A Redenção do Tordo escrita por IsabelaThorntonDarcyMellark


Capítulo 23
23. Cada detalhe


Notas iniciais do capítulo

Olá! Já conferiram a nova capa da fic?
Quem fez pra mim foi a leitora Yanne Takisawa... Mais uma vez: obrigada! É um carinho que já ultrapassa as fronteiras do Nyah! ♥
Vou tomar a liberdade de divulgar a fanpage que ela criou no Facebook, cheia de fotos e vídeos muito legais sobre o universo THG: https://www.facebook.com/THGJV/
Agora, ao capítulo! Boa leitura!



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Por Katniss

Os dias de Peeta, sem dúvida, ficaram mais alegres com a presença de seus dois amigos em sua casa e isso, de alguma forma, contagia também a mim e até mesmo a Haymitch.

Apesar de eu e Delly nunca termos sido muito próximas e ainda que, de fato, sejamos o oposto uma da outra, nossa convivência tem sido muito boa.

Ela é muito diferente de Madge, a única menina da época da escola com quem, de certa forma, mantive uma relação de amizade. Madge sempre preferiu se preservar, como eu. Por isso, ainda que ficássemos bastante tempo juntas na escola, raramente conversávamos, o que era conveniente para ambas.

Assim como Madge, Delly não é esnobe. No entanto, essa é a única semelhança no temperamento delas, pois Delly é extrovertida, alegre e fala por nós duas, o que também acaba por ser conveniente para ambas.

Logo na manhã seguinte à sua chegada, ela veio à minha casa para escolher algumas roupas, como eu havia prometido. Delly havia acabado de chegar da cidade, onde fora com Blaine tratar da contratação dela para trabalhar na equipe responsável pelas obras em nosso distrito, assim como buscar informações para que seu irmão dê início à reconstrução da sapataria.

Em pouco tempo de conversa, eu já sabia de muitas novidades sobre o que está acontecendo nas redondezas e pude perceber como ela fala do Thom de um jeito especial.

A nova silhueta de Delly se parece muito com a minha constituição física da época da Turnê da Vitória. Então, separamos uma boa quantidade de peças que lhe servem muito bem.

— Não me atreveria a usar essas roupas lindas para trabalhar, Katniss! Durante a semana, vou ter que continuar usando aqueles macacões horríveis do Distrito Treze — diz ela desanimada.

— Parece que você quer impressionar alguém — comento cautelosa, numa das poucas frases que proferi desde que ela chegou.

— Não consigo disfarçar, né? Acho que está escrito na minha testa: Delly está apaixonada pelo Thom!

— Mas já? — Eu me espanto, pois, pelo pouco que sei, eles só passaram algum tempo juntos esta tarde.

— Já? Não, Katniss... Desde sempre! Nos tempos da escola, Peeta suspirava por você de um lado, enquanto eu suspirava pelo Thom do outro.

Não seguro um sorriso e, sentindo-se incentivada, Delly me presenteia com um monte de histórias engraçadas e, por vezes, trágicas, sobre as estratégias mirabolantes que eles inventavam para Peeta se apresentar a mim e para ela se aproximar de Thom. Todas mal sucedidas.

Até me lembro de algumas situações. No entanto, o que mais me impressiona é o relato que ela faz, sem muitos detalhes, sobre um presente que Peeta ofereceu para Primrose pouco antes da nossa primeira colheita.

— Peeta deu um presente para Prim antes de nos conhecermos? Como eu nunca soube de nada a respeito disso?

— Talvez fosse um segredo deles... De qualquer modo, se você quiser saber mais, acho que o Peeta adoraria lhe contar.

Faço um meneio de cabeça em concordância, antes de Delly se despedir de mim, e penso que também gostaria muito de ouvi-lo falar sobre esse assunto tão sigiloso entre ele e Prim.

Assim como Delly, seu irmão Blaine é comunicativo e carismático. Num de seus arroubos de expansividade, alguns dias depois da visita de Delly, quando estou voltando de uma tarde na floresta, ele acaba por revelar a mim uma parte dos planos de Peeta para o meu aniversário, ao se encontrar comigo na entrada da Aldeia dos Vitoriosos.

