Ymir era o tipo de pessoa que odiava a vida social.

Contato humano em seu sentido mais completo; abraços, beijos, apertos de mãos, conversas. Tudo estava fora de seu ideal de vida.

Era uma vida estável.

Havia os panacas que considerava seus colegas, embora não passassem disso. Idiotas como Connie ou Jean. Garotos imbecis que só pensavam em mulheres e o maldito time de futebol da cidade tosca onde viviam.

Morava em uma casa particularmente agradável; no entanto, seus pais quase nunca marcavam presença. Não fazia diferença. Não dependia deles. Nascera sem muito propósito, então a solidão não lhe era de todo mal.

Era uma vida estável. Até aquele dia.

Ymir não soube dizer quando, como ou até mesmo por que. Simplesmente aconteceu e nada do que fizesse pôde impedir de se concretizar.

Ela era como um anjo. De cabelos louros e lisos, os fios escorriam por sua cabeça até pouco abaixo do ombro, dando-lhe um ar infantil e inegavelmente fofo. Os olhos azuis como o céu limpo de um dia quente; os lábios pequenos e tingidos por um batom rosado, como pétalas da rosa mais delicada do jardim mais bem cuidado. O corpo pequeno e, aparentemente, frágil ao toque. Sua voz era melódica e suave, acalmava os maiores valentões.

Ymir sentia-se um monstro, comparado a uma delicada princesinha dos contos de fadas mais clichês. Mas o que poderia fazer?

No início, fora horrível. Os piores comentários eram tecidos a si, os xingamentos e falas maldosas vindos até mesmo daqueles que mais considerava. Era feia, desajeitada, sem talento ou atrativo algum. Ymir era nada perto daquele pequeno anjo.

Mas fora esse o motivo para tão inusitada amizade. A princesa abraçara o monstro solitário e o levara até seu castelo para que tomassem um chá e conversassem sobre coisas bobas e cotidianas.

A princesa era a salvadora daquele ser considerado malvado.

Ymir surpreendera-se ao ouvir aquelas doces palavras dirigidas ao seu ser tão desprezível.

— Não liga para o que eles dizem. Você é linda.

E foram as palavras mais sinceras que já ouvira, despejadas por lábios tão delicados e quase inalcançáveis. E, constrangida como estava, pôde apenas corar e virar o rosto, fazendo ressoar um riso alegre e muito requintado. Era como sinos de uma igreja soando através de uma cidade quieta e sem vida.

Desde então, Ymir passara a segui-la, protegendo-a e até mesmo afastando outros possíveis candidatos. Comparava-se ao monstro protetor da torre da princesa, a qual nunca desejou prender ou machucar, apenas proteger e manter afastado os maus cavaleiros.

O primeiro encontro fora algo comovente. Ymir vestira-se bem, como gostava, levara flores e chocolates. Esperara um dia inteiro na praça da cidade, sendo motivo de gozação e riso para as pessoas que, impiedosas, apontavam e debochavam das esperanças que a pobre Ymir depositara naquele encontro.

A chuva chegou e a molhou por completo. Mas não saíra do lugar. Talvez estivesse um pouco atrasada, mas ela prometera e, com certeza, apareceria. O trânsito talvez a estivesse impedindo. Não desistiria tão facilmente.

Ymir nunca sentiu-se tão aliviada ao avistar sua princesa correndo na chuva, molhando os delicados pés nas poças que se formavam. Uma feição preocupada, uma ruga formando-se no meio de sua testa. Era adorável! Não prestara atenção às palavras da pequena garota, concentrava-se em lhe entregar os presentes, já encharcados, e adentrar a pequena sombrinha oferecida a ela.

E ela não podia pensar em encontro melhor do que ir a casa da adorada moça e tomar chocolate quente e assistir filmes de terror durante boa parte da noite.

Era uma vida estável. Mas Ymir desejava mais, pela primeira vez.

Os encontros seguintes não deixaram a desejar. O monstro oferecia cada vez mais presentes, mais carinho e mais afeição de seu eu verdadeiro. Conquistava a princesa com palavras delicadas, toques gentis e sorrisos desengonçados. Palhaçadas para alegrar seus dias tristes, canções para encher o ambiente dela com mais amor e música, flores para enfeitarem seus olhos e doces para que pudesse saborear mais da vida.

Ymir não mais tinha uma vida estável. Era atrapalhada, colorida e cheia de mimos. Era bom.

O primeiro beijo não demorou a acontecer. Ocorrera num café longe dos ares onde frequentavam. Fora sem jeito, repletos de risos e delicados toques, com gosto intenso de chocolate e menta. Ymir dissera nunca experimentar coisa mais doce.

O namoro veio seguido do primeiro beijo. Aguentaram, juntas, a pressão de contar as famílias e serem aceitas, aos amigos e poderem pensar em conviver, mais uma, vez juntos.

Não era uma vida estável.

Era uma vida corrida, carregada de sentimentos e desejos. Uma vida que Ymir jamais pensaria em ter. A vida que Ymir mais deseja.

E, graças à princesa, princesa Historia, o monstro Ymir pôde viver sua vida feliz, no castelo da amada, protegendo-a e afastando-a de todos os males do mundo.