The New Pack escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 1
Fúria




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O homem na frente de Rafa tem a fala rude e o tronco um pouco retorcido. Em seus olhos uma perversidade de pensamentos passam por eles quando ele apaga o cigarro e o amassa no chão abaixo de seus pés, ao invés de simplesmente apagá-lo no cinzeiro.

— Como você disse mesmo que seu nome era? - diz o homem, sua barba se movendo junto com seu queixo.

— Eu não disse - Rafa responde a pergunta dele tentando se manter imóvel no banco em frente ao bar. Aquela era uma péssima ideia, ir a um bar. Mas se não pegassem aquele suspeito, mais pessoas morreriam no pequeno bairro Underwood. Ele não era do tipo que saia de sua cidade para achar algo para fazer, mas já tinha ouvido falar de Florence. Era um bairro doce e refinado cheio de donas de casa suburbanas e pessoas com sorrisos falsos. Como Rafa sabia disso? Ele tinha namorado um cara dali, e o cujo se referia a ele como "buddy", mas depois ia para a sauna com ele. O que era estranho. Voltando ao homem mau encarado, ele tentou sorrir de lado para ele. O homem apesar de ter uma bandana americana amarrada na testa sorriu de volta.

— Então como se chama? De verdade? - insistiu o homem pegando seu bom drinque. Rafa fingiu pensar no assunto ao coçar seu queixo e o homem não parou de olhar naquela direção.

— Jhonnyzudo - ele soltou e o homem o encarou confuso. Logico que ele não acreditava nele, mas Rafa precisava manter a mentira. Uma das muitas regras de ser um caçador era que ele não poderia revelar sua identidade.

— Ok - o homem barbudo riu afetadamente. - É um prazer te conhecer Jhonnyzudo.

Havia algo errado. Era normal quando você se apresentava a alguém a outra pessoa dizer seu nome. Então porque Lyndon Haynes estava sendo tão discreto? Ele só podia ser o Vampiro. Rafa olhou por sobre o ombro procurando duas pessoas familiares para ele, mas além dele e se Lyndon, havia apenas mais um cara de cabelo revolto escuro bebendo sozinho e lendo um exemplar desgastado de Hamlet. Parecia tão focado que talvez nem percebesse sua tentativa de flerte a Lyndon, talvez.

Nananinanão— Rafa se virou com uma voz aguda e um sorriso elástico enquanto tocava a jaqueta do homem com a ponta dos dedos. - Eu quero ouvir seu nome também, monamour. Ainda mais se quero te conhecer melhor.

Os olhos do homem pareceram brilhar enquanto um sorriso lascivo crescia através da barba cheia.

— Quer me conhecer melhor? - sussurrou o homem depois de um olhar para o barman.

Rafa tentou não tremer e deixou sua mão viajar pela frente da jaqueta do outro.

— Estou muito interessado - será que Lyndon tinha percebido sua infelicidade na voz.

— Ok sr. Jhonnyzinho - ele reverberou uma risada rouca. - Por que não vamos lá fora para ter mais algum tipo de intimidade.

A risada dele trouxe a ele um bolo na garganta que ele demorou a engolir. Que tipo de Vampiro assassino seria tão pervertido assim? Ou será que aquelas cantadas serviam para enganar e ludibriar as vitimas? Rafa rezou que fosse isso mesmo.

Lyndon virou seu drinque de vez e indicou a porta de ferro que levava aos fundos. Rafa se levantou e foi na frente, escutando as risadas do outro que se gabava para o barman.

Sentiu alguém o julgando com o olhar, mas quando se virou só encontrou o garoto de cabelo revolto lendo seu romance. Talvez Fernando e Eduardo estivessem em algum lugar o observando, eles haviam prometido não manter distancia afinal de contas.

— Johnnyzinho ai vou eu - riu Lyndon o seguindo meio trôpego.

Do lado de fora a noite fria castigava qualquer um que não estivesse agasalhado como ele e Rafa pode ver uma lua cheia empoeirada iluminar o céu pontilhado de estrelas. Uma porta se fechou e ele conseguiu escutar os passos de Lyndon logo atrás dele.

— Ninguém vai nos incomodar lindinho - sussurrou o homem atarracado com uma voz rouca. A espinha de Rafa se arrepiou instantaneamente. - Estamos a sós.

Ele se virou para o homem com um sorriso mortal.

 - Como disse que se chamava mesmo?

Confuso o homem apenas acenou com a cabeça.

— Eu não disse - ele piscou.

— E nem precisa.

Rafa foi para trás com tudo e o homem franziu a testa.

— O que significa isso? Achei que quisesse me conhecer melhor - resmungou Lyndon.

— E eu quis. Mas só para destruir você de uma vez por todas.

Ele arregalou os olhos, mas já era tarde demais. Rafa ergueu as mãos e apontou para os fios acima deles. Faíscas começaram a descer do céu como pingos de chuva e Lyndon se afastou vários passos de distancia.

 - Que merda você fez?

— Ah, não se preocupe, Johnnyzinho só esta começando.

Ele olhou para uma lata de lixo e ela voou na direção do Vampiro, acertando suas pernas e o fazendo cair de bunda no chão. Rafa continuou manipulando com uma mão enquanto com a outra ele tateava os bolsos de seu jeans para pegar duas bolinhas de metal.

Ele abriu a palma da mão para encontrar dois sinos grandes e barulhentos. Os chacoalhou e esperou por qualquer sinal.

 - Que porra você esta fazendo agora?! - guinchou o homem com revolta.

Rafa se cansou dele e enviou um pensamento que o levou até o chão.

 - Eu vou fazer você pagar por seus crimes, Lyndon James - ele se aproximou do Vampiro atirado ao chão. - Sete garotos homossexuais no total da sua lista? Isso é mau até para o que você é.

— De que merda esta falando? - retrucou o homem. - Meu nome não é Lyndon! Eu me chamo Lessi! Rafa franziu a testa.

— O que?

 - Como o cachorro - explicou o homem do chão. - Lessi.

Perplexo Rafa achou que fosse um truque quando a porta de metal se abriu e uma figura passou voando até ficar em cima de Lessi. O cara descolado e mais jovem lendo Hamlet lá dentro agora tinha olhos vermelhos e presas gigantes e visíveis.

— Obrigado, Caçador - ele riu. - Graças a você estou prestes a ter mais dois acréscimos na minha lista.

 Ele observou chocado enquanto o verdadeiro Vampiro pegava o homem barbudo e atirava o pescoço para trás. Rafa agitou as mãos e ele foi jogado com tudo para trás, deixando o homem barbudo livre.

— Corre! - ele alertou para Lessi. - Corre logo!

Sem cerimonias este correu pela porta aberta para salvar sua vida.

O Vampiro se ergueu do chão e com um sorriso se atirou contra justo no momento em que ele se lembrava de que não sabia lutar bem. Quando tentou se desvencilhar do monstro foi jogado ao chão com um impacto audível. Ai.

— Embora eu tenha que te agradecer - Lyndon sorria. - Eu teria me contentado com o barman quando você e o Zé do caixão pareciam estar se entendendo. Mas agora - os olhos dele brilhavam. - Eu vou dobrar a minha refeição.

Rafa sentiu um aperto forte em seu estomago e percebeu que o Vampiro o havia socado na barriga. Vários pontinhos apareciam em sua visão enquanto ele observava e esperava o outro atacar.

E então uma luz avermelhada clareou o canto de seu olho e rápido demais o Vampiro tinha sido desintegrado na sua frente. Sem acreditar ele se sentou e olhou para cima quando duas silhuetas apareceram. Fernando Matos e Eduardo Dragomir.

***

 - Como é que eu pude ter pegado o cara errado? - reclamava Rafa enquanto eles voltavam de carro para Vallywood no carro de Eduardo.

 - Acontece - disse Fernando dando de ombros no banco do carona. - Mas só por curiosidade o que estava fazendo com aquele cara barbado nos fundos?

— Você viu isso? - Rafa corou e engoliu em seco ao encontrar seu olhar no retrovisor. - Foi só uma tentativa para saber quem ele era, esqueça.

Eduardo riu de leve com os olhos na direção.

— Em toda a minha vida eu nunca pensei que estivesse tão feliz por saber quem era o cara certo.

Rafa olhou sem acreditar.

— Você sabia?

 Edu assentiu e ele sentiu a mão coçar para bater em algo.

 - Sério, o cara sentado em uma terça a noite lendo Hamlet? - bufou o moreno. - Hashtag posso te matar?

 - E por que não fizeram nada? - questionou sem conseguir fingir que não estava incomodado.

 - Nós íamos, mas ai você começou a falar com o cara errado e não parou mais - Fernando explicou. - E não podíamos correr o risco de ir te contar isso. O Vampiro notaria e poderia ter dado o fora, o que daria em um resultado muito pior.

— Não consigo acreditar - Rafa suspirou. - Eu quase morri.

— Não seja bobo - Fernando fungou. - Você estava sob controle, eu posso garantir.

Rafa o encarou pelo espelho do carro.

— Do que esta falando? Eu quase matei um inocente.

— Mas não matou ok? - o loiro se virou e encontrou seu olhar. - E você usou nosso sinal, o que significa que fez tudo certo. Não tem que se preocupar com nada.

— Eu nunca disse que estava - refletiu olhando para os dois sinos no bolso da calça. Tinha sido ideia dele tê-los feito.

 Há meses quando eles doparam com um Wendigo e sua família, Rafa e seu bando tiveram que se separar para lidar com cada um deles. O sino tinha sido uma boa para saber onde cada um estava e seu som, que era um tilintar, tinha uma frequência pessoal que fazia só com que os membros do bando dele ouvissem e entendessem. Se ele não o tivesse em mãos quem sabe o que aconteceria a ele e o barman local. Será que Lyndon iria atrás do homem barbudo logo depois que terminasse com eles?

— E quanto ao inocente? - ele questionou. - Ele viu o que eu fiz e viu o Vampiro. O que vão fazer com ele?

Fernando franziu a testa.

— Nada.

 - O que? Mas ele sabe.

 - Sim - Eduardo assentiu. - Mas considerando que salvamos a vida dele eu duvido muito que ele vai te denunciar.

 - E alias, você nem de Uberwood é - o loiro se espreguiçou no banco. - Imagine vários caras de cabelo preto e olhos castanhos bonitos sendo preso no seu lugar? Seria constrangedor para ele.

Constrangedor é o seu comentário, pensou Rafa observando seu parceiro de bando. Ele parecia tão calmo quanto Eduardo. Mas por que quando o salvaram no beco a expressão de Fernando tinha ficado inexpressiva em todo o caminho até o carro?

— Bom, agora que salvamos alguns bons pescoços eu recomendo que deitemos eles nas nossas camas confortáveis.

— Vocês querem dizer sua casa - Casa era apelido para a antiga pensão que Rafa conhecia que de algum jeito os dois haviam conseguido comprar. Ele nunca tinha entrado, mas já tinha visto muitas vezes antes se tornar a mansão particular dos dois caçadores.

— Eu espero que aquela Bethany esteja dormindo - suspirou Fernando.

 - Quem é essa?

— Uma vizinha nossa. Ela fica nos filmando com seu celular toda noite. Uma vez a pegamos no quintal, filmando a sala.

— Que horror - Rafa disse quando na verdade achava estranho o termo sala para o cômodo que devia ser colossal. Por que eles não podiam ser simples como os lobisomens que moravam no loft e dormiam no chão? Um pouco de humildade era bom.

— Eu só quero que a agua do meu chuveiro esteja quente - Eduardo ecoou olhando o espelho do carro. - Ou alguém vai se encrencar por me fazer chegar tarde demais. Rafa se encolheu mesmo sabendo que ele não estava falando sério.

Uma pontada de curiosidade bateu nele ao pensar em uma casa enorme abrigando os dois garotos lindos que só pareciam ser dois anos mais velhos que ele. Se ele fosse Andressa, será que eles o deixariam morar na antiga pensão também?

 - Boa noite, Rafa - disse Fernando repentinamente e ele olhou para cima. Já estavam na rua da casa dele.

— Boa noite - ele respondeu com cautela pegando sua mochila e abrindo a porta do carro. O ar frio da noite saldou seu rosto e ele se perguntou por que seu casaco bege não era tão quente como devia ser. - Vejo vocês na escola amanhã? - perguntou parando na janela ao lado do motorista.

— Nos vemos sim - sorriu Fernando enquanto Eduardo erguia as sobrancelhas.

— Até amanhã, Jhonnyzudo - e deu partida cantando pneus.

Rafa se virou rubro para a casa bastante iluminada na sua frente. O pai deveria estar vendo TV enquanto a mãe fazia a janta. Roger devia estar em seu quarto reiniciando sua webcam de novo. Ele nem conseguia acreditar que tinha que voltar para uma vida normal e sem perigos depois daquela noite.

Mas ele tinha. E ele o fez.

 

Na quarta-feira de manhã quando o feng-shui da madrasta de Vick Melo se tornava insuportável o suficiente para ela não estudar em casa, ela e sua amiga Camila Alves embicaram o Toyota Prius na estrada SILVER 32, que tinha o perfeito atalho para o Vallywood Central Park, onde árvores com copas grandes transformavam a rua do lugar com uma aparência que fazia parecer com que o céu estava nublado. Mas para Vick e sua melhor amiga era o lugar mais calmo para estudar, fugir da realidade que eram suas vidas ou pensar sobre Lucas. Ela já tinha ido ali seis vezes só para aquilo.

Depois de Camila Alves estacionar à dez passos de distancia de uma pedra perfeitamente achatada, Vick pegou sua bolsa cheia de livros e cadernos enquanto a amiga alçava sua própria. As duas se sentaram na pedra com as pernas cruzadas e trocaram um sorriso significativo quando a vitamina C que vinha do sol as cumprimentou. Não tinha lugar mais perfeito como aquele.

Doze minutos com Vick revisando uma matéria de biologia que não chegaria tão cedo naquele semestre e Camila desabafando como estava sendo maratonar Grey’s Anatomy, ela finalmente descansou seu lápis na pedra e encarou o pequeno laguinho silencioso á frente delas. Fora o tagarelar da amiga, a quietude do lugar era sagrada, trazendo uma paz que Vick desconfiava que nem o feng-shui de sua madrasta teria em sua casa. Naquele lugar ficava difícil pensar em coisas ruins e mais difícil ainda acreditar nas coisas ruins. Ficava difícil acreditar ou aceitar que Rafael Capoci, seu suposto amigo, tinha dito que Lucas estava morto.

Um cascalho se quebrou ao lado delas e Camila interrompeu seu fluxo interminável de palavras para olhar para uma pedra igualmente achatada ao lado delas, onde agora um garoto loiro usando óculos de grau e moletom cinzento cruzava suas penas do mesmo jeito que elas. Seu X-peria na pousado na palma da mão fazia sons audíveis.

Camila cerrou os dentes de fúria e não demorou em praguejar algo:

— Quem é esse babaca e por que ele mandou embora a paz que estava aqui nesse lugar?

Sem dizer nada, Vick avaliou o garoto. Apesar de seus olhos minuciosos estarem focados no aparelho à sua frente e os fones de ouvido, ela desconfiava que ele parecia um pouco ciente das duas ali. Na verdade ele parece bem ciente, ela pensou quando notou uma sugestão de sorriso no canto da boca dele.

Camila praguejou novamente algo inteligível e elas trocaram um olhar de raiva antes de Vick pigarrear.

Mas mesmo parecendo ter ouvido ou não, o garoto loiro ajustou os óculos e moveu a boca como se estivesse mascando algum chiclete, os olhos com a mesma cor da lagoa piscando lentamente. Parecia um drogado.

Cansada, Vick desceu da pedra e tocou seus pés descalços no chão repleto de folhas secas. E antes que Camila pudesse dizer algo, ela caminhou até a outra pedra decisivamente, pisando duro. O garoto ergueu os olhos do celular, olhou uma vez e voltou para o celular.

— Com licença? – ela falou de mansinho, quando na verdade só queria gritar com ele. – Não notou que estávamos estudando?

O garoto loiro continuou encarando o celular, piscando vagarosamente. Ela se atreveu a olhar a tela de seu celular e notou o gráfico de Dead Trigger 2.

— Hey – Vick o cutucou com o dedo e só quando o garoto virou seus ombros grandes, ela notou os dois fones retirados. – Ah...

— Pois não? – disse o garoto com uma voz rouca, diferente da que ele tinha imaginado. – Posso ajudar?

— Ah – ela não conseguia mudar o vocabulário para outra palavra. – É que estávamos estudando e ai você...

— O você tem um nome – o garoto tirou o par de óculos e os repousou entre os joelhos. – Igor Martins – ele acenou e ergueu a mão.

Vick demorou em pega-la, dividida por uma decisão estranha. Mas quando a pegou, nada aconteceu. Estava tudo bem. Ela se prontificou e ergueu os ombros magros para parecer mais alta.

— Estávamos estudando, eu e minha amiga Camila – ela gesticulou para a outra sentada na pedra, sem na verdade olhar. – Em caso de você não ter notado.

Igor franziu a testa e se inclinou para olhar atrás de seu ombro, quando voltou a encontrar os olhos de Vick, ainda estavam confusos.

— E?

— E que você e sua tecnologia dispensável que vieram sem ser convidadas está nos atrapalhando.

Igor deu de ombros e colocou os fones de ouvido novamente. Ela cerrou os dentes sem acreditar enquanto ele deslizava para colocar uma playlist para tocar com o nome de FUCK YOU. Vick voltou marchando para Camila, que franzia o rosto de raiva.

— Eu não acredito que você vai desistir assim! – ela retrucou.

