A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 42
A melhor coisa que aconteceu comigo


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal!

Gostaria de agradecer às duas recomendações que recebi.
Estava mesmo precisando de uma injeção de ânimo nesse período em que parar um pouco para escrever tem sido tão difícil...
Minha gratidão pelo carinho, Paty Everllark e BabsMiranda!

Amei escrever o capítulo a seguir, com muitas referências às cenas da caverna do livro Jogos Vorazes, uma das minhas partes favoritas da trilogia. ❤

Espero que gostem de ler!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/696420/chapter/42

 

 

Por Peeta

As gotas que caem sobre mim e Katniss, inicialmente esparsas, multiplicam-se rapidamente, formando infinitas ondulações circulares na superfície antes calma da água.

— Vamos entrar? – sugiro.

— Vamos. – Katniss pressiona seus lábios nos meus mais uma vez e saímos do lago, para vestirmos os roupões que eu havia deixado numa pedra próxima à margem. Recolho rapidamente a toalha e nossas roupas que haviam ficado no chão.

Dentro da casa, Katniss se ocupa em acender a lareira. Quando as chamas já estão crepitando, ajoelho-me à sua frente e me inclino para beijá-la. Jogo todo o meu peso sobre ela, que tomba sobre o tapete em frente à lareira.

— Peeta, você é pesado…

Eu a corto com outro beijo e deliro ao perceber que posso sentir tudo dela nessa posição. Toda a feminilidade de seu corpo magro, porém macio nos lugares certos.

— Quando disse que a casa do lago seria a nossa nova caverna, eu não sabia que até as condições climáticas iam colaborar com esse mau tempo – comento.

— Só faltam as goteiras – brinca Katniss.

A chuva se intensifica e um filete de água começa a descer por um pequeno buraco formado no teto.

— Agora não falta mais! – Eu me queixo, já buscando um pote no qual possa aparar os respingos e contornar o problema.

Katniss procura algo para secar a poça que se formou no piso e a toalha que cobriu o solo na hora do lanche funciona para esse fim.

Enquanto isso, coloco o peixe e as raízes em espetos para prepararmos a janta na lareira. Eu e Katniss nos revezamos para assá-los.

Antes que a refeição fique pronta, a chuva arrefece e põe fim ao gotejamento no interior da casa.

Uma das caixas de madeira que serve como prateleira passa a fazer as vezes de mesa de jantar.

Katniss retira o peixe do fogo e divide as postas em dois pratos, nos quais eu havia anteriormente repartido as raízes, em porções iguais.

— Peeta, você se recorda de nossas conversas na caverna? – Ela traz um prato em cada mão e senta-se ao meu lado no tapete.

— Minha memória foi bem distorcida quanto àqueles dias. Porém, durante meu tratamento no Distrito 13 e na Capital, eu já revi tantas vezes os vídeos dos Jogos, que tenho os diálogos gravados na minha cabeça – informo, apertando meus braços ao redor dela, depois que Katniss deposita os pratos sobre a mesa improvisada.

— Você ainda pensa que eu sou a melhor coisa que já aconteceu com você na sua vida? – pergunta ela, olhando-me sobre o ombro, e eu consigo captar o seu leve rubor.

— Isso é tudo o que eu penso, a todo instante – declaro e ela planta um selinho em meus lábios. — Você não tem competidoras em lugar nenhum.

— Você também não tinha naquela época e continua não tendo… nenhum competidor… a melhor coisa que aconteceu comigo na minha vida! – Katniss exclama, pousando sua mão em minha face.

Depois, ela pega seu prato, saboreia o peixe e as raízes, enquanto eu como um pouco também.

— Só você mesmo, Peeta, para ter ideias românticas em plena arena! – Katniss balança a cabeça, como se fosse difícil acreditar.

— Era a minha chance e eu não a desperdicei – comemoro, antes de dar mais uma boa garfada.

Katniss também avança sobre seu prato. Ela abandona o garfo e retira algumas espinhas de peixe com os dedos, passando a levar os pedaços dos alimentos à boca com as mãos.

— Ainda bem que não há câmeras aqui. Caso contrário, Effie mais uma vez se espantaria com os meus modos. – Katniss me mostra os dedos lambuzados.

