A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 58
Tudo será melhor do que antes


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!
Nossos lindos estão empenhados na “operação-gravidez”. Então, preciso avisar que esse capítulo, é impróprio para menores de 18, pois os bebês não são trazidos pela cegonha.

Gostaria de avisar também que estou editando a fic aos poucos, aderindo a algumas sugestões e corrigindo erros. Agora, todos os capítulos têm banner! o/



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Por Peeta

Eu não sou perfeito. Confesso que, em alguns momentos nos últimos dias, desejei mesmo que Katniss estivesse grávida por conta da troca dos remédios. Foram momentos de pouca lucidez e de desespero, quando achei que havia perdido o que há de mais importante pra mim – meu casamento, minha felicidade, minha esposa, meu amor, meu tudo —, porém isso não justifica que tal pensamento tenha cruzado minha mente.

No entanto, a vida se torna perfeita, mesmo ante minhas imperfeições. Eis que Katniss surge à minha frente e me faz a confissão mais maravilhosa e improvável de todas.

— Eu nunca quis ser mãe. Mas agora eu quero. Eu quero muito. Eu preciso de um filho seu, Peeta.

Eu deixo as palavras se dispersarem no espaço entre nós, como se elas pudessem realmente ser suficientes para aplacar a minha perplexidade.

Katniss quer um filho meu!

Tento não me mostrar ansioso demais. Afinal, não existe uma correlação próxima entre a declaração dela e a análise retrospectiva dos nossos anos de casados, principalmente se eu considerar os últimos dias, ou mesmo as últimas horas.

Até alguns minutos atrás, eu ainda estava louco de ciúmes dela com aquele caçador esnobe do Distrito 7, que a convidou para encontrá-la na floresta e não poupou nem os filhos dele ao enfatizar que sabe reconhecer um casamento em crise. No caso, o meu casamento!

Por causa daquele cara, e por tantos outros motivos, fui capaz de magoar a pessoa que mais amo no mundo, com a frase mais absurda que já saiu da minha boca… A pior infertilidade é a do coração.

Eu me arrependi no instante em que disse essa inverdade. No entanto, meu remorso não muda o fato de que eu a acusei disso.

Assim, para quem estava esperando a notícia sobre o fim iminente do nosso casamento em crise, seria quase impossível imaginar que eu estaria agora ouvindo algo a respeito de um recomeço. O recomeço mais almejado por mim em toda a minha vida!

Eu achei que fosse perdê-la e o que aconteceu? Nada mudou entre nós. Ou melhor, tudo mudou entre nós! Ela não vai a lugar nenhum e ainda me trouxe a maior alegria: a expectativa de ter um filho nosso.

É mesmo infinitamente melhor que sua gestação se inicie, não por um erro no fornecimento dos remédios, mas apenas após a sua decisão, que demorou tanto para finalmente ser tomada.

E eu esperaria cada segundo novamente, para poder sentir a felicidade de ouvir as palavras que Katniss acaba de proferir.

Pisco inúmeras vezes, incrédulo. Depois de todo esse tempo e contra todas as probabilidades, ela está afirmando que nossas vontades coincidem.

Envolvo meus braços em torno dela para provar para mim mesmo, mais uma vez, que é verdade: aqui estão o seu calor e a sua maciez feminina.

Katniss está realmente bem aqui, à minha frente, inteira e aberta ao meu maior sonho, que se tornou o dela também.

Há muita emoção, mas também algum receio.

— Por favor, diga alguma coisa, Peeta! – implora ela, apertando meus dedos contra sua barriga.

— Katniss, estou apenas surpreso, mas… É isso mesmo? Você quer um bebê? – pergunto ainda atônito. — Eu sempre pensei em como poderia ser… Agora eu posso pensar em como será um dia? O nosso bebê?

Ela confirma com um gesto de cabeça e um olhar carinhoso. Seu sorriso aberto apaga qualquer vestígio do temor que senti de não mais ver sua face sorridente assim tão de perto.

Mesmo me deparando com sua confidência tão inesperada e, em certo ponto, ilógica, depois de uma semana tão conturbada, sinto um calor se espalhar por meu corpo e saboreio cada segundo.

Pela primeira vez em dias, eu me inclino e beijo seus lábios devagar, lenta e ternamente, até que o maravilhoso efeito de tocá-la se apossa do meu corpo, despertando sentidos e sensações que haviam sido adormecidos pela combinação de estresse e privação de sono dos últimos dias.

Sua boca sedenta se perde na minha, suas mãos contornam o meu rosto e o doloroso vazio de meu interior, que somente aumentava conforme se passavam os dias desde o nosso desentendimento, é finalmente preenchido.

Tudo o que foi dito alguns minutos atrás toma conta dos meus pensamentos. A possibilidade de repente é real. Nós teremos filhos um dia. Talvez logo.

Meu corpo fica petrificado e a respiração, presa em meu peito.

— Peeta, o que foi? – Katniss também fica paralisada, mantendo uma mão enterrada em meus cabelos.

Não sei se ela entende minha pausa como incredulidade, só sei que não aguarda uma resposta e começa a argumentar, despejando frases apressadamente:

— Você deve estar pensando que eu vou desistir, mas eu não vou. Eu estou pronta. É o que eu quero. E estou tão feliz por finalmente me dar conta disso. – Katniss quase atropela as palavras, o que não é do seu feitio. — Sei que os últimos dias não foram fáceis, mas isso pode ficar para trás, não pode? Foi necessária essa…

Beijo-a para calá-la, rindo contra sua boca e segurando a barra de sua camiseta para arrancá-la de seu corpo na primeira oportunidade.

No entanto, a oportunidade não surge antes de outra dúvida se abater sobre mim.

— Espere aí. – Afasto-me e olho para ela. — Quando você parou com os remédios?

— Em torno de uma semana.

— O tempo em que a gente se afastou… – Fito seu rosto, pensativo. — Então, não existe mesmo a possibilidade de já estar grávida.

— Não. Vamos começar do zero… E eu não sei quanto tempo demora para eu voltar a ser fértil.

— De qualquer modo, esta será a nossa primeira vez com um propósito… produtivo!

— Acho que estamos falando demais… Analisando demais algo que é muito simples – sussurra ela, tirando as palavras da minha boca, enquanto avidamente puxa a minha camisa para fora da calça, afundando suas unhas em meu tronco logo depois.

Aqui – mais precisamente, aqui nos meus braços – está minha Katniss, provocante e sexy, uma faceta dela que apenas eu conheço.

O resto do mundo tem que se contentar com aquele exterior contido e tímido. Eu tenho esta versão única dela bem aqui, empurrando a porta às minhas costas, para trancá-la completamente enquanto me beija. A porta bate com tanta brusquidão que espero não precisar consertar depois.