Vick encarou amiga e depois olhou Igor, que ainda balançava a cabeça ao escutar a música.

— Desistir? – ela riu de volta para a amiga. – Nunca.

Enquanto a amiga olhava confusa, ela foi até beirada onde a mata encontrava o lago e pisou perto da agua, sentindo um olhar grudado em suas costas. Devagarinho, ela tocou a alça fina de sua blusa amarela florida e desceu ela com os dois dedos.

Depois de verificar se Igor estava olhando, ela arrancou a outra e jogou o cabelo para frente do corpo enquanto o pano caia no chão sem fazer barulho. Ela ficou apenas com seu sutiã bordado e sua calcinha de estampa francesa, mesmo sentindo o frio e o constrangimento, ela não se cobriu para esconder o corpo ao encarar a pedra onde ele estava.

Mas então, para sua surpresa, a pedra estava completamente vazia. Confusa, ela encarou Camila Alves na outra que a fitava com uma expressão indecifrável.

— Ele foi embora? – ela arfou surpresa enquanto recolhia as roupas do chão e voltava a vesti-las.

— Sim – pigarreou Camila se remexendo na pedra.  – Seja lá o que fez, conseguiu fazer com que ele se fosse embora.

— Ah, que bom – ela engoliu em seco, sentindo uma onda de soluços começando ao mesmo tempo em que suas bochechas arderam.

Ela se sentia muito ridícula.

                No apartamento de Rael Coelho, Ariana Grande cantava no rádio ao lado do microondas enquanto ele despejava café nas duas xícaras de porcelana que sua mãe havia ganhado de presente de natal. Ao terminar ele carregou as duas ao mesmo tempo em que andava pelo corredor de sua casa e bateu de leve na porta já aberta do quarto de Vicente, seu namorado.

         O antigo quarto de hóspedes agora tinha cartazes de bandas indies que Vicente curtia uma comoda grande substituindo sua mochila verde que guardava suas roupas sempre e uma mesa de computador com o notebook do garoto aberto. A cama de solteiro estava arrumada perfeitamente enquanto um impecável Vicente se olhava no espelho dourado e penteava seu cabelo preto cheio de gel com os dedos. Ao notá-lo ali, ele se virou e abriu um sorriso de escarnio.

         - Uau – ele encarou as duas xícaras. – Café antes de ir? Isso que é um progresso.

         - Engraçadinho – Rael soriu e o beijou nos lábios ferverosamente. -–Bom dia – sussurrou.

         - Bom dia – Vicente respondeu de volta entre os lábios. – Posso saber por que todo esse bom tratamento?

         Rael o socou no braço com pouca força.

         - Por que fala como se eu nunca fizesse isso?

         Vicente o olhou de forma significativa e voltou para o espelho, deixando uma pontada de inveja percorrer pela corrente sanguinea de Rael. Ele era tão bonito. E era dele, só dele. Parecia surreal que só faziam três semanas que ele eles haviam se beijado e dormido juntos no quarto de Rael, que era logo ao lado.

         A lembrança daquela noite trouxe a Rael uma sensação deliciosa e ele se pegou encarando a parte detrás do jeans dele. Seguindo seu olhar Vicente se virou e o avaliou de volta.

         - Por que ainda está usando pijama?

         Rael se remexeu no pijama azul-claro e cutucou nervosamente ponta do dedão do pé na comoda.

           - Eu tenho uma entrevista de emprego hoje.

         Surpresa e confusão atravessaram a face de seu namorado.

         - Entrevista de emprego? – ele repetiu. – Por que só estou sabendo disso agora?

         Porque estou mentindo, Rale só pensou.

         - Porque fiquei sabendo agora. Recebi um e-mail hoje cedo.

         - Sério? – questionou Vicente. – Qual? – ele começou a andar até o computador.

         - Não, não! – Rael se apressou para ficar em seu caminho. – Eu meio que desloguei meu e-mail do seu computador.

         Vicente franziu a testa.

         - Deslogou quando? Nós não tinhamos salvo um rascunho aqui ontem?

         - Hum, sim e foi quando eu desloguei, desculpa.

         Vicente semicerrou os olhos.

         - Tem certeza que existe de fato uma entrevista?

         Rael fez a melhor cara falsa de surpresa que pode.

         - Sim, ué. Por que não teria?

         - Não sei – o namorado continuou encarando. – Não é meio que estranho que a entrevista seja logo hoje?

         - O que quer dizer? – ele fingiu não saber do que ele estava falando. – Tem alguma data especial hoje?

         Vicente sorriu e por mais que estivesse obvio que ele suspeitasse de algo, Rael não disse mais nada.

         - Ok, então – ele se afastou, pegou a xícara de café e bebericou. – Então boa sorte na entrevista.

         Rael assentiu enquanto ele pegava a mochila verde em cima da cama e subiu em cima dela para puxá-lo e beijá-lo com entusiasmo.

         Ainda com suspeita no olhar, Vince não se afastou e retribuiu o beijo.

         - Tem mesmo que não ir hoje? – questionou num tom um pouco mais carinhoso.

         - Tenho, desculpa – Rael o tocou no rosto com as mãos. – Consegue sobreviver sem mim na escola?

         Vicente revirou os olhos.

         - Sua resposta vai ser quando acharem meu corpo dentro de uma caçamba de lixo.

         Rael o socou jocosamente de novo e ainda escutando Bad Decisions de fundo na cozinha, eles se beijaram de novo com mais intensidade. Ele o pegou pelos ombros quando ele quis se afastar e viajou com sua lingua pelo céu de sua boca. Ele o amava e odiava ter que mentir. Mas era preciso.

         - Tchau – Vicente suspirou quando eles se afastaram. – Boa entrevista.

         - Boa aula – retrucou Rael soprando um beijo.

         Ele o seguiu até a porta do apartamento e se deparou com a sala vazia. Karina já tinha ido para a escola e sua mãe para o trabalho.

         Ele estava sozinho. Finalmente sozinho.

         Pegou seu celular em cima da comoda da sala e foi correndo para a cozinha, no caso de Vicente ainda estar no corredor, e discou o número de uma pessoa que ele adorava muito.

         - Alô? Sou eu. Ele já foi, você pode vir.

                - Gatinho usando roupas de couro à sua esquerda! – sussurrou Brenda no ouvido de Rita, que estava distraida com o dever de algebra. Ela continuou segurando a caneta e seguiu o olar malicioso de sua melhor amiga. Um garoto de cabelo escuro muito familiar para ela tinha entrado no pátio, os olhos castanhos rebatendo cada encarada dos outros alunos. Apesar de não ser “popular pelos motivos certos” Rafa Capoci era uma espécie de lenda na Vallywood High School por motivos que Rita não tinha ido até os confins para saber. Mas ela não o conhecia assim. Os dois na verdade eram próximos desde o ano passado e, agora que ela tinha se transferido para lá, eles eram amigos, até.

         Uma vez que tinham vencido um inimigo em comum três meses atrás. Para os outros ele podia ser polemico, mas para ela ele era uma boa pessoa. E um caçador também.

         Rita se voltou para Brenda e notou um sorriso malicioso em seu rosto. Ela ainda olhava Rafa.

         - Brenda – ela a chamou e franziu a testa. – Não pense nisso.

         - O que? – a amiga que parecia asiatica pisou, fingindo soar confusa. – Não sei do que está falando.

         - Brenda é sério – Rita virou a pagina do livro. – Não perca seu tempo.

         Brenda a encarou surpresa.

         - Por quê? Está afim dele também?

         - Não! – Rita riu e quase soltou que o considerava um irmão. Mas decidiu não o fazer. – Ele é gay.

         - Ah – sua amiga corou de imediato e riu. Ela a acompanhou e sorriu quando Brenda começou a fingir olhar algo em seu Iphone. – Valeu por me avisar.

         - Não foi nada – murmurou e continuou a encarando. Brenda parecia tão normal e humana ao mexer em seu Snapchat e sorri para um close de um abdome sarado de algum youtuber, que ela quase ficou calma. Mas ela sabia a verdade e sabia que ela estava escondendo algo dela.

         Rita pensou na foto e nos arquivos em uqe ela e Erick tinham encontrado na casa de Matheus e Lucas. Brenda aparentava, pelo menos na foto, ser mais velha do uqe aparentava. E os documentos também apontavam que ela já tinha estudado em Vallywood, uns oito anos atrás.

         O que só podia siginificar que ela era algo. Algo sobrenatural.

         - Qual o problema? – perguntou Brenda, enquanto erguia o olhar.

         Rita engoliu em seco ao notar que seus olhos escuros eram escuros demais.

         — Ah, nada não – Rita ajeitou o dever. – Só estava pensando.

         - Pensando no que? – ela ainda podia sentir o olhar da amiga em cima dela.

         Mas antes que ela pudesse inventar alguma desculpa, uma sombra se arrastou pela mesa, tapando o sol em seu dever de algebra.

         Ela olhou para cima.

         - Rafa – ela suspirou de alivio.

         - Hey – Rafa sorriu de volta, os olhos castanhos indo de uma para a outra. – Como você está, Rita?

         - Bem – ela se levantou da mesa e o abraçou.

         Rafa retribuiu o abraço e encontrou seus olhos com significativa. O que está havendo? Eles pareciam querer dizer. – Como foi o passeio? Deu tudo certo?

         Rafa sorriu de volta, ciente do que ela estava falando. Ela estava perguntando sobre a missão de pegar o Vampiro da cidade vizinha.

         - Deu sim, foi um bom passeio – ele sorriu, mas havia algo em sua voz. Ela o avaliou e não conseguiu encontrar nenhum arranhão. – Então, até mais tarde?

         Aquela era a deixa dele para dizer mais tarde eu te conto.

         - Mais tarde – ela sorriu e o afagou no ombro.

         - Podiamos tomar um café – ele propôs já arrumando sua mochila no ombro.

         - Eu bem que queria, mas combinei de estudar com Brenda na casa dela – ela olhou a amiga. – Certo, Brenda?

         - Certo – Brenda sorriu e acenou para Rafa, que só fez um “huum” audivel.

         - Entendo – Rafa assentiu e encarou Rita. Ele sabia que ela estava apenas espionando Brenda, obviamente, nas tardes de estudo. – Então até mais – ele repetiu e saiu andando.

         - Até ela se voltou para sentar com Brenda.

         - Não sabia que eram amigos – comentou Brenda depois de uma pausa.

         - Sim, nos conhecemos – Rita fingiu ao notar a surpresa no tom da amiga. Mas encontrou seu olhar de rabo de olho. – Algum problema?

         Brenda piscou uma vez e então desviou o olhara para longe, com um biquinho.

         - Oh, nenhum – ela sorriu para ninguem em particular. – Só curiosa aqui.

         Rita assentiu e colocou as mãos com os dedos trêmulos entre as pernas.

         - Somos muito amigos.

         Brenda continuou sem a encarar e sorrir.

         - Entendi.

         - E às vezes GOT é melhor que qualquer coisa, mais aí eu me lembro de THE BASTARD EXECUTOR e fico, tipo, MEU DEUS! GOT NUNCA VAI ULTRAPASSAR!

         - ENTÃO CARA! – Rodolfo retrucou gritando tão alto que isso atraiu o olhar de vários secundaristas. Não que ele se importasse. – É ISSO MESMO!

         Marco revirou os olhos e encontrou os o olhar da outra pessoa do lado da mesa. Roger parecia tão entediado quanto ele, mas ao ver que o encarava também, sorriu de um jeito amarelo. Mas ele estava longe de conseguir chegar ao seu humor quando balançou a cabeça e gesticulou para os dois se levantarem. Eles o fizeram e Roger se recostou em uma planta trepadeira.

         - Qual o problema? – perguntou.

         Marco ergueu as sobrancelhas, sem acreditar.

         - Qual o problema? – ele bufou. – Eu não sei, que tal dar uma dica – ele olhou para os dois outros “colegas” de seu grupo. – Como vou conseguir ser popular com esses dois na nossa cola?!

         - Cara, relaxa – Roger falou com sotaque e mordeu o lábio inferior. – Eles são bons, eu juro.

         Marco olhou céticamente para Gabriel Martins, o novo acréscimo do grupo deles que, por coincidencia, era tão nerd e tão estranho quanto Rodolfo. Ele não era magricela, mas também não era corpulento como um jogador de futebol. Seu rosto era branco como neve com barba por fazer, mas o cabelo castanho avermelhado tinha cachos que faziam as garotas bonitas passarem por ele e toca-los. Não que ele fosse gostar de nada daquilo, já que namorava uma universitária.

         - Quando as pessoas começarem a ver que somos inteligentes, elas vão nos notar – prosseguiu Roger em um discurso incentivado. – Ricos bonitos e inteligentes. Imagina só.

         - É, mas você esqueceu uma parte – bufou Marco. – Nós somos os ricos e bonitos. E eles são inteligentes.

         - Ninguém sabe disso – cochichou Roger se aproximando dele. – E como Gabriel está do nosso lado, o que ele sabe, nós sabemos também.

         - Parece até que nossos quatro cérebros estão unidos.

         - E isso seria ruim?

         - Em uma prova individual com vários fiscais me olhando, sim – Marco revirou os olhos. – Eles não socializam Rogério. Na última festa que fomos, uma garota perguntou qual era o gosto musical do Rodolfo...

         - Para...

         - E o cara não parou de falar por trinta minutos! Trinta minutos falando sobre vários estilos de musica que ninguém estava nem ai! Eu podia jurar que vi vários Z’s saindo da cabeça da coitada da menina!

         - Cara eu estou falando sério – ele avisou. – Ou você os ajeita ou eu largo seu grupo!

         - Não pode ajeitar pessoas, elas não saõ peças de carro.

         Marco estava prestes a discutir sobre isso quando notou um panfleto do lado do pé do colega. A folha tinha letras berrantes, mas não foi isso que chamou sua atenção. Duas sireneas azuis e vermelhas enfeitaram cada canto da folha.

         - O que é isso?

         - Ah, você viu? – Roger mudou o tom de voz para ficar mais simpático. – Vão fazer uma festa para os novos cadetes da delegacia de Vallywood – Roger pisou na folha. – Nós deveriamos ir, seria um bom começo para os nossos nerds.

         Marco revirou os olhos e fingiu que sua garganta não estava se fechando. A memória da porta de um apartamento se fechando e um elevador descendo achatou sua mente e fez tudo girar.

         Ele crispou as unhas com força e focou nos olhos azuis de Roger.

         - Quem vai dar a festa?

         O amigo parecia inclinado a responder quando algo atraiu seu olhar. Marco seguiu a encarada do outro e viu quatro pernas magras entrando no pátio.

         Quatro pernas de meninas.

         Roberto Borges estava tão distraido com a visão do cabelo escuro familiar de Rafa entrando em seu campo de visão que nem notou o tapa chegando.

         - Ai! – ele se virou e encarou a garota sentada ao seu lado. – Isso doeu, Érika!

         - É claro que doeu – A Beta bufou com os olhos semicerrados. – Se você estivesse mais focado em me ajudar nesse trabalho de inglês e menos no seu ex-namorado que te largou você teria visto e desviado do meu tapa.

         - Duvido muito – Roberto retrucou e era verdade.

         Com Érika sendo o que era ele jamais iria conseguir desviar de qualquer coisa que ela fizesse. Há três meses, Roberto não se sentaria ao lado de uma garota que não conhecia e que crescia suas próprias unhas quando ficava com raiva. Mas agora que ele entendia tudo e via a verdadeira Vallywood em que seu ex-namorado vivia tudo fazia algum sentido. Rafa não era um galinha que ele secretamente pensava que ele era e um de seus irmãos quase havia sido morto por causa dele enquanto o outro era um sociopata possuído. Que agora estava morto.

         - Mas então, por que você e Rafa não se falam mais?

         - Do que está falando? – Roberto fitou a mesa. – Nós nos falamos, sim.

         - Aham. Você chama um aceno do outro lado da avenida de e um AMEI no Facebook de falar?

         - Ei, não é como se pudéssemos fingir que terminamos bem. Ele descobriu que eu era um Stalker dele ao mesmo tempo que fiquei sabendo que ele podia mover as coisas com o poder da mente.

         - E quem terminou com quem, mesmo?

         Ele cerrou os dentes.

         - Carla terminou com você.

         Com um olhar rápido e Dourado dela, ele se arrependeu de suas próprias palavras. Quando tudo estava confuso e seu término com Rafa tinha sido depressivo, Érika o havia acolhido em seu loft compartilhado com Erick e disposta a explicar tudo para ele com paciencia. E ele havia revelado seus segredos, também.

         - Me desculpa não quis dizer assim – ele afagou sua mão. – Eu sinto muito por seu relacionamento ter acabado também.

         - Está tudo bem – Érika deu um meio sorriso.  Não é como se eu já tivesse superado.

         Roberto ergueu as sobrancelhas com surpresa.

         - Nossa e quando isso aconteceu?

         Érika enrubesceu e fingiu uma tosse, mas ele não era burro. O celular dela estava pousado ao lado do caderno, o que era estranho porque até um dia atrás ela não tinha um.

         - Esperando alguma ligação?

         Ela seguiu seu olhar e deu de ombros. Parecia tão misteriosa e incomodada ao pegar o aparelho, discar um número e depois desligar de novo.

         - Algum romance no ar? – ele pressionou.

         - Não.

         - Sabe que eu não te julgo né? Mas Cáh, nós nem superamos o que aconteceu alguns meses. Não acha meio cedo pra flertar com alguém?

         Para surpresa dele, Érika bateu o punho na mesa, seus olhos voltando ao âmbar cheio de raiva de antes.