— Effie é bem rigorosa com esses detalhes, mas nada supera seu coração mole – menciono, ao recordar o reencontro com nossa escolta, depois que Katniss e eu vencemos os primeiros Jogos. — Sabia que ela não ralhou comigo por ter jogado o garfo por cima do ombro e lambido o prato depois que comemos o cozido enviado pelos patrocinadores? Effie apenas me agradeceu por ter mandado um beijo pra ela e por ter dito que estávamos com saudade!

Katniss cobre a boca com a mão para rir. Em seguida, ela se levanta do chão e enche um copo com água, encaminhando-se até o lado de fora, com a escova de dente na outra mão.

— O que você prefere: o conforto dos banheiros ultramodernos da Capital ou improvisar um modo de escovar os dentes numa casa sem encanamento?

— Não preciso nem pensar pra decidir. Meu conforto é onde você está. – Pisco em sua direção e ela retribui.

Termino de comer e desfaço a arrumação para o jantar. Em seguida, preparo também minha escova de dente para imitar Katniss.

Vejo por uma das janelas que ela já havia feito sua higiene. Ainda assim, antes de sair da casa, anuncio:

— Com licença! Agora é a minha vez de usar esse banheiro ultramoderno – ironizo.

— Não se pode ter privacidade nessa floresta?

— Essa é uma das consequências da vida de casados. A não ser que a gente divida… – Estendo o braço à minha frente, gesticulando para indicar uma partilha. — O lado de cá é pra você… o lado de lá é pra mim.

— Peeta, você acabou de salvar nosso casamento! – Katniss me abraça por trás e eu inclino meu tronco para receber um beijo dela em meu pescoço. — Vou entrar e deixar você no seu lado da floresta. Mas eu libero o meu cantinho pra você, sempre que quiser.

— Agora foi você quem salvou nosso casamento! – afirmo, enquanto acompanho com os olhos Katniss cruzar a soleira da porta.

Não demoro do lado de fora e, quando entro, Katniss está penteando seus cabelos ainda úmidos.

— Tenho uma novidade pra contar… A essa hora, Thom já deve ter pedido a Delly em casamento – anuncio e vejo a surpresa no rosto de Katniss. — Ele me disse como planejou fazer tudo de uma forma bem especial.

— O que ele contou a você? – Katniss pergunta, quando me sento próximo a ela.

— Thom pediu a Delly para ajudá-lo a elaborar o projeto de uma casa para uma família bem grande. Ela desenhou o que seria a casa dos sonhos na visão dela. Ao pedi-la em casamento, Thom vai revelar que a casa será o lar dos dois. – Retiro o pente das mãos de Katniss e ela franze a testa, mas suaviza a expressão no momento em que continuo a desembaraçar suas madeixas.

— Delly deve estar tão feliz! Ela comentou comigo sobre esse projeto e estava se dedicando bastante a ele. Acho que nem desconfiava dos planos do Thom. – Katniss relaxa o pescoço, conforme deslizo o pente e os meus dedos cuidadosamente por seus cabelos.

— Ela merece essa felicidade. É pena que eles não serão nossos vizinhos na Aldeia dos Vitoriosos – lamento.

— Peeta, você se lembra de quando nos demos conta de que, se nós dois fôssemos mesmo os vitoriosos dos primeiros Jogos, o nosso único vizinho seria o Haymitch?

— Sim. Haymitch nunca me deixou esquecer! Nosso mentor já me perturbou tantas vezes por eu ter dito diante das câmeras que ele nos detestava… E que, no geral, gente não é o negócio dele.

— O mundo dá voltas mesmo. Hoje, minha ideia de felicidade necessariamente envolve Haymitch sendo nosso vizinho… E, como você disse naquela ocasião, piqueniques, aniversários, longas noites de inverno ao redor da lareira rememorando antigas histórias dos Jogos Vorazes.

— Eu pularia só essa última parte. Acho que teremos histórias melhores para contar aos nossos filhos – exprimo minha opinião de modo distraído e, somente depois que profiro as palavras, percebo o meu deslize. — Quer dizer… aos filhos do Haymitch.

Nesse instante, diferentemente das últimas vezes em que mencionei a palavra ‘filhos’, eu realmente não tenho a intenção de provocá-la ou de trazer à tona a ideia de convencê-la a qualquer coisa.

O comentário sai como algo natural, por estar enraizado em meu pensamento por tanto tempo. Katniss percebe e, imediatamente, fica angustiada.