— Olá, Katniss! A senhorita vai me conceder uma dança? — Blaine me pergunta, como se não fossem necessárias explicações.

— Do que você está falando exatamente, Blaine? — Não escondo que fiquei perplexa com a questão inusitada.

— Ah... Você não está sabendo — balbucia ele em um tom discreto e, depois, tenta disfarçar, voltando a usar o volume normal da sua voz. — Estava pensando se, algum dia, em alguma festa que tenha música... Você me concederia uma dança?

Balanço a cabeça e minha expressão desconfiada sinaliza para ele que não fiquei convencida.

— Já entreguei tudo, não é? — Blaine cobre o rosto com uma das mãos. — Peeta vai me mataaar — cantarola baixinho, prolongando a última sílaba, o que me faz soltar um riso anasalado.

— Pode deixar que salvo sua vida. Não vou contar a ninguém que você me disse. — Tento abrir o portão da Aldeia, mas me atrapalho com a bolsa de couro que estou segurando e Blaine me ajuda. — Então, Peeta está planejando um baile para o meu aniversário?

— Não que você não mereça um grande baile, mas ele está programando uma pequena reunião com as pessoas próximas. Alguns vão trazer seus instrumentos musicais. É claro que a intenção de Peeta também é chamá-la pra dançar...

Meu coração dispara só de pensar nessa possibilidade. Eu e Blaine caminhamos lado a lado e, felizmente, ele está olhando para frente, pois não consigo conter um sorriso com a notícia.

— Já falei demais. No entanto, não estou arrependido de dar com a língua nos dentes... — Blaine me observa de esguelha.

— Por quê? Posso saber?

— Por dois motivos. Meu amigo pode ficar mais tranquilo, pois tenho a impressão de que você gostou da ideia que ele teve. E também porque acho que já garanti um par para uma dança... Além da minha irmã, é claro, que vai me obrigar a dançar com ela, com toda a certeza!

— Acho que você está certo, ao menos quanto ao primeiro motivo. Gostei mesmo da ideia. No entanto, ainda vou pensar se vou guardar uma dança pra você. — Abro a bolsa de couro onde carrego a caça do dia e entrego a ele um dos perus selvagens que abati. — Esse eu separei pra vocês. Até uma próxima vez, Blaine.

— Guarde nosso segredo, por favor... E pense com carinho no meu pedido, certo? — Ele pisca pra mim. — Não vou pisar no seu pé na hora da dança. Não me arriscaria tanto. Se você consegue acertar um desses aqui em pleno voo, eu seria um alvo fácil para uma de suas flechas.

— Acho bom mesmo — brinco e aceno com a mão antes de entrar.

Enquanto Blaine se direciona para a residência de Peeta, rumo para dentro da minha casa, com o coração cheio de esperanças de que meu aniversário terá um pouco de alegria, apesar de tudo.

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Finalmente, chega o tão esperado dia oito de maio, o meu aniversário. Prim também nasceu em maio, quando ainda é primavera em Panem.

Já que é tão fácil encontrar flores nessa época do ano, desde quando Prim era muito novinha, ela e meu pai colhiam algumas, com as quais os dois preparavam um belo arranjo numa caneca de metal que ela adorava.

Deste modo, todos os anos, eu era presenteada logo pela manhã com um pequeno buquê e grandes sorrisos. Prim continuou a fazer isso, mesmo depois que perdemos nosso pai naquela explosão, pois não havia custo algum. No entanto, sempre significou muito para mim.

Acordo bem cedo, com barulhos vindos do andar de baixo. Abro uma pequena fresta na porta do meu quarto e distingo as vozes de Peeta e Greasy Sae, porém não identifico o que falam, pois estão sussurrando entre si.

Faço minha higiene matinal e troco de roupa. Quando desço as escadas, não há mais ninguém no andar de baixo. No entanto, a mesa está posta.

Sobre ela, há uma garrafa térmica com chocolate quente, travessas com pães de queijo, bolo, biscoitos e algumas variedades de geleia em compota. Apoiado na garrafa, há um envelope com o convite para a minha festa e um pequeno bilhete, no qual reconheço a caligrafia de Peeta:

"Bom dia, Katniss!