         - Você acha cedo? Acha? – ela grunhiu em um tom baixo demais para os outros alunos no pátio escutarem. – Seu irmão matou gente e quase te levou à destruição! Eu devo esperar até a próxima ameaça aparecer e morrer pra ser feliz? Eu devo deixar minha felicidade de lado e não curtir os momentos só porque um infeliz pode passar a perna em todos nós de novo?

         Ele se calou, sentindo as orelhas quentes. O burburinho chato dos outros alunos continuava, então Roberto desconfiou que só ele houvesse escutado o desabafo.

         Érika sotou a respiração pesada e ele encontrou seu rosto agora tristonho e constrangido.

         - Me desculpa, eu exagerei – ela murmurou entredentes.

         - Relaxa você só disse a verdade.

         - Mas fui muito dura.

         - Cáh – ele pegou em suas mãos novamente. – A verdade é dura também.

         Érika avaliou o amigo ele pode jurar que havia um brilho de duvida em seus olhos. Mas ele estava sendo puramente honesto com ela.

         - Sim, você tem razão também. Meu irmão quase me matou, então acho que eu deveria estar fazendo o mesmo que você. Aproveitando – ele sorriu a encorajando.

         A amiga licantropa loira suspirou e encarou a tela de seu celular.

         - Acredite, eu não estou aproveitando nada.

Há milhas dali Andressa olhava a vista do deserto de La Iglesia da sacada na casa de seus pais. O sol escaldante não chegava a entrar na casa, mas estava tão quente que ela tinha sido obrigada a usar uma camiseta preta arregata e um par de short jeans cor cáqui que ela tinha trazido consigo de Vallywood. Sua mãe tinha visto ela vestida nele e tinha feito uma cara de constipação seguida de um discurso severo sobre o quanto imagem era importante. Andressa se perguntava como ela podia saber algo de imagem sendo que só usava preto e branco. Ou cinza, nos dias frios.

         Mas recostada ali naquela sacada que ela tanto tinha pulado para fugir em missões secretas e não autorizadas quando criança, sua mente girava com outras preocupações além de suas vestes. Uma vibração a trouxe de volta ao quarto e Andressa se debruçou para olhar em cima de sua cama dossel batida de ferro. Alguém estava ligando. Temendo que fosse você sabe quem com quem ela tinha terminado, ela o pegou cautelosamente. E surpresa. Era Érika Alapulof.  Uma foto da Beta loira preenchia a tela de seu celular com duas opções. A de IGNORAR ou ATENDER.

         - Dessa?

         Ela olhou para cima e encontrou os olhos castanhos quase cinzentos de Graziele, sua mãe. A expressão dela estava normal ao parar na soleira, mas quando notou o celular em suas mãos, sua testa se vincou. Com um suspiro que dizia “lá vem” Andressa olhou a tela e decidiu não fazer nada além de deixa-lo tocar virado para baixo na colcha. Sua mãe deu dois passos para dentro do quarto, o vestido preto longo não deixa muito da sua pele parecida com a dela exposta, mas Andressa sabia que elas eram a cópia fiel uma da outra. Pelo menos na aparência.

         - Eu ainda não consigo entender por que teve que trazer esse dispositivo contigo? – disse em um tom rispido e Andressa quase quis colocar o dedo na boca e vomitar o que eles chamavam de comida naquele lugar.

         - É um dispositivo de comunicação – ela explicou mantendo o tom sob controle. – Serve para isso. Comunicar.

         - Mas vibra e pertuba os anciãos – ralhou a mãe. – Não tem como desligar!

         - Bem, se eu desligar ninguém me liga – ela riu, mas ela não a acompanhou.

         - Se seus amigos quisessem tanto falar com você, eles viriam – declarou e deu mais dois passos para dentro. – Tenho certeza também que se estivessem aqui provariam que estou errada.

         O coração de Andressa palpitou erráticamente.

         - Errada? Errada sobre o que?

         - Eles não aceitam o que está fazendo por nossa familia. Eles não aceitam que esteja se casando.

         Ela não precisava que sua mãe dissesse aquilo em voz alta, era praticamente um fato consumado. Em seu último dia em Vallywood houve despedidas de seus amigos mais próximos que ficaram em sua mente, fazendo com que ela gravasse cada detalhe daquela calmaria depois da tempestada. O olhar destruido de Fernando quando ela anunciou, o abraço apertado de Rita de Cássia, e um comentário malicioso de Erick Cardoso logo em seguida, que envolvia algo sobre ela ir a uma reabilitação para parar de fazer sexo. Não teve como ela esquecer de Rafael Capoci com os olhos brilhantes ao tentar se manter forte, mas o Caubói desabou em seus ombros magros. E, depois de um aperto de mãos esquisito com Érika Alapulof, ela e Eduardo Dragomir tinham se encarado por bastante tempo antes de qualquer coisa. Andressa conseguia até se lembrar do silencio dos outros naquele fim de tarde, esperando para ver o que aconteceria.

         - Então você vai? – o moreno tinha falado baixo, mas o eco de sua voz fez eco no loft dos lobos. – De verdade?

         Por mais que ela tenha hesitado uma semana depois de tomar sua decisão para viajar, sabia que não estava confusa. Queria fazer o que era certo. Não o certo para ela, mas o certo para todos. Ela precisava ir.

         - Sim eu vou – ela respondera com os ombros erguidos e o queixo elevado.

         Sob a luz fosca do lugar, Eduardo tinha juntado as duas sobrancelhas escuras em V.

         - Você vai por que precisa?

         - Eu vou porque quero – e por mais que ele tenha olhado com dúvida e ceticismo em sua expressão, ela não se incomodara. Só ela sabia o que deveria ser feito. Se casar e passar o legado de sua próxima geração faria com que ela deixasse sua familia feliz, sua mãe inclusive. Uma parte dela ainda titubeava que ela só estava desesperada para fugir das coisas ruins que Eduardo e Érika tinham feito, mas esta perdia para a outra que era orgulhosa e jamais admitiria isso para alguém ou a si mesma. Incomodava que ela fosse se casar com um estranho que teria que aprender a gostar, mas não tanto quanto ter que cruzar com os safados que a trairam todo santo dia.

         E com sorte talvez seu futuro marido fosse um gato.

         A mãe pigarreou e se sentou na beira da cama, trazendo ela de volta para a realidade e para o calor do deserto.

         - Eduardo Dragomir não é uma boa influencia – disse Graziele com um tom mais apaziguado. – Confie em mim quando eu digo que está mais salva aqui sem ele.

         Andressa parou para pensar em discutir com sua mãe, mas algo em sua memória apitou. Antes de tudo acontecer, ela não tinha escutado seus conselhos e prosseguido com sua relação com ele. E o que ela tinha ganhado com isso, tinha perdido também. Talvez as mães estivessem mesmo certas sobre tudo.

         Ela riu falsamente e se levantou da cama.

         - Acha que não sei disso? Eu sei quem ele é, por que acha que eu voltei? – não é como se ela tivesse chegado em La Iglesia chorando e dizendo tudo o que Edu tinha feito. Por favor, não. Por mais que orgulho fosse um pecado, admitir para Graziele que ela estava certa era um pecado muito maior.

         - Eu não sei – a mãe continuou sustentando seu olhar. – Sem duvida estou feliz, mas custo a acreditar que esta aberta a fazer isso de bom grado.

         Sua mãe poderia pegar o “bom grado” e fazer o que pudesse com aquilo. Ela não contaria a verdade ela de jeito nenhum. Ela detonaria Eduardo em todos os sentidos. Não que ela se importasse.

         - Bom eu estou aqui – argumentou. – Quer mais prova que isso?

         A mãe sorriu com satisfação mal despercebida e se levantou para sair do quarto. Mas antes que passasse por ela, pisou fundo sob o carpete e a olhou de lado.

         - Algumas damas de honras, mulheres eleitas pelos anciãos – ela começou a explicar falando no pé do ouvido da filha. – Virão com vestidos dentro de duas horas aqui no seu quarto.

         Andressa assentiu enquanto fingia não engasgar. O que?

         - Espero que esteja pronta para bainhas, agulhas e tecidos que vão te fazer parar de respirar um pouco – ela sorriu e encontrou os olhos dela. – Segure este ar.

         A mãe voltou a andar e ela pensou que dessa vez a deixaria sozinha para contemplar o horror em sua expressão no espelho. Mas quando se virou para este que ficava pendurado ao lado da porta de madeira, Graziele a avaliava com um olhar intenso.

         - E só pra constar, ninguém esta pedindo para você provar nada.

         - Eu sinto falta dela – desabafou Fernando enquanto observava Eduardo terminar de saltar no pátio da area de recreção da casa deles. Por mais que o loft de Carla fosse bem expansivo e agora tivesse um espaço a menos já que a Alfa tinha voltado para La Iglesia, Fernando e Eduardo não conseguiam se v er dormindo em um colchão de ar ao lado do Alfa ou no chão ao lado da cama de Érika Alapulof. Então, a capricho de seu companheiro de bando, Fernando e ele receberam uma verga gorda em nome de Anna Clara Tesche para pagar a pensão abandonada e reformada em que eles moravam. A quantidade de quartos do lugar era maior do que o esperado e poderia abrigar toda uma escola, a sala era larga e tinha uma lareira e até mesmo um véstibulo de entrada com penduradores de casacos atrás da porta.

         Mas por mais que Fernando tenha adorado o lugar e pesquisado como usar um microondas, seu coração estaria sempre com o deserto em que ele havia sido criado. Por mais que não se lembrasse bem de como havia chegado lá. Agora, Eduardo tinha espalmado as mãos sujas de uma cor preta e o encarava com as sobrancelhas erguidas ao arfar.

         - Dela quem, exatamente? – questionou.

         - Dessa – ele assoviou a resposta sem avaliar o rosto do outro. – Deve estar sendo bem dificil lidar com um casamento falso.

         Eduardo se virou novamente para a rede que era parte basquete e parte futebol embaixo.

         - Se passaram três meses – respondeu com um tom indiferente. – Ela já deve estar casada nesse momento.

         - Não, não está – Fernando pescou o celular do bolso. – Na última semana que nos falamos, ela ainda estava escolhendo o local da cerimonia.

         Eduardo fez um “hum” e ele revirou os olhos.

         - Vai ficar fingindo por quanto tempo que isso não te afeta?

         Edu deu de ombros.

         - Não me afeta. Ela escolheu viver um tipo de vida diferente enquanto nós continuamos dando duro para caçar as coisas aqui. Por mim está tudo bem.

         — Você chama dois casos em três casos, fora aquele em que nos enganamos, de dar duro?

         - Eu chamo de sobreviver e enfrentar os problemas – retrucou ele.

         - Quis dizer enfrentar você.

         O companheiro se virou e deu uma olhadela para a cadeira de praia onde ele se espreguiçava. Não demorou muito para começar a estalar e se quebrar embaixo dele.

         - Ai! – ele bateu com a bunda no chão. – Essa era nova!

         - Eu não entendo porque ela me deixou – refletiu Eduardo ao invés.

         Fernando deu tapas na barra da bermuda jeans enquanto se levantava. Depois pegou cada pedaço de madeira quebrado e o lançou para o jardim, se perguntando quando deveria joga-las fora de verdade.

         - Você teve um caso com outra garota por três meses. E ela conhecia essa garota, porque ela meio que andava com o nosso bando. Quer mais motivo que isso?

         Os olhos do outro escureceram.

         - Eu já pedi desculpa – ele resmungou vestindo a camiseta preta arregata que estava enrolada na trave. – Precisa de algo mais pra ela parar de ser tão orgulhosa e voltar a nos ajudar?

         - Cara- Fernando olhou sem acreditar. – É lógico que ela precisa demais. Ela é uma garota. Você não pode falar que “foi mal” e depois esperar que ela vá voltar correndo de repente.

         - Desde quando você se tornou algum expert nisso?

         - Eu só presto atenção – ele se defendeu. – Você tem que mostrar que realmente, realmente sente muito por ter traido.

         - E se não funcionar? – perguntou com uma voz incerta.

         - Então vai ter que respeitar a decisão dela.

         Os dois seguiram pela entrada da casa em silêncio, olhando em volta da vizinhança. No gramado ao lado uma garota que ele sabia que se chamava Kayla e suas amigas lançavam olhares lascivos para ele e Eduardo. No gramado atrás desse, uma senhora de idade fulminava as garotas com um olhar de conduta.

         Eduardo abriu a porta e os dois foram comprimentados com o cheiro de sabão e café recém-preparado. O companheiro parou ao lado da escada e começou a digitar alguns numeros em um aparelho. Em segundos, as luzes da casa se acenderam e a porta de vidro de entrada se fechou sozinha atrás de Fernando.

         - E pensando bem estamos até nos virando bem sem ela – ele continuou seguindo logo atrás.

         Edu virou o pescoço para encarar ele rapidamente com um sorriso malicioso.

         - Você está de brincdeira? – bufou. – Ou eu tenho que voltar duas horas atrás pra te lembrar do quanto está errado?

         Fernando inchou as bochechas e suspirou. Ele já tinha previsto aquilo. Mais cedo, depois que eles tinham dispensado Rafael Capoci para casa e para sua escola, os dois tinham discutido sem parar sobre o desempenho do novo integrante de seu bando. Ele quase se matou, Eduardo tinha gritado no carro, ele quase matou a gente pegando o cara errado. Por mais que achasse o mesmo, Fernando tinha tentado minimizar comentando que Rafa só tinha cometido um simples erro e que qualquer um poderia ter feito o mesmo. Eduardo o olhou naquele momento do mesmo jeito que agora antes de se virar para a estrada e retrucar “Não a Andressa”. E depois disso os dois não haviam tocado mais no assunto. Mas era obvio que Edu traria aquela discussão para a superficie novamente.

         - Foi só uma vez – Fernando argumentou agora e seu tom de voz era tão questionável que parecia que ele queria convencer até a si mesmo. – Nas nossas outras missões, ele agiu muito bem. Lembra quando ele te salvou daquela queda? Se ele não tivesse te segurado...

         - Eu me lembro bem disso – Eduardo o cortou. – Lembro também que ele tentou me puxar até aquele Wendigo o arranhar nas pernas e fazer com que caissemos os dois.

         - A intenção dele era te salvar.

         - Bom ele não conseguiu. A minha sorte é que havia um pedaço de terracota naquele desfiladeiro para me ajudar a nos levar de volta para cima. E não foi Rafael Capoci que o colocou lá.

         - Ok, ok, ele é um péssimo caçador às vezes – Fernando se sentiu culpado em concordar. – Mas ele só está começando. Temos que dar um tempo para ele também.

         - Tempo? O cara sabe explodir coisas e mover barreiras com a mente – retrucou o outro gesticulando com as mãos. - Onde foi parar o Caubói que conhecemos que dizimou um monte de Atiradores e derrotou um Espiritos tres meses atrás?

         - Talvez ele trabalhe melhor sob pressão, eu não sei – ele murmurou.

         - Vai ver ele curte ser a donzela em perigo, eu não sei – Edu usou o mesmo tom que ele. – É sério. Ele precisa se tocar.

         - Por que está sendo tão dificil com ele?

         - Não estou sendo nada dificil. O que vai acontecer se na próxima vez os riscos forem maiores que um simples Vampiro?

         Fernando não respondeu sua mente divagou para uma conversa entre ele e Rafa. O terceiro espirito estava solto por aí ainda, só esperando a hora certa para avançar e atacar. E se Rafa tivesse a sorte que tem, ele poderia ser mais perigoso que Neemias. Mais perigoso que um Vampiro.

         - E se alguém se machucar da próxima vez?

         A garganta de Fernando se fechou. Eduardo sabia que a morte era um assunto delicado para ele. Podia sentir pela seriedade dos olhos escuros do outro que ele queria convence-lo de verdade sobre o assunto.

         - O que quer que eu faça?

         Edu foi um pouco para trás.

         - Não quero que faça nada. Só avise a ele – ele se virou e começou a subir as escadas para o segundo andar. Mas no meio do caminho parou e o encarou: - Antes que outro alguem o faça.

         Quando os dois garotos se encontraram no meio do caminho, Erick bocejou e fingiu jogar a cabeça para trás para avaliar as nuvens que estavam tão bonitas e cheias de formas naquela tarde de quarta-feira. Mas então os dois garotos rugiram e ele voltou seu foco para eles.

         Os dois que se encaravam não pareciam tão diferentes um do outro com suas peles pardas. O mais novo tinha um cabelo arrepiado um pouco mais bagunçado e era consideravelmente mais baixo comparado ao outro. O mais velho tinha uma altura que ultrapassava até a de Erick, mas seu cabelo era mais cheio dando espaço para cachos castanhos aqui e ali. Os olhos deles se encontraram e a briga começou.

         O mais baixo foi com uma investida obvia, o soco. Mas o grandão defendeu e jogou seu punho para frente. O mais novo demorou em desviar, tanto que o punho do outro arranhou sua bochecha. Mas esse parecia seu plano desde o inicio quando ele o puxou o grando pelo meio do braço e o lançou para longe. Não que o grandão tivesse caido, na verdade.

         Quando este ficou em pé com as pernas compridas e torneadas, voltou correndo para o mais novo investindo chutes e socos e de repente a luta foi ficando mais rápida. Se Erick não tivesse seus olhos nem teria conseguido ver nada.

         Outras pessoas no parque pararam para olhar com choque ou cutucar umas as outras. Uma senhora de idade até mesmo pegou seu celular pré-histórico para chamar a policia com uma voz grave.

