Vida e Legado de Lullaby Minus escrita por Laudomir Floriano


Capítulo 4
Terceiro Capítulo


Notas iniciais do capítulo

"Só de te encostar
Eu percebi
Que o seu lugar
É bem aqui
No meu decote
O seu suspiro
Eu digo sim, sim
Sim, sim, sim, sim, sim
Eu quero mais"
—Tiê, Maquina de Lavar



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Lembro-me de como tudo aconteceu tão rápido ontem. Perco um pouco o fôlego. Isso é real? Caramba! Acordei agora a pouco, e me toquei de que realmente aconteceu.

Ontem eu estava em meu quarto cochilando. Cansado depois do meu trabalho de meio-período. Então Kitsune apareceu. Foi um pouco antes de começar a nevar.

Ela chegou, perguntou a minha mãe se eu estava em casa, ela assentiu e a mandou entrar. Ela estava bem nervosa, mas eu também fico quando estou perto dela. Ela explicou que tinha uma coisa para contar, que devia ter contado há muito tempo, e a essa altura eu já estava suando frio.

— Eu amo você Ciel! – quando ela disse isso eu esqueci como se respira. – de verdade, eu ia contar para Aby hoje, mas não deu certo, ia pedir conselhos ou desabafar. Precisava contar para alguém ou ia sufocar. Eu gosto de você de verdade, e não me importo se você não sente o mesmo. Agora você é ciente.

— Acontece, – eu comecei a falar quando ela parou – que eu também gosto de você Kitsune.

Não sei quando comecei a sentir isso, mas quando percebi já estava louco por ela.

E foi ai que como dois imãs nós nos atraímos e nos beijamos. Não foi a primeira vez que eu beijei uma menina, mas até onde eu sei foi a primeira vez dela.

Depois disso eu fiquei em orbita por horas, flutuando longe do meu próprio corpo.

Agora já é de manhã e eu lembro que tenho que ir à escola e lembro que verei Kitsune. Assim que percebo isso o sangue para de fluir em meu corpo. Com que cara eu vou olhar para ela? Vou ignorar o que aconteceu ontem? Em meio a essas dúvidas decido encarar o mundo. Tem uma chuva fina lá fora, então pego meu sobretudo cinza e saio.

— Tchau mãe, pai, já estou indo. – eu digo passando pela porta da frente.

— Peça a benção, Ciel. – diz meu pai por trás do jornal de hoje. Meus pais são cristãos fervorosos.

Viro-me e peço que me abençoem, os dois aceitam. “Que Deus te abençoe.” Dizem em coro.

— Já pensou em pentear esse cabelo, Ciel? – implica minha mãe, enquanto alimenta Nitta.

— Já, mas não ponho em prática. Estou saindo.

            Quando eu saio, ponho o sobretudo para me não molhar, o que acho bem difícil com uma chuva tão fina. Ainda tem um pouco de neve a ser derretida no chão. Enquanto ando noto algumas crateras na rua. Algumas têm o tamanho do meu punho fechado, outras de uma bola de basquete.

Caminho distraído quando ouço uma voz familiar.

— Ciel! – ela vem correndo atrás de mim, levantando a mão esquerda coberta por uma luva em forma de pata de gato.

Agora congelo. Vou tentar agir naturalmente. Vou tentar.

— Oi Kitsune! – falo em um tom um pouco alto demais.

— Bem, como vai? – ela para antes de me alcançar e me encara. Acho que se lembrou de ontem. – o que aconteceu ontem à tarde foi real?

— Foi – um sorriso aparece no meu rosto. Não consigo segurar. – foi incrível também.

O que estou falando?

— Você vai contar para Lullaby? – ela pergunta, enrubescida.

— É uma boa ideia? – questiono, colocando as mãos nos bolsos. – ele é ciumento, pode se afastar.

— Você pretende enrolar seu melhor amigo?