— Eu entendo – diz um pouco consternada e já sei que o clima ameno foi completamente quebrado, pois a observo se desvencilhar de mim e retomar o pente para colocá-lo de volta junto aos seus pertences.

— Foi um ato falho – admito mais que depressa.

— Em atos falhos como esse, as pessoas exteriorizam o que realmente se passa em suas cabeças. – Katniss se expressa como se tivesse um nó na garganta.

— Fico tranquilo em saber que você pode conhecer o que se passa em minha cabeça e que, mesmo assim, nada vai mudar entre nós. – Tento animá-la novamente. — Eu proíbo que você fique triste comigo por causa disso.

— Eu fico triste comigo, não com você. – Katniss se vira de costas pra mim, buscando algo em sua bolsa.

— Eu proíbo isso também. – Vou até ela e toco a ponta gelada do seu nariz com o meu.

— Não consigo evitar – retruca ela.

— Falando em evitar… – Ergo um dedo no ar e vou até onde está minha mochila. Abro o bolso frontal e retiro dele os medicamentos de Katniss. — Se você não quer mesmo engravidar, não pode se esquecer de tomar seus remédios, principalmente esse aqui, não é? – Aponto para um frasco específico, em cujo rótulo eu já havia lido o alerta para os efeitos contraceptivos. — Você tomou seus comprimidos de manhã e eles ficaram sobre a cômoda.

— Eu realmente me esqueci de guardá-los em minha bagagem. – Ela pega os pequenos vidros, ainda desviando os olhos dos meus.

— Mas eu lembrei por você. – Seguro o seu queixo gentilmente para que ela olhe pra mim. — Por mais que eu não concorde com a sua decisão, eu a respeito muito.

Ao ouvir isso, Katniss relaxa os músculos da face e encosta a cabeça em meu peito timidamente.

— Obrigada – agradece ela num fio de voz.

Eu a aperto um pouco mais forte, puxando-a para mim. Katniss agarra o meu roupão e, então, simplesmente afrouxo os braços e deixo que ela me abrace.

Sem saber mais o que dizer para que ela se sinta melhor e sem querer prolongar o assunto, fico em silêncio, o qual é rompido por Katniss depois de alguns minutos.

— Será que um dia poderemos parar com esses remédios? Quando é que seremos pessoas normais?

— Não sei se um dia eu poderei parar com os medicamentos. Porém, tenho certeza de que esse dia vai chegar pra você. Já quanto a sermos normais… – Faço uma pausa dramática. — Aí já é pedir muito!

Consigo finalmente arrancar uma risada de seus lábios. E um beijo.

E o beijo rende outros beijos até que nossos corpos se fundem e se confundem um com o outro, enquanto nos movemos diante da lareira. Por vezes, com ternura e suavidade, outras vezes, com avidez e urgência, mas sempre em sintonia, suspirando em uníssono, em meio a carícias afetuosas, sussurros apaixonados e sorrisos cúmplices.

Mais tarde, divido o espaço com Katniss no saco de dormir. Sua cabeça fica em meu ombro e os meus braços contornam o seu corpo. Pouco a pouco, o sono nos envolve.

No entanto, a noite não transcorre muito tranquila. Após algumas horas, Katniss desperta apavorada, gritando por seu pai. Seu desespero aumenta quando ela percebe que não pode se mover livremente, por estar num saco de dormir.

Abro o zíper lateral e ela consegue se sentar, ainda ofegante.

— Calma. Está tudo bem. – Enxugo suas lágrimas como posso, pois elas descem incessantemente.

— E-eu sinto muito, Peeta. – Sua voz amedrontada é de cortar o coração.

— Não sinta. Estou aqui com você. Só preciso que se acalme.

— Nas últimas noites, eu não tive pesadelos. Porém, esse foi horrível… Foi com o meu pai. – Seus lábios ainda tremem com o pânico recém-vivido.

— Você teve muitas recordações com ele hoje. Vem aqui me contar um pouco delas, pra ver se você se esquece desse sonho ruim. – Eu me sento ao lado de Katniss e a acomodo nos meus braços. — Seu pai deveria ser muito dedicado, para ensinar tantas coisas a você, mesmo com uma jornada de trabalho tão pesada nas minas.

