falei, com um sorrisinho de canto, enquanto pegava arroz de um saco que uma mulher ao meu lado carregava e jogava nos noivos que passavam. Ela me olhou feio, mas não falou nada.

— Aposto que você não consegue sem queimar suas calças - Daniel retrucou, me cutucando com o cotovelo, de brincadeira.

— Mesmo depois de cinco anos, você não esquece disso, não é? - bufei, batendo minhas mãos uma na outra para que o resto de arroz desgrudasse. 

— Eu não seria humano se esquecesse.

Revirei os olhos e seguimos o fluxo de pessoas até a fogueira. Ela sempre ficava bem no centro da rua que o governo trancava para fazer a festa junina. Era um grande círculo de pedras com várias toras de madeira embebidas em álcool no meio. Eu e Daniel chagamos a tempo de ver os moradores jogarem fósforos e acenderem a fogueira.

Depois, todos aplaudiram e começaram a acender os seus fogos de artifício e brinquedos com tendências piromaníacas. Mesmo que a rua tivesse ficado um caos, a luz daquilo tudo iluminou a noite de um jeito inexplicavelmente bonito e mágico. Era naqueles raros momentos que eu amava ter nascido no Brasil.

Como toda festa junina, eu e meu melhor amigo tivemos que fazer besteira. Desafiei Daniel a acender uma vela de estrelinhas na boca, mas o idiota acabou ateando fogo no cabelo de uma mulher à nossa frente, e saímos de fininho antes que ela percebesse. Depois, ele me provocou, me chamando de baixinha, e dizendo que eu não conseguiria alcançar as bandeirolas. Acabou que eu derrubei ele no chão, por pura frustração, e subi em cima dele para conseguir mais altura e tocar as bandeirinhas de papel.

Minha mãe odiava que eu fizesse aquele tipo de coisa (lê-se: estragando festas juninas); achava que eu era bruta demais para uma menina. Mas como ela estava trabalhando na barraca de comida, não conseguiria me vez espancando Daniel e queimando cabelos alheios.

Ah, eu amava São João!

Algum tempo depois, a fila que os moradores fizeram para pularem a fogueira ficou menor, e eu entrei nela. Todo ano eu tentava, mas nunca conseguia sair sem ficar chamuscada. Mas dessa vez eu ia conseguir, com certeza!

Chegou a minha vez. Vi Daniel do outro lado da fogueira, parecendo duvidar completamente da minha capacidade. Aquilo me deu forças para me impulsionar para frente e saltar a fogueira.

— Eu consegui! - cantarolei. Então, algo deu errado. Aparentemente, eu calculara mal a minha trajetória, e caí bem em cima de Daniel.

Prendi a respiração. Eu sentia os meus joelhos doendo; provavelmente estavam ralados. Mas acredito que o baque das costas de Daniel no chão tenha doído mais.

Eu estava tão confusa que minha mente se ateu a detalhes irritantes; como as pontas das minhas trancinhas estarem chamuscadas, ou como meu coração batia em ritmo descompassado. É adrenalina, pensei. Apenas isso.

— Você se queimou. - Daniel ergueu uma sobrancelha, mas também parecia estar com a respiração acelerada. - Venci a aposta.

— As minhas calças estão intactas. - Finalmente, recobrei minha lucidez e me ergui, batendo a sujeira do corpo, mesmo que quem mais precisasse daquilo fosse ele, não eu. Mas eu senti necessidade de fazer alguma coisa para disfarçar o nervosismo.

— Sendo assim, aproveita e usa meu dinheiro para pagar um cabeleireiro. Seu cabelo vai ficar um desastre depois disso. - Daniel se levantou, mas não me olhava nos olhos. O que diabos tinha sido aquilo?

— Meu cabelo já é um desastre naturalmente. - Segurei minhas tranças e tive um ímpeto de soltá-las. Na verdade, eu queria simplesmente ir embora. Tinha alguma coisa errada comigo.

— Olha, amanhã você poderia... - Daniel foi interrompido do que quer que fosse dizer por alguém me chamando.

— Você é a Agatha, não é? - Olhei na direção da voz e me surpreendi por ser Gabriel. Ele deu um sorriso charmoso e tentei não pensar em como eu estava horrível.

— Ah-Ah s-sim, e-eu s-sou a Ag-gatha - gaguejei pateticamente.

— Amanhã é dia doze, sabe? - Gabriel disse, casualmente, e senti meu coração disparar. - E então? Quer sair comigo? 

Quase tive uma parada cardíaca ali mesmo. Gabriel Benutti, me convidando para sair, no dia dos namorados?

Olhei para o lado e vi uma cena que nunca pensaria ver antes. Daniel me olhando com reprovação, mais sério do que nunca tinha sido comigo. E, por trás disso, uma mágoa que me fez ter vontade de me jogar na fogueira por sentir uma culpa que eu nem sabia de onde tinha vindo.

Eu sabia o que deveria falar. Garotas matariam para ter aquela oportunidade. Eu tinha que aceitar, e realizar o meu sonho. Eu vou aceitar...

— Não. - Me peguei dizendo. Tanto eu quanto Gabriel e Daniel ficaram surpresos.

Não?— Gabriel repetiu a palavra lentamente, com descrença. - Você sabe que garotas matariam para ter essa oportunidade, não é?

Claro que sim. Eu acabei de mencionar isso.

— Desculpa. Mas eu tenho outros planos para o dia dos namorados amanhã. - Sacudi a cabeça. - E deixe essa de matar para as outras garotas. Posso ter cara de psicopata, mas não curto assassinato, entende.  - Fiz um V com o indicador e o dedo médio. - Paz e amor.

Gabriel me encarou, como se eu fosse louca, e com o orgulho obviamente ferido. Deu meia-volta e se misturou à multidão. As garotas que acompanhavam a cena me olhavam como uma aberração da natureza, enquanto Daniel estava com as mãos na boca, parecendo prender mais um de seus risos escandalosos.

— Tem razão, Daniel. Santo Antônio sabe que ele não me merecia - disse, alegremente. - Não sei se eu quero sair com um cara que vinte minutos depois de casar, mesmo que não seja de verdade, vai atrás de outro rabo de saia.

— E quem você acha que merece você? - Daniel perguntou.

— Como eu vou saber? - perguntei, nervosa. - Por que a pergunta?

— Eu quero só saber quem é o ser vil e cruel que conseguiu a proeza de merecer esse demônio. - Gritei de ódio e comecei a bater nele, enquanto Daniel dava uma risada tão alta que quase se sobrepôs à música.

E você ficou com ele, Agatha?, vocês me perguntam. Ah, do que importa? Deixo por conta da imaginação de vocês. Mas de uma coisa eu tenho certeza: dentre todas as histórias que existem no mundo, essa é uma daquelas com final feliz.


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Notas finais do capítulo

Não ficou das melhores, mas é sempre um prazer participar ♥
Obrigada por chegar até aqui!
Beijos de Mel ^^