Vida e Legado de Lullaby Minus escrita por Laudomir Floriano


Capítulo 7
Sexto Capítulo


Notas iniciais do capítulo

"Eu errei
Já não sei, foi querendo acertar"
—Tiago Iorc, Eu Errei



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Quando eu toco a campainha da porta do Lullaby, Gregor, o pai dele, abre a porta. Sua expressão contém desdém e um pouquinho de tristeza. O desdém, presumo, deve ser pela minha pessoa.

 Gregor é um homem que respeito muito, e alguém que eu almejo ser. Desde que eu conheci Lullaby, seu pai se tornou minha inspiração – ele é forte e bem apessoado, me lembro da Kitsune falando como ele é lindo e coisa e tal –. Ele tem um cargo alto no exercito, de modo a ter um salário bastante razoável. Ele e Aby possuem a mesma mania de gostar das coisas perfeitamente organizadas, no que resulta em uma casa extremamente perfeita, mesmo para dois homens.

Eu quero ser ele, quero muito. Mas, no momento, não quero ser nada pela maneira que ele está me olhando.

— Olá Sr. Minus. – digo com medo de uma expulsão.

— Olha só! Ciel Cass! A que devo a honra?

— Vim ver o Aby.

— Hm. Entre. – ele sai da frente da porta apontando o interior da casa como um mordomo. Ok. Vamos lá. – Ciel – começa ele fechando a porta atrás de mim – eu também quero falar com você. Vamos ao meu escritório.

Ele sorri ternamente e vai até a cozinha. Eu o sigo. Bem, ele está me tratando normalmente. Então não me odeia totalmente. Sentamos frente a frente na mesa de jantar amarela e ele começa:

— Fique tranquilo, considere isso uma conversa entre amigos. Eu estou preocupado. Como você está tratando meu filho agora que sabe de tudo?

— Normalmente – digo – o senhor sabe que não posso correspondê-lo não é? Sabe que não é culpa minha.

— Sim, Ciel. Eu nunca pediria isso. – ele faz uma pausa pensando no que eu disse – que sem sentido. Isso realmente passou pela sua cabeça?

Pior que sim. Mas agora que ele falou isso, parece mesmo uma coisa bem idiota. Ele ri.

— Pode ficar tranquilo, já disse isso. – ele fala, me deixando mais calmo – não vou te obrigar a ficar com Lullaby. Continuando, da mesma maneira que ele não tem culpa de gostar com você, você não tem culpa de gostar da Kitsune. Você só teve a sorte – “e que sorte.” penso – de ser correspondido. Também não vou deixar de ter um carinho enorme por vocês dois.

— Obrigado.

— Mas o Lullaby está péssimo. É normal, afinal, você é o primeiro amor dele.

Estremeço ao ouvir isso. Ninguém nunca usou esse termo, isso torna tudo mais real, palpável. Ele espera que eu absorva a informação, depois retoma:

— E primeiros amores – ele recomeça de onde parou – são os mais difíceis de superar. Apesar disso eu sei que o sofrimento dele é verdadeiro. Ciel, ele está desorientado. Você deve ter percebido isso.

Percebi mesmo. A semana inteira ele pareceu aéreo, mal falava com a gente e quando algum professor perguntava alguma coisa ele dava respostas aleatórias, como “Sim, o dia está bem bonito!”. No começo era engraçado, mas depois começou a ficar estranho e me deixou assustado.

— Na segunda a noite ele sonhou com a mãe, – diz Gregor – o único dia que não teve pesadelos. Na terça sonhou que eu morria, e eu tive que dormir com no quarto dele para acalma-lo. Na quarta, sonhou que Ju, uma menina que ele conheceu e faz tiro ao alvo – ele está andando com esse tipo de gente? – ameaçava te matar, e ele acordou gritando mais uma vez. Quarta e quinta a mãe dele de novo, mas ela queria levar nós dois junto com ela para o além. E ontem Ju também, mas o mandando matar eu, você e Martha.

Martha é o nome da mãe de Lullaby. Ela era professora, se não me engano. Tinha cabelos loiros que ia até a altura do ombro. É o único traço dela que ficou em minha memória.

