A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 47
Pesadelo real




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Por Katniss

Acordo depois de uma noite de sonhos. Sonhos de liberdade.

Quando desperto, Peeta está saindo do banho. No curto tempo em que esfrego os olhos para espantar o sono, ele já está inclinado sobre mim, beijando o meu pescoço e roçando seus cachos molhados em minhas bochechas.

— Não preciso nem perguntar pra saber que dormiu bem… Eu também apaguei e perdi a hora – confessa ele.

— Que horas são? – pergunto, sentando-me na beira da cama.

— Quase dez da manhã – diz ele e eu me espanto. — Logo hoje que tenho a encomenda de torta pra fazer.

— Casper e Lionel não podem ajudar?

— A fazer a massa… Talvez. Porém, para decorar os bolos, eu preferiria ter a Daisy como assistente. – Ele ri, enquanto termina de se vestir.

— Eu sei que ela adoraria – divago.

Sorrio, pensando na bela cena que seria ver os dois trabalhando e se divertindo juntos e imagino também outros ajudantes mirins, parecidos com Peeta, frequentando a padaria. Noto que, pela primeira vez, o pensamento não é acompanhado de sentimentos negativos.

Pisco algumas vezes antes de meus olhos se focarem novamente em Peeta. Ele me observa com um ar de compreensão e de felicidade, como se pudesse ver o que se passava em minha imaginação, mas não comenta nada.

— Você está pretendendo ir à floresta? – pergunta ele, sem romper nosso contato visual.

— Gale comentou algo sobre irmos até lá com o Rory.

— Ah, ótimo! Se você vai ter companhia, fico mais tranquilo – murmura ele e eu franzo a testa, estranhando.

— Mas, pelo horário, pode ser que eles já tenham ido, Peeta.

— Ah… – Ele pausa. — Você vem comigo, então?

— Acho melhor se adiantar sem mim. Se você demorar mais um pouco, não vai dar tempo de fazer o bolo para o jantar com a Presidente Paylor.

— É que… – Peeta titubeia e assume um tom preocupado, que não condiz com o presente momento. — Eu queria que você fosse comigo.

— Está acontecendo alguma coisa? – questiono e me ergo, colocando-me à frente dele.

Peeta abaixa o olhar e segura minhas mãos.

— Eu não queria deixar você mais nervosa do que já estava antes da cerimônia – começa ele. —, porém, ontem, depois que você deixou a padaria, aquele Capitão Letus Razor me disse algo que, a princípio, seria apenas um alerta, mas pareceu uma…

— Ameaça – completo o que Peeta estava me dizendo.

— Ele falou com você também? – questiona ele.

— Não, mas eu fiquei apavorada com o jeito como ele me encarou durante todo o tempo na cerimônia. – Estremeço só de lembrar a frieza e o ódio no olhar daquele homem.

— Então, você notou.

— Sim. Ele não disfarçou – confirmo. — Mas o que ele disse a você?

— Algo como ter que me preocupar com coisas que, uma vez em chamas, podem virar cinzas.

— Foi uma clara referência a mim.

— Eu sei. Por isso, falei com Gale ontem, que disse que ficaria de olho nele e me garantiu, no fim da noite, que o tal capitão havia sido escalado para uma missão e embarcaria hoje no primeiro aerodeslizador com destino ao Distrito 13.

Nesse instante, o telefone toca e eu me sobressalto com o barulho. Então, percebo o quanto o assunto me perturbou.

Numa fração de segundos, tenho o pressentimento de que a redoma de tranquilidade que se formou ao meu redor nos últimos meses está prestes a se romper.

Meus pensamentos são interrompidos por Peeta, que afaga minhas mãos e beija minha testa antes de descer depressa para atender a ligação.

— Alô? Oi, Gale.

Escuto a saudação dele ao meu companheiro de caçadas que está do outro lado da linha.

— Verdade? Isso é ótimo – prossegue Peeta.

Saio do quarto e sento-me nos primeiros degraus da escada. Peeta me acompanha com os olhos e faz um sinal de positivo com a mão livre.

— Katniss acabou de acordar. – Ele continua a conversa. — Tudo bem. Eu aviso a ela, sim. Adeus e… Obrigado pela ajuda mais uma vez.