Sei que o Blaine estragou a surpresa e desejo, ao menos, que você esteja ansiosa para a nossa pequena reunião em comemoração ao seu aniversário. Esse seria o lado positivo de você saber com antecedência sobre o que estive preparando nos últimos dias.

No entanto, a minha maior esperança é a de que terei a honra de tirá-la para dançar mais tarde.

Feliz aniversário!

Com amor,

Peeta."

A honra será minha! — penso.

Sento-me à mesa para saborear o meu café da manhã especial e me delicio com cada iguaria. Quando estou me servindo de mais um pouco de chocolate quente, o telefone toca. Levo o copo comigo e pego o aparelho com a mão livre.

— Alô?

— Katniss... — Mal escuto a voz do outro lado da linha. — Filha, parabéns pelo seu aniversário.

Quando reconheço seu timbre, sinto uma pontada em meu peito.

— Você se lembrou.

— Katniss, nunca esqueceria. Sou sua mãe.

— Você é minha mãe, mas não age como uma — murmuro com tristeza.

— Você sabe que eu a amo — sussurra ela. — Porém sou fraca. Sei que não reagiria bem, se estivesse aí nesse lugar, onde fomos uma família um dia. Seu pai, eu, você e Primrose.

— Mas ainda preciso de você, mãe — suplico. — O único laço de sangue que me restou. Dói muito saber que você prefere ficar distante, sem me ter por perto.

— Apenas não quero ser mais um obstáculo em seu caminho. Já é difícil o bastante pra você. Seria pior se eu ficasse naquele estado depressivo, que infelizmente você conhece bem. — A cada frase que ela pronuncia, a dor fica mais intensa, irradiando do meu peito até a garganta, embargando a minha voz.

Os resquícios da alegria que eu estava sentindo alguns minutos atrás desaparecem por completo.

— Você poderia ao menos tentar... Não posso sair daqui, mãe. Nosso reencontro depende somente de você.

Essa conversa não está me fazendo nada bem. Pressinto uma daquelas crises que eu costumava ter no Distrito 13, quando Peeta ainda estava em poder da Capital.

— Não estou aí ao seu lado, mas pedi ao Peeta para fazer algo que, de alguma forma, vai aproximar você de mim, do seu pai e da sua irmã.

— O que vo...? — A pergunta fica no ar.

Nesse momento, pela primeira vez, focalizo a mesa da sala e vejo sobre ela um ramalhete de flores dentro de uma caneca de metal.

Tudo o que estou segurando cai de minhas mãos. O copo se espatifa no chão e o telefone fica pendurado por seu fio.

— Prim... — Um som abafado sai da minha boca.

Assim, começa a desordem em meus pensamentos, a mesma confusão que eu vivenciava quando o desespero tomava conta de mim. Todo o meu corpo treme descontroladamente. A repentina necessidade de retomar o velho hábito que eu tinha no Distrito 13 me domina.

Vagueando pela casa, busco refúgio num lugar escuro e ermo. Escondo-me na despensa. Ela possui apenas uma janela, em um local muito alto da parede, de modo que ninguém pode me ver através dela. Com a porta fechada, fico encolhida, abraçada às minhas pernas e ao abrigo da luz. Fecho os olhos e começo a recitar:

— Meu nome é Katniss Everdeen. Eu completo dezoito anos de idade hoje. Meu lar é o Distrito 12. Prim me dava flores em meus aniversários. Prim não pode mais me dar flores. Prim está morta.

Ainda que baixo, posso ouvir o som das batidas na porta da sala. Depois, na porta dos fundos.

— Katniss, o que houve? Katniss! — A voz de Peeta se sobressai aos murmúrios de todas as pessoas que morreram por minha culpa, cujas vozes zunem no meu ouvido e me fazem novamente proferir:

— Meu nome é Katniss Everdeen. Eu completo dezoito anos de idade hoje. Meu lar é o Distrito 12. Participei dos Jogos Vorazes. Escapei das duas arenas. Houve a rebelião. Eu estava na Capital. Prim estava na Capital. As bombas explodiram. Prim está morta. Ela está morta. Eu deveria estar morta no lugar dela...