— Meu pai aproveitava cada segundo livre conosco. Quando voltava do trabalho à noite, mesmo cansado, enchia a casa com suas músicas. Outras vezes, observava as estrelas com Prim em seu colo e contava histórias sobre as constelações. Suas explicações sempre me impressionaram, embora eu ache que a maioria era pura invenção dele… Nos dias livres, ele me trazia para a floresta e, por algumas horas, nós dois nos esquecíamos da vida difícil que tínhamos na Costura. – Katniss dá um pequeno sorriso, que logo some. — Depois que meu pai morreu, eu deixei de lado esses pequenos prazeres. Eles não me ajudariam a matar a fome da minha família e eu não podia me dar ao luxo de prestar atenção em nada além das minhas obrigações.

— Eu sempre a admirei por isso, minha linda, mas vamos focar nas lembranças alegres. – Limpo alguns resquícios de seu choro com as pontas dos dedos. — Então, quero que me conte apenas o que lhe fazia feliz.

— A floresta testemunhou os momentos que eu guardo com mais carinho. Meu pai me ensinou a atirar flechas e sempre vibrava com o meu progresso. No dia em que me deu o arco que ele mesmo confeccionou, eu me senti tão importante e útil… Eu aprendia tanto apenas ao observá-lo em ação durante as caçadas. Meu pai executava cada movimento com precisão e tudo o que ele fazia parecia perfeito. Ele era mais que um herói pra mim.

— Tenho certeza disso… Você poderia me ensinar a caçar um dia? – peço, sem muita convicção.

— Não seria como aprender com o meu pai. Ele era muito mais divertido que eu.

— Eu insisto! Você como professora também deve ter muitas qualidades e, especificamente para este aluno aqui, há inúmeros outros atrativos. – Eu a instigo.

— Já que é assim… Lição número um: aprender a andar silenciosamente.

Estreito os olhos para ela e aperto sua cintura.

— Pensando melhor, ter aulas com o Sr. Everdeen deveria ser muito mais divertido mesmo. Além disso, eu me distrairia muito com uma professora tão bonita. – Encosto nossas bochechas. – Mas, falando sério agora… eu gostaria de ter conhecido melhor o seu pai.

— Fico imaginando o que ele pensaria a seu respeito, quando soubesse que pretendia levar dele a sua eterna garotinha. – Katniss se vira para trás para ver minha reação.

Arregalo os olhos e pressiono os lábios, numa expressão dissimulada de medo, e ela acha graça.

— O Sr. Everdeen saberia das minhas boas intenções e chegaria um momento em que cederia. Afinal, ele era um homem apaixonado como eu.

— Ah, sim! Meu pai não hesitaria em acolher você na família, quando percebesse como me faz feliz… No entanto, antes disso, acho que algumas flechas voariam em sua direção. – Katniss finalmente sorri de modo amplo e seus olhos faíscam, dissipando a tristeza que os apagava há poucos minutos.

— No final das contas, eu conheço melhor o seu pai a cada dia.

— Como assim? – Katniss enruga ligeiramente o cenho ao ouvir minha afirmação taxativa, porém o brilho permanece em seus olhos.

— Através de você. Sempre que penso nas vezes em que o vi negociar com o meu pai, ele tinha esse sorriso no rosto e esses olhos brilhantes… Iguais aos seus nesse exato momento.

Katniss inclina a cabeça, olhando-me com um sorriso doce. Beijo a curva de seu pescoço e ela leva suas mãos até o meu rosto. Deito novamente, trazendo-a comigo para se recostar em meu peito, e acaricio seus cabelos até que adormeça.

Através das janelas, vejo um relâmpago iluminar o céu, seguido do ruído de um trovão. A tempestade desaba e se torna torrencial, aumentando o fluxo de água acima do telhado, o que faz surgir outras goteiras, mas nenhuma delas está sobre nós.

Por isso, não me preocupo em controlar o aguaceiro, pois não há nada mais importante do que velar o sono de Katniss agora.

Em algum momento da noite, a chuva para gradualmente. Restam apenas os gotejamentos residuais de água dos galhos das árvores que ficam sobre a casa.

Os únicos sons restantes são os pingos no telhado, a respiração cadenciada de Katniss e os estalos da lenha na lareira, enquanto o fogo a consome. Por fim, durmo embalado por essa tranquilidade.

