Na manhã do dia seguinte  depois de me despedir da família de Gabriela e da mesma, voltei pra casa com a cabeça cheia, era como se o resto do mundo já não importasse mais e eu devesse concentrar minhas forças em esquecer daquela noite. Quando cheguei em casa minha mãe estava no quarto assistindo televisão, visivelmente entediada com a programação.

— Cheguei, dona Silvia! – Me preparava para beijar-lhe o rosto, quando ela para em certo canal onde passava um comercial sobre uma festa voltada ao público LGBT, noto-a olhar para a televisão com repulsa e comentar:

— Deveriam ter câmaras de gás só pra colocar todo esse povo.

Aquela frase me atingiu mais rápido e profundamente que um tiro, e depois de me trancar no banheiro e fingir tomar banho para que ninguém me visse chorar, passei o resto do dia de domingo triste, como alguém que vê um ente querido morrer em sua frente, essa era eu, minha mãe mantinha ódio em seu coração, e apesar de dizer me amar tanto eu não acho que esse ódio aceite dividir espaço com seja lá o que for.

Foi ainda pensando nas palavras de minha mãe que fui à aula na tarde do outro dia, não estava com a mínima paciência para nada, até que uma garota da outra sala, que eu já conhecia, se aproximou de mim e disse: - Heloísa pediu pra dizer que quer ficar com você. – Ela se afastou sorridente e eu fiquei sem palavras, depois do que tinha ouvido em casa, pensar na garota que me fez perder parte do juízo parecia pra mim mais um pecado que motivo de alegria agora, e a possibilidade de beija-la colocava um sorriso em meu rosto, que era logo abafado pelo medo do que aconteceria se minha mãe descobrisse.

A primeira coisa que fiz ao entrar na sala foi contar tudo para as meninas, desde o ocorrido em casa ao pedido, o que as deixou eufóricas, num misto de felicidade e um pouco de preocupação.

— Amiga, eu não conhecia esse seu lado gay, mas a menina parece estar querendo mesmo, pelo jeito que te olhava no sábado...se fosse eu,pegava! – Bárbara me abraçou, quase sufocando.

— Então a Marina agora é sapatão?! – Fabiana sempre com comentários ácidos, mas nem sempre na intenção de magoar, riu enquanto eu a olhava, negando com a cabeça.

— Assim Mah, você sabe que somos suas amigas, e vamos te apoiar sempre, não precisa encanar com as brincadeiras da Fabi. – Verônica, percebendo que não gostei do comentário da Fabiana, deu um puxão de leve na orelha da amiga.

— Eu só não esperava esse tipo de coisa da tia Silvia, surpresa péssima. – Acrescentou Gabriela, visivelmente decepcionada com a atitude da minha mãe.

— Realmente, eu nunca achei que ela fosse desse jeito, e o pior é que a própria filha quem vai sofrer com essas coisas. – Vick toca meu ombro, quando ouvimos o sinal indicando o inicío da aula.

Ao final da tarde, nos despedimos umas das outras e cada uma segue seu caminho. Chegando em casa, checo no celular e percebo algumas mensagens de um número que não conhecia até então:

987xx-xxxx: Oi moça aqui é a Heloísa ,da festa.

987xx-xxx: Consegui seu número com uma amiga.

Aquelas simples palavras me fizeram quase pular de alegria, afinal, ela realmente estava interessada em mim! Olhando a foto de perfil, não pude deixar de me sentir balançada pelos olhos castanhos que teimavam em se esconder por trás da lente dos óculos de grau, dando um tom sério, até misterioso à garota. Por vários minutos pensei em como responder, um simples “ Oi, boa noite “ me parecia muito frio, ela iria pensar que não estou nem aí, mas um “ Ooooi, tudo bom contigo?” ia me fazer parecer uma desesperada, enfim optei por uma terceira opção:

M: E aí, lembro de você, a moça das mordidas kkk

H: Sim...rs gostei de ter falado ctg aquele dia

M: É, tb achei bom.

H: Pois é, que tipo de musica você curte?

M: De tudo, mas agora to mais pra Maneva, conhece?

H: Claro, adoro as músicas deles!

Acabamos conversando a madrugada quase inteira sobre coisas que gostávamos, opiniões em comum e outras coisas, e assim continuou sendo por várias outras noites e madrugadas, até que em uma delas nós marcamos de sair, eu e meu pessoal, ela e o dela iríamos a um shopping pequeno perto da escola, no dia que iríamos sair mais cedo. A essa altura, eu já tinha contado-a sobre minha mãe ser muito homofóbica, e ela sabia que não poderíamos ser vistas saindo juntas, então se encontrar lá “ por acaso “ foi nossa única alternativa, porque se minha mãe soubesse que eu tinha saído com uma garota assumidamente lésbica, nem sei o que seria de mim!

Chegou o dia de ir ao shopping, Fabiana e Gabriela não puderam ir, mas e o resto das meninas estávamos la na hora marcada, fomos até a praça de alimentação e esperamos por um tempo até que Heloísa chegasse, ela se sentou ao meu lado, conversamos animadamente sobre como havia sido o dia de cada uma e outras coisas, mas nossos olhares não conseguiam evitar o sentimento que já havia se instalado, e teimavam em se namorar, por mais que eu tentasse ao máximo fazer com que não parecesse um encontro romântico e sim uma saída entre amigos, a maneira de olhar uma para outra acabava nos entregando de alguma maneira.

Comecei a notar que Vick estava impaciente com a situação, e que ela havia visto uma ou duas vezes em que Heloísa tentou me beijar e eu desviei, afinal, o que iria ser feito se minha mãe surgisse ali por obra do destino?

— Está bem, já chega, venham comigo vocês duas! – Vick se levanta e vai andando, seguida por nós duas, até que ela entra no banheiro e se tranca em uma das cabines.

Heloísa e eu entendemos o recado, nos aproximamos e enfim aconteceu o tão esperado beijo, calmo, mãos entre nuca e cintura, como se até o próprio tempo tivesse parado para nos assistir, interrompidas apenas pela maldita necessidade de fôlego, e o risco de chegar alguém ali, saímos daquele banheiro cada uma com um sorriso que não cabia mais no rosto e se espalhava pelo resto do corpo, dando à nossa feição, voz e até ao jeito de caminhar, uma felicidade que poderia ser percebida até pelos olhos mais desatentos.