A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 26
26. Nossa nova história




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Por Peeta

Após a cerimônia de lançamento da pedra fundamental da padaria, recebo alguns cumprimentos e caminho para a Aldeia dos Vitoriosos com Katniss. Ela passa o restante do dia em minha casa, ajudando na arrumação das malas para a viagem.

Amanhã, Haymitch retornará do Distrito 7 e irei para o Distrito 4. De acordo com os horários de chegada e partida dos trens, nós dois devemos nos encontrar ainda na estação.

Quando toda a bagagem necessária já está praticamente guardada, sinto falta de apenas uma coisa. Na verdade, do que mais vou precisar durante esse período em que estarei distante de Katniss.

— Malas prontas? — indaga ela.

— Falta apenas guardar aqui o capítulo que você escreveu sobre mim — respondo e vou até a estante para pegar uma pasta cheia de papéis. — Você não me pediu, mas aqui está o que escrevi. Minha letra não é tão bonita quanto a sua, mas acho que os desenhos compensam.

Os olhos dela se arregalam com surpresa, enquanto recebe a pasta. Katniss retira de dentro dela os dois envelopes que estavam guardados em seu interior.

— No envelope menor, estão alguns dos documentos que você vai precisar para requerer a revogação da sua ordem de restrição, isto é, se um dia você quiser fazer esse pedido — comento, ainda inseguro, por não saber se ela receberia bem a notícia.

— Você pensou em tudo! — Katniss se admira e segura em minha mão carinhosamente. No mesmo instante, observo uma mudança em seu semblante, como se estivesse se recordando de um fato doloroso. — Farei o pedido. Só assim poderei rever a minha mãe.

— Provavelmente, eu a encontrarei no Distrito 4. Você quer enviar alguma mensagem a ela?

— Pensei que, depois do último telefonema, ela tentaria constantemente manter contato, mas minha mãe age como se não tivéssemos nenhum vínculo — murmura magoada.

— Isso não pode ser verdade. — Tento demovê-la dessa ideia. — Ela é sua mãe. Esse vínculo nunca deixou de existir entre vocês.

— Às vezes, duvido disso. — Katniss solta minha mão e se encaminha para a porta. — Vou à minha casa pegar o seu capítulo e tentar escrever uma carta para minha mãe.

Lamento o fato de a conversa ter tomado um rumo tão triste, pois gostaria que a véspera da viagem fosse um dia especial.

Então, tenho a ideia de preparar uma cesta com o almoço e alguns outros itens para passarmos uma tarde agradável juntos. Na falta de um local mais adequado, pois a Campina ainda não é um lugar transitável e eu não conseguiria arrumar um piquenique na floresta sem a ajuda de Katniss, estendo uma grande toalha no quintal de casa mesmo, sobre a qual disponho almofadas e cobertores, um vaso com flores e a cesta de alimentos.

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Ao retornar, Katniss parece estar mais calma. Ela traz o livro e uma carta para a sua mãe. Guardo tudo em minha mochila.

— Você pode dizer à minha mãe que vou tentar reverter a ordem de restrição. Só peço que diga apenas a ela, por favor, pois não quero que ninguém crie expectativas.

Confirmo com a cabeça e, tomando-a pela mão, levo Katniss até o lado de fora de casa.

Nós aproveitamos uma linda tarde na companhia um do outro. Comemos, rimos, trocamos beijos e carícias e passamos horas conversando.

No final do dia, deito minha cabeça no colo de Katniss, enquanto ela enreda os dedos em meu cabelo.

— Peeta, você uma vez quis congelar um momento como esse e vivê-lo para sempre. Você consegue se lembrar? — Basta ouvir a sua voz para saber que ela está sorrindo.

— Sim. Foi no terraço do Centro de Treinamento da Capital... Você foi legal comigo e disse 'Ok'.

— Esse era um futuro que nunca imaginaria ter.

— Mas você permitiu... e aqui estamos nós. — Ergo meu corpo para beijá-la apaixonadamente, algo que não pude fazer naquele dia, cujas lembranças Katniss trouxe à tona.

Quando nos damos conta, as cores do pôr do sol, com tons magníficos de amarelo e laranja, tingem o horizonte.

— E, mais uma vez, podemos admirar esse espetáculo.

— Sua hora favorita do dia — afirma ela.