É verdade. Não quero mentir para ele. E eu já ia falar com ele antes. Ele é sarcástico e não mantem uma conversa séria por muito tempo, mas dá ótimos conselhos.

— Tudo bem. – concluo finalmente – vamos contar para ele juntos.

Ela se aproxima e enrosca o braço no meu.

— Então vamos – a voz dela, às vezes, me lembra um miado – Aby com certeza vai ficar muito feliz por nós.

A confiança de Kitsune me contagia, e caminhamos juntos de braços dados até o Colégio Federal de Santa Carmen. Eu e Lullaby sempre estudamos aqui. Desde o ensino fundamental até hoje. Eu sou bem tímido e ele veio falar comigo. Na verdade, veio oferecer um pedaço do giz de cera verde que estava comendo. Sempre que me lembro disso eu rio. Eu não costumava comer giz de cera, mas depois desse dia sempre nos sentávamos juntos para discutir o sabor das cores. O azul, tristeza. E o amarelo era o que possuía o gosto mais alegre. Kitsune chegou há uns dois anos, não comíamos mais giz de cera, e também foi Aby que a salvou da solidão eterna. Nós só temos um ao outro, mas cada um tem seus motivos. Eu sou tímido, não consigo me comunicar muito bem com as pessoas. Ninguém se aproxima de Kitsune porque ela é estranha mesmo. Acham que ela é doida. E Lullaby... ah Lullaby! Ele tem facilidade de se comunicar e de fazer amigos, ele só não consegue os manter. Seu problema é sua sinceridade áspera. Ele fala o que pensa e as pessoas não gostam muito de ouvir a verdade.

Finalmente chegamos, e Aby já está lá. Ele ainda não nos viu porque parece bem nervoso. Ele caminha de um lado para o outro falando sozinho e gesticulando como se estivesse ensaiando contar algo. E à medida que nos aproximamos, eu volto a ficar nervoso. Será que ele vai ficar com raiva? A última coisa que eu quero é perder a amizade dele. Se eu o perder ainda vou ter Kitsune, mas não é do mesmo jeito. Há certos assuntos que eu não posso conversar com ela.

Eu percebo que travei a menos de dez metros dele, e ele já me percebeu. E agora? Ele vem em nossa direção sorrindo e parecendo animado, enquanto Kitsune me puxa para que nos encontremos no meio do caminho. Enquanto nos aproximamos o sorriso dele aumenta. Meu Deus eu quero sumir. Ele é um palmo e meio menor que eu e está com o casaco verde que eu dei para ele no seu aniversário, o problema desse casaco é que é muito grande para ele. Mas ele passou umas duas semanas usando quando ganhou. Acho que gostou muito mesmo assim. Ele tem o cabelo preto como o do pai. Olhos castanhos como o do pai, e um rosto levemente arredondado como o do pai. Ele é um mini Gregor. Ele é realmente bem bonito.

Quando percebe Kitsune segurando minha mão ele me encara por um tempo curto, depois balança a cabeça como se quisesse espantar algum pensamento e começa a falar:

— Quero que vocês saibam de uma coisa... – deve ser algo sobre Wonderland, mas Kitsune solta minha mão e o interrompe antes que ele termine.

— Ciel também quer que você saiba de uma coisa. – Começo a tremer. Eu quero que ele saiba de uma coisa?

— Eu quero que ele saiba de uma coisa? – pergunto.

Faço uma pausa longa para me concentrar então recomeço.

            – Nós – corrijo-a – queremos que você saiba de uma coisa, Aby.

Os dois estão me encarando. Esperando o resto, então os olhos dele se arregalam. Será que ele percebeu?

— Tem alguma coisa a ver com o que você queria falar para mim ontem Kitsune? –ela assente para ele. – O que você queria contar tem a ver com vocês dois? – ela assente de novo. – Vocês estão namorando?

— Não – ela responde – ainda...

Ele para e tenta diluir a informação, tenho a impressão de que os seus olhos estão marejados. Ele olha para mim, depois para Kitsune e depois para mim de novo. Então se aproxima.