— Eu sei que ele iria passar por isso mais cedo ou mais tarde – continua Gregor – mas ele precisa superar. E se ele precisar se afastar de você para que isso aconteça, não medirei esforços para te manter longe, Ciel. Desculpe. Não estou querendo parecer um ditador e mandar nas suas vidas. Mas estou tentando ser um bom pai.

— Sim, compreendo. – não vou me afastar do Aby. – Mas um bom pai, – digo – tem que deixar que seu filho faça suas próprias escolhas.

— Um bom pai – ele fala em tom de correção – não gosta de ver seu filho desanimado e triste. Você sabia que no dia em que ele descobriu que você e Kitsune estavam namorando...

— Nós não estávamos namorando ainda.

Ele respira fundo e me encara com aquele mesmo desdém da hora que abriu a porta. Depois continua, ignorando minha interrupção.

— Naquele dia, quando ele chegou em casa, ele tropeçou, bateu com o rosto na parede e passou quatro horas desmaiado com sangue jorrando pelo nariz. – não sei o que pensar. Ele é meio desastrado, mas isso... – Quero que ele esteja bem, talvez sua visita melhore. Ver que você se importa faz bem para ele. Bom Ciel, vamos fazer um acordo: se hoje a noite ele estiver chorando de novo ou desmaiado – isso me faz rir um pouco e ele abre um sorriso também. É meio cômico alguém bater de frente com uma parede, mas não deixa de ser preocupante. – eu presumirei que sua visita não fez bem e pedirei educadamente que se afaste. Se ele estiver ao menos vinte e cinco por cento melhor, presumirei que sua visita o fez bem, e pedirei educadamente que continue próximo. Fechado?

Ele estica o braço por cima da mesa para que eu aperte sua mão. Eu o faço e digo: “Fechado.”.

Eu levanto e encaixo a cadeira em seu devido lugar e Gregor faz o mesmo. Ele diz que vai me acompanhar até o quarto do Aby. Nós subimos as escadas de vidro temperado que dão para o primeiro andar.

Paramos em frente à entrada do covil do Aby, como ele mesmo costuma chamar. Gregor gira meu corpo para que fiquemos frente a frente e diz:

— Boa sorte.

— Obrigado. – respondo.

Gregor abre a porta e diz para Lullaby que ele tem visita. Eu entro no quarto acenando, mas ele não parece surpreso. Gregor fecha a porta e nos deixa a sós.

Lullaby está sentado na cama com os joelhos perto do rosto e os braços envoltos nas pernas, como se estivesse tentando criar uma casca. Do lado tem um computador de bolso, mas esse é especial. Nele estão guardados todos os arquivos sobre Wonderland.

— Sabia que existe um ditado que diz que só as putas sabem amar de verdade? – Ele quebra o gelo – bom, deve ser verdade né? Até porque elas têm uma qualidade: não se apegam. Só passam de homem em homem até não poderem dar mais o que eles desejam.

Ele faz uma longa pausa.

— A que devo a honra?

Nossa! Ele é mais parecido com o pai do que imagina.

— Para ser sincero, eu não sabia bem porque eu vim aqui, aí seu pai me deu um motivo.

— E qual o motivo da nobre missão? – seu tom é de tédio total.

Ele estica as pernas sobre a cama e faz um gesto com a mão me indicando um lugar ao seu lado. Eu deixo meus tênis no chão e me sento ao seu lado da mesma maneira que ele. Seu ombro está encostando ao meu.

            – Ele disse – começo – que se eu fizer você chorar, ou bater com a cara na parede, ou com a cabeça na arquibancada, eu devo esquecer sua amizade e nunca mais falar com você.

— Seu cabelo está despenteado. – ele diz vidrado no computador que tem em mãos.

— Eu sei! Eu vou socar o próximo que... – lembro-me do que eu prometi a Gregor e paro por aí. Não sei o que posso fazer para que Aby pare de ter pesadelos com uma psicopata que quer provocar uma chacina com todo mundo que ele gosta. – Desculpa.

— Tudo bem. Olha aqui, preciso de um nome para esse prédio. – ele aponta para uma casa rosa com um traço bem diferente do da Kitsune.