Agora, uma chave gira na fechadura. Pessoas caminham dentro da minha casa. Alguém sobe a escada. Aperto minha testa sobre meus joelhos até o ponto de doer. As lágrimas molham o tecido da minha calça. Ergo a cabeça, quando ouço:

— Há um copo quebrado aqui próximo ao telefone, que está fora do gancho. No entanto, não há sinal de sangue — constata Haymitch, em alta voz.

Está explicado quem abriu a porta, pois ele tem uma cópia da chave.

— Por isso, ouvi o barulho do vidro se quebrando! — Peeta afirma, seus passos fortes marcando a descida dos degraus.

— Katniss, onde você está escondida? — Haymitch grita.

— Por que ela estaria escondida? — Peeta questiona. — Ela pode ter saído pela porta de trás.

— No Distrito 13 e na mansão presidencial, em momentos críticos, ela sempre procurava algum esconderijo para tentar se acalmar. Katniss está em algum lugar nessa casa.

— Você tem certeza? — Peeta parece preocupado.

— Ela costumava ficar em locais escuros, tranquilos e impossíveis de encontrar. Nessas horas, Katniss usava uma técnica que um dos médicos do Distrito 13 sugeriu. A ideia é ficar repetindo para si mesma alguns fatos que ela sabe que são absolutamente verdadeiros, como seu nome e sua idade, para depois incluir fatos mais complicados — explica Haymitch. — Assim como o Jogo do Verdadeiro ou Falso ajuda você, isso também a ajuda de alguma forma.

— Vou procurá-la novamente, então.

Quando eles voltam a fazer silêncio, retomo a repetição de frases, num sussurro impossível de ser ouvido nos cômodos em que eles estão:

— Meu nome é Katniss Everdeen. Eu completo dezoito anos de idade hoje. Meu lar é o Distrito 12...

Pela fresta da porta da despensa, vejo que alguém está de pé diante dela e está movendo a maçaneta. Paro de falar imediatamente. É Peeta quem entra e se depara comigo, encolhida no canto do recinto.

— Katniss...

Nenhum de nós diz mais nada e ele se senta ao meu lado, ajeitando-se como pode no espaço apertado para duas pessoas, entre a parede e a estante.

Ele passa o braço por minhas costas e apoio a cabeça em seu ombro. Algumas lágrimas teimam em pousar em sua camisa. Após muitos minutos, que parecem não passar, consigo finalmente falar:

— Um ramalhete de flores em uma caneca de metal era o presente que ganhava todos os anos de Prim. Quando vi as flores sobre a mesa hoje, por alguns segundos, cheguei a pensar... — Balanço a cabeça e recomeço a chorar. — Mas ela está morta. Morta! Era meu dever protegê-la, mas não fui capaz. Eu deveria estar morta, não Prim.

Peeta toca o meu rosto gentilmente e seca algumas lágrimas. Então, ele tenta me erguer e permito que ele me levante. Logo que nos colocamos de pé, sem esperar nem um segundo a mais, eu o abraço fortemente, apoiando a cabeça em seu peito. Ele acaricia suavemente minhas costas.

— Katniss, você não teve culpa... — Peeta começa a dizer, mas pressiono meus dedos em seus lábios.

— Não continue, por favor — imploro. — Apenas me abrace. Apenas me guarde aqui com você.

Ele concorda com a cabeça. Posso sentir seu coração, inicialmente descompassado, reduzir a velocidade dos batimentos. Somente então, ele volta a falar:

— Não sabia sobre o buquê. Só atendi ao pedido que sua mãe me fez. Ela imaginou que você fosse gostar.

— Eu gostei... Mas... Minha mãe. — De modo relutante, eu me solto do abraço. — Fiquei muito abalada com o telefonema dela e uma coisa levou à outra... Acabei me descontrolando. Não queria que você me visse assim.

— Assim como? Emotiva por não ter sua irmã ao seu lado no dia do seu aniversário? Não esperaria nada diferente de você.

Meus olhos encaram o azul intenso dos olhos dele e contenho a minha respiração.

— Peeta, eu disse que adoraria passar essa data com você e não estava mentindo. Só não imaginava que se tornaria um dia tão difícil... Um dos meus aniversários mais tristes. O primeiro sem Prim e longe da minha mãe.