Ela continua a tatear cegamente com a mão estendida por trás de mim. Seus dedos encontram a fechadura e se atrapalham com as chaves. Nós rimos, com nossas bocas coladas e nossos narizes colidindo.

Ouço o trinco ser fechado e seu murmúrio de alívio, enquanto morde meu lábio inferior.

— Nunca mais fique longe de mim – Katniss ralha comigo, enquanto a mão deixa a maçaneta e me aperta contra a porta.

— Não fiquei longe de você. Eu estava por perto. – Olho-a nos olhos, durante uma inspiração urgente, e troco de posição com ela, sendo a minha vez de imprensá-la contra a parede mais próxima. — E estava desesperado com a ideia de perder você. Isso nunca foi um medo, até se tornar o pior deles.

— Você por perto e, ainda assim, tão longe. – Ela fecha os olhos com força e sacode a cabeça. — Por favor, acredite. Foi um tempo horrível.

Katniss agarra minha camisa e me puxa para mais perto, raspando seus lábios sobre minha boca. Desço meus beijos por seu pescoço e o gemido que ela solta em resposta envia tremores por meu corpo.

Ela destrói qualquer autocontrole que ainda me resta com a maneira como sussurra:

— Quero um filho seu, quero vê-lo crescer em mim, vê-lo nascer… Será uma extensão de você. E de mim. De nós dois.

Meu pulso se altera e um anseio incontrolável me invade. Eu a arrasto até a sala. Ou, ao menos, tento, pois vou derrubando o que está em nosso caminho.

— Cuidado com o Dandelion! – alerta ela, antes que eu pise no rabo do gato, que resolveu atravessar o corredor.

Tento desviar do bichano e consigo, mas esbarro no aparador e me desequilibro, caindo no chão. Katniss sofre as consequências por estar grudada em mim e, mesmo que estique a mão para se firmar no móvel, consegue apenas segurar a fina toalha que o cobre, fazendo desmoronar tudo o que há sobre ele. O estrondo de tantos objetos caindo ao mesmo tempo faz o gato disparar escada acima.

Meu suspiro sai como um grunhido de dor e, então, checo como está Katniss. Com os olhos cerrados e uma careta divertida, ela evita ver o estrago. Seus olhos cinzentos abrem vagarosamente.

— Céus! Você está bem? – pergunto.

— Sim. E você?

Eu finalmente respiro e dou uma risada.

— Acho que estou bem – resmungo, antes de me sobressaltar com batidas frenéticas na porta.

— O que está acontecendo aí? – Haymitch berra do lado de fora.

— Estamos ótimos, Haymitch! – Katniss logo grita.

— Quero ouvir a voz do garoto pra ter certeza!

— Daqui a nove meses, você vai ter a prova de que está tudo ótimo mesmo! – Uso as mãos em concha a fim de amplificar o tom da minha voz para que ele escute cada palavra.

— Ah, tá bom! A nossa queridinha bateu tão forte assim na sua cabeça? Ou foi um galho de árvore que caiu na cabeça dela na floresta e ela está delirando?

Preciso cobrir a boca de Katniss com a mão para que ela não profira alguns impropérios para nosso eterno mentor. Felizmente, ela apenas morde meu dedo carinhosamente, fazendo o riso irromper pela minha garganta de modo contagiante.

Depois de desvanecidas nossas risadas, enxugamos os olhos lacrimejantes, recuperando o fôlego ainda deitados no chão.

Ela observa o estrago ao nosso redor.

— Você bateu com a cabeça em algum galho de árvore na floresta? – indago, passando as mãos por seu rosto.

— Não! – Katniss nega e espera, como se perguntasse o que eu poderia dizer a seguir.

— Então, você não está mesmo delirando?

— Não dê ouvidos ao Haymitch…

Seus cabelos tocam meu rosto quando se inclina para beijar meu pescoço e deslizar sua boca na minha de modo provocante. Seus lábios mostram-se suaves e suas mãos são firmes em meu peitoral.

— Eu vivi para ver o dia em que você confessa que quer ter um bebê comigo?

— Esse dia chegou.

— Você está tão fora de si a esse ponto?

— Quero que me faça ficar fora de mim, como só você consegue.

— Não precisaria de nenhum motivo especial pra deixar minha linda esposa ficar fora de si. Mas, já que você quer um filho… Essa é a única maneira de fazer isso.

Escorrego as mãos por suas costelas e, enfim, livro-a de sua camiseta. Ela fica de pé e me estende as mãos para me levantar também.

Uma vez que nós recomeçamos o beijo, não podemos mais parar.

Não importa quantas vezes já fizemos amor, Katniss pode despertar esse desejo em mim quando bem entende e em qualquer lugar, até mesmo quando estamos rodeados de uma pilha de cacos.

Tudo se transforma em uma mistura de ansiedade e tentativas atrapalhadas de desnudá-la a toda pressa, sem ter onde pisar direito, lidando com botões e fechos incômodos, e também com mãos e pés presos nas roupas justamente na hora em que quero atirá-las para bem longe.

Impaciente, eu a tomo nos braços e subimos para o quarto, onde me concentro apenas na tarefa de entrelaçar nossos corpos. Nós nos jogamos na cama com um barulho de protesto das molas do colchão.

Dessa vez, mais do que em todas as outras, é urgente, avassalador e pulsante, sem nenhum traço de hesitação. Se havia alguma dúvida, ela apenas parece volatilizar-se a cada toque. Eu somente sei que preciso senti-la, cobri-la, amá-la.

Minha saudade me induz a usar todos os músculos ao mesmo tempo até esse desejo me consumir por inteiro, esparramando-se do ponto onde ela me acaricia até as extremidades dos dedos. Esse calor se irradia nela também, em seu rosto corado, em seus braços e pernas apertados ao meu redor.

Os dias sem sua boca e sem seu cheiro foram uma eternidade. Estar com ela de volta em meus braços parece fazer o tempo correr.

Tão logo eu a tenho livre o suficiente, avanço devagar e me acomodo completamente nela.

Quantas vezes já tínhamos nos conectado assim? Estamos unidos, como já estivemos milhares de vezes, mas com uma dose extra de expectativa e excitação.

Sinto no âmago mais do que o desejo por Katniss. Experimento uma espécie peculiar de torpor tomando conta da minha pele e envolvendo o meu corpo. Conforme o êxtase me invade e desborda dentro dela, eu faço a promessa solene de recompensá-la por toda a felicidade que está me proporcionando.