Acordo sozinho. Antes de me levantar, esfrego os olhos com os nós dos dedos para espantar o sono e bebo um pouco d'água para despertar de vez.

Katniss está do lado de fora, a alguns metros da casa, caminhando sobre a vegetação rasteira coberta pelo orvalho. Ela está arrumando alguns ovos e um punhado de hortelã num pequeno vasilhame em suas mãos, enquanto mastiga algumas folhas distraidamente.

— Parece que teremos um café da manhã reforçado! – exclamo e ela ergue a cabeça ao ouvir minha voz.

Percebo que ela não esperava me ver já de pé, aguardando-a chegar.

— Achei que continuaria dormindo ainda por mais tempo.

— Eu acordei sem você nos meus braços e vim protestar – retruco antes de minha atenção voltar a se concentrar no quanto ela fica atraente vestida apenas com a minha camisa, exalando a vivacidade da manhã na floresta. — Pelo menos, acho que foi isso o que me motivou a sair do saco de dormir. Agora, eu já não tenho mais tanta certeza.

Coço a nuca e, depois, sacudo ligeiramente a cabeça, afastando a ideia de correr até ela e jogar a vasilha com os ovos para o alto, só para trazê-la para perto de mim.

— No que você está pensando? – ela logo pergunta, pois meu gestual não lhe passou despercebido.

— Só vou contar a parte que você gostaria de ouvir. – Suspiro profundamente e prossigo: — É que, cada vez que olho pra você, não posso evitar me apaixonar mais e mais.

— Peeta… Gostei mesmo de ouvir essa parte.

Não aguento muito mais tempo para eliminar a distância entre nós. Então, pego o vasilhame com cuidado e, com a mão livre, enlaço sua cintura.

— E de qual dos seus pensamentos que eu não gostaria? – pergunta ela.

— Tinha a ver com jogar essa vasilha para o alto pra ficar assim com você. Mas, como sou muito habilidoso, não foi necessário – confesso, logo antes de perder um pouco o equilíbrio e quase deixar tudo cair no chão. — Ok. Nem tão habilidoso assim… Foi por pouco!

— Não vamos arriscar. – Katniss segura novamente a vasilha, depositando-a no chão cautelosamente.

Quando ela aproxima seu rosto do meu, nossos lábios colidem e o contraste entre o calor da sua boca e o frescor do gosto de menta que sinto nela brinca com meus sentidos.

— Você acende o fogo para preparar nosso café da manhã? – solicita ela.

— Eu só preciso pegar os meus remédios antes. Você já tomou os seus? – indago, enquanto volto para o interior da casa, e escuto apenas seu sussurro indicando que sim.

Seguro minha mochila e, pela primeira vez, noto o estrago feito pela chuva em tudo o que havia dentro dela, pois está completamente encharcada. Olho para cima e constato que havia uma goteira justamente nesse local.

Um calafrio percorre minha espinha ao ver os meus comprimidos totalmente inutilizados pelo excesso de umidade. Fico nervoso a ponto de tremer incontrolavelmente.

— Pronto para a sua primeira aula de arco e flecha? – Katniss pergunta, sem olhar pra mim, alheia ao que está acontecendo.

— Com a melhor professora de todas? – Tento não deixar transparecer o pavor em minha voz, mas é inútil.

— Peeta, o que está havendo? – Ela se abaixa ao meu lado, preocupada.

— Estou sem meus remédios. A chuva estragou todo o conteúdo dos frascos.

— Não se preocupe. Deve dar tempo de chegar à nossa casa antes que isso afete você. Além disso, há séculos que você não tem um surto.

— Katniss, desde que fui resgatado da Capital, nunca passei um único dia sem estar medicado. Eu não sei o que aconteceria… – Eu me levanto e me distancio dela, recusando-me a sequer pensar no que eu poderia fazer, caso eu perca a consciência.

— Eu disse que vou lutar ao seu lado não disse? E eu sei que vamos conseguir… juntos. – Katniss vence o espaço entre nós e segura minhas mãos. — Você está bem agora, não está?

— Estou apenas abalado, mas continuo ciente dos meus atos – murmuro cabisbaixo. — Promete pra mim que você vai se afastar, se eu pedir… Por favor.

— Olha pra mim – suplica Katniss e eu obedeço, erguendo meus olhos em sua direção.