“Que bom.” ele diz abraçando-a e depois a mim. Mas o sinto soluçando. Por quê? Ele gostava de Kitsune? Se for isso nunca vou me perdoar.

— Você vai continuar sendo nosso amigo né? – Kitsune questiona, enquanto ele me solta devagar.

Ele limpa as lágrimas com as mangas do casaco que cobrem sua mão inteira.

— E porque não seria? – ele força um sorriso e eu percebo que está com os olhos um pouco inchados, como se houvesse passado a véspera de hoje inteira chorando. Não estou entendendo mais nada – Eu estou indo para a sala. – ele diz segurando as duas mãos de Kitsune. – estou feliz por vocês.

Mal para de falar e já começa a correr para longe como se quisesse se afastar o mais rápido possível desde o começo.

Não quero mais viver. Por que ele estava chorando? Preciso conversar com ele a sós. Digo isso para Kitsune e saio em disparada o procurando.

— Lullaby? – chamo-o entrando em nossa sala de aula.

— Ele não deu as caras por aqui – diz Sol, uma colega nossa que tem cabelo verde e um piercing no lábio – e o sinal nem tocou. – ela resmunga enquanto eu saio correndo.

Mas é claro! Eu sei muito bem para onde ele vai quando está triste. Corro pelos corredores em direção à quadra. A chuva parou e o sol apareceu. Mas ainda há poças de água formadas pela neve derretida. Quando chego, sigo até as arquibancadas, ou melhor, até embaixo das arquibancadas, e o encontro sentado com a cabeça entre os joelhos.

— Eu sabia. – digo mais para mim mesmo.

— Vá embora – ele fala quando escuta minha voz.

— Por que você está chorando? – pergunto ignorando sua ordem e me aproximando.

Ele continua de cabeça baixa. Eu levanto seu rosto. Ele tira minha mão do rosto e o vira, evitando me encarar.

— Por que você faz isso? – diz ele, ainda olhando para o lado.

— Isso o que? O que está acontecendo? Lullaby, você me prometeu que seria sincero sempre.

— A quanta gente mais eu jurei sinceridade eterna, Deus? – ele sempre brinca com o fato dos meus pais serem evangélicos e eu nem acreditar em divindades. De qualquer forma eu rio.

— Como você consegue? – ele pergunta olhando nos meus olhos – como você consegue deixar tudo mais leve? – eu o abraço porque ele parece estar precisando. Ele não nega, e afunda em meus braços como se realmente precisasse muito disso.

— Você nunca percebeu? – a voz dele sai abafada.

— O que? – o que eu não percebi?

— Eu gosto de você.

— Eu também gosto de você. – faço uma pausa. Ele gosta de mim? Gosta como? – você...

— Sim. Eu gosto de você.

— Não, não Aby. Você deve estar equivocado. Não...

— Porque não? – ele me solta e se levanta, mas mantem-se um pouco corcunda por causa da arquibancada. – Eu tenho muita sorte! – ele exclama com descrença levando uma mão à testa – além de me apaixonar por um cara que nem percebe que o cabelo está despenteado ainda não acredita no que eu digo.

— Por que todo mundo implica com o meu cabelo? E também você não gosta de mim. Você deve estar confuso!

— Não é confusão! – ele fica vermelho – Eu te amo sim! Se eu pudesse nunca sentiria isso por você, mas eu sinto e não posso fazer nada!

Eu me preparo para falar, mas ele me interrompe.

            – Apenas não olhe mais na minha cara!

— Não posso fazer isso! – minha resposta foi automática. Não vou desistir do meu melhor amigo.

Ele para e me encara por um curtíssimo período de tempo, depois sai do transe.

— Pare de ser egoísta! – ele fala revoltado depois parece se acalmar um pouco.


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Notas finais do capítulo

Escutei muito, muito, muuuito Coldplay, One Direction e Jessie J dessa vez.



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