Meus braços finalmente cedem e desabo sobre seu corpo frágil. O único som no quarto é o de nossa respiração irregular.

Afundo o rosto em seu pescoço, inalando seu perfume. Então, Katniss solta-se do meu aperto o suficiente para me olhar nos olhos, com as íris embriagadas de satisfação. Ela afasta uma mecha de cabelo que está sobre minha testa.

— Eu amo você – sussurra. — E estou amando a ideia de ser mãe…

— De um filho nosso – completo.

Eu me sinto pleno, como nunca antes. Agora tudo parece diferente. Como a transição da noite para o dia, que vai mudando a cor do horizonte – a cada instante mais brilhante, mais claro e luminoso.

— Eu preciso que você me abrace, Peeta, e me diga que tudo vai ficar bem e que nada vai mudar entre nós.

Atendo seu primeiro pedido e a abraço. Em seguida, beijo o vale entre seus seios, murmurando algo ininteligível de brincadeira.

No entanto, quando ergo a cabeça, vejo lágrimas rolando por seu rosto e eu as enxugo com as pontas dos dedos.

— Katniss, tudo vai mudar entre nós, mas eu prometo que vai ser para melhor. – Afago sua têmpora ainda úmida. — Mesmo que passemos por períodos de complicações, quando os tempos difíceis se forem, tudo será melhor do que antes.

Katniss se enrosca em meu pescoço e começa a soluçar.

— Por favor, olhe pra mim – peço. — Você quer que eu faça alguma coisa?

— Quero que prometa que vai repetir que tudo será melhor do que antes a cada cinco minutos.

— Sempre que quiser ouvir… Tudo será melhor do que antes.

Eu me deito de costas para o colchão e Katniss descansa em meu peito.

Nós ficaremos bem. A parte mais difícil já foi transposta. Mais alguns meses e…

— Agora sou eu que estou com medo! – Arregalo os olhos ao me dar conta da magnitude das mudanças em minha vida.

— Agora é tarde demais! – exclama ela, sentando-se ao meu lado após se refazer do susto com minhas palavras. — Você não pode recuar!

— Não vou recuar. É que o que aconteceu… O que está acontecendo… – Repouso minha mão sobre seu ventre e a emoção me impede de prosseguir.

— Acho que entendo o que está tentando dizer. Eu também não estou conseguindo reconhecer o que estou sentindo.

— Mas é algo bom ou ruim?

— É bom, é maravilhoso! – Katniss revela.

Seu semblante está surpreendentemente sereno e feliz, apesar dos rastros de algumas lágrimas que lhe escapam.

— Sabe? Depois que fui capturado pela Capital, eu permanecia acordado até o limite e adormecia apenas com a exaustão, temendo o sono, porque, cada vez que acordava, eu me lembrava da minha realidade de novo e era terrível suportar aquela carga de desespero em um só golpe. A lembrança do seu rosto me acalmava. Depois, nem isso eu podia ter. – Respiro profundamente para afastar a recordação triste. — Nesses dias em que estivemos brigados, eu voltei a fazer isso. E era essa a expressão que eu via em você, na imagem que eu tinha em minha cabeça.

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Na manhã seguinte, levanto-me antes de o sol despontar. Pisco os olhos para o quarto escuro, enquanto a bruma da sonolência ainda se dissipa.

Onde está Katniss? As cobertas ainda estão aquecidas à minha volta.

Tudo o que aconteceu ontem, especialmente a confissão dela, ecoa dentro da minha cabeça. Gostaria de recordar com exatidão o que se passou comigo naqueles instantes em que Katniss disse tudo o que eu queria ouvir, mas não consigo, porque não pode ser traduzido com palavras ou ideias coerentes. É algo como uma pintura formada por imagens e cores indistintas. Nada era razão, lógica ou sensatez. Tudo era apenas sentimento e impulso.

Um dia, vou pintar um quadro que tente expressar meus sentimentos. Será um emaranhado de borrões coloridos e desconexos, mas inexplicavelmente harmoniosos.

Meu coração dispara apenas por pensar que, a essa altura, nós já podemos estar grávidos. Eu não vou me aguentar de ansiedade!

Depois que me preparo, desço as escadas e encontro Katniss próxima ao telefone, buscando algo entre os papéis espalhados ao redor do aparelho.

— O que está procurando?

Antes de obter uma resposta, ela agarra uma folha do bloco de notas e estende pra mim:

— Encontrei. É o nome do remédio que o Dr. Aurelius recomendou que eu tomasse.

— Ah, ótimo! Vou comprar, mas… O que acha de marcar uma consulta?

Ela fica séria ao ouvir a proposta.

— Eu não tenho nada contra os médicos daqui, mas tenho medo de que isso gere especulações e a notícia acabe resultando em assédio da imprensa. Você se lembra do que aconteceu nas vezes em que soltaram notas falsas a respeito de uma suposta gravidez minha?

— Foi bem chato. Mas vai chegar um momento em que não haverá como esconder.

— Quando esse momento chegar, eu lido com ele. Prefiro adiá-lo ao máximo. Então, por enquanto, vou continuar fazendo os testes de gravidez que Delly me deu.

— Você não pode ficar sem acompanhamento médico. Mesmo que seja preciso ir à Capital… Ou ao Distrito 4, onde sua mãe pode ajudar. – Fito o chão e levanto os olhos devagar.

Katniss não se move por alguns segundos ao ouvir a segunda parte da minha proposta.

— Eu vou buscar ajuda médica, pode deixar.

— Nós vamos!

— Sim, é claro. Mas você me dá ao menos algumas semanas?

Poucas semanas – enfatizo.

Ela sorri, dando um passo e gentilmente me puxando para se recostar em meu peito. Não falo nada por um longo tempo, simplesmente a seguro em meus braços, tocando minha bochecha em seus cabelos.

— Você dormiu tão bem essa noite que até roncou – digo.

— Não ronquei nada! – Katniss contesta. — Mas dormi bem sim. Na verdade, você deve ter ouvido meu estômago roncar, pois estou faminta.

— Isso foi uma indireta bem direta. Já vou preparar umas panquecas, pois o pão demoraria um pouco mais.

Pego o papel que ela ainda segura entre seus dedos e coloco no bolso da calça, depois de ler o nome do remédio.

— Vou pedir à Delly pra comprar, para não levantar suspeitas. Afinal, alguém pode desconfiar ao me ver pedindo no balcão da farmácia um frasco de Mater Vita. Só faltaria acrescentar, na hora de falar com o balconista: a vitamina da futura mamãe!

— Hum… Essa sou eu! – Katniss dá um passo atrás, erguendo o indicador.