Quando os seus orbes cinzentos encontram os meus, eu sinto a batalha interna começar a ser travada.

Katniss percebe a confusão em meu semblante, porém não demonstra qualquer temor. Ela não rompe o contato visual nem por um milésimo de segundo.

— Nós já fizemos isso antes, Peeta. – Seu jeito de falar é suave, mas também firme. — Fica comigo?

Recebo seus lábios nos meus e seus braços à minha volta. Ela é minha loucura e minha sanidade. É nela onde eu me perco e onde eu me encontro. E onde eu quero me guardar.

— Sempre. – Uso um tom decidido, como um esforço para me convencer de que posso ficar tão seguro quanto ela de que tudo ficará bem.

— Vamos para a nossa casa? – propõe ela. — A caminhada é longa.

— Eu arruinei a nossa lua de mel. – Solto suas mãos e ela segura as minhas de novo.

— A casa do lago permanecerá aqui por muito tempo. Podemos voltar logo pra passar mais alguns dias… Mas não sem antes providenciar uma boa reforma no telhado.

Katniss passa seus dedos por meus lábios quando dou um meio sorriso e beija cada lágrima que escorre por meu rosto, conseguindo me acalmar, como faço com ela.

— E você ainda está me devendo uma aula de arco e flecha – sussurro, já quase recuperado.

Em silêncio, nós nos preparamos para deixar a casa do lago.

Levamos conosco apenas o que é necessário. Pretendo voltar em breve para arrumar tudo com mais calma.

Não tenho apetite para ingerir nada agora e a primeira refeição do dia consiste apenas nas frutas silvestres que colhemos pelo percurso.

O caminho de volta é silencioso e tranquilo. Nossos dedos entrelaçados durante todo o trajeto são o sustento de que preciso para dar cada passo.

Katniss escolhe uma rota um pouco mais longa, pela qual não precisamos passar pela cidade. A Aldeia dos Vitoriosos está vazia quando nos aproximamos de nossa casa.

Eu já adentrei por essa porta centenas de vezes, acompanhado de Katniss. No entanto, hoje, há alguns sentimentos diferentes se misturando em meu peito.

É a certeza de que a mulher que eu amo está aqui para começar comigo a vida a dois que eu almejei ao lado dela.

É a esperança de incontáveis manhãs acordando cedo e observando-a dormir antes de ir para a padaria, e lá esperar a sua visita, quando ela estiver a caminho da floresta.

É a antecipação dos fins de tarde em que retornarei pra casa lado a lado com ela, ouvindo e narrando os relatos de como se passou o dia, ou mesmo caminhando silenciosamente, absortos em nossos próprios pensamentos.

É a expectativa de refeições juntos à mesa ou sentados à frente da lareira, compartilhando os resultados das antigas receitas ou experimentando alguma nova guloseima, em busca da aprovação dela antes de produzir a novidade para vender na padaria.

É a espera de futuras noites em que vamos subir calmamente, de mãos dadas, até o nosso quarto, ou em que vamos nos perder em um beijo urgente logo depois de entrarmos em casa.

É a percepção de que eu não tenho exatamente tudo o que eu sempre quis, por causa da ausência de pessoas muito importantes para nós, mas que alcancei o melhor que a vida depois dos Jogos e da rebelião pode me oferecer.

Fecho a porta atrás de mim e nossos olhares se chocam. Eu terei que tomar os meus remédios, inevitavelmente, porém ainda posso contemplar por algum tempo esses olhos…

Olhos que conhecem mais do que palavras poderiam jamais traduzir. Olhos que possuem seu modo próprio de se comunicar, como se tivéssemos uma linguagem secreta. Olhos que trazem recordações que, há alguns anos, eu nunca acreditei serem possíveis de serem vividas, de instantes em que eu não me reconheço, quando ainda sinto os efeitos do telessequestro, mas também de momentos de intensa felicidade, como agora, diante dela… da minha Katniss.

A melhor coisa que aconteceu comigo na minha vida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá de novo!

Infelizmente, nem tudo são flores na vida do nosso casal e eles sempre terão que conviver com os traumas do passado...

A boa notícia é que, no próximo capítulo, Peeta já poderá começar as atividades da padaria!

Aguardo vocês para a festa de inauguração!

Beijos!

Isabela