Continuamos a contemplar o céu até apontarem no alto as primeiras estrelas. A luz da lua cheia é refletida em seus olhos.

— Você fica deslumbrante ao luar. — Fito seu rosto fixamente. — Agora não sei mais qual é a minha hora favorita.

— Você que é lindo, Peeta. Sempre foi e continua sendo, sabia?

— Acho que já me disseram isso algumas vezes — gracejo, oferecendo-lhe um pequeno sorriso. — No entanto, nada como ouvir de você e... será que escutei direito? Você disse sempre? Katniss Everdeen sempre me achou lindo e só fiquei sabendo disso agora?

Bato a mão em minha testa e ela ri, jogando a cabeça para trás.

— Sempre — confirma Katniss.

Enterro meu rosto em seu pescoço, inspirando seu aroma.

— Peeta — começa ela, levando as mãos até o meu rosto, fazendo-me encará-la novamente —, você me promete uma coisa?

— O que você quiser.

— Que você vai vivenciar todos os momentos da viagem com a mente e o coração abertos e vai avaliar se realmente aceita um futuro apenas comigo a seu lado, sem filhos.

— Katniss, não estou indo em busca de nenhuma resposta...

— Apenas prometa — interrompe–me ela, pousando um dedo sobre a minha boca.

— Prometo... que não vou me esquecer de você um único instante e vou contar os segundos para estar de volta para a única pessoa com quem quero passar o resto da minha vida.

Katniss começaria a protestar, mas eu a silencio com um beijo tranquilizador, para demonstrar que ela não tem com o que se preocupar.

— Essa promessa não valeu — reclama, franzindo o cenho.

— Valeu sim. — Toco a pequena ruga que se formou em sua testa. — Deixe-me dizer algo que já falei uma vez, mas você não estava perto o suficiente para me escutar... Você é tudo o que me importa.

Ficamos em silêncio. Por fim, Katniss fecha os olhos e enlaça meu pescoço, enquanto devolvo o abraço. Ouço o som de passos e vejo Delly, Thom e Blaine voltando do centro da cidade.

— Esta é mesmo uma bela noite para um piquenique! — Delly exclama, quando os três já estão diante de nós.

— Atrapalhamos? — Thom indaga.

— Claro que não. Na verdade, estamos aqui desde cedo e não sobrou quase nada para comer ou beber — aviso e faço menção de me levantar, porém Delly sinaliza que não é necessário.

— Pode deixar que vou reabastecer a cesta — diz ela e se dirige até a cozinha, não sem antes receber um beijo de Thom em seu rosto.

Dou um sorriso de agradecimento à minha amiga e sou imediatamente correspondido. Eu e Katniss abrimos espaço para Thom e Blaine se sentarem conosco.

Um vento frio percorre a nossa pele e Katniss se recosta em mim, enquanto a envolvo com meus braços para tentar aquecê-la.

— A cerimônia hoje foi muito emocionante — afirma Thom e todos assentimos.

— Estou pensando em fazer algo assim no início das obras da sapataria — comunica Blaine. — Você ainda se lembra das feições dos meus pais para poder desenhá-los, Peeta? Não conseguimos recuperar nenhuma foto deles depois do bombardeio.

— Não há como esquecê-los, Blaine. Eu, inclusive, já fiz uma pintura e alguns desenhos da família de vocês, a pedido da sua irmã.

— Ela nem me disse nada. — Blaine ergue os ombros.

— Delly pretendia fazer uma surpresa — defende Thom.

— Hum... Peeta e Blaine estão quites agora, estragando as surpresas — brinca Katniss, lembrando da indiscrição involuntária de Blaine às vésperas do aniversário dela.

Delly volta com a cesta cheia e não se aborrece quando sabe do vazamento da notícia.

— Não ia aguentar muito tempo sem contar ao Blaine mesmo — confessa, levando depois as mãos aos lábios, preocupada, talvez esperando o olhar repreensivo de Thom ante a sua inabilidade para guardar segredos, porém o que ela encontra é a expressão divertida dele, o que a faz suspirar aliviada.

Os dois estão juntos há pouco tempo, porém a cada dia estou mais convencido de que se completam com perfeição.

Assim, o piquenique se estende por mais um bom tempo até que Katniss dá o primeiro bocejo.

— Pessoal, o papo está bom, mas alguém está precisando dormir. — Aponto para Katniss, já me erguendo para ajudá-la a se levantar, sendo seguido por todos. — Mas, antes de ir embora, preciso saber se posso contar com vocês para protegê-la durante a minha ausência.

