Guarde seu coração escrita por Rômadri


Capítulo 11
Confusão


Notas iniciais do capítulo

Te vejo nas notas finais ;)



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Reviro-me na cama, a maldita ressaca faz meus olhos arderem como se tivesse lhes jogado ácido. Faz três semanas que minha rotina consiste em ir a festa, dançar, beber e ligar pra o Seu Gilberto me buscar. Praguejo de dor ao esticar minha perna. Fico me perguntando onde consegui uma marca tão roxa.
— Elisa, o que você está fazendo aí? Já são sete e dez!
Minha mãe entra no quarto de forma furiosa. Ela e Pietro chegaram do sítio ontem. Lenvanto-me com rapidez da cama.
— O despertador não tocou. - Invento a desculpa e calço meus chinelos.
— Acha que sou burra? - Minha mãe faz a pergunta sarcástica e cruza os braços sobre a blusa bege. Faço cara de inocente. - Sei reconhecer uma ressaca, Elisa. Você está de castigo, ouviu?
Dou risada.
— Como se você desse a mínima pra o que eu faço...
Entro no meu banheiro, mas minha mãe segura meu braço com violência.
— Se falar assim comigo novamente, eu dou uma surra em você.
Ela me aperta como se eu fosse uma criança e suas mãos ameaçam pegar um chinelo no chão. Sinto nojo dela. Lembro de todas as surras que eu e meus irmãos levamos durante tantos anos. Não vou apanhar mais. Desvencilho-me de seu aperto e fecho a porta do banheiro em seguida, trancando-a.
— Isso não vai ficar assim, ouviu?! Eu vou conversar com seu pai!
Eu a deixo espernear e aprecio meu banho gelado. Apesar das minhas saídas noturnas, há duas coisas que não faço: Ficar com caras e não ir ao colégio. Tenho horário vago esta manhã, por isso posso chegar mais tarde. Se minha mãe me conhecesse, saberia.
Visto a farda idiota do colégio e faço um coque no cabelo. Pego uma maçã na fruteira da cozinha e caminho em direção a rua. Minha mãe parece já ter saído de casa. Ela certamente não quer ter que lidar com sua maior decepção: Eu.
Pego um ônibus meio cheio e ando com lentidão. Encontro Júlia na porta do colégio.
— Oi. - Digo, avistando Ricardo logo atrás dela. Antes eu ficava surpresa poque toda a vez que eu a via ele aparecia do nada e quase me matava de susto. Mas agora eu sei a verdade. Todo lugar que Júlia vai, ela o avisa, por isso ele aparece para escoltá-la. Eu chamo isso de possessividade, eles, de amor.
— Elis, que cara é essa?
Dou de ombros.
— Minha mãe voltou. - Respondo simplesmente e isso é o suficiente pra Júlia entender e acenar. Sento no fundo da sala enquanto os pombinhos sentam juntos no meio. A professora entra, seguida por um rapaz. Aluno novo, com certeza. Murmúrios percorrem a sala e eu visto meu moletom, desinteressada. Essas garotas não aguentam ver um cara bonito e um fogo in the rabo se acende nelas.
O olhar do rapaz para em mim e ele me encara por intermináveis segundos. Fico me perguntando se há algo errado comigo. Uma mancha, uma meleca...?
— Bom dia, pessoal. - Cumprimenta Amanda, professora de biologia - Vocês terão um novo colega, o Eduardo. Peço que...
Sou atingida por uma bolinha de papel. Abro e vejo a caligrafia de Ju. " Ele tá te encarando. Passa um gloss e solta esse cabelo PELOAMOR"
Dou risada e rasgo o papel da forma mais silenciosa possível. Júlia é maluca, sem dúvida alguma. Quando olho pra frente, o rapaz está vindo na minha direção e senta-se na cadeira atrás de mim. Ju começa a dizer um monte de coisas sem produzir som, mas não entendo nada. Nunca fui boa em leitura labial. Por fim ela desiste e faz um gesto com o cabelo. Ahhh... ela quer que eu o solte. Reviro os olhos. Júlia fica irritada e volta a acariciar os cabelos de Ricardo, sentado logo a sua frente. Abro meu caderno e começo a me mexer de forma inquieta na cadeira... a sensação de estar sendo observada faz os pelos da minha nuca se arrepiarem.
