Vida e Legado de Lullaby Minus escrita por Laudomir Floriano


Capítulo 9
Oitavo Capítulo


Notas iniciais do capítulo

"Fantástico: o mundo por um instante é exatamente o que meu coração pede."
—Clarice Lispector



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Estou caminhando até o metrô, que fica a duas quadras daqui. É meio perigoso andar no meio da rua a essa hora da noite, você pode encontrar desde fanáticos religiosos que vão te seguir até em casa te dizendo que você irá queimar no inferno se não se converter as suas crenças, até assaltantes e usuários de drogas.

Eu recusei a carona da adorável família crente e santa de Ciel, para não ser obrigado a seguir até em casa ouvindo música evangélica. Perdoe-me Deus, mas não iria aguentar.

Aquele abraço um momento atrás foi incrível. Foi como uma reconciliação silenciosa depois de três semanas sem se falar direito. Eu estou tentando matar Ciel dentro de mim para o bem de todos. Mas não sei se estou conseguindo. Sinto que estou matando a mim mesmo ao invés disso. O importante é que ele está feliz agora, mesmo que eu não esteja o fazendo feliz. Mas Kitsune está. É isso que importa.

— Ei! – o grito que me chama a atenção veio de um homem com barba e casaco preto encostado numa moto. Ele está em bando, quatro no total. Eles são altos e mal encarados.

Ótimo”, penso, “encontrei um dos grupos que estava procurando.

— F...Falou comigo? – gaguejo, apontando meu peito.

— Sim rapaz, vem aqui. – diz o careca com barba loira.

Encaro meus pés me levando até lá. O que raios eu estou fazendo?

— Ele não é uma gracinha, Max? – diz o babaca careca, se dirigindo ao idiota ao lado.

Eu já estou arrependido de ter me aproximado, e começo a sentir o cheiro de álcool exalando da boca deles.

— Você não quer dar uma voltinha com a gente? – sugere o primeiro cara que me chamou, ele é o Max – vem. Você não vai se arrepender.

Eu seguro o riso. Estou recebendo um convite para um encontro de quatro motoqueiros bêbados? É demais para mim.

Eu apoio todo o peso do meu corpo no pé esquerdo e digo:

— Vocês não fazem o meu tipo, – cruzo os braços – tenho fetiches com policiais.

Tento abrir caminho, mas eles se fecham em um círculo ao meu redor.

— Isso me magoou – ele faz um bico nojento fingindo ofensa e ri em seguida. Tento mais uma vez ir embora, mas ele me empurra para o centro do círculo de novo. – Parece que ele é um pouco revoltado não é mesmo? Hazel você poderia segura-lo, por gentileza?

O monstro atrás de mim me segura pondo meus braços para trás. Eu me debato em busca de liberdade, mas é inútil.

Max ajoelha-se e morde minha orelha, preenchendo cada célula do meu corpo de nojo e medo. Ele desce para o meu pescoço e o beija lentamente, a barba áspera raspando na minha pele, me sinto podre. Ele sobe para a minha bochecha e quase vai até minha boca, mas para e me olha nos olhos. Seus olhos tem um brilho nojento, e são horrivelmente verdes, o pior tom de verde que já me encarou.

Quando estou prestes a vomitar na sua cara, ele fica de pé e acena com a cabeça para o que está me segurando.

Hazel me obriga a ficar de joelhos, e por mais que eu me recuse, ele é mais forte.

Meus olhos se arregalam quando vejo Max descendo o zíper da calça jeans e percebo que estou na altura da cintura dele.

— Por favor, – me engasgo com o choro. – não faça isso.

— Calma rapaz. – diz o monstro que está me segurando – se você relaxar, vai ser bom para você também.

Eu choro mais ainda quando Max abaixa a calça. Estou com medo e não tenho como me defender. Eu grito com todas as minhas forças, porque é o que posso fazer, e ele põe o pênis na minha boca. A ânsia aumenta ainda mais quando sinto o mau cheiro da falta de higiene.

Meus sentidos se desligam. Não processo nada, só as gargalhadas malditas dos outros porcos ao meu redor. Ele faz movimentos para frente e para trás com o quadril, fala algo sobre não aguentar mais e sinto um gosto amargo.

Eu o mordo com todas as minhas forças para me livrar daquilo e sinto o sangue espirrar. Ele bate na minha cabeça e eu o solto quando sinto a dor aguda. Grito de novo, dessa vez por causa da dor, e escuto um tiro.

Eles correm para suas motos, menos um, que caiu, e vão embora. Eu me jogo na calçada e começo a vomitar. Vejo uma silhueta feminina se aproximando do homem caído.

— Quem é você? – ela está gritando de verdade, e reconheço sua voz – O que você estava fazendo? Filho da puta! – ela vê que o tiro acertou a perna dele.

— Eu deveria ter te matado! – os gritos dela são de ódio puro. – Quem é você? Você não vai responder?

— Meu nome é Hazel – diz o monstro com medo. Agora ele está assustado? – por favor, não faça nada.

Ela o encara, e sob as LEDs que iluminam a rua, vejo a raiva fervendo em seus olhos.

— Eu deveria fazer mais do que só isso. – sibila ela – sorte sua que não tenho coragem.

Ela atira na outra perna dele e escuto o grito desesperado de dor.

— Seu monstro! – ela cospe as palavras no rosto dele e se dirige a mim – Você está... – ela me reconhece ­– Ah meu Deus, é você Lullaby?

Eu assinto, e volto a vomitar.

— O que eles fizeram com você, Lullaby? – ela segura meu rosto com as duas mãos, mas não respondo – venha, eu vou te levar para casa.

Ela me ajuda a levantar e, com sua ajuda, cambaleio até o carro.