— Ninguém pode substituí-las, Katniss, mas o dia mal começou. Você ainda pode passar alguns momentos comigo e com pessoas que a admiram e lhe querem bem. Você não vai desistir da comemoração mais tarde, vai?

— Não sei se vou conseguir — digo e Peeta se entristece um pouco. — Não serei boa companhia hoje... Vamos deixar essa reunião para outra ocasião. Em outro dia, prometo que irei.

Ao ouvir essa frase, a expressão dele não se suaviza. Ao contrário, o seu abatimento se torna ainda mais profundo e evidente.

Peeta volta a me envolver em seus braços e eu o aperto com firmeza junto a mim. Não sei ao certo a razão de me sentir assim, apenas parece que este abraço não é um momento de reconciliação, porém uma triste despedida.

No entanto, estou enganada. Peeta não vai me abandonar como fez a minha mãe. Tenho essa certeza, quando ele ladeia meu rosto com suas mãos e beija demoradamente a minha testa, colando-a com a dele em seguida.

— Katniss, o que faço com você, hein? Hoje é seu aniversário... E tem que ser uma data especial. E assim será.

— E assim será, docinho. — Haymitch surge atrás de nós e eu e Peeta nos viramos para ele. — Dezoito anos. Já está na hora de entrar algum juízo nessa cabeça.

— Você deve se lembrar de como essas crises aconteciam com frequência e de como não consigo me recuperar de imediato — retruco.

A expressão jocosa de Haymitch logo se transforma num ar de seriedade.

— Não é disso que estou falando, lindinha. Sei que você passa por esses momentos e que não são mero capricho seu. — Os olhos de Haymitch se intercalam entre mim e Peeta. — Katniss, não estou pedindo pra você abandonar o passado. Apenas não permita que ele impeça você de viver bem o seu presente. Além disso, ouvi o que disse ao Peeta e acho que você deveria ligar para a sua mãe. Ela deve ter ficado muito preocupada.

Algo em meu estômago se contrai quando ouço esses alertas, exatamente porque sei que ele está certo, em relação a todas as suas afirmativas.

— Vou pedir à Delly para vir ajudá-la a se preparar para a festa daqui a algumas horas — Peeta me comunica. — Até mais tarde, então?

Concordo com a cabeça, ainda que sem muita convicção.

Acompanho os dois até a sala e, enquanto andamos, Peeta se vira de repente:

— Antes que me esqueça... — Ele me surpreende, abraçando-me com carinho. — Feliz aniversário!

Retribuo o abraço e afundo meu rosto em seu pescoço, sentindo seu cheiro e seu calor.

— Graças a você, meu aniversário tem mesmo chance de ser uma data feliz. — Dou um beijo em sua bochecha e recebo seu sorriso de volta.

Após eles saírem, constato que Haymitch limpou os cacos de vidro ao redor da mesa onde fica o telefone. Busco na gaveta o número da minha mãe para telefonar de volta e ela atende depois do primeiro toque.

— Alô? — Sua voz denota preocupação.

— Mãe...

— Katniss, minha filha, o que aconteceu? Ouvi algo se quebrando e você não respondeu mais...

— Não esperava receber um buquê... Como em todos os outros anos, mãe. No entanto, já estou bem.

— Filha, não quero prometer algo e, depois, não cumprir, mas vou me empenhar para ser forte o bastante para estar com você. Não é por falta de amor, Katniss, é justamente porque eu amo demais você, seu pai e sua irmã.

— Vou esperar esse momento chegar, mãe. Também amo você. Adeus.

Reflito sobre as palavras da minha mãe e concluo que não posso julgá-la. Não quero uma família e filhos pelo mesmo motivo que ela usa para justificar o seu afastamento.

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As horas passam e, como Peeta havia comentado, Delly veio até minha casa no meio da tarde. Estamos no meu quarto, escolhendo um vestido e alguns acessórios para mim, e a conversa flui até o assunto central passar a ser o meu relacionamento com Peeta. Delly está disposta a me fazer falar.

— Não entendo esse distanciamento de vocês, Katniss.

— Foi a maneira que encontrei de preservar a mim e, principalmente, a ele. De futuras decepções.