— Você dança muito bem... Loirinha. - Sussurra o novato em meu ouvido. Dou um salto na cadeira e encaro seus olhos tão pretos quanto os cabelos. Meu coração bate loucamente. Como ele... Como ele sabe?
Um sorriso convencido se espalha em seu rosto e eu me sinto corar de raiva.
— O que você...
— Não se faça de sonsa. - Ele me corta enquanto cruza os braços pálidos - Eu a reconheceria em qualquer lugar.
— Não posso dizer o mesmo de você... - O observo atentamente. Tenho certeza absoluta de que jamais o vi.
— Isso é porque você nunca entrou nas sombras. - Seus olhos brilham de forma enigmática e eu franzo as sobrancelhas, confusa. Perguntas se formam em minha mente, mas acho que apenas uma delas parece ter certa coerência.
— Você é amigo do Felipe? - Pergunto, referindo-me ao garçom que me deu esse apelido, já que a outra pessoa que me chama assim é Cristoper, mas com certeza que não foi por ele que esse garoto aprendeu a me chamar de Loirinha.
O rapaz a minha frente sorri de mim, como se eu fosse uma idiota.
— Todos naquela boate a chamam assim. Só há uma garota loira que dança até a última música e não dá chance a ninguém. Reconheceria seus olhos em qualquer lugar.
Fico calada por alguns longos instantes. Não sei o que dizer a esse tal de Eduardo e temo pelo fim da minha identidade secreta. Ninguém precisa saber das minhas saídas noturnas. São a minha fraqueza e prefiro mantê-las pra mim.
— Não se meta na minha vida. - Digo de forma incisiva pra que esse garoto entenda que não o quero agindo como se o fato de saber algo sobre mim lhe desse algum poder.
— É claro que não. Eu fico nas sombras, lembra? -Ele tem o olhar frio e cortante e por mais que sorria, seus olhos não parecem confiáveis.
— Então fique nelas. - Retruco, voltando minha atenção para aula. Ou tentando,ao menos, porque o olhar do garoto atrás de mim parece querer incendiar minhas costas.
***
O tão aguardado intervalo chega e eu praticamente corro para fora da sala, aliviada por não ter que ficar ainda mais tempo confinada com o garoto misterioso. Vou para o banheiro e checo meu rosto no espelho. Pálida demais, noto. Sem falar nas olheiras. Solto meu cabelo e forço um sorriso. Eduardo não pode quebrar as barreiras que tanto lutei para construir. Nem ele nem ninguém verá minha dor. Sento numa mesa redonda ao lado de Júlia. Seu namorado permanece com o braço em seus ombros e as outras cadeiras são rapidamente ocupadas por rapazes da equipe de natação e algumas garotas populares. A única razão de sentar-me aqui é porque Júlia ainda se sente insegura perto dos badaladíssimos amigos de seu namorado.
— Gostei da saia, Olívia... Valoriza muito você. - Olho Ricardo com incredulidade. Não é a primeira vez que ele faz um comentariozinho desse pra uma garota na frente de Ju e só está piorando com o tempo. Olívia sorri e Júlia tenta fazer o mesmo, mas falha terrivelmente. Já comentei sobre a incapacidade dela de parecer indiferente?
— Essa cor fica ótima em você, Ju. - Eu a elogio olhando no fundo dos olhos de Ricardo, esperando que ele se toque da mancada que deu. Ele devolve meu olhar de forma desafiadora e aperta ainda mais minha amiga contra si.
— É mesmo. Parece muito com a cor da saia da Olívia. - Não acredito no que acabei de ouvir. Ricardo quer provar a todos que o que ele disse não foi sem querer. Ele queria que todos soubessem o quanto ele não se importa em falar de qualquer garota na frente da namorada, ou seja, o quanto ele não a respeita. Fecho meus punhos com raiva e os outros parecem ter interrompido suas conversas para ouvir nossa tensa troca de olhares.