Erick bufou e continuou assistindo a luta percebendo o quão ela estava ficando mais interessante. O mais baixo parecia ganhar vantagem ao tentar em cima do outro, mas acabou rolando na grama. O mais velho riu e tentou chuta-lo na barriga, mas para sua surpresa sua perna foi presa pelos dois braços torneados do garoto, que o puxou com força para que ele caisse de bunda no chão.

Ele riu e uma garota loira ao lado de seu namorado olhou sem acreditar. Dando de ombros ele deixou seus olhos assumirem outro tom. A garota arfou e cutucou o namorado que seguiu seu olhar. Ele sabia o que eles estavam vendo: outro moreno ali sentado no banco, só que com olhos vermelhos grandes. O casal saiu correndo e Erick não conseguiu evitar de soltar uma gargalha.

Sua gargalhada foi abafada por um engasgo e ele se voltou para a luta outra vez. Dessa vez o mais novo parecia estar levando a pior. O grandão agora aplicava vários socos na sua cara e chutes ritmicos em sua barriga. Ele pensou no começo que fossem chutes estrategicos para não acertar pontos vitais, até que ouviu o som de uma costela se quebrando.

O mais velho pareceu não se incomodar com os olhares de horror das outras pessoas e continuou batendo, mesmo que o mais novo estivesse indefeso, sem tempo para respirar e se defender.

Quando Erick se levantou ele já estava apelando para socos brutos e violentos. Estava impulsionando o braço para dar um nocaute no mais fraco quando ele o alcançou e o pegou pelo pulso.

— Chega – ele ordenou e o garoto grandalhão arregalou seus olhos dourados. – Já chega Adan.

Adailton Sales respirou fundo e obedeceu, largando o garoto que girava de tão tonto que estava. Erick avaliou enquanto o mais novo caia com um baque no chão. Ficou um pouco preocupado, mas quando apurou os ouvidos pode ouvi-lo respirando fundo. Ele estava bem.

— Você ficou louco? – ele se voltou para Adan. – Ele podia ter morrido.

— Ah, não podia não! – retrucou Adailton fazendo os olhos voltarem ao normal. Demorou uma década para Erick ensinar aquilo para ele, então era estranho que ele conseguisse fazer tão rapido agora. – Ele ia se curar.

— Mesmo assim, você exagerou – ele sibilou seguindo para olhar Hendrick Cavalcante, que já estava sentado na grama estalando cada músculo. – Vocês dois exageraram na verdade! Olha esse bando de gente encarando!

Adailton e Hendrick encararam a multidão no parque e, depois de se olharem, deram de ombros ao mesmo tempo.

— Foi ideia sua treinar aqui – Adan pegou a camiseta amarrada na perna e a vestiu. Ele não era tão grande, mas seus músculos no abdome o deixavam a camiseta de linho branca apertada.

— Caramba, Adan! – Hendrick retrucou do chão, limpando o rosto com um sorriso. – Você pegou pesado hoje! EU CONSEGUI OUVIR MINHA COSTELA SE QUEBRANDO! – comemorou em extase.

— Você ouviu e o parque inteiro também – Erick retrucou. – Parem de se exibir como dois Lobisomens em Crepúsculo e vamos logo sair daqui!

— Fechado! – Hendrick saltitava.  – Mas Erick, posso ir no banheiro antes?

Erick revirou os olhos e assentiu. Hendrick sorriu e foi correndo para o banheiro quimico e duas garotas sairam de seu caminho com um gritinho.

— Ele continua te chamando de Erick — murmurou Adailton quando o outro sumiu. – Eu preciso te dizer mais o que pra acreditar que ele não é maturo o suficiente?

— E o que ele deveria fazer? Me chamar de Chefe e uivar?

Adan deu de ombros.

— Não fui eu que inventei as regras.

Erick fez um tsc com a boca e começou a andar, com Adan em seu flanco.

— Por que o escolheu pra ser um de nós? – questionou. – Qual é a história dessa criança?

Ele olhou para Adan com a testa franzida. Por que ele falava como se tivesse sido o primeiro a ser transformado por ele?

A memória daquela noite de abril veio com um estalo para Erick. Ele podia se ver naquele mesmo parque andando por aquele mesmo campo vazio com o barulho de àrvores se mexendo. E podia ver Hendrick sentado no chão, embaixo de àrvore com o rosto um pouco pálido por causa do luar.

         - O que você fez comigo? – ele murmurava. – O que você fez comigo?

         Erick tinha o olhado de cima a baixo e oferecido a mão para ele se levantar, mas Hendrick apenas a fitou com a testa franzida.

         - Eu te dei uma mordida – ele respondera com um tom assustador pra ele mesmo. – O resto quem vai fazer é você.

         - Hendrick passou por muita coisa – ele disse agora se voltando para Adan. – Eu quis transformá-lo porque achei que era o que ele queria.

         Adailton franziu o cenho.

         - Está dizendo que ele não queria?

         - Não no começo – ele balançou a cabeça. – Demorou até duas semanas até ele se acostumar com isso tudo.

         - Imagino que tenha sido dificil. Mas como conseguiu controlar um lobisomem sozinho?

         Erick parou de andar e o encarou.

         - Meus olhos não brilham dessa cor só porque eu fico a fim de alguem ou quero ver através da roupa de uma garota. Isso me dá certo titulo, eu sou o Alfa. Sou eu a cabeça do bando.

         Adan assentiu.

— O Chefe...

— Não, a cabeça – ele retrucou. – Não tenho nenhum controle das suas ações.

— Não as pessoais. Mas você me pediu para parar de bater no Hendrick, e eu parei.

— É, porque estava quase matando o coitado.

— Coitado? – Adan pareceu engasgar. – Eu sei que ele é mais novo, mas ele não tem nenhuma história dramática, Chefe. Minha familia me deixou uma baita fortuna pra viajar pra longe por um ano e, quando eu voltei, achei que alguém teria sentido minha falta.

Erick encontrou seus olhos castanhos.

— Está tudo bem?  Quer falar sobre isso?

Adailton não respondeu e o encarou de volta.

— Eu só quis dizer que eu tive problemas, por isso mereci isso – ele gesticulou para a mordida no pulso que Erick tinha dado. Agora sua pele morena tinha se regenerado e a feito sumir, mas Erick ainda podia ver claramente a mudança nos biceps do outro. – O que Hendrick passou para merecer alguma coisa?

Antes que Erick pudesse responder ele avistou Hendrick os alcançando.

— E ai gente, qual a boa?

Erick sorriu para ele e pegou Adailton pelo ombro.

— Nós só queriamos te perguntar uma coisa – ele olhou Adan de lado. – Quer ser o primeiro?

Seu Beta o olhou sem acreditar, mas então voltou a fitar Hendrick que esperava com um sorriso amarelo.

— Que tal darmos uma volta?

Hendrick bateu palmas e, mesmo para o marmanjo que era, Erick achava legal seu jeito de parecer com uma criança às vezes. Significava que ele tinha imaginação e era corajoso. O que Adailton queria ser com todas aquelas perguntas?

— Você tem mesmo que ir? – perguntou Carla a loira parada na sua frente com uma expressão um tanto depressiva. Ela sabia que em La Iglesia era comum os caçadores terem que sair do deserto para realizar missões o tempo todo, mas como essa era a terceira vez em que Lizz tinha que se despedir, seu corpo murchou com a expectativa.

Lizz assentiu um tanto sombria.

— Vai ser só uma investigação sobre garotas desaparecidas – respondeu afastando uma mecha loira atrás da orelha. – Mas eu preciso mesmo ir, de novo.

— É – Carla suspirou. – De novo.

A expressão da loira vacilou e Carla podia sentir a vontade dela de querer abraçá-la. Fazia três meses naquele exato dia que as duas tinham ficado próximas no Vallywood Bear. A amizade entre a Caçadora e a Alfa era algo tão improvável que ela mal podia acreditar que estavam se falando. E então as conversas evoluiram para quase todos os dias, o que deu a uma certa intimidade nas piadas que irritavam Érika Alapulof toda vez que se viam no loft. Então sem pestanejar ela aceitou ir junto com Lizz de volta para o lugar que tinha aprendido a conviver. E tinha sido gratificante dividir a espécie de apartamento entre as duas.

E Lizz era bonita, divertida e sarcástica. Carla não precisava falar duas vezes para ela se tocar sobre algum assunto e o fluxo da conversa ia do raiar do sol até o avanço do crepúsculo no fim da tarde. Elas haviam se conectado de tal forma que era dificil acreditar que não tinham nenhum tipo de relação. Lógicamente ela não era cega, o comentário de Lizz naquele tempo no bar tinha sido bastante claro “EU QUERO VOCÊ” parecia estar colado na testa dela.

Mas por mais que Lizz tivesse confessado seus sentimentos, ela tinha dito que iria esperar por Carla, se ela quisesse. E ela preferiu, por mais que não quisesse. E agora se passaria mais duas semanas em que elas não se veriam, sem que confessassem o quanto queriam uma a outra.

— Não fique magoada – Lizz brincou. – Por favor, me entenda. Eu preciso ir.

— Eu sei, eu sei – Carla revirou os olhos. – Não vou ser injusta e bater o pé pra você ficar.

— Até porque não pode. Seria pior se a Anna entrasse aqui e me levasse pelos cabelos, acredite.

Ela franziu a testa com o tom sério.

— Anna é mesmo tão exigente assim?

Lizz assentiu.

— Como ela consegue saber onde tem um caso sobrenatural?

— Ela vê muito jornal. Lê muito. Layane diz que ela tem um sexto sentido, não me conformo com isso.

— Com o sexto sentido?

— Com ela e a Layane – ela disse e as duas riram. – Apesar de as duas formarem um belo par.

Carla fez um muxoxo e pegou suas mãos. Lizz suspirou quando elas se entrelaçaram.

— Nós também – ela sussurrou de um jeito intenso. Os olhos da loira brilharam para ela com expectativa.

— Quer falar sobre alguma coisa? – perguntou com a voz rouca. – Sobre algo que já deveria ter rolado?

Ela parou para pensar um pouco enquanto a avaliava. Adorava o jeito como as jaquetas de Lizz deixavam seus ombros levantados. E quando acordava de manhã e a encontrava sem querer no banheiro escovando os dentes, não conseguia parar de olhar seu rabo de cavalo que descia pelas costas fazendo Carla detestar que o seu fosse tão escuro. Ela tinha todos os requisitos para ser uma namorada potencialmente boa.

Então por que elas continuavam só amigas?

— Quero – ela assentiu e balançou suas mãos. – Mas você tem que partir pra uma missão agora, então...

— Fala sério! – Lizz riu sem acreditar. – Isso é tortura, você sabe.

— Sei. Mas é preciso.

Apesar de não gostar muito, ela sorriu de volta.

— Bom, pode pelo menos me levar até o portão?

Carla assentiu e ela a puxou sem avisar, fazendo com que ela gritasse um pouco. Do lado de fora o céu descia escaldante e sem poupar os mortais. Pessoas andavam por todo o canto em toda a cidadezinha pacata e nobre. Lizz e ela pararam para cumprimentar alguns moradores e Carla acenou para três lobos que se chamavam Black, Red e White. Algumas outras olhavam para suas mãos dadas, mas ao invés de franzirem o nariz, sorriam com entusiasmo como se fosse algum acontecimento milagroso. Aqueles sorrisos deveriam ser exemplo, ela pensou.

Elas chegaram até o portão principal que era separado por duas coisas grandes verdes em formato quadrado de caixa que eram puxadas por eras em cada pilar de madeira. As três letras de TAP deixavam o A cortado no meio da mesma forma que o escritório de Anna. Dois outros caçadores cujo nome Carla não conseguia se lembrar esperavam de braços cruzados com suas roupas escuras demais para o verão.

Lizz se virou para ela, as mãos firmemente segurando as suas e lhe atirou a mesma expressão estranha.

— Ei, está tudo bem – Carla a apertou. – Eu vou esperar por você.

— Eu sei disso – ela assentiu. – Eu só queria que tivéssemos mais um dia.

— Não seja tão gulosa – brincou. – Ou não vou estar aqui mesmo quando você voltar.

Lizz revirou os olhos e sem avisar foi para frente. Carla ficou nervosa de imediato, mas quando sentiu as mãos da outra passando em suas costas, sentiu o abraço forte e apertado. E o retribuiu.

— Promete me ligar? – sussurrou com os olhos nos outros caçadores que olhavam lascivamente.

— Prometo roubar o celular de alguém pra te ligar, sim – Lizz riu quando as duas se separaram. – Você fique bem ai.

— Vou tentar não mumificar enquanto te espero! Boa sorte na sua missão.

— Obrigada.

Suas mãos se soltaram e Carla ficou encarando suas costas enquanto ela se afastava. Quando Lizz alcançou seus companheiros de bando e se virou para dar uma última olhada, ela pensou em soprar um beijo ou algo do tipo. Mas então sentiu algo cutucar seu ombro.

Ela se virou e encontrou um cabelo loiro que a fez pensar de imediato em Lizz. Mas o tamanho da outra e sua expressão nada relaxada fizeram com que Carla se decepcionasse.

— Giulia – ela cumprimentou a Arqueira com um aceno de cabeça. – O que você quer? – ela não era muito fã daquela que já tinha colocado algemas nela.

— Eu preciso da sua ajuda – ela falou rapidamente. – E é melhor você não recusar.

Carla pensou em bufar, mas notou o coração palpitante da outra e se preocupou. Ela conhecia aquele olhar. Será que tinha alguma coisa a ver com... Ah, não, não podia ser.

— Por favor, eu só tenho a você – seu olhar dardou para longe e Carla encarou também. Lizz atravessava os portões e encarava as duas por sobre o ombro um tanto confusa.

O que ela pensava que aquilo significava?

— Qual o problema? – ela questionou sem evitar ficar brava.

— Bruxas – Giulia respirou fundo. – E eu acho que como você já teve experiências com ela, poderia me ajudar a mata-las. Estou te chamando para uma missão.

— Kéfera ou Luba?

— Luba, definitivamente.

— Preconceituosa demais?

— Preconceituosa seria reclamar do Luba, acorda!

— Mas a Kéfera é foda! Ela fez um livro!

— E o Luba é vinhado. Quem ganha?

— Luba – disseram as quatro garotas em uníssono atrás de Taffara Kauane e Camila Polli no corredor central que levava para o pátio final.

— Perdedoras – a quinta garota, possivelmente uma Kélover, retrucou. – Taff, rainha, eles escolheram o Luba vinhado como nosso Youtuber favorito. Você aprova?

Taffara estava com uma dor de cabeça desde que tinha aberto os olhos naquela manhã e seus pés doíam em seu salto miu-miu novo. Um cara feio e sujo de aparência suspeita também havia assoviado para ela no caminho para chegar à escola. Então o ânimo dela para dizer qual era o melhor Youtuber do mês, e o melhor da escola toda também já que eles a seguiam, era tipo oito por cento de oitenta.

Mas mesmo assim ela colou um sorriso branco falso e encarou Myra por sobre o ombro.

— É lógico que aprovo o Luba, ele é vinhado – disse e piscou para as outras garotas.

Kailly, que era loira e tinha um corte inspirado nas madeixas de Emma Roberts, sorriu com superioridade para as outras.

— Viram só? Meu gosto é bom como o da Taffara, o que quer dizer que eu tenho bom gosto também.

As três riram enquanto Myra murchava e fingia não se importar. Parecia inacreditável que só alguns meses todas elas estavam metendo pau sobre Taffara, acusando ela de ser uma assassina e pregando fotos de Diogo em seu armário. Tinham até mesmo espalhado rumores e teorias sobre ela também ter um dedo na morte de Lucas Henrique, que estava “desaparecido” desde o Setembro passado. Taffara tinha certeza de ter visto em algum lugar que Kailly escrevera “ela tem razões para isso, definitivamente” em um dos comentários.

Ao entrar no pátio, ela quis abanar o ar em frente o rosto com as mãos. Parecia que o câncer de amigos de Rafael Capoci tinham se espalhado em todo o lugar, infestando uma das mesas com alguns nerds, falando com uma asiática ou socializando com aberrações loiras que desmaiavam no corredor. Ela avistou o núcleo daquela doença parado em um Pilar enquanto conversava com o professor de Ed. Fisica, Felipe Felps. Quando notou que ela o encarava, sorriu e balançou a cabeça uma vez.

Taffara franziu a testa, se perguntando qual era a graça da aberração. E por que ele estava sorrindo quando sabia que ela encheria seu saco muito em breve?

— Que merda é essa agora? – questionou Myra.

— Bling Ring sem nenhum gay no meio – arfou Hayley, uma das outras garotas.

— Só uma cópia de Luba feminina e chata – desabafou Camila Polli.

— De que merda estão falando? – ela se virou e viu cada uma das garotas olhando de volta para a entrada do pátio.

E foi ali, entre as duas portas que as quatro garotas pisaram na escola pela primeira vez. Falavam entre si e conversavam tão intimamente que pareciam sozinhas em seu próprio mundo. Taffara também percebeu que todo o pátio as encarava com fascínio as três ruivas e outra de cabelo castanho. Todas elas eram completamente, inquestionavelmente lindas e pareciam bastante cientes disso.

E então uma das ruivas que tinha uma gêmea idêntica a ela notou seu olhar e deu um sorriso elástico.

         - Oi, eu me chamo Débora.

— Você está pensando no Gabriel?

Débora Albuquerque desencostou a cabeça da janela do carro da família naquela manhã quando ouviu o comentário da irmã mais nova. Claudia Albuquerque tinha tudo para ser considerada sua cópia fiel. Os mesmos olhos escuros que não refletiam a luz, o mesmo rosto redondo na parte das bochechas e os mesmos lábios de Angelina Jolie que eram sua marca. O cabelo ruivo liso e comprido estava cheio de madeixas, como as dela. Era como se Déb estivesse olhando pela segunda vez no espelho.

