Pandora escrita por larissmp


Capítulo 2
capítulo I – Yazoo, a bola de pelos


Notas iniciais do capítulo

Obrigada a todos que comentaram no prólogo e boa leitura.



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Já passava das nove horas quando eu finalmente alcancei a entrada do prédio. Os cabelos presos em um rabo de cavalo desleixado, roupas amassadas e a vontade de viver quase extinta graças ao maravilhoso engarrafamento de duas horas que eu havia acabado de enfrentar.

Empurrei com dificuldade o portão elétrico e o Sr. Grayson nunca pareceu tão contente em me ver. Aquele sorriso de covinhas que era sua marca registrada e geralmente conseguia desarmar até o mais nervoso dos moradores, não parecia estar sendo muito efetivo no momento, a julgar pela expressão no rosto do outro cara parado a poucos passos de onde eu estava.

Os fios negros espessos cobriam quase por completo seus olhos também escuros, a pele era tão pálida quanto a minha, o nariz fino e ele tinha um físico magro que era acentuado pelo casaco grande de aspecto surrado.

— Sr. Sayers. – Grayson suspirou, tentando manter o seu famoso tom gentil. – Eu não faço a menor ideia onde o seu gato possa estar. – acrescentou em seguida, antes de voltar seu olhar em minha direção. – Boa noite.

O proprietário do gato desaparecido soltou um grunhido, claramente irritado por seu problema gravíssimo estar sendo ignorado pelo nosso adorável porteiro, antes de dar meia-volta e partir rumo ao único elevador que ainda funcionava.

— Dia difícil? – perguntou enquanto separava minha correspondência sobre o balcão.

— Eu poderia perguntar a mesma coisa. – retruquei, indicando com o polegar o caminho que o cara tinha acabado de tomar.

— Os Mets venceram a partida de ontem. – pausou, empurrando os óculos meia-lua para cima. – Nem aquele rapaz esquisito do 507 e a Sra. Keaton juntos poderiam estragar o meu humor.

Arregalei os olhos, surpresa.

— Achei que ele fosse algum tipo de eremita perturbado que só saísse depois da meia-noite. – foi impossível evitar o comentário. Crescer com uma mãe espalhafatosa e um pai rígido havia me transformado em uma pessoa incapaz de manter a boca fechada e excessivamente crítica.

O homem idoso rapidamente levou a mão até a boca para esconder uma risada.

Despedi-me com um aceno educado e segui caminho pela escada. Não que eu gostasse de exercícios ou tivesse muita disposição para subir os cinco lances todos os dias, mas o edifício Bougainville não era exatamente conhecido pelo maravilhoso funcionamento dos seus elevadores.

As luzes se acenderam em um piscar de olhos assim que eu entrei no corredor. Tirei o molho de chaves do bolso, apenas por via das dúvidas, e fui em direção ao número 506. Abby tinha o infeliz hábito de sempre manter a porta destrancada quando estava sozinha, não importando quantas vezes eu já tivesse dito que isso era muito idiota e perigoso.

Um empurrão suave na madeira foi o suficiente para confirmar minhas suspeitas. Abigail cochilava com a boca aberta sobre o sofá – ato que provavelmente lhe renderia dores mais tarde – enquanto "Amor Sem Escalas" era exibido na televisão. Abby estava dando um novo significado a palavra "fossa" e, no momento, isso com certeza era mais preocupante que o péssimo gosto dela para namorados.

Pendurei o casaco no suporte ao lado da porta e praticamente arranquei os sapatos antes de ir aos tropeços em direção ao meu quarto. Eu precisava de um banho, roupas confortáveis, compressa quente e um spray antisséptico para bolhas.

Paredes claras, móveis antigos, uma escrivaninha lotada de livros e pilhas de bagunça. Nada muito extravagante, exceto, talvez, aquela criatura não identificada estirada confortavelmente sobre a minha cama.

Foi impossível evitar o grito estrangulado quando a bola de pelos cinzentos se remexeu em cima dos meus lençóis e me fuzilou com seus olhos amarelos. E, a julgar pelo barulho vindo da sala, o felino não era o único que eu havia acordado. Segundos depois, Abby apareceu no vão da porta, armada com a sua melhor expressão intimidadora e um taco de beisebol profissional.

— Por que tem um gato na sua cama? – ela perguntou logo que notou a presença do animal.

— Excelente pergunta, Abigail. – murmurei, irritada. — Como você acha que ele veio parar aqui?

— Quê? Como isso pode ser culpa minha? – a loira rebateu, indignada, e eu revirei os olhos. – Tudo bem! Talvez seja verdade. – admitiu a contragosto. – Mas acidentes acontecem, Bonnie. E, do jeito que você cozinha, a probabilidade de alguma coisa pegar fogo aqui é imensa.

— Eu vou matar você. – declarei, quase espumando de tanta raiva, antes de encarar o animal outra vez. Tirando os gatos e aquele casal de monstrinhos que a Sra. Keaton criava com tanto amor e quilos de ração, eu realmente gostava de animais. É sério. – Assim que me livrar dele.

— É só um gatinho. – disse ela, finalmente deixando de lado o taco. – Aliás, de onde ele veio?

— Apartamento 507.