— Não precisa ficar chateada só porque eu não a elogiei também, Lisa.- Ele diz isso num tom brincalhão e as outras pessoas da mesa riem como se tudo fosse uma brincadeira divertida - Você sabe sabe o quanto é bonita. Não é, Ju?
Júlia acena positivamente, os olhos vidrados na lata de refrigente a sua frente. Não consigo acreditar no quão alienada e cega ela se tornou. Toco sua mão na esperança de fazê-la voltar a si, mas quando seu olhar cruza o meu, só vejo raiva. Sinto o desespero se formar na boca do meu estômago.
— Ju... Podemos conversar a sós?
Ela acena positivamente e se desvencilha do namorado.
—Aonde você vai? - Ele diz de forma possessiva, como seu houvesse algum prostíbulo o qual ela estivesse interessada em entrar aqui no colégio.
— Vou pra sala com Lisa. Precisamos rever alguns itens do trabalho de geografia. - Ela mente rapidamente e ele acena como se estivesse lhe concedendo permissão.
— Não demore. - Ele avisa, dando um tapinha no traseiro dela. Seus amiguinhos idiotas riem na mesa, admirando o comportamento de machão do seu líder. Tenho que usar toda a minha paciência para não xingá-los. Júlia e eu entramos em nossa sala e fechamos a porta. Todas as outras pessoas estão no pátio comendo seus lanches. Júlia encara a parede.
— Por que fez aquilo, Elisa?
Ela fala como se eu fosse culpada por algo e eu seguro minha respiração, chocada.
— Está perguntando por que eu te defendi?
Júlia ri de forma debochada.
— Estou perguntando a razão pra você ter me feito passar o papel de namorada idiota. Se ele falou algo sobre a Olívia, não era você que devia retrucar. Paguei mico na frente de todos os meus amigos.
Não consigo sequer assimiliar a quantidade de merda que ela diz. A raiva queima minhas orelhas e eu seguro seus ombros.
— Ju, por favor, acorda! Ricardo não merece você. Poxa, ele te segue pra todos os lugares, fica fazendo comentários sexuais sobre outras garotas bem na frente do seu nariz. Não posso simplesmente ouvi-lo te desrespeitar na minha frente e não fazer nada!
Júlia se afasta de mim.
— Acha que eu nunca percebi a forma como ele olha você?
Meu cérebro parece um quebra-cabeça incompleto.
— Mas que merda...
— Para de se fazer de idiota! - Ela grita e seus olhos quase dobram de tamanho, denunciando sua fúria. - Eu não sou cega. Já faz mais de uma semana que o Rick te olha de um jeito diferente e já o ouvi falando coisas sobre você pra os amigos. E tudo isso durante seu término com Cristopher e aparente falta de interesse por qualquer outro garoto. Por mais que eu tente te empurrar pra alguém, você nunca aceita. Agora vem falar mal do meu namorado e me fazer de idiota. Coincidência, não?
Pisco meus olhos, atônita. Minha melhor amiga está me acusando de querer destruir seu relacionamento para roubar seu namorado. Quando foi que minha vida se tornou uma novela mexicana?
Júlia suspira e sai da sala com raiva. Gostaria de dizer que corri atrás dela e a ofendi de volta ou que tentei reconciliar nossa longa amizade, mas ao invés disso, senti meus olhos se encherem de lágrimas e fiquei estática me perguntando como posso ser tão burra e por quê não sigo os conselhos do meu irmão.
"A solidão é tudo que nos resta. Guarde deu coração, Lisa."
Eu vou, Estevão. Nem que tenha que morrer para aprender esta lição.
***
Quando o alarme toca, eu mal vejo a hora de tomar um bano gelado e dormir um pouco. Júlia me ignora e eu faço o mesmo, mantendo a maior distância possível entre nós.
Sou golpeada por um vento frio ao sair do colégio e abraço meu próprio corpo. Estou próxima ao ponto de ônibus quando sinto alguém me puxar pelo braço.
