Vida e Legado de Lullaby Minus escrita por Laudomir Floriano


Capítulo 14
Decimo Terceiro Capitulo


Notas iniciais do capítulo

"Just because we check the guns at the door
Doesn't mean our brains will change from hand grenades"
—Twenty One Pilots, Heathens



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Estou sentado em extravagantes cadeiras com acolchoado Borgonha que fazem par a uma escandalosa mesa de mármore, onde há repousado um banquete para vinte pessoas. Mas só há duas comendo. Correção. Apenas uma pessoa está comendo.

Actas Silva, nosso famigerado presidente, tem o sobrenome da família mais tradicional do país. Ele é charmosamente negro, tem a altura média de um homem de sua idade e seus cabelos longos estão presos em um bucólico rabo-de-cavalo baixo.

— É uma honra conhece-lo Sr. Minus. – diz ele – você é um jovem muito inteligente!

— Fico lisonjeado em ser elogiado por um Chefe de Estado. – replico.

— É merecido, meu rapaz. – ele me enaltece vibrante – Não é qualquer um que cria um projeto tão genial quanto o seu. Você chamou a atenção de todos por aqui! Os arquitetos federais estão enlouquecidos para começar as obras!

— Prezado Comandante Sulista – é muito difícil parecer culto – eu disponibilizarei o projeto para que possam iniciar as obras. Mas quero impor uma pequena condição.

Ele tem um semblante assustadoramente calmo e amigável.

— Fique a vontade! Qualquer condição pode ser aderida sem problema algum. – ele se aproxima e fala em um tom mais cauteloso – nós só queremos que algumas pessoas sobrevivam para recomeçar do zero quando tudo acabar. Não sabemos mais o que fazer. Minus, nós temos que vencer isso.

— Entendo. – balanço a cabeça. Estou começando a achar que ele é psicótico. A cada dez frases, nove são exclamações. – Eu não criei nada sozinho, como o senhor pode ler nos arquivos, meus amigos também fazem parte disso. Então quero que eles e suas famílias estejam inclusos como fundadores.

            Verdadeiramente, eu não me importo com ninguém. Eu apenas quero ficar ao lado de Ciel para sempre. Mesmo que não seja do jeito que eu sonhei. Ele não entende que estou tentando protege-lo. Quando a raiva que provavelmente surgirá passar, ele vai ver que será melhor ficar seguro em Wonderland. Nitta terá uma vida normal e o seu pai pode até montar uma igreja para alienar metade da minúscula população.

            – Considere-os inclusos. Nada mais merecido. – ele ajeita a gravata e depois as abotoaduras – mais alguma coisa?

            – Sim. Um deles, Ju.

            – O que há com ele? – ele parece curioso.

            – Ela – corrijo. É difícil de dizer, mas acho que ele corou. Não há muitas pessoas com coragem o suficiente para corrigir o presidente, ele não deve ser acostumado com isso – E não há nada com ela. Seu irmão, Candy, é soropositivo. Ele só tem seis anos e ela não vai deixa-lo sozinho por ai. Eu só assino as autorizações se vocês bancarem o tratamento dele.

            – Sr. Minus – ele suspira – não podemos fazer isso.

            – Por quê? – eu me levanto um pouco revoltado. Se eu estivesse usando aquela camisa ridícula, provavelmente estaria vermelha. – quer dizer que vocês têm dinheiro para fazer um almoço para vinte pessoas e não podem pagar o tratamento de uma criança? Aliás, por que esse tratamento ainda não é gratuito mesmo?

            – Sr. Minus, se acalme.

            Uns homens enormes de terno e escutas nos ouvidos entram correndo.

            – Algum problema senhor?

            – Não, podem ir – Silva os dispensa com um gesto.

            – Agora me responda, Querido Presidente— a ironia queima minha língua. Estava com saudade de sentir isso – por que não podem fazer isso?

Ele pensa bastante antes de responder. Está me encarando. Provavelmente só o fará quando eu me sentar de novo. Acalmo-me e sento-me lentamente. Ele balança a cabeça aprovando minha reação.