— Quem fez isso Aby? E porque é na vila em que nós moraríamos?

— Foi a Ju! – ele diz com aquele sorriso de Aby na cara. E eu falo a primeira coisa que me vem a cabeça.

— Rosa Vermelha.

— O nome da irmã da Branca de Neve? – ele pergunta rindo – Nem pensou muito

Né?

Esse lugar era só nosso e ela maculou. Eu deveria odiá-la?

— Aby...

— O que foi? – fala ele concentrado em digitar o nome que acabei de sugerir em cima da casa escandalosamente rosa.

— Quem é essa Ju? Por que você a deixou ver nosso projeto? Você sempre disse que era legal por ser uma coisa só entre nós três.

Ele encosta a cabeça no meu ombro, mas eu recuo. Ele me olha com aquela cara de “esse é meu último desejo”. Ele a usa quando quer muito algo que lhe é negado.

— Ela é legal e estuda na nossa escola, no turno da tarde. Ela faz curso de Espanhol, toca violão e faz tiro ao alvo. – ele conta tudo nos dedos enquanto explica – e sabe dar conselhos.

— Ela é confiável? – tenho medo de que ela esteja envenenando nosso Aby sarcástico, porém inocente. Prefiro perder sua amizade pelas minhas ações e não pelas de uma estranha.

— Sim. Eu acho. Não sei. Ah! Dane-se! – ele vai até o bloco de anotações do aparelho e abre uma nota em voz.

— Fazer Wonderland existir. – a máquina fala com a voz dele.

— Quero que Wonderland exista. – agora é ele que está falando mesmo.

— O que? – acabei de processar o que ele disse. Será que ele está com febre?

— Ciel, os responsáveis. – ele para e recomeça – Os responsáveis pelo nosso país estão desesperados, se apresentassem qualquer projeto para eles, eles aceitariam. Eles só querem que sobre alguém quando tudo acabar. Olha, existe um deserto onde não está acontecendo nada. Desde que começaram essas mudanças no clima, esses terremotos, maremotos. Lá não acontece nada, a única mudança são algumas chuvas corriqueiras que são ótimas para conseguir água. Se nós acrescentarmos um céu artificial muros com placas solares para converter a luz solar em energia como tínhamos planejados. Meu pai tem contato com essas pessoas, podemos pedir ajuda para ele.

— Aby, é arriscado e caro. Eles podem estar desesperados, mas nem tanto. Para que construir uma cidade e colocar três adolescentes dentro?

Ele é tão rápido que nem percebo. Quando me dou conta, Lullaby já beijou minha bochecha – bem próximo à boca – e já está sentado à minha frente, sobre as pernas.

— Você sabe que eu não quero que Wonderland exista só por isso né?

Ódio. Quente. Fervendo.

— Crianças, eu fiz um lanche... – Gregor aparece na porta entreaberta. Metade do corpo para fora, metade para dentro. Ele parece confuso com a situação – Atrapalho?

— Não Gregor.

— Sr. Minus. – corrige Lullaby.

— Gregor, Lullaby – fala Gregor entrando e repousando as duas mãos na cintura.

— Senhor Gregor então. – diz Lullaby saindo de cima de mim e cruzando os braços.

— Enfim, Senhor Cass, você aceita um suquinho?

— Obrigado Gregor, mas não avisei a meus pais que iria sair. Eles devem estar preocupados.

— Entendo. – ele diz cruzando os braços. – então, até a próxima.

— Tchau, Gregor, Lullaby.

— Tchau, Ciel. – eles respondem em coro.

Calço meus tênis e saio.

Tenho que contar para Kitsune o quanto antes. Lullaby é teimoso, ele vai fazer de tudo para nos enfiar em Wonderland. Kitsune tem que saber para me ajudar a convencê-lo a desistir disso. E nós vamos conseguir.


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Notas finais do capítulo

Lana Del Rey - Born To Die (2012)
Lana Del Rey - Ultraviolence (2012)
Marina And The Diamonds - Electra Heart (2012)
Kerli - Love Is Dead (2008)



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