— Eu ainda não estou acreditando – confesso, antes de deslizar o polegar por seu rosto e rumar em direção à cozinha.

Passados alguns minutos, Katniss se inclina contra a pia ao meu lado. Eu me aproximo para beijar sua bochecha e volto minha atenção para o café da manhã.

— O cheiro está muito bom – elogia.

Ela pega no armário do outro lado da cozinha o xarope de bordo que vou despejar por cima das panquecas e deixa o pequeno pote sobre a mesa.

Lanço a massa no ar, recolhendo-a com a frigideira e colocando-a de volta no fogão.

Eu me viro para olhar Katniss por cima do ombro e bloqueio seu caminho em direção à prateleira onde sei que ela planeja buscar o pó de café.

— Pode levar os pratos, por favor? – peço.

Volto para junto da panela para apagar o fogo.

Os pratos tilintam, enquanto ela os carrega para a mesa. Vou até a geladeira pegar a jarra de suco, fazendo sinal para que ela se sente, enquanto sirvo dois copos de laranjada.

— É bom evitar café durante a gravidez.

— Peeta, eu posso não estar grávida ainda…

— A partir de agora, eu vou tratar você assim, pois você poderá estar.

Ponho sobre a mesa a pilha de panquecas bem tostadas, do jeito que ela gosta.

— Será que vamos conseguir, Peeta? Foram muitos anos tomando a medicação.

— Eu não tenho dúvidas. O mais difícil já foi superado.

— Eu sou a parte mais difícil, né?

— Katniss, você é a pessoa mais difícil que eu conheço.

— Foi você quem quis se casar comigo! E não reclamou muito quando isso aconteceu.

— Não há muito o que reclamar, porque você é a pessoa mais difícil, mas também a mais incrível… E a mais linda. – Seguro seu pulso esquerdo no ar e uno as palmas de nossas mãos.

Katniss entrelaça nossos dedos e toma um gole grande da bebida. Em seguida, eu solto sua mão para que ela possa provar as panquecas.

— Estão divinas! Acho que, dessa vez, estão melhores que seus pães de queijo.

— Anotado! – Simulo o desenho de um xis no ar, para certificá-la de que guardei essa importante informação.

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Mais tarde, quando estou saindo de casa com uma caixa cheia dos estilhaços dos objetos que se espatifaram no chão na noite anterior, Haymitch e Elliot estão passando em frente à nossa porta.

— Achei que só fosse encontrar cacos… Mas até que você está inteiro, garoto.

— É mesmo! – concorda Elliot. — O que vocês estavam fazendo ontem que o papai teve que vir correndo ver o que estava acontecendo?

— Hã… Bem… Estávamos arrumando a casa, Elli – minto.

— Não me diga! – Haymitch arranha a garganta de modo forçado. — Arrumando a casa?

— Nenhum de nós dois estava disposto a procrastinar uma tarefa tão… – Pigarreio. — Importante.

Haymitch dá um sorriso descarado.

— Pelo barulho, parecia que vocês estavam quebrando tudo – Elliot afirma e seguro uma risada, tossindo para disfarçar.

— Bem, Katniss decidiu abrir um baú que estava trancado com mil fechaduras e resolveu jogar algumas coisas fora.

— E, pelo visto, ela se empolgou. – Haymitch olha pra mim com uma expressão maliciosa. — E você, mais ainda.

Katniss surge na porta e Haymitch coça a cabeça, alternando o olhar entre nós dois.

— Elliot, vá chamar sua mãe, por favor – pede ele e o menino se afasta. — Então, foi isso o que você quis dizer ontem com “daqui a nove meses”? – Haymitch pergunta, mas ele próprio responde. — Não! Não é possível que você tenha aceitado engravidar, lindinha!

Sempre que Haymitch fala com tanto ceticismo, não há nada no mundo que não pareça ridículo, porém será bom vê-lo admitir que está errado dessa vez.

— É a mais pura verdade! – Katniss confirma.

Ele limita-se a fitá-la. Compreendo que ainda não processou as palavras dela, então temos que explicar sem rodeios. Effie chega nesse exato momento.

— Katniss aceitou ter um bebê – declaro.

Effie assente lentamente, como se estivesse digerindo a informação, porém não demora a levar as mãos aos lábios.

— Oh! Foi isso mesmo que ouvi? – Ela estende aos mãos para segurar as de Katniss, visivelmente emocionada.

No entanto, é Haymitch quem de fato não espera a notícia. Suas bochechas empalidecem durante a breve duração da surpresa.

No momento em que seu cérebro faz a conexão final, sua expressão é como o detonar de uma bomba. Ele golpeia meu braço com uma emoção pouco contida, fazendo os cacos se chocarem na caixa que carrego.

— Então, eu estou errado? Completamente errado?

— Sim. Dê um crédito a ela, Haymitch.

— Isso é maravilhoso, garoto! Já não era hora! – Ele pega a caixa, atirando-a no chão, e me abraça efusivamente, o abraço que eu esperaria receber do meu pai, se eu pudesse dar essa mesma notícia a ele.

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— Ei, linda, está viva? – pergunto, beijando o antebraço de Katniss, que cobre parcialmente sua face.

Minha voz ainda está cheia de sono e eu não sou o único assim. Katniss mal abre os olhos e apenas deixa o braço deslizar sobre a testa.

— Quase.

Ela dá algumas batidinhas na cama com a mão livre e eu subo de volta.

— Perfeito! – Eu me arrasto até ela e beijo seu queixo, a única parte descoberta de seu rosto.

Retiro o braço dela de cima de sua testa delicadamente, querendo meu corpo enrolado em volta do seu.

— É sério que você vai me acordar cedo assim e não vai me deixar dormir de novo? – Katniss resmunga, mas me alcança sob os lençóis.

— Será? – Eu dou risada. — Espero mesmo que não durma novamente. Tenho uma coisa pra você – aviso, mordendo e sacudindo levemente seu ombro para que ela olhe pra mim.

— Um presente? – A novidade imediatamente atrai sua atenção.

Rindo ainda, giro para o outro lado e pego o objeto na gaveta do criado-mudo.

— Não exatamente. – Eu rolo até apoiar as costas no colchão novamente e coloco a caixinha branca na mão dela. — Feliz dia do teste de gravidez!

O mundo todo para quando ela, em expectativa, avalia o que está em sua mão. Há exatamente dois meses ela me disse que queria um bebê.

— É hoje? – emite ela, com voz rouca, a frase que se transforma em uma alegre afirmação minha:

— É hoje!

Cubro seu rosto com dezenas de beijos rápidos e um último mais longo em seus lábios, demorado o suficiente para durar o tempo em que me posiciono em cima dela.