Peeta coloca o aparelho no gancho e suspira profundamente.

— O Capitão Razor já está no aerodeslizador para ir embora da cidade – informa ele e libero o ar que estava prendendo em meus pulmões. — E Gale está levando Rory para a floresta. Ele disse que pretende ficar por lá até o fim da tarde. Ainda há tempo de você encontrar com eles.

Eu me ponho de pé e forço um sorriso em meus lábios. A sensação de mal estar provocada pela notícia da intimidação velada que Peeta recebeu ainda não sumiu por completo e a euforia de ontem está dando lugar à preocupação.

Desço a escada para ver Peeta pegar algo para comer no caminho até a padaria.

— Antes de ir à floresta, eu passo por lá para conferir como ficará a torta – informo.

Abro a porta pra ele, que rodeia meu rosto com suas mãos e cola seus lábios nos meus.

— Vejo você mais tarde. – Peeta sai apressadamente para cumprir seus afazeres.

Antes que eu feche a porta, um aerodeslizador passa sobre a Aldeia dos Vitoriosos. Os tordos ficam em silêncio, exceto por um único pássaro, que solta uma nota aguda depois de alguns segundos, como na vez em que eu e Gale presenciamos a captura de Lavínia, a garota ruiva feita Avox. Recebo isso como um mau presságio.

— Peeta! – chamo, quando ele já está a certa distância. — Tome cuidado e… Eu amo você!

Um sorriso encantador se forma em sua face.

— Eu amo você, Katniss! Infinitamente!

Não levo muito tempo para me aprontar e ir em direção ao centro da cidade. Decido comer alguma coisa mais substancial na padaria. Então, apenas pego uma maçã para mordiscar pelo caminho.

Levo comigo o arco e as flechas, para depois tentar encontrar Gale e Rory na floresta.

Quando entro na padaria, aceno para Violet, que está atendendo uma senhora, e vou direto à sala de confeitaria. Estranho ao ver através dos vidros que é Casper quem está decorando a torta. Isso não é um bom sinal.

Lionel está sozinho, moldando os pães. Ao perceber minha presença, ele faz uma expressão confusa.

— Peeta está no escritório? – pergunto.

— Não. Ele não estava com você? – Lionel faz esse estranho questionamento.

— Oi, Katniss! – Violet me cumprimenta ao se aproximar. — Nós fomos avisados de que Peeta havia ido com você à floresta, pois você seria a guia da Presidente num passeio por lá.

— O quê? Quem avisou isso? – Seguro os braços de Violet, já entrando em desespero.

— Foi uma ligação, Katniss – explica ela. — Uma voz masculina, com sotaque da Capital. Não reconheci de quem era.

As imagens correm em minha mente. Lembro-me do semblante sombrio daquele homem. Capitão Letus Razor. Um sentimento ruim oprime meu peito.

— Isso é alguma brincadeira? Por favor, sejam sinceros, pois estou ficando aflita.

— Não, Katniss. Peeta não deixaria o Casper assumir a função de confeiteiro tão facilmente, por causa de uma brincadeira – afirma Violet.

— Eu preciso usar o telefone. – Vou até o escritório e minhas mãos buscam nervosamente na agenda telefônica até encontrar o número da Guarda Distrital. Meus dedos tremem e tenho dificuldades de digitar a sequência numérica para completar a chamada. Finalmente, alguém atende.

Guarda Distrital do Distrito 12. Soldado Raymond. Bom dia.

— Alô? Você poderia tentar entrar em contato com o Gale? Quer dizer, com o Comandante Hawthorne? – atropelo as palavras.

O Comandante Hawthorne não está de serviço no momento.

— Eu sei. É que eu, eu… preciso de ajuda. Meu marido está em perigo. Aquele homem está com ele. O Capitão Razor está com ele.

Por favor, senhora, acalme-se. Eu preciso entender o que está acontecendo.

— Ontem, o meu marido, Peeta Mellark, foi ameaçado. E ele está desaparecido. – Eu me esforço para falar pausadamente.

Há quanto tempo ele está desaparecido?