— Não sei do que você está querendo protegê-lo. É você, só você que Peeta quer como namorada, noiva, esposa e...

— Como a mãe dos filhos dele?

— Era isso o que ia dizer, sem pensar. Foi isso o que sempre ouvi Peeta repetir para mim. Desculpas... Ele me falou brevemente sobre você não querer ter filhos. — Delly fita o chão e seu rosto fica vermelho de vergonha com o seu deslize.

— Percebe agora do que estou tentando protegê-lo? Do fato de que isso nunca vai acontecer. Não comigo. — Abro a pequena cômoda onde guardo meus calçados e ela pega um par de sandálias.

Depois, ela começa a vasculhar meu armário de roupas.

— Katniss, você só tem dezoito anos e uma vida pela frente. Como pode estar tão certa disso?

— Carrego esse medo comigo há muito tempo. Gostaria de ter dito isso ao Peeta desde a viagem de trem de volta para cá, depois dos primeiros Jogos. Queria dizer a ele que não era uma boa ideia me amar, porque, não importa se tenho algum sentimento por ele, nunca serei capaz de proporcionar o tipo de amor que se transforma em uma família, em filhos. E ele ia acabar me odiando, mais cedo ou mais tarde.

Delly interrompe a busca por roupas no armário, retirando alguns cabides de dentro dele, e olha pra mim.

— Peeta jamais odiaria você por isso. Ele a ama tanto! — Ela suspira e dispõe os vestidos que escolheu sobre a minha cama. — Também reparei que vocês dois ficam tensos, quando o assunto é a ida dele para o Distrito 4. Peeta me disse que se afastaram desde que você soube da viagem.

— Tenho que me acostumar a não tê-lo por perto. Apesar de assustador, é importante me esforçar para conviver com meus pesadelos sozinha.

— Ah, Katniss... Pode se abrir comigo. Esse talvez seja um dos motivos, mas sei que não é só isso.

— Não sou contra a viagem, se é isso que você está pensando. Annie precisa de todo apoio e também gostaria de estar lá. É o mínimo que poderíamos fazer por ela, por Finnick e pela criança, mas tenho ordens para não sair do Distrito 12.

— Então, o que é que deixa você assim tão aflita com a ida do Peeta, além da ausência dele?

— Eu... Tenho medo de perdê-lo. Peeta vai voltar a me enxergar como realmente sou. Vai perceber o quanto sou inadequada e vai saber de tudo o que ele será privado, se escolher ficar comigo. Ainda mais depois da cena de hoje. Quem quer viver com alguém tão instável e traumatizado? — Seguro as lágrimas que teimam em inundar meus olhos. — No fundo, realmente queria dizer o quanto já estou sentindo a falta dele. No entanto, isso não seria justo de minha parte. Ele não pode carregar mais essa preocupação.

— Então, em vez disso, você falou pra ele que era melhor darem um tempo?

— É melhor esperar a volta dele do Distrito 4. Acho que precisamos mesmo desse tempo.

— Eu discordo. Você fica sofrendo por antecipação. Como eu disse, Peeta ama você demais — frisa Delly.

— Não posso voltar atrás.

— Katniss, até as leis podem ser revogadas, até os governos podem ser depostos... E sabe bem disso. Por que você não pode voltar atrás?

— Parece tão incoerente.

— Parece tão natural... Perceber o que lhe faz bem e correr atrás disso. — Delly segura à frente do meu corpo um vestido verde claro com algumas flores bordadas. — Não é melhor ficar sem Peeta apenas quando ele realmente for para o Distrito 4? Faça dele a pessoa mais feliz do mundo e não tenha receio de que ele a conheça como você realmente é.

Pego o vestido de suas mãos. Ele realmente combina com a ocasião.

— Você parece a Prim falando comigo. Ela também tinha esse dom de me trazer uma perspectiva diferente de como encaro os fatos — falo e vou ao banheiro para me trocar.

