Vida e Legado de Lullaby Minus escrita por Laudomir Floriano


Capítulo 15
Decimo Quarto Capitulo


Notas iniciais do capítulo

"I heard you laugh, I heard you sing
And I wouldn't change a single thing"
—Coldplay, Till Kingdom Come.



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A manifestação aconteceu há algumas semanas. A lista de mortos foi divulgada no outro dia, e o nome “Lullaby Flurry” estava nela. Quando vi que ele realmente havia morrido e eu estava certo em dizer que Charlie deveria encarar a realidade ao contrário de Finn que preferia manter as esperanças, não fiquei feliz por isso. Queria que ele estivesse certo e não eu.

Não tive como esconder dos meus amigos que eu estava lá no momento. Mas contei só o necessário.

— Eles aceitaram o projeto e me chamaram para assinar uns documentos aprovando a construção, eu disse que só assinaria se eles tratassem Candy. – O rosto de Ju se iluminou – Sei lá, só por capricho.

Claro que não posso contar que eles vão tratar Candy – se tratarem – porque todo mundo vai morar lá. Eles não vão querer ir. Vão falar aquelas coisas altruístas sobre viver enquanto os outros morrem. Eu tenho que guardar segredo sobre esse detalhe, faz parte do plano.

Voltar para a escola foi um erro. Continua o mesmo chiqueiro deprimente, então eu não perdi nada. Mas eu detesto ver Ciel e Kitsune juntos todos os dias de novo e de novo. O pior de tudo é que agora ele a apelidou de “Miau”. Mais deplorável que isso só se ela começar a chama-lo de “Carequinha”.

Eu realmente estou tentando não odiá-la, porque nada disso é sua culpa e ela é minha melhor amiga, mas está cada vez mais difícil. E quanto a Ciel, não aguento os olhares de pena que ele direciona a mim. Não aguento mais ele tentando ser compreensivo o tempo todo.

A minha única razão para não tentar suicídio seria a aura alegre e leve de Ju, mas ela anda pior que eu desde que contei que o presidente se negou a bancar o tratamento de Candy.

— Na verdade, ele ainda não deu a resposta. – eu tentei acalenta-la – então ainda há esperança.

Mas como vemos em sua cara de depressão, não deu certo.

Depois de mais uma manhã decadente, estou no quarto de Kitsune. Apenas nós dois. Ela só descolou de Ciel porque ele trabalha no período da tarde. Ele é professor das crianças da igreja. Ou seja, ele passa conhecimentos sobre algo que nem sequer acredita, mas como está ganhando dinheiro, não se importa em não ter princípios.

Kitsune desenha – muito bem, a propósito – por isso há pincéis e lápis por todos os lugares. Há alguns quadros pelas paredes também. Ela diz que adoraria desenhar em papel, mas cadernos de verdade são muito caros, então se contenta com os digitais mesmo.

Mas de tudo o que ela faz, uma coisa é mais impressionante. As bonecas. Ela não faz as bonecas, ela as compra e customiza. É incrível. Ela tira o cabelo e os olhos, boca, roupas e refaz. Perfeitamente. Eu acho lindo. Ela já fez tudo, há elfos, fadas, vampiros, zumbis e ainda assim surge inspiração para criar mais.

Ela já nos fez. Há pouco tempo ela acrescentou uma miniatura de Ju à turma de bonecos. A “Kitsunezinha” tem até luvas e tiara de gato. Eu nunca me canso de olhar para eles. São lindos.

No momento, enquanto observo todas as suas criações repousadas sobre prateleiras espalhadas pelas paredes, ela está trabalhando em outra. É uma boneca engraçada, com orelhas de cachorro e unhas grandes vermelhas. Acho que era uma daquelas fashion dolls, uma versão lobisomem chique. Mas Kitsune está melhorando. Implantando cabelos predominantemente brancos, mas também há mechas com tons de rosa, e um pouco de azul.

Ela está tão imersa que parece que está em transe.

— Sune – chamo sua atenção – o que ela será?

— Ainda não sei. – ela encara a boneca. Ela já removeu a tinta que desenhava os olhos, então a pobre lobisomem não pode encarar de volta. – O que você acha que ela poderia ser?

— Eu não faço ideia. Talvez ela devesse continuar sendo um lobisomem.

— Boa sugestão. – fala ela – e o nome?

— Sei lá. Carmen? – sou tão criativo que dou o nome da cidade para a boneca. Não tenho culpa. Ciel que é bom com nomes.

— Está ótimo.

Eu não faço a menor ideia do que vim fazer. Eu só não queria ficar sozinho em casa – mais uma vez – então resolvi segui-la até aqui. Fazia muito tempo desde a última vez que a visitei. A verdade é que eu evito contato com sua família conturbada.