— Ele veio para a padaria há pouco mais de uma hora e não chegou aqui ainda.

Ainda é precipitado falar em desaparecimento ou sequestro— fala ele tranquilamente.

— Não, não é precipitado. Peeta deveria estar aqui!

Eu entendo sua preocupação, senhora, mas é preciso aguardar um pouco mais para tomarmos qualquer providência.

— Aguardar o quê? Acontecer o pior?

Eu sinto muito. Além disso, a senhora mencionou o Capitão Razor e ele foi escalado para uma missão fora do Distrito. Ele deve estar a caminho do Distrito 13 nesse momento.

— Ele não está. Eu tenho certeza que ele está com o Peeta, sim. Um homem com sotaque da Capital ligou para a padaria, avisando que Peeta estava comigo na floresta e isso não é verdade! – tento argumentar mais uma vez.

O máximo que posso fazer no momento é verificar se o Capitão Razor embarcou para o Distrito 13, para poder tranquilizá-la.

— Eu só vou ficar tranquila quando encontrar o Peeta. Então, quem vai agir sou eu. – Desligo o telefone nervosamente e sigo em disparada até a floresta, sob os olhares espantados de Violet e Lionel.

Corro o mais rápido que minhas pernas permitem pelas ruas do Distrito até a parte mais densa da floresta. Minha trança chicoteia a minha face quando me viro para todos os lados à procura de algum sinal de Peeta.

Meu garoto com o pão está em apuros.

— Peeta, cadê você?

O arco e as flechas atrapalham, porém eu não me importo. A única coisa em que consigo pensar é em Peeta nas mãos daquele homem.

— Peeta! – chamo sem obter resposta. — Peeta, onde está você?

Eu não paro de correr, ainda que meu estômago vazio insista em me lembrar de que não estou em condições de continuar nesse ritmo.

No entanto, eu não tenho opção. Eu tenho que salvar Peeta.

Em determinado ponto, avisto pedaços de tecido rasgado em diversos ramos de plantas à minha volta e um rastro de sangue a alguns metros de distância.

Peeta está sangrando. De novo. Por minha causa.

De repente, chega até mim o sinal de quatro notas por meio dos tordos. Peeta usou esse sinal sonoro para indicar que está bem.

Não demora nada para eu entender o verdadeiro significado do aviso nesse instante. Peeta não é difícil de prever.

Ele não quer que eu me aproxime, apenas para me proteger. Como ele sempre faz, como fazemos um com o outro.

Tento identificar a origem da melodia e sigo na direção.

Enquanto eu vagueio pela floresta, Peeta está correndo perigo, mas continua pensando apenas em mim. Pavor não é uma palavra forte o suficiente para o que eu sinto. Meu tronco se dobra e apoio minhas mãos nos joelhos, tentando recuperar o fôlego.

O som de golpes e um gemido de dor renovam o meu pânico. Eu não estou pronta para ver Peeta ferido. Tenho que me recompor para ter calma. Tenho que ser forte. Eu me esforço para ficar em posição vertical novamente, empunho o arco e reúno coragem para este encontro.

Engulo em seco, quando eu o vejo ao longe, encolhido próximo a uma árvore, com as mãos atadas e o rosto e os braços machucados.

— Peeta!

Ele me vê e balança a cabeça. Apenas movendo a boca, sem emitir som algum, Peeta implora: "Katniss, vá".

No entanto, eu não me movo.

— Katniss, vá embora! – grita ele, porém o que eu faço é ir ainda mais rápido até onde ele está.

Peeta sabe que eu nunca o abandonaria, mas ele tem o instinto de me proteger. Sempre.

— Cuidado, Katniss! – berra ele em agonia.

Quando estou quase eliminando a distância entre nós, um vulto se materializa em meu caminho e mãos pesadas me empurram pela lateral do meu corpo, lançando-me num amontoado de folhas e galhos.

Eu me viro para o meu agressor e encontro o rosto retorcido de raiva do Capitão Letus Razor.

— Finalmente você chegou, garota em chamas! – Ele dá passos vagarosos em minha direção, olhando-me de cima para baixo. — Estava achando que todo o sacrifício para escapar do aerodeslizador sem ser notado havia sido em vão… E capturar o mais novo embaixador da paz também não foi fácil. Ele é bem combativo, para alguém considerado tão pacífico.

