Vida e Legado de Lullaby Minus escrita por Laudomir Floriano


Capítulo 8
Sétimo Capítulo


Notas iniciais do capítulo

"Se você conseguisse tudo no minuto que você quisesse, qual seria o sentido da vida?"
—Jake o cão, hora de aventura.



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Depois que Ciel me contou tudo que ele conversou com Lullaby, alguns dias atrás, eu propus que nos encontrássemos em algum lugar à noite para conversar e tirar essa ideia boba da cabeça dele de construir uma cúpula e enfiar a gente dentro. Mas agora que estou aqui sentada na mesa de vidro da lanchonete dos Aver, todos os argumentos que eu havia construído sumiram. Devem estar escondidos em algum lugar e estou vasculhando todo o meu cérebro para encontra-los.

Fui a primeira a chegar e estou me sentindo nua sem minhas luvas de gatinho que todo mundo acha idiota. Enquanto encaro minhas unhas pintadas tamborilando o vidro transparente ouço a voz de Ciel.

— Oi. – levanto a cabeça e ele me beija de leve me deixando tonta.

— Oi. – respondo extasiada.

Ele senta-se ao meu lado no banco rosa que arrodeia toda a mesa. Quando eu o olho melhor meu queixo cai. Ele raspou o cabelo. Raspou mesmo! Não sobrou nada. Ele está completamente careca.

— Ciel! – exclamo chocada – o que você fez?

Ele ri. O sorriso que me ganha. Ele pode estar como estiver, mas sempre será meu.

— Não quero mais ninguém implicando com o meu cabelo. Assim – ele aponta a careca – vão ter que achar outra coisa para me irritar.

— Você não podia só pentear? Acho mais simples que raspar tudo.

Ele encosta os lábios na minha orelha e fala lentamente tentando ser sexy:

— Meu orgulho não deixa senhorita Muller.

O problema, é que ele não consegue ser sexy. E eu tenho uma crise de riso.

— Por que você está rindo? – ele pergunta começando a rir da minha histeria. Claro que eu não consigo responder por que estou morrendo sem ar, e ele começa a acompanhar meu ritmo. Minha barriga dói de gargalhar, e quando eu paro, ele me beija. E se afasta e me beija de novo. E aí me beija de verdade.

— Estou vendo que os dois não conseguem ficar muito tempo sem se agarrar em público.

É o Lullaby. Eu achava Lullaby uma pessoa adorável, ele nunca usou seu sarcasmo para machucar ninguém, mas percebo que se tentar, consegue fazer isso com maestria.

— Um “boa noite” é sempre bem vindo, Aby. – digo enquanto Ciel se ajeita, apoiando as costas no encosto acolchoado do banco.

— Boa noite então. – ele senta ao lado de Ciel ligando o computador onde guarda todo o projeto de Wonderland.

Só agora noto que ele não veio sozinho.

— Senta aí Ju.

Ela está com um short jeans branco curto demais, uma blusa de botões jeans também, uma meia-calça arrastão preta, um All Star vermelho de cano longo e o cabelo perfeitamente amarrado em um rabo de cavalo. Ela se veste muito bem, devo admitir.

— Oi gente! – cumprimenta ela sentando ao meu lado e pondo um capacete em cima da mesa, o que sugere que além de saber matar alguém a mais de cinquenta metros de distância, ela também consegue ameaçar a própria vida com uma moto. Nada mais justo.

— Eu sabia que não tinha problema se eu chamasse a Ju. Ela é a favor do projeto, aliás.

— Não ponha palavras na minha boca ainda, Lullaby.

— O que vocês irão querer? – interrompe uma voz feminina vinda dos autofalantes da mesa.

— Nada. – eu e Ciel respondemos em coro.

Lullaby pede “o maior hambúrguer que eles tiverem”, e Ju um milk-shake de morango.

— Aby isso não vai dar certo. – começa Ciel.

— Claro que vai, – diz Lullaby – eu consigo comer um hambúrguer de sete andares numa boa. – ele ri – e não me chame assim. É golpe baixo.