Seu pai – não sei nem sequer quem é – paga uma mixaria de pensão e nem ao menos a visita. Sua mãe – cuja qual apelidei de “Ober, a vadia” – é o pior tipo de ser humano que já cruzou meu caminho. Ela deixa claro, sempre que possível, o quanto não se importa com Kitsune e o quanto a despreza.

Por fim, Kitsune tem quatro irmãs mais velhas, todas de pais diferentes. Mas a mãe dela nunca precisou pagar a Taxa de Natalidade por nenhuma. Ela trabalhava no fórum da cidade, então falsificou papéis de adoção para todas. Biscate corrupta.

 As duas mais velhas, Kammie e Kyomi, compartilham da mesma indiferença materna que Kitsune. Karen e Kala – sim, a mãe delas é brega ao ponto de ter cinco filhas e pôr o nome de todas com a mesma letra – são gêmeas e até legais às vezes. São as únicas que Ober não odeia. Na verdade, ela as venera. Imagino que são do único homem que ela chegou a gostar.

Kammie foi morar na Ásia assim que teve oportunidade, ela trabalha lá. Kyomi casou com uma garota cinco anos mais nova e se mudou para o outro lado da cidade. Então só sobrou Kitsune e as gêmeas dentro de casa, resumindo, só sobrou Kitsune para sofrer os abusos e desaforos da mãe.

— Terminei. – diz ela sacudindo as novas madeixas da boneca de um lado para o outro. – Mas ainda falta modelar.

— Ficou lindo – digo – como sempre.

Ela sorri pra mim.

Observo enquanto, habilidosamente, ela faz uma trança-raiz no novo cabelo. Meu celular vibra no meu bolso.

— Deve ser meu pai perguntando se eu já almocei.

— O que? – ela pergunta. É compreensível, só eu estou sentindo a vibração.

— Meu celular. – digo atendendo. Ela suspira consentindo. – Lullaby Minus, quem está falando? – pergunto para a pessoa do outro lado da linha. É um número desconhecido.

— Sr. Minus – reconheço a voz de Llane – falo em nome da Casa Presidencial do país. – Uau. Que responsabilidade.

— Pois não? – será que...

— O seu requerimento para o tratamento de Candy Sweet foi aprovado. – eu congelo. Estou tão surpreso que fico sem ação. – Ou seja, sua condição foi aprovada pelo Conselho. O senhor disponibilizará o projeto Wonderland agora?

Eu não respondo. E não é porque estou pensando, é porque eu realmente não consigo mover um músculo. Passo um tempo em órbita antes de aterrissar e conseguir falar algo.

— Acho que sim... – é o que eu consigo desengasgar no momento.

— Ficamos satisfeitos em saber. Enviaremos os documentos oficiais para o seu endereço eletrônico. O senhor tem até sete dias úteis para devolvê-los assinados. – ela falou mais algumas coisas enquanto o celular escapava da minha mão e caia no chão. Mas não me interessava. Eu começo a gritar e pular loucamente enquanto Kitsune me olha confusa.

— Aby! O que está acontecendo?

— Candy! – digo rindo desesperadamente – consegui o tratamento para ele! Ele vai ser curado, Kitsune!

— Oh meu Deus! – ela também ficou tão surpresa quanto eu.

Enquanto Kitsune digere a situação, eu pulo pelo quarto.

— Que algazarra é essa? – diz Ober, a vadia escancarando a porta. Ela deve ter ouvido enquanto eu gritava.

— Nada. – murmura Kitsune. – não está acontecendo nada.

— Ah! – ela exclama me notando – trouxe seu amiguinho viado para casa e nem avisou? Está explicado, esse tipo de gente não se contém.

Confesso que me magoou um pouco, mas eu nunca abaixei a cabeça para essa mulherzinha.

— Escuta aqui sua puta...

— Eu sou puta? – ela me interrompe e parte para cima de mim – vou quebrar sua cara! Puta é sua mãe!

Ela me dá um tabefe forte na cara e eu cambaleio um pouco, mas não chego a cair.

— Respeite os mortos, vadia mal-comida! Você só consegue fazer isso? Agora eu vou te matar! – quando eu estou pronto para revidar, Kitsune se põe entre nós dois.

— Parem! – grita ela – Sai daqui Ober! – há esse detalhe. Ela não chama Ober de mãe. Eu também não chamaria. Ela a empurra para fora do quarto e tranca a porta.

Do lado de fora, a vadia xinga os quatro ventos por alguns poucos minutos depois desiste e sai resmungando.

Kitsune termina a trança e a prende com um broche em formato de borboleta.

— Sabe – ela vira-se para ficar de frente a mim. – temos que contar para Ju.

— É o que faremos. – digo já ligando para ela.

— Aby? – diz ela pelo outro lado da linha. De repente todo o ódio passa e minha animação volta. Está tudo funcionando a meu favor. Logo, vou poder viver junto a Ciel para sempre.


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