— Eu só estava tentando protegê-la. E foi você quem me atacou! – Peeta argumenta, movendo a cabeça, de modo que vejo toda a extensão de um ferimento recente do outro lado de sua face.

— Por que você está fazendo isso? Peeta está sangrando! – Tento me levantar, mas Razor dá um passo à frente de modo intimidador.

O ar me falta, ao perceber que ele aponta uma arma para mim. Na outra mão, ele empunha uma garrafa com bebida alcoólica pela metade. O cheiro do líquido está impregnado nas minhas roupas, depois dos respingos que voaram sobre elas, quando ele me jogou no chão.

— Esse idiota não me deu escolha. Ele se recusou a gritar seu nome, quando você chegou à floresta. Ficou assobiando uma música irritante feito um louco.

— Mas qual o motivo disso tudo? – questiono.

— Eu só preciso lhe fazer algumas perguntas. É um bom motivo pra você?

— Nada justifica o que você está fazendo com o Peeta. Deixe-o em paz!

— Quanta pressa… – Ele finge limpar seu revólver, usando o dorso da mão na qual segura a garrafa, aparentando um falso ar despreocupado. — Eu ainda não lhe perguntei nada.

— Estou aqui. Acabe logo com isso.

— Acabar logo? Se eu fosse você, não faria tal pedido. Além disso, antes eu tenho que pegar esse seu arco. – Letus se inclina sobre mim.

— Não ouse fazer nada com ela – resmunga Peeta entre dentes, mas o oficial não recua.

O odor de álcool, cigarro e sangue que emana dele me dá náuseas.

Razor arranca o arco da minha mão, cambaleia para trás e o joga em seus próprios pés.

— Não toque um dedo nela! – Peeta esbraveja e tenta erguer seu corpo, apoiando as costas no tronco da árvore.

— É bom você ficar quieto aí, senão é ela quem vai sofrer as consequências. – Letus direciona sua arma para Peeta, que estreita os olhos de volta para ele, mas, ao me fitar de relance, abaixa a vista, angustiado, desistindo de se levantar. — Assim está melhor.

Aproveito esse desvio de atenção de Razor para discretamente enganchar um galho, que estava caído perto de mim, na corda do arco. Apesar de não estar em minhas mãos, minha arma não está totalmente fora de alcance.

— Pois bem, Katniss… – Ele vira-se para mim novamente. — A pergunta é simples. Você sabe o nome de todas as pessoas que você matou?

Além do ódio, algo mais cintila em seus olhos avermelhados. Dor.

Não sei o que ele pretende com esse questionamento, mas certamente eu o machuquei profundamente com alguma das mortes que causei. Ele não é meu inimigo. Ele é mais uma das minhas vítimas.

Fico em silêncio.

— Foram tantas pessoas assim? Vou facilitar as coisas pra você, então… – Razor dá um longo gole em sua bebida, sem tirar os olhos de mim. — Por acaso, sabe o nome da mulher que você matou na Capital ao invadir o apartamento dela, quando você escapou do esgoto de onde nunca deveria ter saído?

Eu me lembro dela, do seu roupão de seda bordado com pássaros exóticos, do seu cabelo decorado com borboletas douradas, da expressão de reconhecimento em sua face quando me viu, da sua tentativa de pedir ajuda. Eu me recordo de cada detalhe do momento em que atirei uma flecha em seu peito… Mas não sei o seu nome.

— Eu não sei. – Minha voz é quase inaudível.

— Pois saiba que ela tinha um nome, uma família, um irmão. – Ele encosta a garrafa no próprio peito.

— Eu sinto mui… – tento dizer, mas ele me corta.

— Há anos eu não falava com ela. Minha irmã não concordava com o fato de eu fazer parte da Força de Resistência. Ser motivo de decepção para a única pessoa que eu amava incondicionalmente no mundo era o que mais me magoava na vida. No entanto, eu segui minhas convicções. – Ele passa a manga da camisa no rosto molhado de suor e de lágrimas. — Minha irmã me considerava um traidor da Capital. Ela se casou, mudou de sobrenome, foi morar do outro lado da cidade, apagou qualquer rastro de vínculo entre nós. Mas, com a guerra, veio a vontade de pedir perdão a ela e de oferecer proteção… Eu ia tentar. O problema é que você arruinou a minha chance de fazer as pazes com a minha irmã. – Ele afunda o cano da arma em minha garganta e praticamente cospe as últimas palavras sobre mim.