— Alguém está ansioso aqui? – pergunta.

— Nããão, ninguém… – respondo, fazendo cócegas nela, o que a faz rir e se contorcer.

— Peeta Mellark, você tem tanta sorte por eu amar você, mesmo fazendo isso a essa hora da manhã! É mesmo um milagre.

Foi realmente arriscado o que acabei de fazer. O seu estado de espírito tem se alterado com facilidade nesses últimos tempos. No entanto, havíamos combinado de fazer o primeiro teste nesse prazo e eu não sossegaria um minuto até que ela o fizesse.

— Eu sei, você está certa. Sou muito sortudo – admito de modo travesso.

— Acho que devo ir agora. – Ela se livra das cobertas e praticamente corre para o banheiro.

Tenho o impulso de segui-la até a porta, porém andar pra lá e pra cá do lado de fora não ajuda muito. Parece que dei a volta ao mundo em cinco longos minutos.

O trinco é destravado e o nervosismo faz meu estômago revirar. Um nervosismo bem diferente de qualquer outro que já senti. É o momento de descobrir o resultado.

Virando-me de uma vez para olhar seu rosto, sinto um aperto de tristeza em meu peito e um nó pesado em minha garganta. Sua animação contagiante se transmuda em decepção.

— Acho que você não está com tanta sorte assim… – Katniss diz ao sair do banheiro, devastada.

Eu também estou arrasado, é claro, mas não posso contribuir para desanimá-la.

— Katniss, essas coisas levam tempo – digo, tentando esconder a decepção, mas ela é perceptível em minha voz. — Você acabou de abandonar a medicação que toma há anos. Seu organismo ainda está se acostumando.

Essa dificuldade inicial de modo algum me faz perder a esperança. Ela não me responde e deita-se de lado no colchão, puxando o edredom para se cobrir.

— Sinto muito – lamenta ela.

Eu me acomodo ao seu lado e gentilmente esfrego seu braço.

— Você não tem que se desculpar – afirmo. — Você permitiu que tentássemos. Isso é tudo que eu sempre quis. – Eu me acerco e beijo seus cabelos.

— Você vai à padaria? – pergunta ela.

— Não. Pelo menos, não agora. Vou ficar com você.

Estendo minhas mãos para que Katniss as segure e, quando estão bem presas nas dela, giro seu corpo para que fique de costas na cama, aproximando minha boca de seu ouvido para sussurrar:

— Tem certeza de que não tenho sorte? Pois saiba que sou mesmo o cara mais sortudo do mundo! Eu realmente não me importo de continuar as nossas tentativas.

E, em mais uma oscilação de humor em tempo recorde, ela ri com vontade.

Toco sua barriga com dedos leves, olhando para ela com veneração. Depois, puxo sua camisola para cima e acaricio cada parte de seu corpo a meu alcance.

— Quer voltar a dormir?

— Não enquanto você estiver fazendo isso.

De repente desperta, ela se move acima de mim, guiando-me para dentro dela.

Redescubro seu corpo feminino sob um outro olhar e, como se fosse possível, eu a desejo ainda mais.

Seu ventre será solo fecundo para minha semente e, por longos nove meses, será o abrigo perfeito para o fruto do nosso amor.

Seus belos seios serão a fonte de alimento para o nosso bebê e o colo dela será seu ninho de conforto.

— Como você tem tanta sorte? – Katniss provoca, enviando deliciosas ondas de puro deleite, que me percorrem enquanto seus movimentos acompanham os meus.

— Acho que foi a Effie. De tanto falar: “que a sorte esteja sempre a seu favor.

Cada gesto e cada toque dela apenas me convencem de que isso nunca foi tão verdadeiro em minha vida.

Depois, em meio a uma pacífica saciedade, Katniss indaga:

— Sabe o que faria de você um marido perfeito?

— O quê?

— Se você tivesse comprado uma coisa que eu quero muito. Sorvete de morango…

— Com pedacinhos da fruta? – eu a interrompo, completando a frase com um dos pedidos mais insistentes que ela está me fazendo há dias. — Vai lá olhar no congelador e, depois, diga se eu sou ou não perfeito!

— Jura? Você é mais que perfeito!

Ela sai em disparada e vou atrás. Então, eu assisto Katniss devorar um pote de sorvete inteiro, do qual só tenho o prazer de provar uma mísera colherada.

Não insisti por mais, para não perder o posto de marido mais que perfeito, conquistado a duras penas nesses últimos meses tão desafiadores.

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Acostumado a acordar antes mesmo de o sol nascer, desperto assustado com a luz forte irradiando por uma brecha da cortina. Katniss está aninhada em meu peito e move a cabeça ligeiramente. Seu fôlego aquecido atinge meu pescoço.

— Eu poderia ficar aqui com você o dia todo, mas prometi ajudar a Elliot e Maysilee com uma lição da escola.

As cobertas deslizam para baixo quando ela se remexe e eu passeio a palma da mão em suas costas.

— Eles pediram minha ajuda também. Vão precisar consultar o livro de plantas.

Ela me encara e seus olhos ostentam um brilho melancólico, estudando meu rosto, até se fecharem de novo, preguiçosamente.

A contragosto, saio da cama para ir ao banheiro e deixo Katniss descansando. Ultimamente, ela tem se mostrado pouco disposta pelas manhãs.

Após deixar o chuveiro, abro a gaveta do armário para pegar meu barbeador e aproveito para jogar fora uma embalagem de creme dental vazia. Observo no fundo da lixeira uma caixa recém-descartada. É igual a que está logo ao lado da escova de cabelos dela… Testes de gravidez.

Eu não sabia que Katniss havia feito esse último. Talvez ela esteja querendo me poupar.

Já se passaram três meses desde que ela interrompeu o uso da pílula e, às vezes, parece que engravidar é tudo em que pensamos.

Todas as vezes, ela fica desapontada e se recupera aos poucos, até voltar a torcer para que a notícia seja diferente no próximo teste. Sempre busco esconder minha tristeza, porém ela simplesmente sabe que eu compartilho cada decepção.

Katniss ainda não quer buscar acompanhamento médico e prefere aguardar mais algumas semanas. No entanto, essa espera não está sendo fácil para nenhum de nós dois.

— Effie ligou agora para saber que horas as crianças podem vir. – Katniss adentra o banheiro e eu tento disfarçar, mas vejo que ela capta meu olhar em direção à caixa branca na bancada. — Você acha que devo fazer o teste agora? Amanhã se completam três meses sem o remédio.

— Não quer deixar para amanhã?

Acho que ela esperava uma resposta mais assertiva da minha parte, porém concorda.

— Farei amanhã, então.

¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸

Depois do café da manhã, Katniss sobe para pegar o livro de plantas. Ela está demorando um bocado e, quando finalmente desce, abraçada ao livro, suas feições não demonstram muito entusiasmo.

Nem é preciso abrir porta para saber que Elliot e Maysilee estão chegando, pois vêm tagarelando pelo caminho. Já é possível entreouvir as alfinetadas entre os gêmeos. Eles se amam visceralmente, mas também adoram irritar um ao outro.

— May, se eu jogar um graveto lá no meio da rua, você sai correndo atrás dele para me deixar em paz? – Elliot implica com a irmã.

— É assustador pensar que pessoas como você têm autorização para respirar! – retruca a garota.

Normalmente, Katniss se diverte muito nesses momentos. Entretanto, noto seu silêncio e esforço para sorrir.

— O que foi, meu amor? – questiono, segurando seu braço atenciosamente. — Não está se sentindo bem? – A pergunta é feita num tom misto de preocupação e esperança.

Ela me lança um olhar ao mesmo tempo triste e penetrante, balançando a cabeça.

— Não é nada. Vai passar. – Katniss engole em seco e agarra o livro de plantas contra seu corpo.

Nem aguardo que batam à porta para abri-la. Maysilee e Elliot já estão na soleira, carregando os materiais da escola.

— Enfim, vida inteligente diante dos meus olhos!

— Bom dia pra você também, Elli! – Bagunço os cabelos dele e beijo o topo da cabeça de sua irmã.

— E, então, o que traz vocês aqui? Como podemos ajudá-los? – Katniss usa uma entonação mais animada e acompanha as crianças até que se sentem à mesa da sala de estar conosco.

Como sempre, ela contorna o que quer que a aflige para dar o melhor de si.

— É o seguinte… – Elliot começa, mas Maysilee corta o irmão sem cerimônias:

— Nós temos que fazer um trabalho multidisciplinar. Biologia e Artes. É preciso conhecimento de botânica e de pintura. E vocês são simplesmente os melhores nessas áreas!

— Como eu ia dizendo, mas fui interrompido, nós precisamos desenhar a nossa árvore genealógica. Essa é a sua parte, tio Peeta. – Elliot aponta para mim. — Mas temos que escolher uma espécie de árvore que tenha a ver com a gente. Isso é com você, tia Katniss! – O menino pisca na direção dela.

Elliot retira algumas folhas de desenho de sua mochila e, dentre elas, um exemplar do jornal do Distrito 12, que desliza até o chão.

Eu alcanço o papel e, de relance, um dos anúncios me chama a atenção. Uma casa na Costura está à venda. No entanto, a algazarra que os meninos fazem logo me distrai.

Katniss põe o livro sobre a mesa e Maysilee começa a folheá-lo.

— Ai, esse livro é tão legal! É mais uma prova de como a natureza é maravilhosa!

— Você ainda ama a natureza, apesar do que ela fez com você? – Elliot zomba, segurando com desdém simulado a ponta do cabelo loiro e bem cuidado da irmã, levando um tapa na mesma hora. — Ai!

— E você lembra de quando eu pedi sua opinião, Elliot? Eu também não lembro.

— Crianças, vamos definir qual será a árvore de vocês? – Katniss sugere, evitando a implicância entre os dois, e inicia uma breve explicação sobre as inúmeras espécies catalogadas no seu antigo livro.

Após virarem e revirarem as páginas, ouvindo atentamente a explanação cuidadosa de Katniss, os dois já têm uma ideia do que fazer.

— Acho que vou desenhar um carvalho. Escuta só, May: “quanto mais ele se sujeita às intempéries, mais fortalecido ele sai delas, pois suas raízes se arraigam ao solo a cada tempestade, seu tronco se revigora, e a possibilidade de ser extraído do solo pelos temporais diminui drasticamente, até se tornar nula…” – Elliot lê com a voz impostada. — Eu sou assim mesmo.

— Menos, Elli. Bem menos – discorda sua irmã.

— Já sei, Maysilee! Sua árvore genealógica deveria ser um cacto.

— Caso você não tenha percebido, nós somos irmãos e minha árvore genealógica deve ser a mesma que a sua.

— Ah! Não. A sua só pode ser um enxerto.

Por fim, eles escolhem desenhar uma espécie que represente seus pais: a Yellowwood, uma árvore florida – homenageando a Effie –, nativa da nossa floresta – em referência a Haymitch.

Eu os ajudo em alguns detalhes e na escolha das cores. Katniss nos faz companhia até que batem à porta. É Effie, que veio fiscalizar o comportamento dos filhos, e se senta à mesa ao lado de Katniss.

Ela aprova efusivamente a escolha do tipo de árvore pelos filhos, que sorriem orgulhosos.

No entanto, depois de alguns minutos de paz, eles recomeçam as espetadas:

— Você parece com um desenho que eu faria com minha mão esquerda, May. – Elliot mostra à irmã o esboço da figura dela numa folha de papel.

— Para de falar besteira. Você é canhoto.

— Poxa, você não entende nem um elogio, maninha?

— Foi mal, irmão. Pensei que você estivesse zombando de mim.

— Então, quer dizer que um pensamento passou por sua mente? Deve ter sido uma longa e solitária travessia nessa sua cabeça oca.

— Crianças, não comecem! – Effie os repreende e se volta para mim e Katniss. — Veja bem o que espera por vocês no futuro, Katniss e Peeta! Quando vocês tiverem os seus…

É então que Katniss desaba num choro sentido e soluços discretos.

Os gêmeos se entreolham confusos.

— Tia Katniss, a gente jura que vai se comportar daqui por diante – promete Maysilee, que dá um chute nada discreto no irmão por debaixo da mesa, fazendo-o resmungar um “ai, minha canela!”, com os olhos apertados na direção dela.

— Oh, May, não se preocupe. Não é pelas brincadeiras entre vocês – Katniss a tranquiliza, mas continua vertendo lágrimas.

Effie sacode as mãos freneticamente, sem saber o que fazer para consolá-la. Katniss se levanta para lavar o rosto no banheiro.

Faço menção de me erguer, mas Effie sinaliza para eu ficar onde estou e imediatamente vai até Katniss.

— Tio Peeta, a gente não queria mesmo deixar a tia Katniss chateada.

— Podem ter certeza de que ela não está chorando por causa de vocês – garanto. — Posso ir até lá ver como ela está? Vocês vão se comportar?

Ambos assentem.

— Então, continuem a pintar. Eu já volto.

No banheiro, Effie enxuga a face de Katniss com um lencinho.

A casa está silenciosa, a não ser pelos murmúrios abafados dos meninos na sala de estar.

