Cristal escrita por LenyCSM


Capítulo 2
Capítulo 1




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A tragédia da coroação da Princesa Branca ficou fortemente marcada nas memórias de todos os presentes. A história passou de boca-em-boca ao longo dos anos, sofrendo românticas e fantasiosas alterações, tendo comovido e chocado milhares de ouvintes.

Passaram-se seis Primaveras desde então.

O reino da princesa foi tomado pelo seu vizinho. O Príncipe Negro, agora rei, é quem o reina. Pesa-lhe a dor e o remorso sempre que pisa aquelas terras. Sangra-se-lhe o coração sempre que vê a campa daquela um dia amou e que um dia lhe morreu nos braços.

Mandou-se derreter a maldita espada e o metal derretido foi lançado ao mar, na esperança que a água limpasse todo o sofrimento por ele causado.

De nada adiantou. A vida do Rei Negro não é mais do que um poço de vazio e solidão.

*

O Verão espreitava, tímido, por entre as vastas folhas das árvores da floresta. Os animais passarinhavam de galho em galho em busca de comida. As coloridas flores silvestres dançavam ao som da brisa amena.

Num campo de margaridas, protegido pela floresta, andava uma linda menina a colher flores. Os cabelos platinados, desalinhados, brincavam-lhe nas faces rosadas e um sorriso iluminava-lhe o rosto. Corria e saltitava de um lado para o outro, com o seu vestido velho e esfarrapado, herança da sua vida de camponesa.

Os pais observavam-na ansiosos. Os olhos cruzavam-se amedrontados.

— Despacha-te mulher! Rápido antes que ela dê pela nossa falta!

— Mas é nossa filha… custa-me tanto…

— Já conversamos sobre isto. A miúda dá-me calafrios desde o dia em que abriu a goela pela primeira vez. E não temos condições de a manter. Anda lá!

O homem puxou-a para que se apressasse. Correram atabalhoadamente, desaparecendo em seguida, enquanto a pequena criança brincava, completamente alheia ao que a rodeava.

Não se sabe ao certo quanto tempo passou até a menina constatar que estava sozinha. O ramo de margaridas deslizou da sua mão, espalhando as flores pela erva verde e farfalhuda. Nos olhos cor de ametista, reinavam as lágrimas e o choque do abandono.

Atravessou, desorientada, os trilhos da floresta, tão rápido quanto as suas pernas a deixavam. Gritou e berrou por ajuda, não obtendo qualquer tipo de resposta ao seu apelo. A noite aproximava-se.

Vencida pelo cansaço, sentou-se num tronco morto, abraçando-se a si mesma. Encostou a testa aos joelhos e deixou-se consumir pelo choro…

*

O céu tingia-se com os tons do crepúsculo. A caçada desse dia não foi muito produtiva, pouco mais do que meia dúzia de coelhos e uma ou outra perdiz, que haviam sido levadas pelos caçadores para a cozinha do palácio principal.

O Príncipe Negro ainda cavalgava, a trote, por entre as árvores e sem pressas de chegar ao seu destino. Os pensamentos envolviam-no como um manto de denso nevoeiro, remetendo-o para o passado sombrio. Tudo isso se desvaneceu quando ouviu um som que não pertencia à floresta. Parou o cavalo e escutou. Parecia um choro.

Alguém a chorar? Pensou.

Desceu da montada e atou as rédeas à árvore mais próxima. Seguiu a pé na direção do som, que se aproximava mais a cada passo dado. Pouco depois, achou a sua fonte.

Lá estava ela, sentada num tronco velho, perdida nos seus soluços compulsivos. Uma menina, muito nova, certamente perdida. Apenas uma criança.

Estará perdida?

Dirigiu-se a ela cautelosamente para que não se assustasse, mas o estalar dos galhos sob as botas do rei sobressaltou-a.

— Calma! Estou aqui para tentar ajudar-te. Por favor, não fujas.

Quando aquele olhar ametista se cruzou com o dele, por entre a cortina de lágrimas e platina, o tempo parou.

*

Olhou, assustada, para o belo homem que tinha à sua frente. Pelos trajes dir-se-ia ser um nobre. Ele disse que ia tentar ajudar.

Como?

O medo era demasiado para que ela tentasse fazer o que quer que fosse, portanto manteve-se sentada no tronco, atenta a todos os movimentos.

— Como vieste aqui parar, pequena senhora?

Hesitou um pouco perante aquela voz doce e profunda. Os olhos ónix deixavam-na inquieta, mas também transmitiam uma calma e segurança familiares. Todas as sensações por ele transmitidas eram contraditórias.

— Os m-meus p-pais… d-deixaram-me… - respondeu a custo, de palavras sumidas.

— Deixaram-te? De certeza?

A menina assentiu com a cabeça.

— Belos pais… - cuspiu sarcasticamente – Bom. Se vieres comigo, eu posso ajudar-te.

Ele estendeu a mão, envolta por uma luva preta, na sua direção. Aquele gesto tinha tanto de assustador como de tentador. Os olhos fitavam o rosto do homem e a mão estendida.

— Ou então podes ficar aqui e servir de jantar aos lobos. Tu é que escolhes pequena.

Não! Jantar para lobos não!

Saltou do tronco e correu para os braços dele. O calor depressa a envolveu, com um manto de conforto e esperança.

— Lobos não! Por favor, ajude-me!

*

Com um meio sorriso desenhado nos lábios, ele tomou a criança nos seus braços e transportou-a, ao colo, até ao cavalo. O pequeno corpo tremia de frio e de medo.

Há quanto tempo estaria ela ali sozinha?

Abanou a cabeça e afastou todos os pensamentos. O mais importante agora era deixá-la em segurança.

Montou o cavalo e aconchegou-a na cela, segurando-a o melhor que podia. Quando tudo estava pronto, galopou rumo ao palácio principal.


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