— Desculpe, e não mude de assunto. Lullaby por favor, não faz isso. Enquanto todo mundo estiver morrendo por causa desse maldito Cataclisma nós vamos estar enfiados lá dentro. Você acha isso justo?

Uau. Ciel foi bem realista agora.

— Eu quero salvar vocês. – diz ele anotando mais coisas no computador.

— Não! Você quer salvar a si mesmo! Assuma logo!

Minha voz saiu mais alta e ríspida do que eu imaginei, mas Lullaby continua calmo. Quando ele está assim sempre desmorona mais tarde, e quando me lembro disso me arrependo imediatamente da minha indelicadeza.

— Precisava ter gritado? – Ju me repreende e me sinto pior ainda.

Escuto o barulho da esteira trabalhando e vejo o lanche deles vindo até nós pelos trilhos. O hambúrguer de Aby deve ter uns sete andares, como ele especulou, então ele pede aos autofalantes para alguém trazer garfo e faca para que ele possa engolir aquilo tudo.

— Se você quiser que eu prove eu fico. Mas meu pai vai junto.

O garfo e a faca chegam fazendo o mesmo caminho sobre as esteiras. Ele pergunta se alguém quer um pouco e Ju aceita. E Ciel também.

— Não quero que ninguém vá Lullaby – digo – por favor.

— Isso não é convincente. Vocês falaram que iriam me convencer a desistir da ideia, e não implorar.

— E você Ju? Você é a favor ou contra? – pergunta Ciel mastigando outro pedaço do hambúrguer do Lullaby.

Ela toma um gole do milk-shake de morango, e só agora noto a pequena pinta que ela tem do lado direito da boca.

— Não sei, – ela suspira – para mim não faz diferença. Não sobrou quase ninguém que valha a pena.

Lullaby é tomado por uma compaixão invisível e delicadamente coloca sua mão sobre a dela. Há algo sobre ela que só ele sabe.

— Se quiser contar Ju, – diz ele – eles são seus amigos agora.

Não sou amiga dela. Mas não contraponho. Ela suspira outra vez.

— Eu sou órfã. – seu tom é de indiferença, a mão segurando o queixo – meus pais eram soropositivos. Eu não sou, mas meu irmão de seis anos sim. Nós sobrevivemos da aposentadoria que eles deixaram.

Ela tira a tampa do copo e bebe todo o liquido rosa de uma vez, como se fosse algum tipo de bebida alcoólica, antes de continuar.

— E não aprendi a atirar por capricho. Foi para protegê-lo.

— É uma grande história. – diz Ciel visivelmente admirado. O braço dele está repousado no encosto de Aby, que por sua vez, está com a cabeça encostada em seu ombro. Ambos mastigando o hambúrguer gigante.

— É impossível. Como todos eles têm AIDS e você não? – pergunto. Ela ajeita o relógio no pulso e depois me olha com cara de tédio.

— Meus pais sempre brigaram. Quando eu tinha nove anos, eles começaram a sair de casa à noite. Quando eu tinha dez minha mãe apareceu grávida, meu pai fez os exames e se matou quando viu o resultado.

Ela pausa para que possamos absorver tudo.

— E sua mãe? – pergunto curiosa.

— Minha mãe morreu no parto do meu irmão. – ela fecha os olhos e respira lentamente – como rege a lei, depois da minha primeira menstruação que ocorreu antes do parto dele, eu me tornei capaz de cuidar de casa. Mudei nosso sobrenome para Sweet, vendi nossa casa e com o dinheiro comprei uma menor. Tivemos períodos de dificuldades, mas vivemos muito bem desde então.

Pelo universo. Que história. Agora estou me perguntando por que a julgávamos tanto. Ela é uma guerreira, não deve ser fácil viver sozinha nesse mundo horrível. E ainda como “mãe solteira”. Eu não a culparia nem um pouco se ela quisesse que Wonderland existisse.

Ela parece estar procurando algo, olhando de um lado para o outro e para frente e para trás.

— Vocês sabem se aqui vendem aqueles pirulitos grandes de açúcar? Candy os adora.

— Candy é seu cãozinho? – pergunto achando o nome adorável. Mas cachorros podem comer açúcar?

Ela ri.

— É o meu irmão.