— O vizinho novo? – assenti. – Como você sabe?

— Isso não importa. – respondi, movendo as mãos em sinal de descaso. – Tira ele daí. Agora.

Eu tinha quase certeza que, em um lindo universo paralelo em que eu não estivesse com os pés destruídos, suada e completamente exausta, teria sido uma pessoa muito mais compreensiva com o pobre invasor, independente de ser ou não um felino abusado.

— Sua falta de gentileza é comovente. – resmungou enquanto se aproximava da cama, imediatamente atraindo atenção do cinzento que mantinha as orelhas em pé, com as costas inclinando ligeiramente para frente.

Então, quando as mãos de Abby estavam perto o suficiente para agarra-lo, a bola de pelos lançou o corpo para frente com um impulso rápido antes de tentar afundar aqueles dentinhos afiados na sua mão esquerda. De um segundo para o outro, a loira já se encontrava encolhida na outra extremidade do quarto, inspecionando a própria palma com os olhos arregalados, como se fosse impossível acreditar que ela ainda estava inteira e no lugar. Nem eu acreditava, na verdade.

— Jesus! – ofegou. – Ele...

— Quase arrancou sua mão? – completei. – Sim.

— Aonde você pensa que vai? – Abby berrou assim que eu coloquei os pés fora do quarto. O carpete grosso da sala detonando ainda mais minhas bolhas.

— Buscar o dono dessa coisa.

Refiz o caminho até o corredor e, respirando bem fundo, parei em frente ao quinhentos e sete. O som da campainha era estridente e reverberou pelo resto do andar. Em seguida, a porta do apartamento foi aberta abruptamente e eu imediatamente recuei um passo.

— Sim?

Agora, olhando-o tão de perto, eu conseguia notar as olheiras escuras abaixo dos olhos e algumas sardas espalhadas pelo seu rosto. Apesar da aparência comum, as roupas horríveis e o tom nada educado, ele definitivamente não poderia ser considerado alguém feio.

— O gato. – minha voz acabou soando um pouco mais alta e idiota que o necessário. Malditos hormônios. – O seu gato está no meu apartamento. – tratei de me corrigir rápido.

— Você roubou o Yazoo? – perguntou, irritado, como se aquele fosse um verdadeiro crime digno da pena de morte.

— NÃO! – exclamei, balançando os braços em desespero. Qual era o problema desse cara? – A porta estava aberta e aquele bicho idiota achou que podia entrar e tirar um cochilo na minha cama.

Ele arregalou os olhos, assustado, como se não esperasse essa explosão. Eu quase conseguia ouvir a voz da minha mãe ao fundo da minha mente, resmungando que uma "jovem dama" não deveria se comportar assim na frente de um rapaz.

Ele fez um som totalmente desagradável com a boca – quase de escárnio – e passou por mim.

Abby continuava parada no mesmo lugar, como se qualquer movimento brusco fosse desencadear o modo assassino de Yazoo, a bola de pelos, enquanto o vizinho desconhecido – porquê eu simplesmente não havia me dado ao trabalho de perguntar o seu nome – invadia sem peso na consciência o meu antro de bagunça.

— Por que tem um taco no chão? Vocês planejavam matar o meu gato? – questionou. O cinzento mais uma vez tinha assumido uma posição confortável e agora balançava o rabo de um lado para o outro.

— Era a primeira opção. – dei de ombros, esperando do fundo do coração que ele não fosse mentalmente incapacitado de entender ironias e membro da sociedade protetora dos animais. Seria uma combinação terrível. – Mas Abby é uma covarde e eu tenho braços curtos.

— Bonnie! – Abigail guinchou, finalmente se dando conta da nossa presença. – Achei que fosse um ladrão. – tentou explicar ao outro indivíduo da espécie humana. – Por isso o taco.

— Claro. – ele respondeu, parecendo nem sequer um pouco convencido.

Yazoo então arregalou os olhos amarelos, tratou de expor os dentes quando seu dono se aproximou e, assim como antes, impulsionou o corpo para frente e, devo ressaltar, sem dó algum cravou os dentes na mão dele.

— Sangue! – exclamou, apavorada, no segundo que o líquido vermelho começou a escorrer pelos dedos do nosso vizinho e pingar no meu chão. – O que nos vamos fazer? – levou as mãos aos fios claros em desespero. – Eu acho que tenho gaze e soro em algum lugar no meu armário, talvez...

— Vai ficar tudo bem. – tranquilizou, interrompendo Abby com uma careta desconfortável. – Uma hora ele vai acabar soltando.

Uma hora? — foi a minha vez de ficar perplexa.

Ele é só um bicho idiota. — seus olhos faiscaram quando ele repetiu a mesma frase que eu havia dito minutos atrás.

Ficou claro que nosso vizinho – ainda sem nome – não esperava uma resposta, porque no minuto seguinte já havia virado as costas e partido com seu adorável felino raivoso.


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Notas finais do capítulo

Elogios, críticas construtivas e sugestões são sempre bem-vindos. Por favor, comentem no capítulo. São 14 pessoas acompanhando a história mas só 3 comentaram no anterior. Isso é muito desmotivador. Quero saber o que vocês estão achando, então não sejam tímidos e deixem suas opiniões aqui embaixo. ♡
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