Katniss faz cara de indignada e eu a puxo para perto pela cintura.

— Não precisava nem pedir, Peeta. — Blaine pisca para ela e rapidamente pego uma almofada para jogar nele.

Blaine tenta revidar, porém Delly e Thom já estão recolhendo as almofadas, os cobertores, a cesta e a toalha para levarem para dentro de casa.

— Você vai ficar bem, Katniss? — pergunto.

— Espero que sim. Estarei em ótima companhia — responde, retribuindo meu abraço de lado.

— Você sai amanhã bem cedo, Peeta? — Delly questiona ao retornar da cozinha.

— Antes de vocês acordarem, com certeza. Vou pegar o trem que sai no primeiro horário.

— Então, é hora da despedida — declara Delly, já com o nariz e os olhos vermelhos pela vontade de chorar.

Katniss me solta e recebo o abraço apertado de Delly.

— Vou sentir tanta saudade, Mellark! A melhor decisão que tomei na vida foi ter ouvido seus conselhos para voltar ao Distrito 12. Não tenho como agradecer sua amizade.

— Tem sim, Cartwright! Seja feliz e tome conta da Katniss e do Haymitch por mim — sussurro no ouvido de Delly, enquanto ainda estamos abraçados, e ela balança a cabeça afirmativamente, sem segurar as lágrimas.

Thom e Blaine me cumprimentam com apertos de mão.

— Vocês dois, por favor, cuidem bem das nossas meninas — peço.

— Pode ficar tranquilo — responde Thom. Ele enxuga o rosto de Delly com um lenço, carregando-a pela mão até a porta de casa para se despedirem. — Boa noite a todos e boa viagem, Peeta.

— Nossas meninas estarão em boas mãos, amigo. Até a volta! Tchau, Katniss. — Blaine também se retira.

Estendo o braço para capturar a mão de Katniss. Ela sorri e aproximo sua pequena mão da minha boca, beijando cada um de seus dedos.

Caminhamos até casa dela. Katniss sobe até seu quarto para se aprontar para dormir e pego meus pertences que estão guardados no quarto de hóspedes para fazer o mesmo, usando o banheiro do andar de baixo.

Quando estou pronto, bato na porta do seu quarto e Katniss está sentada em sua cama com os dois envelopes que dei a ela mais cedo em seu colo e algumas folhas em sua mão.

Meu rosto se aquece só de pensar que Katniss está lendo as minhas anotações a seu respeito. No entanto, ela está folheando os papéis sobre a sua ordem de restrição.

Ela lê o meu semblante com facilidade.

— Estou ansiosa para ver o que escreveu sobre mim no capítulo, mas vou fazer isso apenas depois de você partir. — Seus olhos estão ainda mais apertados que o normal por causa do sono.

— Ok, vamos dormir. — Recolho os papéis e os envelopes para colocá-los sobre sua cômoda.

Katniss se deita e faz sinal para que eu me deite à sua frente. Ela aproxima seu rosto e roça a ponta de seu nariz no meu.

— Como você está se sentindo agora, Peeta?

— Nesse exato momento? Muito feliz.

— E amanhã?

— Amanhã, sei que estarei cheio de saudades, mas continuarei feliz.

Ela abre um meio sorriso.

— Também estou feliz e também vou sentir saudades — confessa.

Nós nos beijamos com carinho por alguns instantes.

Apesar de a minha felicidade ser genuína, falta ainda alguma coisa para que eu me sinta plenamente realizado. Falta ouvi-la dizer que me ama.

Então, fito seus olhos em silêncio, tomando coragem para formular a grande pergunta. Isso leva um tempo. Toco seu rosto e Katniss se deita sobre o meu peito. Respiro fundo e, finalmente, quando já estamos quase pegando no sono, sussurro:

— Você me ama. Verdadeiro ou falso?

Katniss me responde, sem hesitação:

— Verdadeiro.

Depois, ela suspira e fecha os olhos. Katniss deve ter percebido meu coração saltando de alegria. Estico o braço para apagar a luz do abajur e enlaço ainda mais sua cintura, apertando-a contra mim.

Foi o início perfeito de uma noite sossegada, sem pesadelos. Saber que noites assim são possíveis, mesmo para mim e Katniss, deixa-me muito mais tranquilo, principalmente quando penso no tempo que devo ficar no Distrito 4.

