Guarde seu coração escrita por Rômadri


Capítulo 13
Lembranças


Notas iniciais do capítulo

É um flashback



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Eu gostaria de impedir as memórias de povoarem minha mente, mas o torrencial de emoções faz com que cada lembrança dolorosa volte como uma avalanche.

“ – Pare, Genevive! Você está completamente fora de si!

Eu ouvi o som de vidro se estilhaçando e me encolhi ainda mais na cama.

Pela fresta da porta, a luz do corredor entrava em meu quarto, criando sombras sinistras.

— Nunca mais grite com o meu filho! – A voz de mamãe parecia pertencer a outra pessoa, de tão alterada. Mais sons de objetos quebrados e eu fiquei imaginando a razão da discussão: Meu pai cobrando de Estevão a perfeição, minha mãe tentando defende-lo.

Era sempre assim.

— Ele também é o meu filho!

— O seu filho está na rua a essa hora, bebendo com a bandinha miserável dele! – Senti meu peito apertar ao ouvi-la se referir a Charles. Não haviam elogios de sua parte quando o assunto era ele.

— Vá pra o inferno, Genevive! – Pude ouvir os passos de papai no corredor, cada vez mais próximos.

— Levante, Elisa. – Meu pai abriu a porta do quarto bruscamente, acendendo a luz em seguida. Eu o encarei com medo, segurando meu edredom com força.

Ele esticou os braços e pegou minha mala cor de rosa em cima do guarda roupa, jogando-a no chão em seguida.

Eu percebi o quanto suas mão tremiam, os olhos brilhando de ódio.

Ele abriu as gavetas e colocou as roupas de qualquer jeito dentro da mala.

Eu não entendia o que estava acontecendo, o máximo que consegui foi paralisar de medo. E se ele gritasse comigo como gritava com a mamãe ou me batesse como ela me batia?

— Eu mandei se levantar. Nós vamos embora dessa casa.

Papai segurou-me pela axila, pondo-me de pé. Minhas pernas se emaranharam nos lençóis, fazendo-me tropeçar.

Olavo suspirou e me pegou no colo, segurando a mala rosa com a outra mão. Eu prendi meus braços em volta de seu pescoço enquanto descíamos as escadas, chorando silenciosamente.

— Deixe-a ficar. Eu cuido dela.

Nós dois olhamos pra cima, encontrando a figura de Estevão no topo da escadaria. A camisa dele estava amarrotada e haviam marcas vermelhas em seu pulso esquerdo, como se alguém o tivesse apertado com força. Ele parecia desolado e desesperado, como os meninos abandonados que eu via em filmes no Natal.

— Ela é minha filha, Estevão. – Senti o braço de papai se apertar a minha volta – Minha responsabilidade, não sua. Você pode brincar de casinha enquanto estou fora, mas não se esqueça que eu sou pai de vocês. Não ouse tentar tirar minha autoridade!

Meu pai andou até a garagem, mas eu pude ver que Estevão nos seguia.

Ele me colocou dentro de seu carro e prendeu na cadeirinha, enquanto meu irmão esperava, me encarando pelo vidro do carro.

Olavo sentou no banco do motorista, olhando o filho com raiva. Suas mãos tatearam o bolso da calça antes dele bater a cabeça contra o volante.

— A merda da chave! – Meu pai saiu do carro – Não ouse tira-la daí, ele disse a Estevão antes de voltar para dentro e pegar a chave do carro.

Meu irmão aproveitou a distração e abriu a porta do carona, jogando-se no banco com afobamento e me dando um beijo trêmulo na testa.

Eu ainda chorava, meu peito descendo e subindo de forma convulsiva.

— Shhh, Lisa... – Estevão sussurrou, segurando minhas mãos entre as suas. – Olha, lembra aquele dia que você me perguntou se eu sentia medo e eu disse que não?

Eu acenei positivamente, apertando suas mãos como se fossem botes salva-vidas em meio ao  oceano.

— Era mentira, Lisa. Eu também sinto medo. – Ele enxugou minhas lágrimas com doçura – Mas eu finjo que não para que ninguém possa ver.

— Eu não sei fazer isso. – respondi, com uma voz esganiçada, chorosa.

— Você precisa fazer, está bem? Esta noite eu quero que você finja não ter medo.

Eu acenei de novo, apertando meus olhos até não haverem mais lágrimas.

— Isso, não chore...Não deixe que a vejam assim, ouviu? Não pareça fraca.

Eu não entendi exatamente o que ele estava tentando dizer, tinha só cinco anos, mas sabia que tinha a ver com mentir e não parecer triste.

— Muito bem. – O elogio de Estevão aqueceu meu coração e ele beijou minha testa novamente, no instante em que papai sentou no banco do motorista, com as chaves em mãos desta vez.

— Você vem conosco? – perguntou Olavo, encarando meu irmão.

— Eu vou ficar. – Ele me olhou ao dizer isso e sua face parecia coberta de dor. Eu sabia que ele não iria deixar mamãe, mas ainda assim não consegui reprimir o aperto que senti no meu peito ao sair do carro com o olhar resignado e triste.

Meu pai ligou o motor e Estevão me dirigiu um sussurro antes do carro partir.

— Finja.

E eu fingi não sentir nada até ver meu irmão num caixão.

E cada pedacinho da minha dor ser exposta.


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