            – Todos, – diz ele – inclusive seus amigos, inclusive você, terão que passar por rigorosos exames de saúde. Não podemos deixar nenhuma doença de nenhum tipo entrar em Wonderland. – ele fala Wonderland com um carinho estranho pela palavra – Precisaremos de seres humanos saudáveis para popular o mundo quando tudo for seguro de novo. Uma hora terá que ser. Mesmo que tratemos essa criança, não sabemos se o vírus poderá resistir em seu organismo. O tratamento pode durar anos, e a cidade ficará pronta em alguns meses. Não dará tempo.

            Eu sei que não é verdade. Qualquer tratamento é viável em um curto intervalo de meses. Eles não querem bancar o tratamento porque as pessoas iriam se revoltar. Algo do tipo “uma criança sendo curada gratuitamente enquanto todos nós perecemos?” nenhum governo quer que seus alicerces sejam destruídos pelo povo.

            – É mentira – sibilo lentamente – é possível cura-lo nos próximos meses.

            – Sr. Minus...

            Eu o encaro por alguns minutos. Ele não diz nada, porque sabe que é verdade. É possível curar Candy em apenas alguns meses sim. Se ele quiser salvar essa espécie miserável, fará a escolha certa.

            – Não faço a mínima ideia do sentido disso. – ele parece desentendido.

            – Disso o que? – interpela-me confuso.

            – Por qual motivo você quer salvar a porcaria da nossa raça fraca. Esses eventos são a nossa extinção. Mas já que insiste em querer manter alguns de nós trancafiados por um tempo para “perpetuar a espécie” – faço as aspas com os dedos –, curar uma criança seria um preço bastante baixo a se pagar. Por isso eu digo, pense bem. Suas mãos estão atadas. Se esse projeto é tão importante assim, comece a ligar para os melhores hospitais do mundo hoje mesmo. Estarei esperando a resposta e tenho bastante paciência. Passe bem.

            Eu viro as costas e faço menção de sair, mas ele me interrompe.

            – E você? – seu tom é de desafio – não foi você que criou o projeto Wonderland? Quais os seus motivos para “manter alguns de nós trancafiados por um tempo”? – ele também projeta as aspas. Depois semicerra os olhos e leva uma mão ao queixo esperando minha resposta.

            – Apesar de você não ter me contado os seus, Presidente, saiba que eu estou pouco me fodendo para a nossa maldita espécie. Eu só quero manter a pessoa que eu amo do meu lado para sempre. E eu vou conseguir.

            Saio tentando pisar duro, mas quando chego à porcaria da porta para sair do salão ela está trancada.

            – Podem abrir. – ele fala para a própria mão. Deve ter alguma escuta no seu ID, para o caso de ser sequestrado. Os reis Nortistas têm.

            – Obrigado. – digo para as geladeiras de terno que abrem as portas duplas. Pergunto-me como um ser humano pode ser tão grande.

            Quando chego ao salão de entrada, a mulher de coque chama minha atenção.

            – Senhor Minus – clama ela – um carro oficial vai leva-lo para Santa Carmen – é tão maravilhoso ouvir um nome familiar em um lugar tão longe – ele estará esperando lá fora. Você será escoltado, por isso espere aqui. A rua está uma catástrofe.

            Eu estreito os olhos. O que ela quer dizer com “uma catástrofe”? Lembro-me dos hippies com os cartazes que estavam lá na frente hoje cedo. Devem ter começado a fumar no meio da praça.

            – Me desculpe, mas não entendi. O que está acontecendo? Exatamente? – eu balanço a cabeça para ela.

            – Apenas espere. É para sua segurança. – penso um pouco, mas resolvo não contrariar. Afinal, se ela diz que é para minha segurança, quem sou eu para discordar.

— Obrigado... – aponto para ela esperando que se apresente.

            – Llane. – diz ela satisfeita.

            – Obrigado Llane. – agora que notei que a cabeça dela tem um formato bem peculiar. O cabelo preso deixa bastante aparente.