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Por volta das cinco da manhã, o despertador toca e eu o desligo rapidamente. Apesar do barulho e da minha movimentação, o som regular da respiração de Katniss indica que ela ainda dorme.

Eu não me levanto logo. Queria que essa manhã se prolongasse, porém sei que de nada adiantaria, pois a saudade continuará sendo imensa no momento em que o trem deixar a estação. Quanto tempo passará até eu estar aqui para dormir ao lado dela outra vez?

Katniss desperta devagar.

— Bom dia! Você vai comigo até a estação? — indago e ela me aperta firmemente, confirmando em silêncio.

— Queria poder ir com você para o Distrito 4. No entanto, gostaria mesmo é que Finnick estivesse lá também — enfatiza Katniss, antes de se sentar na cama.

O sol ainda não nasceu e o quarto ainda está na penumbra das primeiras horas do dia. Ainda assim, vejo as lágrimas que se formam em seus olhos e que ela tenta esconder.

— Finnick era um grande amigo mesmo, Katniss. Salvou minha vida e nos protegeu na segunda arena por diversas vezes, além de ter permitido o sacrifício de Mags. Ele foi um dos poucos que me apoiou durante a rebelião e me fez mais forte em momentos bem difíceis. Se eu sinto tanta falta dele, imagino a Annie — reconheço, ficando de pé lado dela.

— Aquele jeito sedutor e engraçado dele era o disfarce perfeito para um homem corajoso, sábio e sensível. Foi ele que me ajudou a definir meus sentimentos por você, sabia? Também sinto muito a falta dele. — Katniss acende o abajur e me olha ternamente. — Finnick sabia a respeito de você ser muito mais bondoso do que qualquer um de nós. Posso dizer o mesmo em relação à Annie.

— Do que você está falando, Katniss?

— Ninguém foi vitorioso por acaso, exceto talvez por você. Essas foram as palavras de Finnick. E eu acrescentaria... exceto pela Annie também. — Ela segura minhas mãos. — O bebê merece conhecer desde cedo a generosidade que o pai dele soube identificar em você e Annie vai precisar dela, mais do que nunca e mais do que ninguém.

— Estou bastante apreensivo por ficar tanto tempo longe de você, mas fico muito mais calmo ao ouvi–la dizer tais coisas.

Beijo sua testa e desço as escadas. Depois de nos arrumarmos, não há tempo de tomar café da manhã. Então, apenas passo em casa para recolher minha bagagem e, assim, sair rumo à estação.

Andamos alguns metros após deixarmos a Aldeia dos Vitoriosos e escuto uma voz fina e afetuosa, que nunca ouvi antes, chamar meu nome.

Quando olho para trás, vejo Daisy correndo em minha direção. É a primeira vez que ela pronuncia uma palavra para mim.

Daisy pula em meus braços e segura meu rosto para me dar um beijo na bochecha. Greasy Sae chega logo em seguida e basta olhar para mim para começar:

— Nem precisa dizer nada. Vou ficar de olho nessa mocinha aqui — avisa, afagando o braço de Katniss.

— Nessas duas mocinhas, por favor, Greasy Sae. — Ponho Daisy no chão e ela une a minha mão à de Katniss.

— Pode contar com isso. Até a volta, Peeta!

— Pee-ta — repete Daisy, para meu total encantamento.

Elas seguem caminho para a casa de Katniss e nós continuamos a andar pelas ruas ainda desertas da cidade.

— Você e seu dom de nos fazer falar... Foi emocionante quando Daisy chamou seu nome. — Ela reflete por alguns segundos e completa. — Obrigada por me ajudar a confessar meus sentimentos na noite passada. E me desculpe por precisar esperar tanto tempo para me ouvir dizer que amo você.

— Você já expressou isso para mim antes, sabia?

— Quando?

— Você sempre transpareceu o seu amor, mesmo não usando palavras. Suas atitudes, seu olhar, sua entrega, sua proteção. Eu pensava que eram mais do que suficientes. No entanto, nada se compara ao que sinto quando ouço você dizer.

— Peeta Mellark, eu amo você — sussurra ela e beija meus lábios por um breve momento, um pedaço de eternidade que desejo com todo o coração que dure para sempre.