Franzo a minha testa ao ver meu reflexo no espelho, pois parte das minhas costas e meus braços estão expostos. Delly continua falando do quarto, enquanto espera que eu me vista:

— Todos temos dores, inseguranças e imperfeições. Você aceita as dele. Por que acredita que Peeta não pode aceitar as suas? Seja feliz! Hoje é seu aniversário e não quero menos que um belo sorriso em seu rosto, além de... — Delly deixa a frase no ar e faz uma expressão de admiração quando saio do banheiro. — Além de um belo vestido!

Dou uma volta e ela parece ainda mais satisfeita com o que vê.

— Delly, qual é o defeito dele?

— Do vestido?

— Não! Do Peeta! — respondo rapidamente e rimos juntas pela primeira vez, desde que ela chegou.

— Bela tentativa! Estou aqui defendendo o meu amigo e você está me pedindo para estragar tudo? Nada disso! Mas vou dizer uma coisa... Ele simplesmente me deixa irritada por ser tão perfeitinho! Só que isso é mais um defeito meu do que dele.

— Não é à toa que ele gosta tanto de você — admito.

Delly fica um pouco ruborizada, porém logo me conduz até a penteadeira e faz com que eu me sente diante dela.

— Não entendo nada de maquiagem, pois nunca usei. Então, nem ouso fazer ou sugerir nada. No entanto, posso fazer um penteado? — pergunta ela.

Eu assinto e ela penteia cuidadosamente os emaranhados do meu cabelo e faz uma trança em metade dele, deixando alguns cachos caindo em cascata sobre meus ombros. Vejo os olhos dela fixos em alguns pontos nas minhas costas e em meus braços.

— As cicatrizes são piores do que você imaginou? — indago.

— Não — diz ela, olhando para meu rosto no reflexo do espelho. — Só não sabia que eram tantas. O que importa é que, com o tempo, elas vão sumir ou ficar quase imperceptíveis. Especialmente com a sua tez... Tão bonita. Peeta me disse que algumas das marcas dele já estão começando a desaparecer, depois que ele passou a usar uns cremes da Capital, mesmo ele tendo a pele mais clara.

Delly está sendo sincera. Sua face em nenhum momento se contrai em desgosto ao me observar. Apesar disso, quando ela acaba de arrumar meus cabelos, visto um casaco para me cobrir um pouco mais.

— Agora é minha vez de retribuir a sua ajuda... Que foi muito além de me auxiliar com a roupa e o penteado — reconheço e ela sorri, compreensiva.

Reúno os poucos itens de maquiagem com os quais aprendi a lidar, depois de tanta convivência com Venia, Flavius e Octavia, minha equipe de preparação, e faço uma maquiagem leve em mim e em Delly. Ela fica maravilhada com o resultado, o que me deixa contente.

— Prontas? — Delly questiona.

— Prontas!

Encho os pulmões de ar e desço as escadas atrás de Delly, em direção à minha primeira festa de aniversário.

Peeta preparou uma bela recepção. A decoração é simples e delicada, com flores e fontes de iluminação discretas. O espaço para os convidados está bem aconchegante e o cheiro da comida é delicioso.

O bolo decorado com desenhos de dentes-de-leão sobre um fundo verde está magnífico. Gostaria que Prim estivesse aqui para admirá-lo, como fazia na vitrine da padaria.

Eu gostaria que outras pessoas queridas estivessem aqui comigo, celebrando meus dezoito anos, para que fosse perfeito, pois tudo está maravilhoso. Cada detalhe.

Apesar de tudo ao meu redor estar lindo, o que mais prende a minha atenção é um par de olhos azuis, cintilando de felicidade, que acompanha meus passos desde que cheguei. Os olhos azuis do meu garoto com o pão.


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Notas finais do capítulo

Olá, pessoal!

Aqui estou eu, fazendo propaganda da minha primeira fic!
Se vocês quiserem saber antes mesmo da Katniss como foi a história que a Delly começou a contar no início do capítulo, narrada pelo próprio Peeta, é só buscar no meu perfil: O presente de Peeta para Prim.

Mas minha intenção não é somente fazer propaganda... Estou me esforçando ao máximo para que o capítulo-bônus da outra fic se encaixe aqui nesse livro, ainda que com algumas adaptações. Acho que vai ficar legal. Por isso, em algum momento, o Peeta vai fazer um resuminho da história para a Katniss... e pra vocês! ;)

Beijos! :*