— Não estou pensando em ninguém – ela retrucou para a mais nova e se voltou para a janela. – Não estou pensando em nada.

Claudia assoviou e com um som de cadeado desbloqueou a tela de seu celular.

— Não é o que diz seu perfil no Facebook. Meu passado me condena — ela citou o último post de Débora. – E o local marcado no mapa é na Vallywood High School. Coincidência?

— O que posso fazer? – Débora lançou um olhar longo para os assentos na frente do Uber. – É muita sorte a minha ter que me mudar pra escola do meu ex-namorado galinha.

Por mais que a indireta fosse uma direta mesmo, a mãe de Débora continuava folheando as páginas de uma revista enquanto o pai dirigia concentrado na estrada. Ela suspirou com desistência e olhou Claudia de esguelha. Sua irmã tão calma e tão confortável com a ideia de estar em uma cidade e escola nova que ela ficou chocado por não estar também. Mas era inevitável Claudia não se enturmar em qualquer lugar e fazer amigos mais rapidamente que ela. Débora também tinha sido assim, no passado, antes daquilo...

— Aprova?

— Oi – ela piscou para a mais nova. – O que?

— Perguntei se aprova – ela virou o celular para uma foto de um garoto com ótimo abdome e cabelo preto rente. – Troy Shames.

— Huuum, acho que sim.

— Acha? – Claudia bufou. – É, os dentes dele são meio separados, eu sei.

Débora a avaliou novamente.

— Você superou o Mussi?

Os olhos de sua irmã quase saltaram das órbitas quando ela baixou o celular no colo.

— Não tem nada para superar – ela retrucou. – Eu não sentia nada por ele.

Era mentira, mas Débora não discutiu já que elas estavam no carro. Então lentamente, ela entrelaçou suas mãos no banco do carro  e a encarou.

— Não precisa se fazer de forte, eu vou estar aqui. Ninguém mais vai te machucar.

O clima no carro esfriou quando a irmã encontrou seu olhar.

— Ah, olha a escola! – ela apontou com o dedo indicador.

Débora seguiu seu olhar para um conjunto de prédios de cor amarela abobada. Dezenas de janelas de vidro cobriam à frente igual a antiga escola dela, só que sem os vitrais católicos de anjos. Logo abaixo, na entrada, um bando de carros esportivos faziam o fluxo de alunos se espremer na escadaria para um corredor.

— Tchau meninas, boa aula – cantarolou a mãe, os olhos ainda na revista.

— Se divirtam garotas – ecoou o pai tamborilando os dedos no volante.

Trocando um olhar significativo, Débora abriu a porta do carro do seu lado e a segurou para Claudia sair. Depois de os pais acelerarem na rua, as duas mal pisaram na calçada quando foram engolidas por dois pares de abraços magricelas.

— São vocês! – ecoaram Yasmin Santos e Carolina Gouvêa gritando tão alto que quase estouraram os tímpanos de Déb.

— Eu não acredito que você estão mesmo aqui! – Yasmin batia palmas, o cabelo ruivo preso por um arco azul-claro. Seus lábios continuavam cheios como da última vez que Déb a tinha visto.

— As gêmeas Albuquerque de volta a ação! – brincou Carolina, seu cabelo castanho e seu sorriso malicioso que costumava atirar para elas não tinha mudado em nada.

— Pode parar – Claudia semicerrou os olhos. – Se continuar falando assim, as pessoas vão mesmo começar a acreditar em você!

— Mesmo que seja mentira, as pessoas vão pensar do mesmo jeito – concluiu a ruiva. – O jeito é aceitar o boato.

Débora suspirou.

— Por favor, não! Chega de boatos e fofocas. Foi por isso mesmo que deixamos Underwood.

Um olhar perturbado de Claudia fez com que ela se culpasse pelo que havia dito. Yasmin pigarreou e Carolina dardou seus olhos de uma para a outra.

— Está tudo bem entre vocês?

— Sim – Claudia respondeu rápida demais e enlaçou seu braço ao de Yasmin. – Você viu o novo teaser do Nick Jonas?

As duas se lançaram na escola e Débora flagrou a encarada intensa de Carolina, que não parecia muito incomodada. Na verdade estava mais para... Apreensiva. O estranho era que antigamente, numa situação dessas, Carolina seria a primeira rir e querer detalhes.

— Aconteceu algo – não era uma pergunta.

— Sim, aconteceu – ela assentiu.

 - Eu ouvi algo sobre um cara com nome de chocolate, certo?

— Só o som, não o modo como se escreve.

— E o que ele fez?

O que Thiago Mussi, o ex-namorado de Claudia e garoto mais festeiro da Underwood High, fez deveria ser um tabu desde o mês passado para as irmãs Albuquerque. Mas por mais que fosse um assunto meio vergonhoso, Débora não sentia medo de falar sobre isso. Na verdade uma parte dela achava que se ela não falasse sobre o que seu ex-cunhado tinha aprontado, estaria sendo uma covarde.

Então já no corredor, enquanto as quatro desfilavam lado a lado, ela conseguiu desabafar toda a história para Carolina com uma calma impressionante. O mais louco ainda era que ela não tinha realizado a si mesma que ela estava conseguindo não se incomodar com a escola nova. De fato, ela se sentia como se cada armário, cada pessoa que as encaravam já pertenciam a ela. Ela queria muito encontrar Gabriel agora e ver sua cara quando ele percebesse que ela estava se saindo tão bem.

E foi então ali, no fim de um corredor central cheio de fileiras de armários que dava para um pátio arredondado que ela a notou. Tinha um cabelo castanho cacheado e usava um conjunto de roupas de verão mais lindo que Débora já vira com saltos Miu-Miu da última coleção. Ela não sabia seu nome, mas parecia ser importante só pelo modo como se colocava entre as garotas atrás de si.

Carolina desabafava no pé de seu ouvido algum assunto sobre sete pessoas que formavam um culto naquela manhã quando ela parou na frente da garota, em uma distancia de dez passos, se sentiu seus lábios se curvarem.

— Oi – ela se pegou sorrindo para a garota que não conhecia antes que pudesse se conter. – Eu me chamo Débora.

A garota retorceu o nariz fino e magro de imediato como se tivesse levado um choque da realidade e, sem avisar, lhe deu um encontrão para passar por ela. Nenhuma das garotas que estavam com ela pareciam preparadas para aquilo, ela pôde perceber dada as suas expressões. Seguindo a notória garota folgada, cada uma das outras seis garotas fizeram o mesmo, empurrando a bolsa de Claudia e pisando no tênis de Carolina. Yasmin se revoltou com uma que puxou seu cabelo e quase revidou o gesto, quando Débora a pegou pelo ombro.

— Quem é essa? – perguntou a ninguém em particular, estupefata demais ao olhar as costas do exército de Barbies andando com o queixo erguido para o corredor central.

— Essa é Taffara – respondeu Carolina com um tom azedo. – A Rainha da Escola. 

Quando a sineta que anunciava a primeira aula do dia tocou, Rafa e o corpo estudantil deslocaram seus corpos do primeiro até o segundo prédio da instituição. Pessoas abafavam o ar com suas vozes enquanto ele verificava seu horário daquela quarta-feira em um silêncio confortável. Depois de meses sem um melhor amigo para acompanha-lo nos corredores, ele finalmente tinha se adaptado ao fato de ficar sozinho. Não era ruim, não perturbava e não o fazia perder seu sono à noite. Rafa não era dependente de ninguém ali, exceto pelo fato de que tinha salvado a vida de todos.

As criaturas que destruiu podiam ter matado o tio, a prima ou o irmão mais novo querido de fulana ou ciclano. E ele se sentia aliviado por ter sido um dos que tinham impedido isso. Era um orgulho ser um Caçador.

Mas sua vida não era mais normal ou pacata. Ele não podia se dar ao luxo de ter um “crush” ou ficar com raiva dos pais por cancelarem sua conta no NETFLIX. Seus problemas eram mais graves agora e poderiam causar sérios danos a todos ao seu redor.

A revelação de Anna sobre o que Rafa era conseguia ser mais perturbadora do que o fato de ainda ter alguém como Neemias ou ele lá fora por ai. Outro jovem sendo possuído por uma entidade sem saber, outra vida inocente que seria destruída sem chances de se defender.

Seus dentes bateram quando ele passou pelo arco da sala de Biologia com a professora Maggie, uma mulher claramente viciada em fanfics de 50 Tons de Cinza e fã de carteirinha de Sinatra ou debates quentes numa sexta-feira à noite. E que ainda não estava na sala, pelo visto.

Seguindo o fluxo lerdo de alunos, Rafa foi notando uma coisa engraçada ao avaliar sua classe. Ele conhecia todos que estavam ali, alguns ainda mais do que os outros. Taffara e uma garota ruiva se estranhavam mantendo uma distância mais que precisa de suas carteiras, e de seus cabelos perfeitos. Duas fileiras atrás, Vick Mello o olhara uma vez antes de se voltar para sua agenda e fingir bastante interesse nela. Alguém ainda guardar rancor por aqui, pelo visto. Na fileira mais distante da porta, ele trocou um sorriso doce com Rita e um olhar de admiração discreto para um dos Betas novos de Erick, que devia se chamar Adailton. Vicente, o novo namorado de Rael, fazia aviõezinhos de papel e conversava baixinho com um cara de óculos loiro que não era Rael – ele se perguntou o que o ex-namorado acharia disso se estivesse ali, mas não estava, o que era estranho.

E sentado ao lado de uma Érika Alapulof que não tinha tempo para notar ele porque estava focada demais em um dever de casa importante, estava seu mais recente ex-namorado, Roberto Borges. Quando os olhos verdes que ele costumava encarar bem de perto o notaram, os dois se fitaram por um tempo indecifrável antes de Rafa sorrir e esperar o outro sorrir de volta. E Roberto o fez, só que não na mesma intensidade.

De repente, Rafa escutou alguém pigarrear atrás dele.

— Ora senão é o Sr. Rafael Não Me Atraso Mais Para A Aula Capoci – disse a professora Maggie com uma voz alta o suficiente para todos na sala escutarem. – Quer dar aula no meu lugar?

Todos riram e por mais que Rafa devesse corar, percebeu que estava na frente da sala ainda. E isso o fez rir um pouco.

— Cuidado, eu posso ensinar muita biologia a todos aqui – ele abriu um botão de sua camisa azul e branca de xadrez. – Eu só preciso fazer...

— Ok, ok – Maggie riu e o empurrou devagar pelas costas enquanto seus colegas riam mais ainda. – Já pode ir se sentar no seu lugar professor pervertido!

Rafa foi rindo para a fileira do meio de carteiras e só depois de encontrar uma cadeira, notou alguém familiar sentado atrás dele. Fernando sorria de boca aberta, o sorriso esbranquiçado grande aparecendo. Ele se permitiu olhar por mais tempo que o devido só para ver o que aconteceria.

— Sr. Capoci – chamou uma voz e ele revirou os olhos pensando que era Maggie de novo, até se dar conta de que a voz era masculina.

Quando olhou para frente o Monitor da escola, Miguel Àvila segurava uma prancheta nos braços e lançava a ele um olhar entediado e vazio por trás dos óculos de grau. E ao lado dele uma garota que ele nunca tinha visto antes com um cabelo castanho grande e liso olhava diretamente para ele, de um jeito inexpressivo que fez o estomago de Rafa se estremecer.

Quem era ela?

— Nós precisamos conversar – prosseguiu o monitor exigindo sua atenção. – Será que pode me acompanhar até o corredor?

A sala explodiu em algumas risadas e em alguns “uuuh” insinuando que ele estava encrencado. Mas Rafa se levantou apenas confuso e seguiu os dois para fora da sala. Na privacidade do corredor vazio, Miguel se virou para a garota.

— Esta é Raphaela Lima – ele apresentou de modo seco. – Ela é aluna nova aqui em Vallywood High.

Rafa estava prestes a soltar um “E?” quando a garota assentiu e deu um sorriso convidativo.

— Prazer – ela ergueu a mão e Rafa a cumprimentou de volta, notando o quanto ela era bonita com feições que lembravam a uma Cleópatra jovem. Bonita e educada. Se Rafa não fosse gay ele já teria a chamando de top e sua ereção dentro da calça estaria visível.

— Prazer, Rafael – ele sorriu e olhou Àvila. – O que significa isso? – ele odiava quando não chegavam ao ponto de alguma coisa em algum determinado assunto.

— Raphaela precisa de alguém para mostrar a escola – retrucou o monitor. – E eu estava pensando se você se incomodaria.

— Por que eu? – ele questionou e olhou Raphaela. – Sem ofensas, eu não gosto muito dele, então não leva para o pessoal.

— Sem problemas.

— Por que não você? – rebateu Miguel e se voltou para a prancheta em suas mãos. – Percebi que estava querendo ser o engraçadinho em sua classe, então achei que não se importaria de fazer outra pessoa rir.

Rafa revirou os olhos com o fato de Àvila estar sendo um canalha, mas para sua surpresa, Raphela riu. Ele pensou em suas alternativas enquanto escutava aquela risada. Uma primeira aula comum e chata como todos os dias versus ser simpático com uma caloura bonita e gentil em um tour agradável pela sua escola.

Tour pela escola que ele já conhecia.

— Tudo bem – ele sorriu para Raphaela. – Vai ser um prazer.

A garota sorriu de volta enquanto Miguel assentia e se afastava sua prancheta.

— Ok, façam um conhecimento de tudo pelas duas primeiras aulas e depois voltem para suas respectivas salas – ele se virou para olhar Raphaela. – Não quero gracinhas, nada de sair dos limites da escola.

Dessa vez ambos reviraram os olhos e seguiram a direção contrária do Monitor. Depois de passarem pelas primeiras salas, Rafa olhou de esguelha para Raphaela, já sentindo um incomodo pelo silencio constrangedor. Mas por alguma razão, e por aquela garota, ele quis mudar isso.

— Então – ele começou. – Seu nome é Raphaela, certo?

— Sim – a garota assentiu.

— Rafael e Raphaela – ele refletiu em voz alta. – Daria um belo nome de banda sertaneja.

Raphaela riu, mas continuou calada por muito mais tempo. Ok, talvez ele tivesse exagerado um pouco na piada.

— Então, de onde veio?

— Colorado – respondeu ela um pouco rápida demais.

— Uau, Colorado? – Rafa assoviou. – Lá é mesmo frio no verão?

Um olhar confuso atravessou a expressão no rosto lindo da garota.

— Nunca ouvi algo assim.

Sem graça, Rafa focou os olhos à frente, decidido a parar de tentar ser “legal” e dali pra frente ser ele mesmo.

— Então, aqui é o prédio dois onde temos as aulas avançadas. Biologia, Filosofia e Sociologia. Aqui têm o melhor acesso para a diretoria e se você olhar para as janelas da ala leste, vai poder ver um moinho onde os heterossexuais costumam...

— Rafa.

 - O que? – ele parou e olhou ao lado, levando uma surpresa.

Raphaela tinha parado de segui-lo a uns dez passos atrás.

— Qual o problema?

— Eu sei sobre a escola – Raphaela matinha os olhos escuros na direção do chão de linóleo.

— Você quis dizer sobre o moinho? É uma história meio idiota, eu sei, não devia ter contado.

— Não, Rafa – ela levantou a cabeça. – Eu sei de tudo.

Confuso, ele foi um pouco para trás. Por que Raphaela estava parada daquele jeito? E por que quando ela dizia “Rafa” soava como se ela soubesse quem ele era? Como se já o conhecesse?

A menos que...

— O que quer dizer? – ele perguntou nervoso. – Miguel disse que você precisava de ajuda para conhecer a escola.

— Eu sei – os ombros dela relaxaram ela descruzou os braços magricelas. – Miguel fala muitas coisas.

Um alerta imediato começou a soar na cabeça de Rafa e ele não entendeu porque sua palpitação crescia erraticamente. Por quê? Raphaela era só a aluna nova que tinha acabado de chegar, não era?

— Será mesmo? – disse a mesma repentinamente e só milésimos de segundos depois ele notou: ela estava respondendo ao seu pensamento.

Com um sorriso mortal de quem tinha escutado aquilo também, os olhos de Raphela mudaram do preto para o um Âmbar Dourado. E este brilhava iridescente.

Ah, não, ele pensou enquanto dava passos automáticos para trás. Ele não podia acreditar que aquilo estava acontecendo de verdade.

— Você é o Terceiro Espirito.

Raphaela riu jogando a cabeça para trás, o cabelo liso se movendo e balançando junto dela.

— Terceiro o que? De que merda está falando?

Com medo de que aquilo fosse um blefe, ele continuou se afastando e olhou sua situação. Se Raphaela fosse o que ele tinha certeza que ela era, ele não poderia correr simplesmente até as portas da frente. Seria burrice e ela acabaria com ele rapidamente, o que seria pior do que ficar parado.

— Pensando em fugir? – o tom de Raphaela era venenoso. – Não esperava isso do famoso Rafael Capoci.

Ele pensou em Neemias, revivendo rapidamente a cena de sua revelação na casa dos avós de Roberto e olhou a garota na sua frente. Ela provavelmente tinha os mesmos dons que ele.

— Não engane a si mesmo, eu não sou tão tola de perder para você como ele fez. E eu não erro.

Cansado de sentir-se nu com seus pensamentos, ele agitou as mãos e todos os armários se abriram, assustando Raphela que se abaixou instintivamente. Ele sorriu e atirou o pensamento de joga-la longe e não demorou muito para a garota na sua frente voar vários metros antes de atingir o chão de linóleo, sua mochila caindo ao lado de seu corpo trépido.

