"Todos os minutos passando

Estou cansada de me sentir usada

Se você quiser derrubar estas paredes

Você vai se machucar"
                                                            (Halsey-Castle)

  Arielle estava deitada no carpete da sala, aquele veludo vermelho à sua volta parecia não ter fim. A maciez a deixava calma e ela estava distraída ao ver o tempo passar. O relógio a sua frente martelava os ponteiros, um “tic-tac” que irritaria a qualquer pessoa, menos à Arielle.
  A casa estava completamente silenciosa, a não ser pelo relógio, afinal os pais da pequena haviam saído para trabalhar. A garota estava repleta de alegria antes de perceber que a missão que seus pais haviam lhe dado de explorar a casa nova, na verdade era um jogo tedioso.
— Os tesouros do mar — a garota cantarolou sem emoção — deverá procurar.
  Ela pensou ter visto uma sombra ao lado da parede, porém não queria tirar os olhos esverdeados dos ponteiros.
— E o que quiser vai encontrar.
  A sombra apareceu novamente, dessa vez não tão rápida e próxima, mas sim lenta e distante. Os olhos assustados deixaram o ponteiro barulhento e seguiram sem decisão a linha de madeira que formava o chão. Um rato? Sim, apenas um rato.
  Ariel levantou-se e alinhou a fantasia de pequena sereia ao corpo, tendo dificuldade em andar até o bichano. Seus olhos eram inteiramente amarelados e julgavam profundamente a menina sereia, que mantinha os olhos presos ao mesmo. Logo, correu os olhos por aí, reparando em possíveis locais de fuga. Havia uma lareira apagada que espalhava cinzas por todo o cômodo e deixava Ariel com uma aparência sombria, um carpete vermelho ao qual nem iria pensar em se esconder embaixo e um sofá velho e mofado. A porta era seu único privilégio -e como ele queria fugir- mas a pequenina insistia em continuar estudando-o.
— Você... — ela sussurrou aproximando sua delicada mão.
  O rato disparou bem mais que o pobre coração da garota tola após levar um susto, afinal não esperava que ele se afastasse.


  Durante o jantar, seu pai e sua mãe permaneceram calados, comiam apressados e pareciam não perceber o péssimo gosto da comida.
— Filha, amanhã você irá para a escola nova. — sua mãe afastou o garfo tempo suficiente para falar.
  Aquela ideia fazia os pelos de Arielle se eriçarem, coisas horríveis aconteceram quando ela foi à última escola e com certeza iriam acontecer novamente.
  Inquieta, começou a bater a unha grande na mesa imitando o barulho do relógio, ou melhor dizendo, para ela as melodias eram parecidas e suaves.
— Pode parar com isso, querida? Estou concentrada em um pensamento.
  A garota pensou em como queria dividir o fato de ter visto um rato com a sua mãe, porém a senhora Schlüter não era mais a mesma, o trabalho tomou todo o seu ser, sua alegria e diversão. Todo o seu brilho.
  Ariel olhou para seu prato ainda cheio, logo em seguida pegando-o discretamente e direcionando até debaixo da mesa, aonde o Júpiter esperava lambendo os beiços. Belo cachorro.
— Com licença, já acabei meu jantar. Irei subir para meu quarto. — disse enquanto arrastava a cadeira com cuidado, acostumada com a falta de atenção dos pais.
  Ela subiu a escada sorrateiramente, imaginando-se como uma bela moça elegante, logo caindo na gargalhada. Isso definitivamente combinava muito com ela.
  Enquanto seguia pelo enorme corredor com inúmeros quartos desnecessários, sentiu se estranha sem ao menos saber o porquê.
Sexto quarto a esquerda, era esse o seu aconchego.
  Entrando ali, ela escovou bem os cabelos loiros e quase transparentes, aqueles que iam até o ombro e eram completamente ondulados nas pontas. 
Você é uma monstra.
  Ela relembrou o que reviveu na escola anterior, mas não poderia acontecer novamente...e nem iria, ela tinha certeza. Ou queria ter.
  Deitando na cama e abraçando seu peixinho de pelúcia, perdeu-se em seus sonhos.
  Arielle acordou minutos depois com alguns ruídos debaixo de sua cama. Por impulso e medo, logo abraçou o travesseiro. Apesar de ter se levantado mansamente e abaixado a cabeça para enxergar melhor o que havia ali, ela sabia que algo estava errado. Logo, seus fios de cabelo curtos encostaram no chão, balançando ao som do relógio de seu quarto. Olhos amarelos, ela se lembrava de ter visto isso. Poderia jurar ter ouvido o rato falando em seus pensamentos. Mal sabe você, pequena Sunshine, que o dia de amanhã lhe trará muito azar.
  Para a garota, o estranho não era ter ouvido o rato falar, mas sim ele a ter chamado de Sunshine. Ninguém sabia desse apelido.
  Uma melodia suave começou a tocar enquanto a garota ia sendo hipnotizada vagorozamente.

                                     ❦ ☙

  Sua cabeça doía muito e ela jurava estar ouvindo explosões distantes, cada uma deixando-a surda cada vez mais. O barulho ecoava e a fazia esfriar, além de ela não conseguir abrir os olhos. Seu corpo todo também começara a doer e tudo parecia ser um pesadelo, ao qual ela tinha sim controle, mas não sabia usá-lo. Suas pequenas mãos formigavam e ela se sentia em parte dentro do sonho, em outra fora dele. Quando finalmente abriu os olhos com força e convicção, percebeu que não bastava apenas isso, ela apenas deveria enxergar corretamente.

                                          ❦ ☙

  Sunshine acordou e se sentia perdida. Ao dar uma olhada no relógio, este marcava 06:15 AM.