            Os seguranças que iriam me escoltar aparecem. Dessa vez eles não medem três metros.

— Sr. Minus – diz um deles. Um ruivo. – ponha-se entre nós dois. A situação lá fora está feia e se agravando cada vez mais. – qual o problema em fazer uma roda para fumar maconha? Por que isso seria feio? – Você ficará seguro se manter-se próximo até chegar ao automóvel.

— Obrigado senhores. – murmuro e me coloco entre os dois.

 Quando saímos, a rua está realmente movimentada. Mas não é qualquer tipo de movimento. Muito menos uma roda hippie para usar drogas. É uma manifestação.

Há pessoas espalhadas por todos os lados da praça. Os muros estão pichados, a frente do Planalto depredada. É um caos deprimente. Eles correm e gritam, ateiam fogo em pneus.

E há cartazes também. Afinal, uma manifestação que se preze precisa de cartazes. Olho para essas pessoas e não consigo não rir delas. É tão decadente. O mundo precisa realmente ser destruído logo. O universo precisa exterminar esses vermes.

Quando leio os cartazes, a situação perde a graça. “Não há País das Maravilhas”, “Ninguém será salvo”, “Abram seus olhos”, “Nós somos a verdade”, “Ele está mentindo” e “Lullaby também quer te controlar” são os que mais me chamam atenção. Como assim eu quero controlar alguém? Ou melhor, como eles sabem meu nome? Estão quebrando vidraças e derrubando crianças. Não consigo processar nada direito até que alguém grita por mim.

            – Sr. Minus! – uma pedra enrolada em papel caiu no lugar onde eu estava. Alguém me puxou para longe do ataque. – venha! Entre no carro!

            Eu pego a pedra e corro. Mas foi na direção contraria deles. Olho para todos os lados e não vejo nenhum dos dois seguranças.

— É ele! – grita um homem com um taco na mão. Ele vai me bater com esse taco?

Eu não sei mais o que pensar. “Deuses. Desculpem-me por tudo que eu fiz.” Me agacho e começo a rezar por misericórdia, então vejo uma figura de terno correndo em minha direção. É um dos guarda-costas. Ele me agarra e corre até o carro, me jogando lá dentro junto ao outro segurança que estava em meu encalço.

— Vai Charlie! Rápido! – ele grita, acho que é para o motorista.

 Ele estava esperando e sai o mais rápido possível do local. Mas eu olho para trás e vejo a multidão se aproximando do rapaz que me salvou. Eles o derrubaram e estão o agredindo. Com varas, pedras, com o próprio punho. Jogaram pedras e outras coisas no carro, mas nada nos atingiu do lado de dentro. O veículo deve ser à prova dessas coisas. Aquele homem sumiu de vista, mas a imagem do seu sofrimento não.

Noto que Charlie também está olhando pelo retrovisor. Tenho a impressão de que seus olhos estão marejados.

— Charlie. – o segurança põe a mão no ombro dele. – você está bem? Eu posso dirigir.

— Sim. Estou. – sua voz é trêmula. Ele está segurando o choro. Não entendo muito bem o por quê. – eu sou o motorista. Você é o segurança. Eu dirijo. Você protege. Entendeu?

Por mas que tente ele não consegue mais segurar as lágrimas. Colocaram minha vida nas mãos de um chofer emocionalmente instável. Ele está vacilando no volante e indo para todos os lados da estrada. Eu não entendo mais nada.

— Charlie! Pare o carro! – eu grito desesperado. Se ele for dirigir assim vai matar todos nós.

Ele para e enterra o rosto nas mãos.

— Obrigado. – diz o segurança.

— O que aconteceu? – indago confuso.

— Aquele homem que te salvou, Lullaby, – eu arregalo os olhos. Ele tinha meu nome. – é o esposo de Charlie.

— Oh Finn. – soluça Charlie – será que eu o perdi? Isso não pode estar acontecendo.

Finn sai do carro e bate na janela da porta do motorista. Charlie abre a porta e ele o puxa para fora.