— Você precisava amadurecer a ideia e se sentir segura. Foi melhor assim — digo. — E eu amo você também.

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Chegando à estação, Haymitch já está à nossa espera. Ele bagunça os nossos cabelos e parece contente em nos rever, porém seu olhar reflete a mesma angústia que eu e Katniss estamos sentindo. A angústia da separação.

— Lindinha, garoto, que caras são essas? — pergunta ele sem esperar uma resposta. — Effie mandou dizer que está morrendo de saudades dos vitoriosos preferidos dela.

Não temos ânimo nem mesmo para esboçar um sorriso. Então, sem conseguir dizer nada, apenas ficamos parados em silêncio, observando nossa pequena estação, até ser anunciada a partida do trem que me levará ao Distrito 4.

Beijo os lábios de Katniss e acaricio seu rosto abatido. Abaixo-me para pegar a mala do chão e ouço Haymitch dizer para ela:

— Deixa eu lhe dar um abraço, docinho. Acabei de passar por isso há apenas algumas horas e sei como é difícil.

Eu me viro para eles e vejo os dois juntos num forte abraço. Não resisto e vou até onde estão, abraçando-os ao mesmo tempo.

— Vou sentir saudade de vocês — declaro para ambos.

— Nós também, garoto. — Haymitch solta Katniss e apoia a mão em meu ombro.

Depois, sussurro no ouvido dela:

— Eu amo você, mais que tudo! Nunca se esqueça ou duvide disso, por favor.

Ela me envolve uma última vez seus braços em torno do meu pescoço e diz:

— Também amo você... Agora que consegui falar, não vou parar de repetir.

Com o canto do olho, vejo Katniss estender a mão, a qual seguro com firmeza, abominando o momento em que finalmente terei de soltá-la.

Ela me conduz até a entrada do trem. Viro-me ainda uma última vez e aceno antes de a porta se fechar, com o peito esmagado pela dor de deixá-la.

Busco o vagão no qual está localizado o meu quarto e a primeira coisa que faço é pegar as folhas de pergaminho com os manuscritos de Katniss.

Lendo suas anotações, revivo nossa história. Numa narrativa envolvente, Katniss consegue prender minha atenção em cada palavra, mesmo eu conhecendo todos os fatos ali descritos.

Seus escritos me transportam para aquela tarde chuvosa de abril, em que ela se esforçava para conseguir algum alimento nas lixeiras dos comerciantes, e fico conhecendo a versão dela sobre o episódio dos pães queimados. Descubro que Katniss sempre quis saber se foi apenas um acidente ou se eu havia lançado os pães ao fogo de propósito, mesmo ciente de que seria punido por isso.

Seu relato me faz saber o quanto ela lamentou ouvir meu nome sendo sorteado na colheita e como ficou confusa com a declaração de amor que fiz na minha entrevista. No entanto, o que a deixou mesmo chocada foi a minha aliança forjada com os carreiristas.

Katniss escreve que se sentia muito perdida e duvidava muito de mim e das minhas atitudes.

Ela desconfiou das minhas intenções quando dispensei a ajuda dela e das pessoas da Capital para banhar o Haymitch no trem e pensou que eu a distraí de propósito quando, durante a contagem regressiva para entrarmos na arena, sinalizei para ela não correr para a Cornucópia.

Katniss suspeitou até das intenções do meu pai ao ir vê-la antes de embarcarmos rumo à Capital, o que a levou a jogar pela janela do trem os biscoitos que ele lhe deu no Palácio da Justiça. Saber disso me machuca um pouco, pois não tenho dúvidas de que meu pai fez o que fez porque queria bem a ela e tinha muito carinho por Prim.

No entanto, não a culpo. Teoricamente, naquele ponto, qualquer pessoa imaginaria que eu estivesse planejando matá-la. Katniss não podia saber que meu pai já tinha certeza de que, em circunstâncias normais, eu nunca retornaria vivo da arena, não com ela indo comigo como tributo.

Ele deixou isso muito claro pra mim ao se despedir, dizendo que acreditava no meu potencial para lutar e sobreviver, mas acreditava ainda mais no meu amor, que não deixaria que ela morresse. Meu pai conhecia meus sentimentos naquela época. Katniss, não.

Ela me conta do beijo na caverna que a fez querer mais. O beijo que, surpreendentemente, também foi um momento revelador para mim, logo após ela arriscar sua vida para buscar o remédio no banquete promovido na arena. Foi uma das vezes em que imaginei que, de fato, ela estava preocupada com a ideia de me perder.

