Vida e Legado de Lullaby Minus escrita por Laudomir Floriano


Capítulo 5
Quarto Capítulo


Notas iniciais do capítulo

"Why you gotta hug me like that
Every time you see me?
Why you always makin' me laugh
Swear you're catching feelings"
—Meghan Trainor, Just A Friend To You



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Não é confusão! – meu rosto esquenta – Eu te amo sim! Se eu pudesse nunca sentiria isso por você, mas eu sinto e não posso fazer nada! – Ele tenta falar algo, mas sou mais rápido – Apenas não olhe mais na minha cara!

— Não posso fazer isso! – Quando ele fala isso uma falsa esperança percorre meu corpo e o encaro por um tempo. Reparo no cabelo castanho e bagunçado, nos olhos, que acompanham o mesmo tom do cabelo, em estado de súplica. Depois que a esperança idiota passa me toco do motivo da súplica. Ele não se importa com o que eu sinto, ele só me quer para desabafar e falar como está feliz no seu relacionamento com Kitsune. E aí, eu sinto raiva.

— Pare de ser egoísta! – eu exclamo revoltado. Como ele pode ter coragem? Mas paro para pensar por um segundo. Eu não suportaria deixa-lo ir, me afastar. Se ele me quer para segurar vela eu não me importo. Essa maldita vela vai queimar em minhas mãos, até que toda a parafina derretida provoque machucados que deixem meus ossos expostos. – quer dizer... – agora eu penso em uma maneira de pedir desculpas – desculpa, a última coisa que quero é brigar com você, é que...

— Aby, para – não me chama de Aby – Eu também não quero brigar com você... Com certeza nada vai ser do mesmo jeito, mas tenta esquecer isso e...

— O que? – como eu amo tanto esse babaca?

— Esqueça ok?

Eu paro e olho para o rosto dele, mas está desfocado e minhas costas estão doendo por estar nessa posição há tanto tempo.

— Se te mandassem esquecer a Kitsune você esqueceria? – pergunto devagar, respirando fundo.

— Nem em um milhão de anos. – e isso dói. Dói muito. Está doendo. Alguém invisível fez um corte vertical no meu tronco e está retirando lentamente cada órgão meu. Eu não imaginei que a resposta dele machucaria tanto. Eu o perdi. Ele não me ama. Não tanto quanto eu o amo. Ele ama Kitsune e Kitsune o ama. Que maravilha. Eu sou a sobra da história.

— Então por que você me pede para te esquecer? – meus olhos que estavam marejados começam a escorrer. Eu nunca chorei tanto em tão pouco tempo.

— É diferente. – o que? Alguém enfia na cabeça desse babaca que ele parece um machista do século XXI.

— Não é diferente! – eu grito com ele. Como esse menino pensa assim? Eu estou cansado de ficar abaixado assim! Eu me endireito e bato a cabeça na porcaria inútil da arquibancada. – Ai! Porra! Quem teve a genial ideia de por essa coisa imbecil aqui?

— Você está bem? – ele pergunta fazendo menção de se levantar para me ajudar.

— Não me toque! – eu grito de novo. A ultima coisa que quero é que esse menino encoste-se a mim.

O sinal toca.

— Vem cá – ele segura minha mão e eu estremeço. Ele está saindo de baixo das arquibancadas e me levando. E eu não estou recusando. Seria uma boa hora para puxar minha mão socar a cara dele e correr? Não. Vou deixar ele me tocar enquanto ele ainda quer fazer isso.

Passo a aula inteira dormindo. Foi exaustivo. No intervalo eu faço de tudo para me perder deles e, quando consigo, vou parar em um corredor que ninguém usa para nada. Ali no final é o almoxarifado. Na minha frente tem uma porta que dá para uma sala que ninguém usa devido a uma cratera que se deu apenas dentro dela. Esses eventos do Cataclisma são bem estranhos. Dá para ver as rachaduras na parede, mas ela continua firme.

Eu me sento embaixo do extintor automático de incêndio do lado da entrada para o almoxarifado. Minha cabeça está doendo por causa daquela arquibancada maldita. Eu encosto a cabeça nos joelhos e é ai que eu choro. Mais. Não aguento mais chorar, eu odeio chorar. Eu choro de raiva, eu acho, ou é de tristeza? Não. Eu tenho raiva de mim e...

— Oi. – quem me achou aqui? Devia existir uma lei para proibir que as pessoas se aproximem de otários chorando. Assim, meu pai não teria me encorajado, eu não teria me iludido e consequentemente não teria batido a cabeça.