Ela se levanta e vai até Lullaby.

— Lullaby, eu apoio qualquer decisão sua. – ela se inclina em seguida e beija a testa dele. Depois pega o copo do milk-shake e vai paga-lo no caixa. Chegando lá ela encontra vários daqueles pirulitos pelos quais estava procurando. Então ela pega um e o balança em nossa direção sorrindo. Ela volta para buscar o capacete, se despede e vai embora.

— Agora vocês veem? – diz Lullaby desligando o computador – ela não é nenhuma psicopata.

— A história de vida dela é surpreendente. – Ciel fala, com a cabeça careca apoiada na cabeça cabeluda de Aby.

— A propósito Ciel, – Lullaby se afasta um pouco dele para poder contempla-lo melhor. Ele olha para Ciel como se estivesse o adorando. Fico pensando se ele ama mais Ciel do que eu, ou o contrário. – você ficou lindo assim. Você fica lindo de qualquer jeito mesmo.

— Obrigado. – responde Ciel com um biquinho adorável por estar de boca cheia.

— E outra – continua ele – eu trouxe uma coisa para você. – Ele dá uma piscadela para Ciel que a retorna na mesma hora. Eles formariam um casal adorável se Ciel pudesse correspondê-lo.

Lullaby enfia a mão no bolso da calça jeans e tira um lenço de lá. É um daqueles vermelhos, que os motoqueiros usavam antigamente.

— Você já sabia Aby? – pergunto enquanto ele coloca o lenço na cabeça de Ciel e amarra na parte de trás.

— Eu contei para ele – diz Ciel, enquanto Aby faz os últimos ajustes no tecido – mas queria te fazer uma surpresa.

— Só falta o casaco de couro. – conclui Lullaby.

— Moleques. – Digo com os olhos semicerrados, fingindo estar ofendida por ter ficado de fora, e ambos piscam para mim com meios sorrisos.

Mesmo depois de ter começado a namorar Ciel, mesmo depois de termos perdido um pouco de Aby, mesmo tendo descoberto que Lullaby sem querer se apaixonou por Ciel tanto quanto eu, e isso tudo faz quase um mês, ainda tentamos ser os mesmos. E em vezes como essa, até conseguimos. Somos ótimos amigos afinal.

Aby guarda o computador na bolsa e seguimos para o caixa onde ele paga o hambúrguer que os dois comeram. Ciel até tenta rachar o preço, mas Lullaby recusa a oferta.

Seguimos até o lado de fora da lanchonete.

— Amo vocês. – murmura Lullaby, ele não é muito de demonstrar o que sente, por isso, nas vezes que tenta, sua voz soa envergonhada – eu amo vocês – ele repete mais convincente – por favor, Kitsune, eu estou desistindo de Ciel por você, fiquem juntos. Eu imploro.

Seus olhos estão marejados. – Deve doer muito dizer que está desistindo de quem você ama assim em voz alta. Eu não suportaria nem tentar matar Ciel dentro de mim, imagina dizer isso.

Ele tenta se afastar da gente, ele odeia que o vejam chorar, mas Ciel o puxa para um abraço. E ele não nega. Ele se agarra a Ciel como se alguém invisível estivesse o puxando para longe dele. Eles balançam de um lado para o outro por algum tempo, eu fico assistindo. Esse momento é deles, não vou atrapalhar, mas Lullaby pede para que eu me aproxime, então eu abraço os dois.

Não sei há quanto tempo estamos assim quando os pais de Ciel chegam para nos buscar, mas Aby se recusa a ir conosco. Por mais que imploremos, ele não quer a carona. Depois de pedir muito e de tanta insistência de Aby para ir a pé, nos deixamos que ele siga seu destino e vamos embora.

Os pais de Ciel me deixam em casa, eu me despeço e entro. Sigo até o meu quarto e me arrumo para dormir. Depois que já estou em minha cama, recebo o telefonema do pai de Lullaby contando o que aconteceu.


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Notas finais do capítulo

Lily Allen - It's Not Me. It's You (2009) / Alright, Still (2006)
Linkin Park - Hybrid Theory (2000) / A Thousand Suns (2010)



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