No texto, ela confessa que sentiu esse medo novamente na segunda arena, quando meu coração parou de bater, depois que atingi o campo de força com o facão, e como ficou aliviada quando voltei a respirar.

Katniss narra seu sofrimento quando soube que fui capturado pela Capital, o que piorou ao constatar que eu estava sendo vítima de torturas, através das imagens que eram transmitidas pela Capital, quando ela estava no Distrito 13.

Em seu relato, Katniss não descreve o nosso triste reencontro após o meu resgate e conta apenas sobre o seu desespero com a minha degradação física e mental, tendo a certeza de que havia me perdido.

Ela se lembra de sua desolação com a minha rejeição e como foi difícil conviver comigo durante a rebelião, numa confusão de sentimentos que teve seu ápice quando eu a impedi de engolir a pílula que a mataria. Um momento que foi muito difícil pra mim também.

Termino de ler essa parte com o coração apertado e a mente num turbilhão. Katniss abriu sua alma e usou palavras duras para narrar esses últimos fatos, tão terríveis para nós dois.

É como se um filme passasse por minha cabeça, um filme triste e desconexo, devido às minhas memórias embaralhadas. Começo a me arrepender de tê-la feito escrever tudo isso.

No entanto, é preciso virar a página, em todos os sentidos.

Então, assim eu faço e, dessa vez, sou surpreendido pelo estilo leve que ela usou para escrever sobre o recomeço de uma história.

Nossa nova história. Meu retorno ao Distrito 12, as prímulas que plantei, minha certeza de que voltei a amá-la, nossa aproximação, nosso afastamento, nossa reconciliação. Seus medos e incertezas se transformando em nossas conquistas e sonhos.

Nessa parte, ela suavizou até mesmo as situações mais difíceis que vivemos desde que voltei ao nosso Distrito. Agora, diversamente do que aconteceu quando li as páginas anteriores, meu espírito está confortado.

No entanto, há ainda algumas surpresas. Nas folhas seguintes, encontro o desenho de um dente-de-leão sobre um fundo laranja, certamente feito por Daisy e, logo depois dele, um texto em forma de carta, escrita para mim.

"Peeta,

Sei que não sou boa com as palavras como você, mas vou tentar escrever essa carta, pois acho que é a melhor forma de dar a você um pedaço de mim...

Aprendi a ler você. Um livro aberto, sobre um amor puro, que eu não conhecia e do qual muitas vezes duvidei.

Somente quando vi sua tristeza ao perceber que nosso romance nos primeiros Jogos havia sido uma encenação da minha parte, descobri a verdade dos seus sentimentos.

Fiquei perdida. Não sabia lidar com os seus anseios e com a sua decepção comigo. Pensei que a sua mágoa em relação ao que fui obrigada a fazer para salvar nossas vidas fosse injusta.

Apenas quando Snow o tirou de mim, entendi o que você passou, pois foi nesse momento que me convenci de que, de alguma forma, eu o amava.

Tudo aconteceu aos poucos. Nunca fui indiferente a você e, à medida que o conhecia mais profundamente, esse afeto foi tomando conta de mim devagar, até que, quando estava a ponto de perdê-lo, percebi que o amava mais do que poderia saber.

No entanto, não queria me apaixonar. Não podia. Busquei desculpas no que acontecia ao nosso redor para afastar esse sentimento.

Minha vida nunca foi fácil e tudo estava muito complicado e incerto. Não quis me tornar ainda mais vulnerável.

Era assim que eu enxergava o amor de uma mulher por um homem, como uma fraqueza.

Quem ama sempre depende de mais e mais amor e nunca poderá ficar satisfeito. Vivi na Costura e sei o que é nunca estar satisfeita. Conhecia essa dor física e temia sofrer essa dor também em meu coração.

Por isso, lutei contra o que eu teimava em sentir, porque não queria a dor que acompanha o amor. Acontece que, ainda que ele traga dor, o amor traz esperança.

Você foi o motivo da minha esperança, quando me deu os pães queimados naquele dia de chuva e de fome.

Naquela tarde, as chamas e o pão já estavam unidos, como um sinal de que devemos proteger um ao outro pelo resto de nossas vidas.