— O que eu vou dizer para meus filhos? Que seu pai morreu apedrejado?

Oh meu Deus. Eles tinham filhos. Eu me sinto mal. Se ele morreu, foi por minha causa.

— Tudo vai ficar bem. – diz ele o abraçando. Mas ele sabe que não. – Nós não sabemos o que aconteceu. Ele pode estar bem. Deve estar no hospital sendo medicado nesse exato momento. – Eu sei que não.

— Não vai. – digo colocando a pedra que estava no meu colo no assento e saindo do carro. – Charlie, a dor nunca vai passar. Mas você pode se acostumar a senti-la. Eu lamento por Lullaby.

— Ele pode estar bem, sim. Sr. Minus. – sibila Finn.

— Entendo que você queira amenizar a situação, Finn. Mas temos que ser realistas.

Eu entro no carro batendo a porta. Finn coloca Charlie ao meu lado no banco traseiro e vai para trás do volante.

— Meu primeiro nome também é Lullaby. – declaro e os dois me encaram surpresos, mas não falam nada.

Como estamos indo de carro, a viagem demora muito mais. Chegamos em Santa Carmen tarde da noite e meu pai provavelmente continua acordado me esperando porque as luzes da nossa casa estão acesas.

— Obrigado, Finn, Charlie. – agradeço descendo do carro – Desculpe por Lullaby, Charlie. Eu sei que isso não é suficiente e que não vai trazê-lo de volta. Mas ele tinha certeza de que você o amava. Eu sei que tinha. E ele te amava também. – sinto as lágrimas brotando atrás das minhas pálpebras, mas as seguro. Não vou chorar. Não mais.

— Obrigado Lu... – ele para – Minus. Desculpe. Eu não consigo. – eu assinto para conforta-lo. – eu nem acredito.

— Você precisa. – afirmo – seja firme. Seus filhos precisam de você.

Ele concorda com um gesto e se despede. Finn agradece a minha tentativa de apoio e parte.

— Será uma longa viagem de volta. – diz Finn.

Eu subo e entro no elevador. Chegando ao meu andar entro em casa tentando não fazer barulho, vai que meu pai tenha adormecido.

Ilusão. Ele está parado em pé na frente da porta. Aposto que está assim desde que chegou. Ele me manda sentar e dá um sermão clássico de pai. “Você pegou um trem e atravessou o país para falar com o presidente? Não podia ter ligado? Aby, o que tem de errado com você?” ele faz as perguntas, mas não quer que eu responda. São todas retóricas.

É pior quando eu falo da rebelião. “Você adora se meter em perigo né?” e blá, blá, blá.

Depois que ele se cala eu falo de Lullaby e Charlie, falo sobre o presidente, falo até das portas de dez metros.

—...eu cheguei bem, pai. Posso ir dormir agora?

— Sim, mas antes – diz ele – o que é esse embrulho?

Ele aponta para o paralelepípedo coberto de papel que estou segurando. Eu dou de ombros.

— Jogaram esse negócio na minha cabeça, mas Lullaby me salvou.

— Lullaby! Você poderia ter morrido! De novo! Eu vou passar toda a sua adolescência vendo você correr perigo de vida toda semana? – quando fica bravo ele costuma gesticular bastante. E gesticula e gesticula e gesticula...

— Pai, você deve ter percebido que o mundo está acabando – tento amenizar – corro perigo de morrer a cada segundo que respiro. Há propósito, – acrescento – outro Lullaby provavelmente morreu hoje. Eu estou bem. Fique mal por ele, não por mim.

—O que fazer com você comandante... – escuto-o resmungar enquanto subo as escadas, mas não me importo.

Chegando ao meu quarto tiro minha calça e deixo no chão. Não vou guardar. Não estou a fim.

Jogo-me em minha cama e adormeço. Sem pesadelos hoje. Sem sonhos. Uma noite calma. Finalmente.


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Notas finais do capítulo

Esse capitulo foi um dos mais dificeis de escrever. Eu ainda estou ouvindo Twenty One Pilots.



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