Rafa correu em direção as portas na saída e apalpou os bolsos de sua calça jeans. Onde estava aquele maldito sino agora?

Mas então seus pés foram puxados por algo e seu corpo se inclinou de tal forma que ele se viu encarando o chão de frente. Demorou um pouco para ele perceber que estava suspenso no ar, de cabeça para baixo. E a pior parte, ele viu, foi quando Raphaela começou a correr em sua direção, os olhos brilhando em borrões dourados.

Ele gritou e agitou as mãos em completo desespero. Sentiu o corpo começar a cair e fez o que pode para cair em pé, um pouco trôpego. Tonto, notou que Raphaela ainda vinha, então pensou fortemente em algo sólido e sentiu as entranhas de sua barreira se esticarem para fora de sua mente.

Com um impacto, Raphaela foi ao chão com um baque. Rafa comemorou com um soco no ar e, como se estivesse com um mouse em suas mãos, arrastou o corpo dela até ele.

— Eu não sei como descobriu onde vivo – Rafa disse focado em não abaixar a mão. – Mas já que se deu ao trabalho de vir me seguir, preciso que responda algumas perguntas.

Raphela xingou e se sentou, chocada ao ver que deslizava mesmo enquanto se movia no chão.

 - Você não vai a lugar nenhum até meus amigos chegarem.

— Amigos?

— Meu bando – ele riu. – Achou que ia chegar aqui e simplesmente me matar? Você não me conhece, não mesmo.

Raphaela retorceu o nariz, mas para a surpresa dele, um canto de seu lábio se moveu.

— E quando foi que eu disse que quero te matar?

Algo no tom dela fez Rafa não achar que era um blefe.

— O bando de Alfas cheios de aberrações – Raphaela semicerrou os olhos. – Eu sinto o cheiro de vocês em toda essa bosta de cidade. E você é a pior delas.

Sentindo o rosto esquentar, ele não soube o que fazer quando Raphaela de repente se mexeu e começou a se contorcer de forma assustadora ao tocar a barreira dele e escalar sobre ela.

— Habilidade interessante – riu com os olhos marejados. – Mas não inédita.

Sem acreditar, ele apenas encarou quando ela socou sua barreira. De inicio Rafa achou que nada aconteceria, até sentir um impulso em seu corpo que o fez se curvar.

— Isso que você faz, nem mesmo seu é.

Raphaela começou a andar até ele sem pressa, como uma predadora. Como ela havia quebrado a barreira? Rafa até tentou traze-la de volta, mas não a sentiu mais. Era como se ela tivesse morrido.

Ele lançou pensamentos mirando o ombro da garota até as pernas, mas nada adiantou. Raphaela continuava em pé. Em pânico, Rafa se virou e começou a correr.

— Socorro! – ele gritou em plenos pulmões.

Um vulto apareceu em seu caminho, perto o suficiente para toca-lo. Como ela tinha chegado ali tão rapidamente?

Raphaela não respondeu ao seu pensamento e o puxou pela frente da camisa. Como uma boneca de pano, ele foi arremessado contra os armários, suas costas reclamando de dor.

Tentou se erguer, mas foi pego de novo e lançado contra o outro. E só ali, enquanto era espancado pela aluna nova que ele se tocou onde tinha guardado o sino.

Em sua mochila... Que estava na sala.

O pensamento foi tão forte que ele conseguiu desviar do soco de Raphaela, que atingiu a porta de um dos armários. Ele aproveitou isso para chuta-la na barriga. Ela reclamou e ele olhou o corredor extenso, arrependido pelo tour. Precisava chegar até uma das salas.

— Não vai funcionar – disse Raphaela atrás dele. – Mesmo que apareça na porta, eles não vão te ver ou ouvir – seus olhos dardejaram com perversidade. – Nós vamos nos divertir bastante, baby.

— Nem fodendo! – ele se jogou sobre ela e antes que soubesse o que estava fazendo, suas mãos grudaram no pescoço dela. Observou os olhos arregalados Dourados e pode se lembrar de ter visto aquela mesma cor em seu rival morto. Neemias.

Ele a pegou pelos braços e a jogou contra o chão. Quando Raphaela tentou se levantar, ele retorceu a própria mão e, na sorte, assistiu enquanto o pescoço dela virava de forma grotesca com um estalo.

Silencio preencheu o corredor e Rafa arfou. Ela não acordaria tão cedo depois daquele golpe.

Mas então, quando ele já ia se virar para fugir, algo o puxou com mais força do que ela pudesse acreditar e sentiu algo afiado entrar em seu pescoço sem pedir permissão.

Rafa sentiu um familiar cheiro que conhecia e o toque de mãos masculinas o compelindo a ficar parado no lugar. O único problema era que já era tarde demais para ele tentar lutar para ver seu agressor.

Porque ele estava desmaiando.

***

Quando os olhos de Rafa se abriram novamente, estava escuro, muito escuro. E a única luz ao seu redor vinha de duas listras que estavam a sua frente. O ar parecia meio rarefeito e tudo o que ele podia ouvir eram vozes falando ao mesmo tempo e batidas - muitas delas - que faziam impacto onde ele se encontrava. O curto espaço para os seus braços fez ele perceber que estava dentro de um armário, só que não o seu próprio, uma vez que o tamanho permitia que suas pernas ficassem no chão, apertadas. Tudo estava apertado. Com pavor ele começou a se remexer para empurrar a porta. Ela não abriu, obviamente, então ele pensou e ela escancarou fazendo um barulho audível.

 Confusão passou por sua mente quando ele reconheceu onde estava. O que diabos ele estava fazendo no armário dentro da sala de Felipe Felps, seu professor de Ed. Física? Ele reconheceu um sofázinho no canto e a mesa onde podia visualizar Andressa sentada nela. O que tinha acontecido para ele ir parar ali mesmo?

A memória veio tão forte que ele quase engasgou. Foi correndo para a porta e a abriu, dando de cara com o corredor abarrotado de alunos pegando suas coisas ou guardando antes de ir. Isso explica as vozes e as batidas. Mas onde estava Raphaela? Seus olhos continuaram procurando uma garota de cabelos castanhos, mas quando achou um liso e grande e decidiu ver se ela era, a pessoa se virou e ele viu o rosto de um garoto.

— Rafa? Onde você se meteu?

Ele se virou para trás e pode ver uma rodinha de pessoas o encarando.

Fernando, Eduardo, Érika, Rita, Marco o olhavam com expressões de preocupação e confusão. E logo ao lado Erick e seus dois betas também estavam ali, igualmente surpresos.

— Nós te procuramos por toda a escola! - Fernando deu dois passos para frente. - O que aconteceu com você?

Ele engoliu em seco. Raphaela não estava blefando, ninguém tinha escutado nada mesmo.

— O Terceiro Espirito - ele olhou cada um deles. - Ele estava aqui e me atacou.

— Ele estava aqui? - guinchou Eduardo. - O que quer dizer com estava? Ele é aluno? –

Sim, quer dizer, não - ele se atrapalhou. - O espirito é uma garota, uma aluna nova que chegou hoje.
           - Aquela que o monitor trouxe até a sala? - Rita arregalou os olhos.

Ele assentiu.

— Isso não é possivel!

 - É sim! Ela me atacou e tentou me matar. Eu tentei pedir ajuda, mas ela usou uma espécie de bloqueio...

— Por que não usou o sino? - questionou Eduardo trocando um olhar com Fernando.

— Eu o deixei na minha bolsa - ele respondeu lentamente, não entendendo bem a importância daquilo. - Mas esse não é o ponto, ela estava aqui e me atacou. Ela tem que estar aqui. Estava aqui agora.

— Agora? - Fernando piscou perplexo. - Rafa você sumiu desde o primeiro período.

Ele franziu a testa para o loiro.

— E em que período estamos?

 - Em nenhum - Érika respondeu. - Já acabaram todas as aulas do dia.

Ele ficou trancado o dia todo em um armário? Por cinco horas? De jeito nenhum.

— O que é isso? - Rita se aproximou dele e tocou seu pescoço. - Você foi mordido?

Rafa se lembrou de mãos que pareciam masculinas o puxando e injetando algo diretamente na base do pescoço dele.

— Tinha alguém com ela. Eu não consegui ver quem era, mas conseguiu me derrubar com alguma agulha.

— Uma agulha não faria isso - Marco olhou preocupado e sua irmão o cutucou. - Que foi? Esta um buraco ali, é evidente!

Com medo de tocar, Rafa estremeceu. Quem teria um poder daqueles de derruba-lo tão rapido daquele jeito? Os únicos seres rápidos que ele conheciam eram os Vampiros e os Lobisomens, e nenhum deles se encaixavam no papel de seu agressor.

— Nós temos que pegar aquela garota, Raphaela - ele respirou fundo. - Ela sabe tudo sobre nós e soube onde me encontrar. Acho que ela quer me matar.

— Tem certeza? - Eduardo questionou.

 - Como assim? - porque o moreno não parecia acreditar em nada do que ele dizia?

 - Ela tinha você nas mãos, porque não te levou?

 Ele pensou bem. Eduardo estava certo. Neemias também não tinha levado ele quando se revelou para Rafa. O que os dois queriam com isso de aparecer e desaparecer?

— Essa não é a questão - ele estava cansando de dizer aquilo. - Nós precisamos pega-la e descobrir o que ela quer, antes que ela apareça novamente.

— Tudo bem e como vamos fazer isso? - Eduardo olhou o pulso sem ter um relógio, na verdade. - Faz horas que ela já foi, deve estar bem longe.

 - Não, ela tem que estar aqui. Ela disse que iria se divertir comigo, não vai me deixar livre assim.

— Você tem algo com o cheiro dela? - perguntou Erick cruzando os braços. – Podemos tentar rastreá-la ou algo assim.

Rafa pensou em alguma coisa, qualquer coisa e sentiu algo bater em seu pé. Parecia ter sido chutado pelos outros alunos já que estava no chão. A mochila verde tinha caído enquanto eles brigavam, só podia ser aquela.

— Sim, eu tenho o cheiro daquela vadia.

No estacionamento em frente à escola, Vick tinha acabado de fechar o cinto de segurança quando notou três flashes ruivos passarem pela sua frente.

— Quem são essas? - ela perguntou a Camila Alves ao seu lado no banco do motorista.

Camila semicerrou os olhos pelo vidro.

— A ruiva e a de cabelo castanho com elas são Yasmin Santos e Carolina Gouvêa. Acho uma é do primeiro ano e a outra do ultimo. Mas eu só acho mesmo.

— Tá, mas e essas duas ruivas idênticas? - ela apontou para as que entravam no carro. - Não me lembro delas aqui antes.

Camila deu de ombros.

— Vai ver são novas - comentou olhando para Vick. - Por que o interesse?

Ela apenas balançou a cabeça, mas por alguma razão não conseguiu desviar. Parecia que algo em sua mente não parava de apitar com a visão das quatro paradas ali. Quem eram elas? Um carro escuro parou logo atrás do delas, emparelhando com outro azul marinho. Na frente do Voyage das meninas, um Sedan branco familiar para Vick estacionava e ela entendeu seu pavor ao reconhecer o adesivo SER PACATO É TÃO PACATO que ela sempre quisera arrancar com suas unhas. Aquele era o carro de Taffara. Com horror ela viu a mesma sair do Sedan, com suas cópias fiéis a seguindo, a traidora de Camila Poli também estava ali.

Quando Vick percebeu que ela estaca fechando elas, entendeu do que aquilo se tratava. Conhecia bem aquela cena ao ver Taff retorcer o nariz com inveja. Ela ia atacar.

Antes que percebesse o que estava fazendo tocou a maçaneta da porta.

— Ei, onde pensa que vai? - reclamou Camila.

 - Não vou deixar aquela vadia fazer mais vitimas - ela apontou com o queixo. - Chega disso.

E antes que a outra pudesse decidir, ela abriu a porta do carro e desceu do Toyota Prius duramente, sem se incomodar em fechar a porta. Podia sentir os olhos da melhor amiga a fuzilando, mas não ligou.

Taffara agora sorria para uma das ruivas idênticas de um jeito meio predatório. "Deve ser meio duro chegar agora" ela tentou ler os lábios da cascavel. "Não muito" ela conseguiu ouvir a ruiva dizer com um dar de ombros. As amigas de Taffara começaram a rondar como urubus quando ela já estava chegando bem perto.

E foi Camila Poli que entrou em seu caminho.

— Volte para o carro, Vick - ela pediu.

— Se não sair do meu caminho eu te soco no seu nariz - ela avisou e não precisou pedir mais duas vezes.

 Taffara moveu a boca de modo retorcido quando a notou vindo ali e retirou um par de óculos escuros de dentro da bolsa.

— O que pensa que esta fazendo? - ela ficou entre as duas garotas.

 - Vendo você pagar micão - Taff murmurou. - Nada, só apresentando nossas novas amigas a nossa nova instituição. Algo errado?

 - Tudo errado - ela gesticulou com as mãos. - Essas meninas não precisam de você, já conhecem duas garotas aqui.

— Ah, que grosseria a minha - Taffara estalou os dedos e uma de suas fãs de cabelo escuro foi correndo para o Sedan. Segundos depois voltou correndo com duas pastas cor de cobre nas mãos.

 - Vamos ver - disse Taffara folheando as paginas. - Claudia Albuquerque de Underwood High e Débora Albuquerque também de Uberwood High?

As duas garotas que podiam ser gêmeas pareciam estupefatas com o fato de Taffara saber disso ou ter as pastas em suas mãos.

— Não deixem essa louca intimidar vocês - ela disse olhando cada uma. - Ela se sente ameaçada, por isso esta fazendo isso.

— Tem certeza de que estamos falando de mim? - riu Taffara olhando as garotas. - Sabe Vick esta com saudades de ser meu brinquedinho, por isso esta fazendo birra.

— Eu estou falando sério - Vick pegou Taff pelo pulso e a olhou nos olhos. - Ou você deixa essas duas meninas em paz, ou eu...

— Vai fazer o que? - ela se soltou do aperto. - Me bater? Olha que ainda posso te processar por tentar me acusar pela morte do seu ex.

 As mãos de Vick tremeram e por um segundo ela teve que focar no sol poente da tarde que chegava para não desmaiar. E então um som de carro dando partida a acordou e ela piscou.

— Deixe essas meninas em paz, elas só estão querendo uma vida normal - ela estava ciente da troca de olhares das meninas, mas não se atreveu a olhar. - Você tem que deixar elas em paz.

 - Huum - Taffara fingiu pensar a respeito. - Não, não tenho.

— Eu não vou te deixar fazer isso!

 - Tente - ela começou a recuar para o carro. - E eu logo te afundo com elas.

E com um tchauzinho falso ela entrou no carro com suas serviçais e bateu em retirada. As quatro meninas que sobraram começaram a olhar umas para as outra, confusas e Vick olhou para trás, esperando ver sua amiga Camila Alves.

Mas então o carro e ela já tinham sumido também.

— Obrigado por ter vindo – Rael declarou enquanto espalhava um monte de pétalas em cima de sua cama para combinar com o jogo vermelho e rosa sexy que ele havia comprado. – Eu não conseguiria sem você.

— Não tem de quê – respondeu Ester Klaroline, sua terapeuta, ajudando ele a esparramar penas por toda a colcha. Ela vestia uma camisa preta da Star Wars cheia de potinhos que lembravam estrelas e calça jeans skinny. – É um prazer poder ajudar.

Era para ela que Rael tinha ligado assim que Vicente o tinha deixado sozinho para sua “entrevista de emprego”, que era uma mentira deslavada. Ele pensou na expressão suspeita do namorado e se perguntou se ele já não tinha se tocado do que ele estava armando. Mas será que ele não sabia mesmo?

— É o primeiro aniversário dele desde que namoramos – comemorou afavelmente. – Eu quero dar tudo pra que esse dia seja especial para ele.

— E já tem ideia do que ele quer? – Ester ajustou os óculos na frente do rosto olhando ao redor do quarto. – Quer dizer, é obvio que você quer dar algo para ele aqui nesse ninho de amor, mas...

— Besta! – ele atirou uma almofada em forma de coração na direção dela e Ester desviou. – Sim, eu tenho um presente pra ele.

Ele foi andando até sua cômoda e abriu a ultima gaveta, sentindo a terapeuta pairar logo atrás dele. Rael cavou entre suas várias calças jeans perfeitamente dobradas e retirou uma caixa retangular com um laço dourado em cima. Ele abriu a tampa e revelou o conteúdo dentro.

— Um Xbox One. Uhuul – ela comemorou e então se aproximou. – Espera é customizado com o novo jogo da Lara Croft ou eu estou sonhando?

— Não é sonho não – Rael acenou com um dos controles vermelhos e cheios de detalhes do jogo. – Eu corri atrás desse jogo feito um louco.

— Por quê? Comprou em cima da hora?

— Comprei no mês passado! – ele guinchou e os dois riram.

Ester tocou o vídeo game nas mãos e o afagou carinhosamente.

— Você é o melhor namorado de todos os tempos, Rael Coelhinho.

Ele revirou os olhos, mas por dentro se sentiu quente pelo elogio da amiga. Ele e Ester tinham ficado próximos desde que ele tinha se decidido realmente contar tudo a ela. Como parte do seu drama com Gabriel havia afetado um pouco sua vida, ele tinha decidido não deixar mais nada amedrontá-lo. Quando ele contou também sobre Henrique, foi como tirar um peso das costas e Ester tinha tido a reação que ele esperava, defendendo totalmente o seu lado. E quando soube que ele tinha escolhido Vicente, ela tinha arregalado os olhos e dito “O gato e sarcástico Vicente?” dissera começando a sorrir “Eu sou oficialmente sua melhor amiga depois dessa sábia escolha”.