Minha cabeça está girando com tantas informações. Estou revivendo a dor de perder Prim e o ódio de quem a matou tão covardemente. Estou me vendo refletida em meu algoz.

— Quando Coin matou sua adorável irmãzinha, você se sentiu no direito de executá-la, naquela sua fantasia ridícula de ser uma justiceira com problemas mentais. O que acha que eu tenho o direito de fazer?

O terror psicológico é sufocante, pungente. Eu perco a noção do espaço. Tudo parece maior e esmagador.

Com minha respiração vacilante e o coração acelerado, eu tenho que enfrentar as consequências do que fiz.

— Você tem o direito de me matar. – Faço um gesto de rendição.

Razor franze o cenho, pesando as minhas palavras e atitudes.

— Mas você tem que deixar o Peeta ir embora, são e salvo. – Minha fala assume um tom de súplica.

— Não! Katniss, você não pode se entregar. Você não queria aquilo! – Peeta grita em desespero. — Não deixe que ele leve você de mim. Fica comigo!

— Calma aí, Mellark. A sua hora vai chegar. Também tenho contas a acertar com você e com o Comandante Hawthorne.

— Não! Você tem que soltá-lo! – exijo, aumentando o volume da minha voz.

Letus bebe tudo o que ainda havia na garrafa, deixa que ela se espatife numa rocha e começa a bater palmas.

— Mais uma bela encenação. Você é realmente boa nisso. Mas não se preocupe. Não vou matá-la. Não antes de matar o seu maridinho apaixonado na sua frente. Esse é o maior sofrimento pra você.

Quando a ameaça apenas se dirigia a mim, eu me sentia vulnerável e fraca. Quando ele narrou sua história, fiquei sensibilizada e compreendi sua motivação.

No entanto, tudo muda a partir do momento em que as pessoas que eu amo são ameaçadas. Sempre mudou e não seria diferente agora.

— Depois que eu acabar com esse conquistador barato, você vai morrer, aqui, nessa bela floresta que lhe deu meios pra sobreviver… Que ironia! A floresta vai ser o palco do seu fim – continua ele com sua sordidez.

Peeta parece ter renovado suas forças. Ele fica de pé, mesmo com dificuldade. O sangue escorre de diversos pontos do seu corpo, mas ele não parece se importar.

— Se não parar imediatamente com essas gracinhas, padeiro estúpido, eu inverto as coisas e acabo com ela primeiro! – Razor ressoa com tom mordaz, mantendo a arma apontada para mim, mas indo em direção a Peeta.

Sua voz intimida tanto quanto seu olhar letal e sua postura tensa.

Consigo recuperar meu arco, enquanto ele ainda não está em posição de ameaçar a vida de Peeta de verdade, ao manter o cano da arma ainda em minha direção.

Letus segura Peeta pelo pescoço com uma gravata, quase cortando seu ar. Peeta tenta afrouxar o aperto do braço dele, porém suas mãos atadas são um obstáculo.

Eu miro um das minhas flechas na mão de Razor, sabendo que não quero matá-lo. Não quero matar mais ninguém.

— Você já usou esse truque uma vez… na arena. Ali, eu tive certeza de que Peeta era uma peça de seus jogos. Achei que agora você se importasse. Afinal, ele é seu marido. Teoricamente, você o ama. Arriscaria atirar uma flecha na direção dele? – rosna ele ardiloso, enquanto sufoca Peeta com seu braço apertado em torno do seu pescoço.

— Você está enganado. Eu sempre me importei – retruco.

Razor apenas ri.

— Coloque a vida dele em risco. Atire em mim, atire na direção do seu amado marido. E eu acabo com ele. A não ser que você mesma faça isso, errando o alvo, como fez com Snow e Coin… Mas não quero que você estrague os meus planos. Solte esse arco agora! – Letus agarra sua arma com mais firmeza e mira em Peeta.