No dia seguinte, colhi um lindo dente-de-leão no pátio da escola, que também se tornou um sinal de esperança pra mim, por ter me dado confiança na minha capacidade de manter minha família.

Você viu quando eu o colhi. Você se lembrou desse fato, mesmo depois de distorcerem suas memórias sobre mim. Desde aquele dia na escola, associo o que você fez por mim à imagem daquele dente-de-leão na primavera.

O garoto com o pão. A minha esperança.

Então, vieram os Jogos, o Massacre Quaternário e a Rebelião. A menina que eu era foi transformada na garota em chamas e no Tordo.

Durante a guerra, perdi Primrose e foi como ter arrancada de mim a razão de viver. A garota em chamas se tornou apenas cinzas e o Tordo perdeu a sua voz.

Entretanto, ainda havia a minha esperança, alguém que sempre me amou muito além do que mereço.

Quando você voltou para casa, para mim, foi como ver novamente aquele dente-de-leão colhido no pátio da escola. Foi como a promessa de que a vida pode prosseguir, de que ainda posso encontrar paz, de que algo bom ainda está por vir.

Você me fez ver tudo isso, sendo simplesmente você mesmo.

E quem é você, Peeta Mellark?

Você é pintor. Você é padeiro. Gosta de dormir com a janela aberta. Nunca põe açúcar no chá. E sempre dá dois nós nos cadarços.

Mas você é mais, muito mais do que isso.

Quando olho pra você, vejo o menino que me amou desde os cinco anos e que me salvou muito antes dos Jogos, quando eu já estava sem forças, ao me dar alguns pedaços de pão.

Vislumbro o tributo que desejava uma maneira de demonstrar à Capital que era mais que uma peça nos Jogos deles.

A pessoa que arriscou sua reputação e sua vida por mim na primeira arena ao se associar aos carreiristas.

Alguém que me salvou, ao confiar em mim e aceitar engolir as amoras-cadeado comigo.

O rapaz que mal podia olhar para mim depois que parti seu coração e, ainda assim, ficou comigo todas as vezes em que pedi.

Eu vejo a única pessoa que pode chegar perto de entender meus pesadelos.

O voluntário para o Massacre Quaternário, que daria a vida, se fosse preciso, para me defender na segunda arena.

Alguém muito mais forte que eu, que continuou lutando para me proteger, mesmo após as torturas e o telessequestro, quando buscou forças para avisar aos rebeldes sobre as bombas que foram lançadas no Distrito 13.

A pessoa que me resgatou de mim mesma, quando tentei tirar minha própria vida.

Alguém que nunca mereceu a dor e o sofrimento que carrega consigo até os dias de hoje, por terem tirado dele sua família e terem tentado roubá-lo dele mesmo, transformá-lo em alguém que ele nunca quis ser, em uma peça dos Jogos. Felizmente, eles apenas tentaram.

Eu vejo o menino que, mesmo depois de todo o horror que viveu, teve o carinho e a sensibilidade de plantar prímulas ao redor da minha casa, para se reaproximar de mim.

Enxergo a pessoa que se doa inteiramente e não pede nada em troca.

O único que consegue me acalmar, quando me envolve em seus braços.

Você foi e é tudo isso e, agora que está realmente perto de mim, eu queria ser capaz de colocá-lo em um lugar onde você não possa se machucar, pois preciso do meu dente-de-leão na primavera, do amarelo vívido que significa renascimento em vez de destruição.

Preciso da sua voz me despertando de um pesadelo e do conforto dos seus braços. Preciso do meu garoto com o pão.

Embora tudo e todos que perdemos importem muito, quero focar agora no que nós encontramos juntos.

Com você, encontrei o amor.

Eu amo você, Peeta Mellark."

Deito na cama, afundando a cabeça no travesseiro, e respiro fundo. Dos meus olhos cansados, escapam algumas lágrimas. De pura felicidade.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

Finalmente, apareceu o capítulo com o imprescindível: "Você me ama. Verdadeiro ou falso?"

Eu gosto mais da expressão "Real ou não real?", mas como sempre uso a tradução da Rocco para as referências que faço no texto, achei melhor manter a prática.

Ufa! Foi difícil escrever essa carta! Queria que ela fosse cheia de emoção e sintetizasse os acontecimentos mais importantes, mas não sei se consegui o intento.

Por favor, comentem se acharam que ficou legal ou se faltou alguma coisa!
Beijos!