E tinha sido mesmo uma sábia escolha. Ele agora era mais feliz do que nunca na presença da constante Luna Brandford, o álter ego de sua terapeuta. Ester agora afastara uma mecha de seu cabelo preto e liso para olhar ao redor.

— Sabe, agora que eu vejo que até o meu triste paciente arrumou um final feliz, eu tenho quase vontade de começar a namorar também.

— Não brinca! – Rael explodiu em uma risada. – Será que vamos ver um Sr. Brandford logo em breve?

Luna semicerrou os olhos.

— Não me provoque. Eu posso acabar com sua surpresa para o gostoso do Vicente rapidinho.

— Ei! Não chame meu namorado assim!

— Mas ele é! – ela retrucou e os dois começaram a brincar de se estapear na bunda até que caíssem em cima da cama cheia de pétalas e cheiro de morango.

— Ai, ai – Ester suspirou. – Eu não consigo me lembrar da última vez que estive tão feliz por saber que um casal gay vai tentar copular.

Rael riu e ignorou o comentário banal.

— Eu sim.

Ela o questionou com uma encarada.

— Natal do ano retrasado – ele explicou. – Eu fiz quase o mesmo tipo de surpresa para o Rafa. Só que o tema era outro.

— Não brinca! O que você fez?

— Triturei um monte isopor e arrumei um jeito de fazê-lo cair por todo o quarto – ele disse olhando o mesmo teto em que lhe dera aquele trabalho todo. – Quase como se fosse neve de verdade.

Ester assentiu em silêncio.

— Correção: você é e foi um bom namorado – refletiu ela depois de um tempo. – Deviam te vender na loja.

Ele riu, mas seus olhos focaram no teto novamente.

— A diferença é que naquela época eu estava desesperado.

— E não está agora? – questionou Luna com o tom de terapeuta. Quase beirando sua personalidade Ester.

— Pra ser feliz? – ele bufou. – Não! Felicidade não é algo que se possa perseguir. Ela esta sempre com você.

— Essa foi uma boa frase de efeito, mas – ela se sentou na cama e suspirou. – Mas eu tenho que ir.

— Tudo bem, tudo bem – Rael também se sentou. – Seus outros pacientes devem estar te xingando por eu ter te tirado de plantão.

— Estariam – ela assentiu. – Se eu tivesse outros.

Os dois foram rindo todo o caminho enquanto passavam por cima da trilha de roupas intimas de Rael que ele tinha espalhado pela casa. Ester tinha cutucado com o pé uma cueca do Bart Simpsons e rido sem parar desde então.

— Eu queria poder ficar para ver a cara de surpresa do Vince – murchou ela já na porta do apartamento.

— Eu sinto muito.

— Não tudo bem, vocês vão transar e eu sei, acho melhor eu não ficar mesmo pra ver isso... Por mais que eu queira.

— Que horror! – Rael a empurrou.

— ESTOU FALANDO SÉRIO – ela gritou rindo e olhando para os vizinhos dele. – EU IA AMAR VER ESSE SEXO GAY ACONTECENDO!

— Escrota – ele riu e eles se despediram com um abraço apertado. – Obrigado por vir.

— De nada – ela saiu dançando para o elevador e Rael fechou a porta atrás de si, contemplando sua casa. Na privacidade de seu quarto ele pegou o celular e começou a discar o número de Vicente. No primeiro e no segundo toque ninguém atendeu. E então no terceiro e no quarto nada ainda. Ele ficou esperando até cair na caixa postal só para desligar e tentar de novo.

Na terceira vez em que tentou ligar o celular estava desligado. Confuso Rael verificou o horário na tela. Já tinha passado a hora das aulas do dia terem acabado. O que Vicente estava fazendo?

Ele pensou em esperar, mas uma sensação nervosa fez com que cinco minutos de espera virassem só dois. E ele estava ligando novamente e ouvindo a mesma caixa postal pedindo para deixar um recado.

Ele desligou completamente pertubado. O que estava acontecendo? Onde estava Vicente em pleno o dia do seu aniversário?

Roberto não sabia o que o tinha levado a ficar nos corredores da escola, mas sabia que não era algo comum. Havia uma sineta baixinha que não parava de tocar em sua mente e fazia tudo ao seu redor parecer estranhamente... Vivo. Pássaros cantavam do lado de fora, quase como se implorando para que ele corresse dali, mas ele não foi capaz. Algo grudava em seus pés, algo no ar, que não o deixava andar menos do que dois passos pelo chão de linóleo.

Olhou um dos armários e no começou não achou nada demais. Era da mesma cor que os outros e tinha o mesmo cadeado para fazer a senha para abri-lo. Mas então dentre os três que fixava o olhar, um se destacou. Antes que soubesse o que estava fazendo ele tocou o metal amassado do armário com a ponta dos dedos.

E ouviu silvos que lembravam vozes imediatamente.

Roberto se afastou se perguntando o que diabos tinha acabado de acontecer. Com o canto do olho não conseguiu ver nada e nem ninguém a vista, mas sabia que não estava totalmente sozinho. Havia alguma coissa correndo e pulsando em algum lugar naquele perimetro, ele sentia isso.

Como se ele tivesse previsto uma sombra apareceu na saída e fez uma sombra se alargar pelo chão. Ele quase levou um susto ao reconhecer o cabelo cheio de cachos pintados de laranja e o aparelho no meio dos dentes.

— Oi, Roberto – Rael estava arfando. – Você viu meu namorado por ai?

Rogério tinha uma extensa regra que não era capaz de quebrar nem mesmo se quisesse. Depois da escola ele precisava estudar com seus amigos nerds. Não que ele os chamasse assim, mas é que de tanto ouvir Marco falar não conseguia evitar fazer o mesmo. Então quando chegou à calçada em frente ao Dropcoff, a cafeteria mais frequentada do bairro, procurou pela presença do amigo só olhando pela vitrine.

Ele precisava sim estudar, de fato, mas por mais que quisesse não conseguia ser egoista. Marco tinha simplesmente sumido durante a última troca de aulas e não encontrado ele no ponto de onibus como o prometido. Parte dele tinha se perguntado se ele havia ido embora com a gostosa da irmã dele, Rita, mas se lembrou de que a irmã tinha pegado carona com sua amiga de aparencia asiatica, Brenda.

         Perdido e confuso se deveria ou não investigar dentro da cafeteria, ele checou o celular. O visto por último de seu irmão era quase o mesmo que o de Marco, com uma diferença de dois minutos. Coincidencia? Uma voz bruxuleou em sua mente e ele tentou afastar sua mente da imagem de seu irmão e seu melhor amigo tendo qualquer tipo de contato fisico. Mas não era impossivel, né? Seu irmão estava solteiro desde Março e não era do tipo que ficava sozinho. Até quanto tempo para ele começar a trazer outros caras pelados no meio da noite para a casa?

         - Você se importa de me apresentar esse lugar?

         Roger ergueu os olhos e viu uma figura ruiva totalmente bem vestida na calçada sorrindo para ele com simpatia. Com um choque ele sentiu que a reconhecia de algum lugar. E não, não era uma cantada.

         - Você é nova aqui – ele apontou com o dedo na direção dela. – A que deixou Taffara puta quando chegou?

         - Pois é! – a garota riu. – Não sei exatamente o que fizemos de tão ruim assim.

         - Existir – ele suspirou e arregalou os olhos. – Sem ofensas.

         - Não ofendeu. Claudia – ela se apresentou tocando a base do próprio pescoço. Isso surpreendeu Roger. As maiorias das pessoas cumprimentavam quando queriam se apresentar. – Como você se chama?

         - Rogério – ele respondeu olhando o Dropcoff. Foda-se se Marco estivesse ali ou não, ele estaria conversando com uma garota gata que tinha acabado de conhecer. – Rogério Capoci.

         Hendrick e seus dois amigos Adailton e Erick se inclinaram atrás um arbustro no começo daquela tarde de quarta-feira. Ao lado deles Rafael Capoci, Érika Alapulof, que também era uma Lobisomem, Rita de Cássia, um garoto de cabelo castanho mais novo e os dois caçadores também olhavam para o outro lado da rua. Uma casa de estilo vitoriano e cor castanha se erguia na frente deles, com cercas brancas ao redor dela.  O cheiro que vinha da mochila largada pelo que eles chamavam de “Terceiro Espirito” tinha levado eles até ali, onde o nariz de Hendrick mais franzia. Quem quer que fosse a garota que atacou Rafael, só podia estar ali.

         O próprio Rafa parecia saber disso porque era o único que não se escondia no mato.

         - Eu vou lá – ele começou a andar.

         - O que pensa que está fazendo? – um dos caçadores, um loiro que permanecia ao lado dele o pegou pelo ombro. – Não pode ir lá assim!

         - Eu posso sim! É lá que aquela vadia está!

         - Você tem certeza? – o caçador moreno semicerrou os olhos. – E se você entrar lá e não tiver nenhuma Raphaela lá dentro?

         - O que quer dizer com isso? – Rafa provavelmente era gay, com aquela voz meio anasalada, mas Hendrick procurava não julgar. Na verdade, nem podia.

         - A mochila foi deixada no mesmo corredor onde ela te atacou. Você não acha que foi um plano dela fazer isso? E se for uma armadilha?

         - Eu prefiro arriscar.

         - Mesmo que seja ela, Rafa, você vai correr perigo se for até lá! – o loiro avisou.

         - Talvez não – ele deu de ombros. – Se eles me deixaram trancado no armário do Felipe Felps, o que garante que ela vai mesmo tentar fazer algo comigo.

         - Ela é o Terceiro Espirito! Você tem que entender isso!

         - Quem tem que entender são vocês – Rafael cruzou os braços. – Se eu não for lá e matar essa vadia sociopata, ela vai matar alguém. E eu não posso permitir que ela faça mais vitimas – ele fungou com o nariz. – Chega de mortes.

         Erick, ao lado de Hendrick, pigarreou.

         - Não querendo ser chato, mas você quer mata-lá. O que muda isso de acabar com as mortes?

         Todos o encararam.

         - Tudo bem, eu entendi – ele voltou a olhar a casa grande. – Bico calado, bico calado.

         - Nós precisamos dete-la, você está certo – o moreno caçador olhou Rafa. – Mas, por favor, vamos tentar fazer isso do nosso jeito. Pensa bem, ela é só uma e nós somos vários. Podemos sequestrar ela e leva-la até a Anna.

         O garoto pareceu reconsiderar de forma pensativa.

         - Não é seguro. Temos que matá-la. E seu ajudante também, ela não está sozinha!

         Uma discussão começou a se formar entre os dois quando Hendrick escutou passos. Não demorou muito para ele perceber que os passos vinham de dentro do assoalho da casa. Rapidamente, ele se atirou sobre Rafa e o jogou contra o chão.

         - Melarga! – disse ele entre suas mãos que tapavam sua boca. Hendrick forçou todo o seu peso e olhou para cima. Todos ficaram calados enquanto a porta da frente da casa colossal se abria e uma garota de cabelo castanho saia de dentro.

         - Essa é Raphaela? A aluna nova? – perguntou Rita a ninguem em particular.

         - Sim, eu me lembro – Érika sussurrou de volta. – Linda e magra. Já não gosto dela.

         Rafa esperneava debaixo de Hendrick, mas ele mal piscou quando este tento morder sua mão.

         - Por favor, fique em silêncio.

         - O que ela esta fazendo? – sussurrou um dos caçadores.

         Hendrick encarou a garota e dessa vez Raphaela olhava por sobre o ombro com uma expressão de quem avaliava uma situação. E então ela ergueu a mão e fez algo inacreditável. As cercas do lado oeste do quintal começaram a se erguer do chão e cair com um baque na grama do quintal, abrindo uma passagem.

         - Ela esta indo para a floresta – disse Rita. – Por que ela esta indo para uma floresta?

         - Nós temos que segui-la – Adailton se levantou e os outros fizeram o mesmo.

         - Ok, ela definitivamente é o Terceiro Espirito – refletiu o loiro.      - Eu te disse! – murmurou Rafa, ainda preso ao chão e Hendrick afastou sua mão. Os dois se olharam longamente antes de ele se levantar.

         - Então Rafa estava certo – Erick coçou a barba por fazer. – O que vamos fazer?

         - Não é obvio? – disse o próprio. – Vamos atrás da vadia na floresta e explodir a cabeça dela!

         - Explodir do mesmo jeito que explodiu Neemias? – Érika questionou.

         Rafa e ela trocaram uma encarada intensa.

         - Aquilo não fui eu – ele respondeu tensionando os ombros e olhando para a casa de Raphaela. – Mas dessa vez, vai ser.

         Confuso, Hendrick trocou um olhar com Adailton, que parecia não saber de muita coisa também.

         - Tudo bem, vamos atrás dela – declarou o loiro.

         - Hum, eu vou por outro caminho.

         - Adan? – Hendrick olhou para o amigo. – Do que está falando?

         - É – Erick piscou. – Do que está falando?

         - Bem – o moreno começou. – Rafa disse que ela não esta sozinha e tem um ajudante. Talvez se eu contornar a floresta rapidamente eu posso encontra-lo. Podemos fechar os dois.

         - Mas é perigoso. E se eles estiverem juntos quando você aparecer?

         - Eu vou ficar bem – Adan garantiu com um sorriso orgulhoso. – Confiem em mim. É melhor assim.

         Sem que Erick pudesse argumentar, seu Beta correu pela rua e foi reto na direção da floresta onde Raphaela tinha sumido. Por mais estranho que era aquilo, Hendrick e os que ficaram seguiram pelo gramado da casa de Raphaela, ultrapassando a cerca que ela tinha movido.

         Seguindo seus passos na escuridão.

         - SAIAM DAQUI! – gritou Andressa para as três serviçais da mãe dela que a seguiam pelas ruas de La Iglesia.

         — Mas Srta. Bertoni – Amelia, uma das serviçais com uma agulha na mão implorou. – É o nosso trabalho, nós precisamos fazer a barra do seu vestido.

         Andressa coçou a mão e procurou com as mãos sua própria Agulha Gigante, mas quando se lembrou de que a devolveu para Eduardo, se irritou mais ainda.

         - Eu vou fazer vocês de barra e quebrar o pescoço de todo mundo se continuarem a vir pra cima de mim! – ela olhou para as outras duas. – Eu mato vocês!

         Assustadas, elas apenas encararam. Ela riu se sentindo poderosa e se concentrou para ficar transparente. Até que sua habilidade de ficar invisivel às vezes era meio últil quando ela precisava.

         Confusas, as três damas começaram a chama-la em voz alta e gritar se perguntando onde ela tinha ido parar. Andressa riu secretamente por dentro e começou a correr. Mas então esbarrou em um corpo forte e caiu com tudo ao chão, sentindo a invisibilidade a deixar.

         - ANDRESSA! – as três damas começaram a correr até ela ao longe.

         - Desculpe-me – um cara um pouco forte com vestes lembravam pele de cabra se agachou ao seu lado. – Eu te machuquei?

         Andressa mal tinha sentido uma dor, mas por algum motivo não quis ser educada com o cara de barba cheia e sexy na sua frente.

         - Você não tem olhos? – ela guinchou irritada por ele revelar onde ela estava.

         O homem na sua frente se encolheu.

         - Eu nem te vi chegando – ele se defendeu e ela se tocou. Ah, ela estava invisivel.

         - Mesmo assim – ela corou notando que ele era um pouco mais bonito do que ela achava. Muito mesmo. – Eu sou Andressa Bertoni, todo mundo sabe quem eu sou.

         Um olhar estranho passou rapidamente pela face do homem e ele sorriu um pouco.

         - De fato.

         - Andressa, princesa – Amelia reclamou. – Por favor, para de correr de seu destino!

         - Não estou correndo de nada – Dessa bufou. – Se eu quiser caçar de jeans eu caso ok?

         - Não casa não – murmurou uma das outras damas. – Os anciãos não permitiram.

         Com a mesma velocidade que caiu, ela se levantou do chão, pegou a agulha fina nas mãos de Amelia e pegou a dama que disse isso pela nuca. Rapidamente, as mãos do homem a puxaram para trás.

         - Acalme-se, princesa – riu com uma voz rouca. É o que? Ela quase tinha matado uma mulher na frente dele e ele ria com isso? Quem era aquele cara? Ele olhou para as damas. – Creio que se Andressa quer casar de jeans, ela certamente pode, ok?

         Amelia parecia ter visto o cara pela primeira vez e seus olhos azuis pequenos se arregalaram. É o que? Andressa mal teve tempo de perguntar o nome do homem e aquela serviçal já estava tentando roubar ele dela? Se jogando daquele jeito? Não mesmo!

         - Certamente – coraram as duas outras damas olhando para o chão. Andressa sentiu a palma coçar, com vontade de dar três tapas nelas e ver o que aconteceria.

         Que se dane as obrigações que os anciões lhe deram, ela não deixaria nenhuma daquelas inuteis conseguir algo que ela queria. Não mesmo.

         - Certamente o cacete – ela cuspiu e encarou o homem. – Acho melhor você e sua armadura e medieval sairem andando antes que eu chame sua esposa!

         O homem riu e confusa ela trincou os dentes. Ele era drogado ou algo do tipo?

         - Pode deixar – ele a avaliou com os olhos divertidos. - Ela já esta a caminho.