Eu o obedeço e abaixo o arco. Com uma risada triunfante, ele tenta girar o revólver entre os dedos. No entanto, está tão bêbado que o objeto cai no chão.

Os poucos segundos em que seus olhos desviam sua atenção de mim em busca do objeto no solo são suficientes para eu reposicionar o arco.

Peeta me observa e imediatamente arria os braços. Ele confia em mim, como na primeira arena, quando tinha certeza de que eu seria capaz de acertar com precisão a mão de Cato sem ferir a ninguém mais.

— Você não considerou um detalhe muito importante. Eu confio na minha pontaria, Capitão Letus Razor – murmuro.

Então, quando os instantes de distração de Razor terminam, já é tarde demais para qualquer reflexo da parte dele, porque a flecha lançada já está no final da sua trajetória, perfurando sua mão.

Ele berra de dor e solta Peeta, oscilando para trás e tombando na pedra onde estão os cacos de sua garrafa.

O corpo de Peeta bate no solo e ele apoia os antebraços na terra, em busca de ar.

Letus se arrasta no chão e eu teria tempo de lançar mais uma flecha, mas eu não o faço.

Ele aperta a mandíbula, esticando a mão para alcançar sua arma, e está a poucos centímetros dela.

— Capitão Razor, não se atreva a pegar esse revólver. Você já está na minha mira.

Escuto a voz de Gale, que vocifera atrás de nós e avança até o oficial, agora rendido.

Corro até Peeta e o ajudo a se levantar. Passo a mão sobre seu rosto ferido.

— Eu lamento tanto, tanto… É tudo minha culpa. – Meus olhos se enchem de lágrimas de pesar e alívio.

Rory se acerca e, com uma faca, corta as ataduras que mantém as mãos de Peeta amarradas.

Estendemos os braços um para o outro. Nem todo o tempo do mundo seria suficiente para o nosso abraço.

Ao constatar que ele está bem, sorrio fracamente e fecho meus olhos. Minhas pernas afrouxam e desabo, sentindo a dor do meu peso em meus joelhos.

O efeito da adrenalina que corria em minhas veias passa e meus músculos buscam energia que não têm de onde tirar. Perco os sentidos.

Quando abro os olhos, a luz branca e forte incomoda minhas retinas.

— Peeta! – expulso da minha boca a primeira palavra que me vêm à cabeça.

Olho em volta e não reconheço o lugar, que suponho ser o novo hospital. Só agora noto a presença de Haymitch, de pé, perto da janela.

— Docinho, Peeta está recebendo os primeiros socorros no quarto ao lado. – Ele se aproxima da cama onde estou.

— E o Capitão Razor? – indago.

— Você quer mesmo saber?

— Eu matei a irmã dele, Haymitch, assim como Coin matou a minha irmã. – Um nó se forma em minha garganta. — Eu matei a assassina de Prim, ele queria fazer o mesmo… Eu não sou melhor que ele e, ainda assim, fui absolvida e estou livre.

— O Capitão Razor seria submetido a um julgamento justo também.

— Seria?

— Ele tirou a própria vida, assim que foi deixado sozinho numa cela da Guarda Distrital.

Meu estado mental já atormentado se confunde ainda mais, numa espiral de tristeza por aquela pobre alma e desgosto por quem eu sou e pelo que fiz.

Eu sinto também a dor da perda que ele sentia. Como ele, eu quis matar quem me causou tanto sofrimento e quis me matar.

Minha vida foi poupada e Peeta está a salvo. Porém, eu acabo de ser capturada, julgada e condenada… Por mim mesma.

Fui dormir numa noite de sonhos de liberdade e acordei presa no meio de um pesadelo.

Só que ele é real.


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Notas finais do capítulo

Ai, coração apertado aqui…

Capítulo pesado, mas, como já expliquei numa nota anterior, achei necessário para poder incluir alguns fatos que são mencionados no epílogo do livro "A esperança".

Tudo vai ficar numa boa… Katniss vai ter a ajuda de nosso padeiro lindo e corajoso.

Beijos!

Isabela