— Eu te dou uma carona, Loirinha. - Eduardo fuma um cigarro e eu tusso quando a fumaça atinge minhas narinas. Isso não o inibe e ele continua fumando à minha frente,completando com um sorriso sarcástico. - Se não tiver problemas com cigarro, é claro.
— O que te faz pensar que irei aceitar a carona de um desconhecido? - Não tento ser educada. Na verdade, não me importo. Perdi tempo demais medindo palavras, buscando ao máximo não magoar ninguém, mas não ganhei nada de bom em troca.
— O diúvio que acontecerá daqui a alguns segundos.
Como num passe de mágica, sou atingida por espessas gotas de chuva e observo meu ônibus ir embora. O próximo só passará daqui a quarenta minutos. Merda. Eduardo joga seu cigarro no chão e o pisa. Ele nota minha cara de taxo.
— Vamos. - Ele diz e entra em um dos muitos automóveis estacionados em frente ao colégio. É um modelo preto pouco moderno e cheio de lixo dentro. Sento no banco do passageiro porque cheguei a um momento o qual estou tentando ao máximo separar pessoas das emoções. Eduardo pra mim não é uma pessoa, e sim, uma carona necessária. Entramos no trâsito caótico. Encolho-me no banco com frio e fecho a janela do carro.
— Onde você mora?
Hesito por alguns segundos, temerosa. Não quero que esse estranho saiba ainda mais coisas sobre mim.
— Não irei sequestra-la. Não é do meu feitio. - Ele diz de forma irônica e eu mordo meu lábio, nervosa. Por fim, decido dar meu endereço, afinal, ele é um cara da minha escola e não alguém que conheci numa viela qualquer.
Eduardo acena positivamente e quando o sinal fica vermelho, ele tira um cigarro do bolso e o acende.
— Você é um viciado ou o quê? - Pergunto quando o cheiro de bicho morto invade minhas narinas novamente. Não sei se abro o vidro e me molho toda ou se me permito ser asfixiada por esse odor.
Eduardo suspira e joga seu pequeno pedaço de câncer fora, parando pra me encarar. O engarrafamento a nossa frente o permite olhar cada traço do meu rosto. Não me intimido.
— Por que fica me encarando?
— Estou buscando a garota que dança até a última música na Nyx. Você não se parece com ela.
É porque é apenas uma personagem, idiota.
O engarrafamento diminui e Eduardo finalmente volta a dirigir, concentrando-se no trânsito a sua frente.
— Por que nunca falou com ela? - Pergunto, curiosa.
Ele sorri de forma enigmática.
— Gosto do mistério que ela me proporciona. Observá-la e não me aproximar, permite-me tê-la como uma lenda exclusivamente minha. Contudo, agora que a tenho na mesma sala que eu, parte do encanto se quebrou. Quero minha lenda destemida de volta.
Eu o observo, pasma, mas seus olhos continuam no trânsito. Esse garoto é fascinado por alguém que não existe. Uma versão mentirosa e prazerosa criada por mim. Quero dizê-lo para não criar expectativas vãs, mas uma vozinha dentro de mim me diz que não devo me importar. Dou-lhe mais algumas instruções sobre meu endereço e ele estaciona em frente a minha casa.
— Obrigada. - Abro a porta do carro, mas Eduardo me impede de prosseguir.
— Diga a garota da Nyx que ela pode me chamar quando quiser. Irei adorar apresentá-la as sombras onde fico.
O garoto me encara com seriedade e vejo a súplica em seu olhar. Engulo em seco e me afasto rapidamente, pensando na linha tênue entre ser quem sou e quem quero ser. Afinal, quem é Elisa Nicole Stefano Colden?


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Notas finais do capítulo

Então, o que estão achando a história e dos rumos que ela está tomando?
Pensam em algo diferente? Por favor, deixem sugestões e/ou opiniões aí embaixo.
Ah, não se preocupe com a ausência de Cris. Pretendo colocá-lo no próximo capítulo.
É isso. Bjokas!



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