         - Pois não, senhor Gui – Amelia riu também, parecendo alheia ao puxa-la pelo ombro. – Andressa, eu quero te apresentar a Guilherme Peixoto. Seu futuro noivo.

         - Onde? – Andressa quase teve uma sincope com as palavras da dama. – Cadê?

         O homem na sua frente revirou os olhos.

         - Sou eu – ele explodiu em uma risada rouca e descontrolada. – Eu sou o Guilherme. Mas pode me chamar de Gui.

         - Bruxas? Onde elas estão? – Carla prendeu o ar ao perguntar para Giulia enquanto elas atravessavam os limites de uma floresta em La Iglesia. — E que lugar esse?

         - É meio que onde treinamos às vezes – A Arqueira deu de ombros. – Ao menos essa foi à intenção de Anna quando criou este lugar.

         Carla assentiu, estava mesmo interessada, mas pensou nas Bruxas. Que tipo de Bruxas ela estava falando? Possuidas? Ou Bruxas mesmo? Com habilidades surpreendentes usando capuzes pretos para participar de algum clã secreto.

         - Tudo bem, e quem são essas Bruxas? Elas estão possuidas?

         - Não – Giulia encontrou seu olhar. – Estas são bem cientes e Anna disse que conseguiu sentir a presença delas aqui dentro.

         - Aqui? – Carla guinchou olhando um carvalho meio seco. – E por que me trouxe diretamente pra elas? – ela arfou.

         - Bom, como você teve experiencia eu pensei que...

         - Elas me prenderam e eu só fui solta anos depois – ela cerrou os dentes. – Com a ajuda do bando do Rafael Capoci.

         Giulia a olhou secamente e engoliu em seco.

         - Relaxe, são só Bruxas. Nós só precisamos descobrir o que elas querem. Talvez nem sejam uma ameaça – pelo tom da arqueira, Carla queria saber a quem ela estava tentando convencer.

         - A unica coisa que sei sobre Bruxas é que elas são más e rejeitam qualquer coisa que não sejam elas – ela trocou um olhar com uma joaninha que se movia abruptamente. – E eu estou nessa categoria.

         Giulia riu sem graça e tocou uma árvore.

         - Isso me faz lembrar Leticia. Por onde será que ela deve estar?

         Carla retorceu o rosto.

         - Não sei, mas não entendo a graça nisso.

         O sorriso de Giulia sumiu.

         - Estou ouvindo passos, eu acho – ela olhou a floresta.

         Carla também conseguia escutar. Pareciam estar em todos os lados, quebrando um galho que estava no chão ou tentando fazer silêncio sem nenhum sucesso.

         - Você acha?

         E então algo passou logo atrás delas espantando o vento e jogando folhas pelo ar. Giulia sacou o arco e flecha e Carla deixou suas garras cresceram devagar.

         - São muitas – ela brilhou os olhos e pode ver um conjunto de capuzes correndo, sem muita velocidade para todo lado. – O que elas querem nos cercando assim?

         - Parece que eu estava enganada – Giulia sussurrou. Por que sussurrar se o pior que elas poderiam fazer era matar as duas?

         As sombras pareciam querer avançar e Carla não viu outra opção senão abrir a boca e soltar um rugido alto. Não era alto para ela e a Arqueira que estavam próximas, mas seu eco fez com que as Bruxas congelassem e se afastassem com calma. Até que simplesmente sumiram.

         - Elas queriam nos assustar.

         - É, e parece que você fez o mesmo – riu a outra. – Elas têm medo de você?

         - De uma licantropa? Não mesmo! – ela sorriu com os olhos ainda na floresta. – Mas de uma Alfa sim.

         Giulia pareceu entender e as duas continuaram entrando na floresta, olhando para cima e para baixo, procurando algum sinal. Carla se concentrou no cheiro de madressilva no ar. Será que estavam fazendo um feitiço para prendê-las em alguma ilusão? Por precaução, ela arranhou a própria palma da mão e se certificou de que nada tinha mudado. Ótimo.

         - Alguem vem vindo? – avisou Giulia repentinamente e ela seguiu seu olhar para uma parte da floresta que tinha uma depressão. Carla reconheceu o cabelo loiro longo e brilhante de Liz na mesma hora.

         Sua testa sangrava.

         - Lizz? – ela chamou relaxando os braços. – Lizz o que está acontecendo? Por que não foi para sua missão?

         A loira estava um pouco distante delas ainda, mas parecia querer se mover do chão. Mas na mesma hora, figuras pretas apareceram no alto da depressão e começaram a cerca-la.

         - Não! – ela se atirou com velocidade.

         - Carla, não! – Giulia foi logo atrás, mas ela não parou.

         As Bruxas nunca tinham ido embora. Elas agora cercavam Lizz com seus mantos pretos fantasmagóricos e suas mascaras tribais que Carla não entendia seus significados. Duas delas apareceram na frente dela e Carla rugiu antes de arranhar suas roupas.

         As duas cairam duramente no chão, mortas.

         Percebendo o risco que ela era, as mais próximas de Lizz começaram a entoar um feitiço que ela infelizmente reconhecia. Era como uma canção de ninar de terror.

         - Carla! – Lizz guinchou tentando se levantar e fracassando quando uma das Bruxas a pegou com suas mãos pálidas.

         - Larga ela! – ela saltou mirando a clavicula dele ou dela.

         Mas então seu corpo se encontrou com algo sólido e forte que a lançou longe. Antes que ela pudesse se concentrar em sustentar a própria queda, ela caiu em cima de Giulia e as duas gemeram de dor.

         Ela se desvencilhou da Arqueira, mas foi tarde demais quando uma luz púrpura bruxuleou pela mata. Levando as Bruxas consigo – e Lizz também.

         - Tem certeza mesmo que não sabe onde Vicente está? – Rael perguntou mais uma vez, com um tom meio esperançoso.

         Roberto negou com a cabeça e olhou para ele com pena. Não parecia estar mentindo e nem parecia ter motivos para isso. Mas mesmo assim Rael não conseguiu não sentir seu estomago se afundar de preocupação.

         - Eu não o vejo desde o primeiro periodo, que é a unica aula que temos – ele comentou. – Juro que se tivesse visto ele, eu te diria.

         - Tudo bem – ele murchou e fitou os armarios a sua frente. – Eu acredito em você.

         Era engraçado que de tantas pessoas que ele pudesse encontrar na escola vazia, teve que ser o mais recente ex-namorado de seu ex-namorado, Rafael Capoci. Roberto tinha um cabelo loiro e tinha o porte fisico do esporte que praticava – natação. Tinha olhos verdes gentis e se vestia com uma simplicidade elegante. Quando o encontrou neste corredor, ficou surpreso por Roberto não o socar no rosto na mesma hora. Tudo bem que faziam meses desde que Rael, aliado a uma Taffara maliciosa, tinha tirado foto da quase primeira vez dele com Rafael e mandado pelo celular para os pais dele. Mas se Henrique que era Henrique – e que era irmão dele – não o tinha perdoado totalmente por ele te-lo jogado do penhasco, por que Roberto teria?

         Ele parecia diferente desde o término, menos certinho no andar e um pouco mais solitário pelos corredores. Isso quando não estava na presença de uma loira baixinha que seguia ele pra todo canto com um caderno nas mãos. Será que ele tinha voltado a gostar de garotas?

         Rael balançou a cabeça, se perguntando o que diabos ele estava fazendo pensando aquelas coisas. Vicente tinha sumido desde que ele tinha tentado ligar mais de vinte vezes para ele. E ao invés de pensar sobre todos os possíveis lugares onde seu namorado poderia estar ele estava sentado ali falando com Roberto.

         - Me perdoe à curiosidade – disse o loiro de repente, com um olhar confuso. – Mas aconteceu alguma coisa com ele?

         - Não – era meia verdade. – É que hoje era pra fazermos alguma coisa especial na minha casa e eu não consigo encontra-lo.

         - Entendo – Roberto comentou apreenssivo. – E onde vai procura-lo agora?

         - No lugar em que todos vão pra não serem achados.

         - Dropcoff – Roberto riu.

         Rael o encarou surpreso.

         - Você conhece esse slogan?

         Roberto assentiu.

         - Rafa que me contou.

         - Pra mim também – ele sorriu com nostalgia. – Fomos lá uma vez e ele se conectou no Wi-Fi só para mostrar o site. Ele desceu toda página e eu vi logo abaixo do anuncio aquelas palavras.

         - Eu não parei de rir depois que li – Roberto assentiu. – Moro nessa cidade há anos, mas nem mesmo tinha visto esse slogan ridiculo. Só o Rafa pra notar uma coisa dessas.

         - Como ele conseguia fazer essas coisas? – Rael se questionou em voz alta. – Perceber detalhes que ninguém jamais notaria?

         - Porque ele é o Rafa – Roberto suspirou. Rael o olhou fixamente.

         - Você gosta dele ainda?

         Os olhos verdes do outro tocaram os dele por tempo indeterminado antes de ele responder.

         - Não – ele piscou duas vezes. – Acho que não mais como antes.

         - Eu sinto muito pelo término – ele soltou de repente e Roberto sorriu ironicamente.

         - E eu pelo seu – e os dois riram baixinho. – E você?

         - Eu o que?

         - Ainda gosta dele?

         Rael pensou por um segundo enquanto encarava o chão de linóleo. Fazia mais de um ano desde o término, ele deveria seguir em frente com sua vida e tinha conseguido mesmo. Estava em um novo namoro – por mais que a pessoa com quem tinha relação estava desaparecida temporariamente. Ele tinha conseguido superar.

         - Não gosto como antes também. Mas tem uma parte minha que acho que sempre vai gostar. E acho que essa parte nunca vai se acostumar com o fato de ele desfilar com outros caras no corredor senão eu.

         - Você foi o primeiro dele, né?

         Rael assentiu.

         - O original – ele fingiu responder com um tom ácido. – E você o segundo. E aqui estamos.

         - É, pois é – Roberto se virou para encara-lo nos olhos. – E aqui estamos.

         Os dois se fitaram por tanto tempo que Rael pulou quando seu celular vibrou em seu bolso. Assustado, ele se levantou do chão e deslizou o dedo para aceitar a chamada de VICENTE AMOR.

         - Vince? – ele chamou do outro lado da linha. – Onde você está?

         Mas para sua surpresa não houve resposta. Apenas uma respiração entrecortada do outro lado da linha prosseguia.

         - Vicente?! – ele guinchou. – Pode me ouvir? Responda!

         - Me salva! — gritou o outro antes de um som abrupto fazer a ligação se encerrar.

         - Vince?! – ele gritou e tentou ligar outra vez. E outra. E mais outra. Todas deram na caixa postal.

         Roberto, que tinha se levantado do chão também, o olhou com preocupação.

         - Qual o problema?

         Rael não sabia. E esse era o problema.

         Érika fez questão de não perder o cheiro da aluna nova que eles perseguiam. Ela sabia a exata localização da garota e quase podia imagina-la andando pela floresta densa de Vallywood, e desconfiava que Erick e Hendrick sentissem o mesmo. Talvez até soubesse mais do que ela.

         Atrás deles, Rafa, Rita, Marco, Eduardo e Fernando seguiam logo atrás deles. Os passos cautelosos de quem esperava para ver onde o caminho ia dar. Onde os Lobisomens iriam leva-los, na verdade.

         - Eu posso saber o que ela esta fazendo? – Rafa reclamou logo atrás. – Nem todos nós temos uma visão super-poderosa.

         Erick riu e Hendrick revirou os olhos.

         - Não conseguimos ver tão bem assim – murmurou o Beta de Erick. – E mesmo se pudéssemos, não ia adiantar saber onde ela está e não podermos fazer nada.

 

— Nós podemos – começou Rafael de novo com um tom sugestivo. – Vocês podem ir embora enquanto eu explodo a cabeça dela como uva passa.

         - Engraçado você dizer isso – Marco riu sarcasticamente. – Se ela te atacou mesmo por que não fez isso de vez?

         - Se ela me atacou? – Rafa parou de andar. – Você está duvidando de mim?

         - Meninos – Rita suspirou. – Podem parar? Não vejo como isso pode ajudar a vencer Raphaela.

         - Nós não sabemos nem como vencê-la ainda – Fernando comentou. – Ela não parece ser exatamente como o Neemias.

         - Está dizendo por que ela não é um cara? – Érika revirou os olhos.

         - Você disse isso... Não eu.

         - Que tal todos se calarem? – Eduardo atirou um sorriso falso. – Assim é melhor.

         Em silêncio, eles continuaram andando pelo chão cheio de barro e folhas secas quebradas. Érika focou nos passos de Raphaela, a metros à frente, e conseguiu ouvir sua respiração fraca. Ela era magra e bonita e se seu cabelo fosse mais escuro, ela podia lembrar Andressa.

         Mas não era ela. Andressa ia se casar. Ela não tinha tempo para atender suas ligações.

         - Qual o seu problema? – Erick sussurrou. Érika o encarou pensando que ele estava falando com ela, quando notou que seus olhos vermelhos fitavam a frente, através de tudo.

         - O que? Do que esta falando? – Eduardo emparelhou ao seu lado. – O que você consegue ver?

         - Uma cabana – Erick respondeu. – E ela está na frente dela, parecendo esperar alguma coisa.

         - O cumplice dela – Rafa assentiu. – Eu sabia.

         - Acho melhor esperarmos – falou Eduardo.

         - O que? – se revoltou Rafael, e dessa vez Érika concordava. – Ficou louco? Nós precisamos...

         - Rafa – Fernando chamou sua atenção. – Ainda estamos considerando que isso pode ser uma armadilha. Melhor esperarmos.

         Sem tempo para retrucar, Erick levantou a mão, gesticulando para que eles fizessem silêncio. Curiosa, Érika focou seu olhar e tentou ver o que ele via. Para sua surpresa, as folhas verde-oliva foram atravessadas por sua visão e ela conseguiu vizualizar Raphaela Lima, parada com uma expressão calma demais na frente de um casarão cheio de telhas. E então ela olhou para o lado e sorriu.

         - Já não era sem tempo — ela murmurou com uma voz rouca de tanto esperar em silêncio. – Qual foi o motivo da demora?

         - Um pequeno emprevisto — responde uma voz de homem e Érika encarou o que pareciam um conjunto de capuzes se reunindo ao redor de Raphaela, formando uma rodinha. – Mas já demos um jeito em todos eles.

         - Ótimo – Raphaela sorriu ainda mais olhando cada um dos capuzes. – É bom que estejam escondidos em um lugar seguro.

          - Podemos começar? — questionou outra voz de homem por baixo de um capuz de um moletom branco. – Eu vim aqui só pra isso.

         Raphaela brilhou os olhos em um tom que parecia Dourado e esticou a mão para o desconhecido. Mas então, um dos capuzes ao lado dela, retirou o seu.

         - Perdoe-o senhora — disse o moreno com cabelo preto familiar para Érika. – Ele não sabe o que faz.

         — Não acredito – sussurrou Erick de repente.

         - O que? – Rafael guinchou. – Do que estão falando?

         - Fala baixo, Rafa! – Eduardo o segurou. – Fique quieto.

         - Aquele seu monitor – disse o Alfa lentamente. – Miguel Àvila? Ele esta do lado da Raphaela.

         - O que?

         - Ele e outros seis capuzes estão com ela – Érika respondeu também. – Eu acho que são vários ajudantes.

         - Não é só um? – Rafa parecia chocado. – Sete?

         - E quem são eles?

         Erick continuou olhando e Érika o seguiu. Agora outro capuz tinha se revelado.

         - Ah, não.

         - O que? – Rita e Rafa perguntaram ao mesmo tempo.

Os outros esperavam em agonia.

— Felipe Felps, o nosso professor de Ed. Fisica, ele também esta lá.

— Felipe Felps, o nosso professor de Educação Fisica, ele também esta lá.

Quando Rafa ouviu as palavras de Érika, sentiu seu rosto empalidecer mesmo sem poder ve-lo. Ele olhou logo à frente os dois Lobisomens olhavam, confuso pelas suas palavras. Como é que eles poderiam dizer todas aquelas coisas só se baseando atrás de um galho de àrvore?

— Isso é inacreditável – soltou Marco não parecendo muito puto. E então olhou para Rafa. – O que está pensando?

Rafa apenas o encarou de volta.

— Eu só não consigo acreditar nisso.

E, antes que qualquer um pudesse dizer qualquer coisa, ele passou correndo pelos lobisomens. Ouviu vários de seus amigos reclamando logo atrás dele e pulou quando sentiu alguém pesado querer se jogar em cima dele.

— Eu preciso ver! – ele guinchou contra de volta e correu floresta adentro.

— RAFA, PARE!

Ele olhou para frente e deu de cara com sete capuzes o encarando de volta por baixo deles. Dois deles não escondiam o rosto e ele reconheceu Miguel Àvila e Felipe Felps com sorrisos maliciosos. Os outros cinco continuavam cobertos

 Rapha Lima também o encarava os olhos Dourados fitando ele de um jeito intenso. Nos encontramos de novo.

— Merda – ele começou a correr para voltar à floresta.

— RAFA – Fernando o encontrou no meio do caminho e o segurou com os braços. – Merda... – ele ecoou.

E os dois correram. O grupo todo se encontrou no caminho e fez o mesmo, saindo correndo dali. Mas então Rafa olhou por sobre o ombro e observou enquanto Raphaela e um garoto de capuz vermelho se aproximavam.

— Agora Mammon!

E um estalo audivel explodiu na floresta. Lançando uma ventania repentina por entre a copa das àrvores – e então desceu por toda a floresta.

E Rafa e todos os outros integrantes de seu bando foram varridos dali com força. Para bem longe.


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