Olho pela janela do passageiro para aquele homem deitado no asfalto gritando de dor com uma poça de sangue envolvendo suas pernas machucadas. Ele está fazendo uma ligação. Susan dá a volta com o carro e para bem em frente a ele, com os faróis ligados. Ela buzina o mais forte que pode, desce do carro toma o celular da sua mão e o joga do outro lado da rua.

— Vá buscar agora. Se você conseguir.

Ela volta para o carro, aperta a buzina mais uma vez e vai embora. Vejo Hazel se arrastando como um verme – que ele é – tentando alcançar a moto, depois o carro vira a esquina e não vejo mais nada.

“Susan Piper” leio seu nome escrito no documento do carro, que se encontra dentro do porta-luvas aberto, ao lado de um batom sem tampa. Ela trabalha com meu pai.

— Você está bem? – ela pergunta olhando para frente e eu balanço a cabeça em negativa.

Ela não fala mais nada a viagem inteira, o que me dá muito espaço para pensar. Penso em como foi tudo tão rápido. Em como eu estava tão bem um momento atrás e, de repente, estava ajoelhado no asfalto com um homem nojento me tocando. Penso no que teria acontecido se Susan não houvesse aparecido. O que cada um daqueles monstros teria feito comigo. Peço para que ela pare o carro e ponho o resto do que havia no meu intestino para fora, quando tenho certeza de que não sobrou nada volto para o carro.

Quando chegamos em casa eu corro para a porta, pego minha chave e a abro. Largo a bolsa que carregava em minhas costas no chão. Meu pai está deitado no sofá vendo TV.

— Coma... – ele não consegue terminar porque pulo em cima dele e o abraço. Escuto o salto alto de Susan se aproximando e sinto meu pai olhando confuso para ela.

Ele se ajeita no sofá, e me deixa próximo, me envolvendo com um braço só.

— O que aconteceu? Foi Ciel de novo? E que cheiro é esse? Aby você bebeu? Sua camisa está suja de vômito. – não respondemos nenhuma das perguntas dele, e ele se levanta irritado. – Se algum de vocês quiser me dizer o que está acontecendo, eu ficaria bastante agradecido.

Eu conto tudo, desde quando recusei a carona dos pais de Ciel, até a parte que Susan chegou. Ela continua.

— Eu estava voltando da casa da minha mãe. Ouvi um garoto gritando, vi um grupo de preto ao redor dele. Eu só – ela faz uma pausa – eu peguei o revolver do porta-luvas e atirei na direção deles. Acertou um, os outros fugiram. Fui lá e vi que era Lullaby o menino que ouvi gritando. Então o trouxe para casa.

 Os punhos do meu pai estão cerrados. Ele está tremendo. Eu sinto seu ódio impregnando a sala.

— O que eles estavam fazendo com você Lullaby? – sibila ele lentamente.

— Eles estavam abusando de mim. – murmuro.

Ele respira fundo.

— O que aconteceu com o maldito que você atirou? Ele morreu?

— Não. Acertei na perna.

— Vou atrás dele. Se você não matou eu matarei.

Ele corre em direção à porta. Mas nós chegamos primeiro e a bloqueamos com nossos corpos.

— Não vale a pena Gregor. – murmura Susan.

— Saiam da frente! – ele grita. Ele nunca gritou comigo. Eu escorrego em direção ao chão e volto a chorar. – Aqueles malditos! – urra ele mais uma vez. Tampo os ouvidos e me encolho – eles vão pagar! Matarei cada um deles. – ele caminha até a cozinha e volta. – Por Deus Aby.

Ele se abaixa do meu lado, se engasgando com as próprias lágrimas.

— O que eles iriam fazer com você? Se acontecesse algo com você eu nunca me perdoaria. – Susan começa a chorar também. – você é tudo que eu tenho. Tudo que importa.

Não aguento mais chorar. Mais desesperador que chorar, é chorar em conjunto. Já chorei tanto que acho que vou morrer desidratado, então resolvo que está na hora de parar. Levanto-me e me afasto, os dois também param de chorar lentamente. Meu pai pergunta se Susan quer dormir conosco e ela aceita. Ela sai para guardar o carro na garagem. Não sei quando ela voltou porque subi para tomar banho e tirar o cheiro podre dessa noite de mim.

            Quando eu desço de novo eles estão na cozinha com uma garrafa de uísque em cima da mesa. Meu pai está falando com Kitsune no celular, contando o que aconteceu. Pelo que eu entendi, ele já contou para Ciel também. Depois que ele termina a sessão de telefonemas resolve beber mais um pouco enquanto decide onde cada um vai dormir. Acabo deitado no sofá do quarto do meu pai, Susan ficou no meu quarto e meu pai está na sua cama. Ele arrastou o sofá para perto da cama, o que não faz sentido, já que a cama dele é de casal, se ele quisesse que eu dormisse perto dele era só me por lá. Mas ele está desorientado e o álcool que consumiu não ajuda muito.

            Eu quase não consigo dormir pensando em tudo. Susan, a pessoa que devo agradecer para sempre por ainda estar fisicamente intacto, ronca bem alto no quarto ao lado. Eu sei por que ela me salvou. Carole, sua única filha, foi morta depois de ser abusada. Isso foi ano passado. Lembro perfeitamente dela chorando junto ao marido no sofá da sua casa enquanto meu pai os consolava. Acho que ela é a única amiga dele. E quando finalmente consigo dormir, ela habita meus sonhos a noite inteira.


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Notas finais do capítulo

Lily Allen - It's Not Me. It's You (2009) / Alright, Still (2006)
Linkin Park - Hybrid Theory (2000) / A Thousand Suns (2010)



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