Quando levanto a vista percebo que nunca vi essa menina na vida. Ela tem o cabelo preto e extremamente liso, bem comprido, passando da cintura, olhos escuros como jabuticabas e a pele branca com um defunto usando maquiagem. Usa um cachecol azul por causa do frio, blusa branca com mangas compridas, uma saia azul do o mesmo tom do casaco, e meias brancas até o joelho – ela parece um marinheiro do século XX. Por todas as divindades existentes, há quanto tempo uma pessoa não se veste assim? Nem nas festas à fantasia que já frequentei, tive a honra de ver alguém usando uma roupa que encontrou em um museu. Talvez tenha sido a má combinação de peças.

Ela está com um meio sorriso nos lábios. Em pé, mas um pouco curvada. Com uma mão apoiada no joelho e a outra esticada até mim, oferecendo um pirulito daqueles grandes, coloridos, só de açúcar.

— Quem é você? – pergunto sentando em cima das pernas e pondo as mãos entre elas.

Ela se abaixa ficando de cócoras e mordendo o pirulito, e vejo que usa shorts por baixo da saia. Ainda bem, ou agora estaria vendo seu útero.

— Você nunca deve ter me notado. Sou Ju Sweet – isso explica o pirulito – sou da mesma turma que você, só estudo no contra turno.

— Você disse que eu nunca te notei, então você já...

Ela ri antes de responder e senta ao meu lado.

— Não, eu nunca reparei em você também. – ela coloca uma mecha do cabelo atrás da orelha – eu supus que estudamos na mesma classe porque você parece ter minha idade. Em que série você está?

Eu respondo e ela assente.

— Então eu acertei. Mas, porque você está chorando?

— Tenho que responder mesmo? – eu pergunto quase suplicando, ela morde o pirulito de novo.

— Não. – como é direta, adorei ela – escuta, açúcar ajuda.

Jura? Puxo o pirulito da mão dela e dou uma mordida.

— Você é legal. – ela diz – presta atenção: eu não conhecia você, e a primeira vez que te vi você estava chorando, então quero que você sorria. Quero me lembrar do seu sorriso, não das suas lágrimas.

Eu dou um sorriso amarelo.

— Não foi convincente – ela me repreende – você consegue fazer melhor, vamos lá! Feliz? Feliz!

Eu rio dela mostrando-me vários tipos de sorrisos seguidos.

— Isso aí! – ela parece estar satisfeita com meu desempenho – ótimo! Muito bom mesmo!

Alguém a chama e ela fica de pé.

— Devem ser minhas amigas. Bem, pode ficar com o pirulito. Eu tenho que ir. Adorei te conhecer.

— Também – digo – obrigado.

Ela sorri e sai saltitando pelo corredor vazio até sumir de vista. Eu engulo o que sobrou do pirulito e sigo até a aula que já começou. Lá eu me alterno entre dormir e procurar o perfil de Ju em todas as redes sociais das quais sou cadastrado. E encontro. Quando o professor de historia finalmente cansa de falar da entediante sexta guerra mundial, e resolve nos deixar sair desse presídio. Eu espero todos os meus corteses colegas de classe correrem como animais famintos até a saída. Depois pego minha bolsa e lentamente vou embora. Do lado de fora eu me sento em um dos bancos de pedra do centro de convivência com um pastel na mão. Mas foi um erro. Quando olho para a cerejeira que há em frente da nossa escola – que está florando, aliás – eu os vejo.

À sombra dos galhos floridos, ele a beija. E ela o beija de volta. Parece que decidiram oficializar mesmo. Como se não bastasse ele me olha com olhar de pena. Odeio olhar de pena. Eu corro. Corro até em casa. Abro o maldito portão. Não tenho paciência para esperar os elevadores descerem, então saio correndo pelas escadas. Chego e a casa está vazia, meu pai está em serviço. Aqui eu posso gritar. E é o que eu faço. Grito e choro.

Mas não faz sentido, eu não tinha nada com ele. Então porque esse ciúme? Queimando-me de dentro para fora, substituindo meu sangue por ódio liquido. Porque as pessoas amam? Esse sentimento é o mais inútil dentre os defeitos humanos. E eu o sinto, algumas vezes é uma dádiva, mas outras uma maldição.

Eu me convenço de que é uma maldição quando tropeço e bato com a cara na parede.


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Notas finais do capítulo

Taylor Swift - 1989 (2014)
Ariana Grande - My Everything (2014)
Katy Perry - One Of The Boys (2008)



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