Inexorável escrita por The Stolen Girl


Capítulo 1
Permanecer




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“Fique”.

Uma palavra sussurrada foi o bastante. Ele o conhecia muito bem para saber que, se estava pedindo que ficasse, era sério. Porque, durante anos de convívio, ele nunca havia pedido algo assim. Ignorou o aperto no coração e estancou o passo, a meio caminho da porta. Se permitiu olhar nos olhos do outro. Céus, o que estava fazendo? Devia continuar andando, ir para o jantar com a namorada e entregar-lhe um presente, dizer que a amava e se deitar de bem consigo mesmo. Mas como faria isso, quando Isaac o pedia pra ficar?

Afinal, por que tinha ido ali? Fora um erro. Simplesmente pegou as chaves do carro e dirigiu até a casa, já tão familiar, entrando sem bater, porque sabia que ele o esperava. Estava certo, pois ao entrar no quarto escuro, ouviu a respiração entrecortada de Isaac em meio ao silêncio da noite.

— O que faz aqui? – ele perguntou.

— Não sei.

Era verdade, não sabia. Procurava em sua mente as razões, já que Isaac nem havia o chamado. Ficou então encarando o outro, querendo correr até não conseguir mais, querendo fugir. Mas fugir do que? Fugir de Issac, seu alicerce? Isaac, aquele a quem sempre recorria quando estava confuso?

Se aproximar tão intimamente de alguém parecia impossível para William, até que ele se viu imerso em conversas e momentos com Isaac. Os dias em que não se falavam pareciam incompletos. Construir laços sempre foi difícil pra ele, desde a infância. Então, quando Isaac apareceu, ficou surpreso com a facilidade em se aproximar dele.

Suspirou frustrado. Queria tanto que as coisas fossem simples, que pudesse esquecer quão errado era aquilo. O celular vibrou em seu bolso, mais um lembrete de que não deveria estar ali. Com certeza era Lupi, perguntando o motivo do atraso, já preocupada. Se sentiu péssimo.

— É ela. – disse William.

O outro continuou a fitar a parede, desconsolado. William finalmente saiu de seu torpor, andando até a cama e sentando-se ao lado oposto de Isaac. O que era isso? Nunca, em todos aqueles anos de convívio, ele ficara tão paralisado, tão perdido. Tinha que ir embora. Não queria ir embora. Seu estômago se revirava de culpa, mas nada havia acontecido. Era um erro assim tão grande estar ali, sentado na cama do amigo? Porém, pensar assim era se enganar, ele sabia. Não era o fato de estar atrasado paro o jantar do dia dos namorados sem motivo aparente; não era porque não se levantava e ia encontrar Lupi. Era por causa do que sentia. Por causa dos dedos que formigavam e da respiração ofegante, pelo coração acelerado e o escuro do quarto. Era porque, mesmo no escuro, ele podia ver cada detalhe do rosto de Isaac, cada falha em sua pele, cada marca de expressão, visto que cada uma dessas coisas estava gravada em sua mente. A culpa era porque, com Lupi, ele não sentia nada disso.

Isaac só conseguia pensar no tamanho de seu egoísmo. Em como teve coragem de pedir que William ficasse mesmo sabendo que não devia. Céus, Lupi. Ela não merecia que ele estragasse tudo. Ele teve nove anos para dizer algo, porque tinha que fazer isso justo hoje? Podia até imaginar a cena. A garota, toda arrumada, andando de um lado pro outro, os saltos fazendo barulho de encontro ao piso de madeira da casa dela.

O peso de William sobre a cama o corroía por dentro. Por que diabos ele apareceu ali naquela noite? Por que não seguira para a casa de Lupi?

— O que faz aqui? – Isaac repetiu, depois de minutos em silêncio. – Precisa encontrá-la. Que espécie de namorado você é?

“Que espécie de namorado eu sou?”, William perguntou-se. Mas a resposta não veio, porque sua mente estava ocupada demais, consciente demais da presença de Isaac a apenas alguns passos de distância. Dos pés inquietos dele, da roupa que ele usava para dormir, da roupa de cama embolada atrás de si, mais um indício de que ele não deveria estar ali.

O carro parado lá fora, virado para a direção oposta à casa de Lupi. Recordou-se de ter pegado a entrada errada, mas não por falta de atenção. Porque quis.

O celular vibrou de novo, e ele checou as horas. Meia hora atrasado. Não muito, mas preocupante para um cara tão pontual como William.

— Não posso ir a esse jantar. Não posso chegar lá e comemorar o dia dos namorados, sabendo que minutos antes eu estava aqui. E que eu não queria ir embora. – desabafou.

— E o que vai dizer? Que esqueceu? – respondeu Isaac, com desdém.

— Vou dizer a verdade.

— E qual a verdade, Will?

— Que eu te amo.

Seu lado racional dizia que não, que amar Isaac era um erro. Um erro dos grandes. Que ele poderia pensar melhor nisso um outro dia e perceber que fora apenas um momento de loucura. Mas William estava cansado de ser racional, de negar a si mesmo o que sentia. E não podia continuar enganando Lupi, a beijando sem de fato sentir que aquilo era o certo. Então desbloqueou o celular e digitou:

“Não posso ir, me desculpe. Está tudo bem, não se preocupe.”

Mas não estava tudo bem. Ele teria que conversar com ela, se explicar. Teria que terminar o namoro. Em algum momento, teria que arcar com as consequências do que acabara de fazer. Mas não agora.

Isaac pensara em respondê-lo. “Também te amo”, ele quis falar. No lugar, sussurrou:

— Então fique.

Ali estava ele, pela segunda vez na noite, pedindo que William ficasse. Verbalizando o que esteve na ponta de sua língua várias vezes antes.  Porém, ele sabia, não poderia evitar aquele momento. Algum dia acabaria acontecendo, nada seria capaz de mudar aquilo. Um sentimento moldado durante tanto tempo não pode ser ignorado, esquecido, nem medido.

E foi esse sentimento que impulsionou William a se aproximar, a varrer as preocupações pra um canto isolado. Os problemas poderiam ser resolvidos depois. Agora, o que importava eram as costas arqueadas de Isaac ao toque dos dedos cálidos de Will. Era a pele fria dele formigando. Eram os olhos que, mesmo no escuro, brilhavam. Era a coragem se apoderando dele e o levando a sentir os lábios de Isaac, explorando cada canto daquela boca. O que importava agora era estar ali.

Percebeu que, por mais incrível que Lupi fosse, nunca o faria tão completo. Estar ao lado dela não era assim, não era flutuar, se perder e se encontrar, tudo ao mesmo tempo. Não era sentir o sangue pulsar, a cabeça girar e o mundo colidir ao seu redor. Era conveniente e agradável, mas não era verdadeiro.

Porque, afinal, eram isso: a verdade um do outro. E mesmo se Isaac não tivesse pedido, ele teria ficado.


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