Tola escrita por TK


Capítulo 1
I - Respira, Inspira




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Letras elegantes, cursivas e de uma natureza que eu não estava acostumada, mais uma coisa que agarrei em minha vida e me traz essa sensação de que eu estou presa, e bem, estou. Sem escolhas, sem muito o que fazer para melhorar a minha situação.

Agarrei esse papel de manhã assim que o vi, e corri para casa, se não corresse as pessoas poderiam estranhar. Não se precisa de um contexto para se estranhar uma mulher correndo com um dos muitos panfletos que sussurravam pela rua sobre o inicio da procura de um guarda-costas para o príncipe, ou de uma babá, as duas coisas não são exatamente diferentes.

“Batalha pela proteção do príncipe, honre sua pátria e tenha a chance de viver uma vida de fartura e riquezas!”

Não sei ler, mas pelo que as pessoas dizem, deve ser mais ou menos isso.  

Claro que as riquezas estariam incluídas nesse meio, ninguém participaria de uma batalha de vida ou morte se não ganhassem algo que pudesse aliviar a fome ou o medo de andar durante a noite, ao menos, o medo de algumas pessoas como eu.

E o medo parece ser bem constante, ainda mais porque uma batida na porta foi o suficiente para que eu caísse da cadeira e colocasse o papel amassado no meio dos meus seios com uma urgência que não sabia que era capaz de ter, e na porta, lá estava Margot.

Margot e eu somos constantemente confundidas com irmãs, mas apesar de dividirmos a maioria de nossas características, nossa idade e nossos olhos fazem com que sejamos diferentes. Margot tem quinze anos e tenho morado no porão de sua casa desde  a morte de papai e mamãe, seu pai é um homem doente e cego, enquanto sua mãe vende o corpo para garantir o bem estar da família, já eu não me incluo nesse meio e nem quero, eles já tem problemas o suficiente.

— Eu trouxe uma maçã. Consegui hoje de manhã quando fui ao bosque. – e ela a enfiou na minha boca, se sentando ao meu lado, no chão, enquanto eu encarava o teto daquele minúsculo lugar. Me sentei em seguida na madeira empoeirada e abocanhei a fruta, sentindo o doce que possuía tomar conta de minha boca e suspirando pesadamente.

— Obrigada, mas você não devia me entregar isso e sabe disso.  As pessoas aqui precisam mais do que eu preciso. – Mesmo falando assim, eu e ela sabíamos, se não fosse por ela eu já teria morrido de fome fazia tempo. Contudo, como continuar dependendo de uma garota enquanto se é uma adulta de vinte e dois anos?

 Era apenas mais um motivo para sair daquele lugar, além de começar a cogitar a possibilidade de me transformar em uma prostituta ou flertar com homens mais velhos para se aproveitar de suas emoções e dinheiro. Quando coisas assim começam á aparecer em sua mente, você percebe que não dá pra continuar do modo que estava vivendo.

— Juliett, não me importo se eles precisam mais do que você precisa, e bem, é verdade que eles precisam. Só que tem uma diferença bem grande entre você e meus pais, você fala comigo, eles não.  São importantes pra mim, você sabe disso, só que... Eu te devo, e devo muito. – não dava para não ver o que ela me dizia como algo irônico, porque quem está no porão dos pais dessa menina que fala sobre gratidão sou eu.

Ela deveria ter percebido isso, vivia me dizendo que quando duvido de algo que as pessoas me dizem, o brilho dos meus olhos se torna mais fraco, olhos dourados, malditos olhos de ouro que estão em minha face só para me lembrarem que me falta muito. Ao menos, por enquanto, já que a ideia de participar de uma batalha de vida ou morte por mimos que eu ansiava se tornou um parasita em minha mente, uma assombração e uma necessidade que eu precisava suprir de alguma maneira.

— Você pensa de mais.  – estava demorando, ela sempre insiste em me lembrar dessa mania, como se eu pudesse parar ou algo do tipo. Dei um peteleco em sua cabeça, que ela me devolveu em forma de um puxão leve em meus cabelos, nos quais acabava pisando em cima e tombando de novo na hora de me levantar.  –  Sério, você deveria relaxar, não é como se eu estivesse te dando um colar de pérolas ou algo parecido.

— Está me dando comida, você precisa de comida se quiser continuar vivendo, mas não precisa de um colar de pérolas pra isso. – e deu de ombros pra minha lógica, cansada de discutir comigo. Jamais entenderei essa paciência que tem e essa facilidade para desistir das coisas.

— Que seja, o que tem aí? – e assim que tentou pegar, dei um tapa em sua mão e franzi a testa, ganhando um olhar feio em resposta. – Eu vi você escondendo alguma coisa assim que eu entrei. Não se preocupe, não tenho interesse em tocar nos seus seios, já tenho os meus. Agora desembucha e fala, o que é isso?

— Não é nada de importante, acredite em mim. – Não teria coragem de revelar pra ela que estava pensando na possibilidade de me meter no meio de um bando de homens suados e cabeludos e deixar o lugar que, mesmo pequeno e antigo, havia aprendido á chamar de casa. Não sabia como dizer á ela que estava pensando em a deixar para trás. – Mudando de assunto, posso te perguntar uma coisa?

— Então tá, me pergunte, só não sei se poderei te responder. -  E suspirei fundo, não ar, suspirei incertezas, incertezas sobre ser capaz, sobre fazer isso, sobre colocar a minha vida em jogo e entrar no meio de um lugar que eu nunca pertenci  e não sabia se jamais pertenceria.

— Se você tivesse que fazer uma grande mudança, uma mudança bem grande mesmo, que pode ou não te trazer muitas coisas boas, você faria essa mudança? Mesmo que isso significasse sua possível morte? – Ela arqueou uma sobrancelha, piscou os olhos cor de madeira várias vezes para mim e cruzou os braços. Parecia refletir sobre o que eu queria dizer com aquilo ou procurar uma resposta para a pergunta bem repentina. No fim de tudo isso, ela só tombou a cabeça e fez um bico emburrado.

— Sei lá, tenho quinze anos. – E se levantou, saindo do meu quarto e subitamente perdendo todo o interesse que antes tinha pelo panfleto. Aquilo não ajudou nem um pouco, mesmo que eu tentasse, acho que a única coisa que as pessoas me faziam era me sentir mais confusa ainda sobre meus ideais.

E eu sabia que podia morrer, e eu ia, só que não esperava que morreria e continuaria respirando.


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Notas finais do capítulo

Obrigada á todos que doaram um pouco de seu tempo para mim e vieram ler o primeiro capítulo.
Me sinto honrada por estar postando essa história, que criei quando era uma criança de onze anos de idade e finalmente tenho confiança o suficiente para dividir com vocês. ♥



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