— Elliot e Maysilee, por que estou ouvindo vocês cochichando? – inquire Effie.

— Porque você tem ouvidos, mãe.

Effie revira os olhos, porém o comentário de Elliot serviu para fazer Katniss sorrir um pouco.

— Eu vou levá-los para casa. A tarefa deles já está praticamente concluída. Obrigada pela ajuda!

— Foi um prazer, Effie. Não precisa agradecer – declaro.

Eu vagueio até Katniss, enquanto Effie volta para onde estão seus filhos.

— Qual o motivo desse nariz vermelho? – indago, colocando meus braços em volta dela.

Katniss balança a cabeça, usando as costas da mão para limpar suas lágrimas. Então, ela ri e pergunta:

— Estou com o nariz vermelho?

— O que acha? – Beijo seu nariz, depois uma bochecha, depois a outra.

Ela me cutuca com o cotovelo, esboçando um sorriso, mas as gotas salgadas ainda estão escorrendo por seu rosto.

— Certo, agora todo o seu rosto está vermelho.

Ela ri novamente, mas as lágrimas não param. Provavelmente, não é o melhor momento para gracejos, mas não consigo me conter e tento fazê-la sorrir ao vê-la chorando.

— Eu não deveria ficar assim na frente das crianças – Katniss sussurra, limpando as lágrimas pela segunda vez. —  É só que… A Effie falou em como serão nossos filhos, mas… Eu não estou grávida.

Sua fisionomia abatida faz uma pontada causticante atingir meu peito.

— Isso é mais difícil do que pensei, Peeta.

Meu coração se aperta com a vulnerabilidade em suas palavras.

— Nós vamos dar um jeito de fazer acontecer – asseguro.

Assim que Effie e as crianças nos deixam, o que resta é um silêncio pesado.

Katniss sai do banheiro e eu a sigo. De repente, ela interrompe seus passos e toma minhas mãos.

— Eu rejeitei tanto esse filho, que…

— Nem pense em dizer isso! – Eu a impeço de terminar a frase. — Katniss, eu quero o nosso filho. Mas você é a coisa mais importante do mundo para mim. Quero ver você bem, quero que seja feliz, acima de tudo… Vamos esquecer um pouco isso.

Ela sacode a cabeça em negativa com veemência e seus olhos estão arregalados, suplicantes.

— Não estou falando em desistir. O que quero dizer é que podemos deixar acontecer, sem essa pressão.

Seu sorriso se forma quando algo positivo percorre sua mente. Então, Katniss ajeita o corpo e propõe:

— Vamos passar alguns dias no lago?

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Tudo pronto para nossos dias de folga. A viagem é longa através da floresta e saímos bem cedo.

Mesmo sem discutir o assunto, acho que nós dois sentimos que o lago é um local simbólico para recuperarmos nossas energias. Um recanto tranquilo onde sempre conseguimos nos restabelecer.

Está um lindo dia, com a vegetação florescente ao longo de todo o trajeto.

Em geral, fazemos o percurso sem interrupções. No entanto, como Katniss está se cansando mais facilmente, fazemos algumas paradas estratégicas.

— Talvez seja a hora de fazer um lanche, antes de continuarmos – proponho.

— Tudo em que estou pensando agora é em comer e dar um mergulho no lago.

— Seus desejos serão atendidos, então.

Deposito cuidadosamente o cesto de piquenique no chão e Katniss rapidamente divide entre nós algumas porções do que preparamos para trazer.

— Agora só falta o mergulho no lago! – exclama, depois de devorar tudo com vontade.

Após a caminhada, é mesmo reconfortante relaxar os pés nas águas do lago, tendo como moldura a bela vista da sua superfície ondulada.

Observo Katniss caminhar até a beirada em suas roupas de banho. Não sei se é minha imaginação, porém noto alguns contornos diferentes em sua silhueta. Seios mais volumosos, o rosto mais cheio, cintura menos definida.

Seria maravilhoso se ela já estivesse grávida…

— O que está esperando para entrar na água comigo?

Estou esperando que o simples fato de olhar pra você não desperte em mim toda essa vontade de que esteja esperando um bebê – penso comigo.

Nós combinamos que filhos, gravidez, sintomas e testes são assuntos proibidos aqui em nosso refúgio.

— Nada. Nada mesmo – disfarço, vencendo a resistência da água em passos largos, na vã esperança de conseguir manter minha palavra sobre não tocar nesses temas delicados.

Eu a alcanço e ela me estende a mão para irmos a um ponto de maior profundidade. 

— Nós podemos pedir ajuda à sua mãe – falo de uma vez, lançando por terra o acordo que fizemos.

Katniss levanta a cabeça, seus olhos fixos nos meus. Eu posso ver uma reclamação se formando em seus lábios, porém ela faz uma pausa antes de dizer qualquer coisa. Não consigo decifrar as ideias que surgem por trás de suas íris.

— Para investigar o motivo de eu não conseguir engravidar?

Já que comecei, vou até o fim. Resolvo falar sobre todas as possibilidades que têm permeado meus pensamentos, desde o dia em que passei os olhos no jornal da cidade.

— Mais do que isso – digo com a voz embargada por causa da apreensão pelo que vou explicar. — Além de ter certeza de que sua mãe pode nos ajudar nesse sentido, eu vejo a chance de tentar trazê-la de volta para o Distrito 12, pra perto de nós, nesse momento único em nossas vidas.

Katniss olha pra mim, com outro pensamento incômodo flutuando em sua cabeça.

— Ela não aceitaria ficar em nossa casa. Até mesmo quando vem nos visitar, minha mãe fica hospedada no hotel. Eu não espero uma aproximação maior do que a que já conquistamos.

— Então, talvez o problema seja a nossa casa! Por isso, estive pensando em outra coisa… Eu vi um anúncio no jornal. A casa construída no lugar onde vocês viveram está disponível para compra. – Eu assisto pacientemente sua resignação se transformar em surpresa. — Imaginei oferecer a ela a casa da Costura.

Ela balança a cabeça negativamente, mas não é necessariamente um sinal de que está rechaçando o que sugeri, pois os cantos de sua boca aos poucos se curvam mais e mais pra cima. 

— É empolgante pensar sobre isso, mas, na realidade… É um grande risco. Eu tenho medo de me decepcionar ainda mais, se ela não concordar.

— O máximo que pode acontecer é ficar tudo como está.

— Em compensação, se ela aceitar… 

— Será maravilhoso! – concluo. — Você promete que vai pensar?

Katniss confirma.

Eu não me preocupo em qual será seu próximo passo, porque sei dentro de mim que qualquer caminho que ela escolher será uma jornada que faremos juntos. 

¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸¸.•*'¨'*•.¸

Voltamos para casa há alguns dias. Nada de regras, mas também nada de testes.

— O que está preparando para a janta? – A voz de Katniss ressoa no quintal de trás.

— Aquelas panquecas que você adorou – anuncio de volta.

Não obtenho resposta, porém não demora muito, ela adentra a cozinha com uma cara nada boa. Minhas sobrancelhas se arqueiam.

— Hoje eu não estou conseguindo sentir nem o cheiro delas. – Katniss segura a barriga e tapa o nariz.

— Você disse que estavam melhores que os pães de queijo! – retruco indignado. — E eu não fiz nada de diferente.

O que eu vou preparar, então? O que está acontecendo com ela? Tão logo a resposta vem à minha mente, eu sorrio.

— Você está enjoando com o cheiro!

— Estou mesmo. E também só de imaginar que eu comi isso… Meu estômago está embrulhando.

Katniss tira a mão do rosto e olha para mim por um longo tempo, uma gama de emoções rolando por sua face.

— O que está pensando? – Eu solto um riso nervoso, apoiando o prato de panquecas no balcão.

Katniss dá passos largos antes de me envolver em seus braços e plantar um beijo profundo na minha boca. Ela segura meus ombros e, então, o beijo fica mais lento e mais cuidadoso, transformando-se em vários beijos curtos antes de se afastar.

— Eu vou fazer mais um teste agora. – Sua expectativa é quase palpável. — Foi um longo período de espera.

— Um período longo de verdade. – Meus olhos se revezam, fitando aqueles orbes brilhantes como prata.

Katniss volta a colocar a mão sobre o nariz ao fazer uma expressão nauseada. No entanto, suporta o aroma por mais alguns instantes para dizer:

— Peeta, eu pensei muito na sua proposta… Independente do resultado do teste, eu vou ao Distrito 4.

Suas feições não exprimem preocupação, como costumava ser sempre antes de fazer os exames caseiros. Retiro a frigideira do fogo e a escolto até o corredor. 

Depois dos cinco minutos, Katniss sai do banheiro e faz um sinal negativo com a cabeça. Ela examina minha reação e não recuo o olhar. O rosto dela é tomado por uma expressão tão tocante de esperança, que só tenho vontade de guardá-la em meus braços.

Deslizo as mãos ao longo de suas costas e ela gruda seu rosto em meu peito, seu queixo curvado para baixo.

— Você disse que foi um longo período… Pronta pra recomeçar? E pra fazer uma visita ao Distrito 4?

— Eu estou – responde ela, mais confiante.

— Tem certeza?

— Sim, tenho certeza. E você? Está pronto?

— Estou pronto e otimista de que agora vai acontecer. Por isso, estou também… Totalmente apavorado. E muito empolgado. E vivenciando centenas de emoções que nunca me permiti sentir antes.

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Katniss conversou por telefone com sua mãe sobre a vontade de ir ao Distrito 4 e ficou muito feliz quando a notícia de uma visita não programada foi muito bem recebida. Embora eu quisesse muito ir também, não vou acompanhá-la. Foi uma decisão minha, com a qual ela não concordou. No entanto, tenho o bom pressentimento de que acontecerá uma guinada na relação entre ambas e é algo que as duas precisam vivenciar sem interferências. 

— Pegou a passagem? – indago e ela assente.

Tomo sua mão, alojando-a carinhosamente na dobra do meu braço, enquanto carrego a bagagem com a mão livre e andamos juntos na direção da estação de trem. 

— Não se esqueça de me ligar mais tarde, quando chegar lá.

— Pode deixar. – Katniss beija minha bochecha de leve, abraçando-me de lado.

Ela não fala muito até alcançarmos o ponto onde embarcará. Coloco a mala a seus pés, inclinando-me para a frente para sussurrar em seu ouvido:

— Já estou com saudades, fantasiando sobre quando você voltar.

— Por que não vem comigo? Não queria que ficasse aqui sozinho.

Eu olho para ela, o medo e a esperança estão dentro de mim.

— Eu simplesmente não vejo motivo para estar tão preocupada comigo – digo, quando o trem ruge pela ferrovia.

— Eu sempre vou me preocupar com você! – ela grita de volta para mim sobre o clamor vibrante de metal contra metal nos trilhos. — Mas não é isso.

— O que você tem, então? – pergunto, enquanto o trem chia até parar diante de nós.

O forte barulho cessa e a porta do vagão praticamente vazio se abre.   

— Você prometeu pra mim que diria a cada cinco minutos que tudo vai ficar bem. E já se passaram mais de cinco minutos… 

O tempo parece se deter quando olho em seus olhos. Nossos olhares estão tão conectados que parecem a extensão um do outro. Katniss segura meu queixo suavemente e aproxima sua face da minha. Nossa respiração se mistura, quando nossos narizes se tocam. O beijo da partida é repleto de sentimentos e, por algum bom motivo, de muitas certezas.

Eu espero até que ela entre e, então, fique novamente de frente para mim.

— Tudo será melhor do que antes – repito e repetirei quantas vezes ela pedir, sem vacilar um instante sequer.

— Vou sentir falta da sua voz me dizendo isso.

— Diz pra mim também, Katniss. Eu preciso ouvir de você.

— Peeta… Tudo já está melhor, muito melhor que antes.

E ela sorri, usando aquela expressão que me acalmava antes e me acalma agora.


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Notas finais do capítulo

Oi de novo!

Eu sei que está todo mundo querendo ver a Katniss grávida, mas eu vou deixar a descoberta para um capítulo com o POV dela!

Falando nisso, eu gosto de alternar os pontos de vista nos capítulos, sempre que possível. No entanto, quando a Katniss finalmente descobrir que está grávida, pretendo fazer algumas partes com trechos autobiográficos, adaptando alguns momentos marcantes da minha gestação.

Como fica bem difícil transmitir certas sensações e emoções pelo olhar de uma terceira pessoa, os próximos capítulos, em sua maioria, serão sob o ponto de vista da Katniss.

Já que mencionei momentos autobiográficos, acho que vocês gostariam de saber que, no início da minha gravidez, eu senti desejo de tomar sorvete de morango com pedacinhos da fruta e enjoava só de lembrar do que havia comido com gosto nos dias anteriores, mas incrivelmente não vomitei nenhuma vez em nove meses! Então… O que vocês acham que já aconteceu?

Outra coisa: não façam como a Katniss! Busquem sempre acompanhamento médico! A relutância dela é apenas para fins literários…

Beijos! Bom Carnaval!

Isabela.