A Estrada não percorrida escrita por Liv Marie


Capítulo 2
Bem vindos à Storybrooke


Notas iniciais do capítulo

Olha mais um capítulo aqui minha gente! Mais uma vez obrigada pelos comentários e se você estiver lendo essa história, não se acanhe em compartilhar suas impressões! Alguém me perguntou se o grupo todo está na mesma realidade e pelo menos isso arrisco lhes assegurar: definitivamente. O restante, deixo para que vocês tomem conhecimento com os próprios olhos. ;)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/695533/chapter/2

Killian Jones sonha com o doce embalo das ondas, o calor de mãos que acariciam seu rosto, o choro distante de uma criança. Ele vai ser pai e a realização disso nunca deixa de surpreendê-lo. Todas as suas aventuras, em tantos e tantos anos e ele nunca pensou que essa seria sua vida, que algo assim fizesse parte de seu destino. O choro persiste ao fundo, mas não se parece com nada que ele já tenha ouvido. Mãos que foram gentis tornam-se impacientes. Ele pensa em Ruby e sabe que precisa encontrá-la. Ele só precisa...

Hook ganha consciência como um objeto que foi mantido submerso e que finalmente segue livre de encontro à superfície da água. Seu corpo parece pouco disposto a cooperar com seus esforços, travando uma árdua batalha contra comandos aparentemente simples ou mesmo o menor movimento. Ele não sabe dizer ao certo o que aconteceu, mas de alguma forma mal lhe restam forças. Todavia, o formigamento que se espalha por suas pernas e braços o coloca em alerta e então a memória de Ruby, mais nítida e clara, bem como os últimos acontecimentos, fazem com que ele abra os olhos de uma só vez.

Com o nome de Ruby pendurado em seus lábios pálidos, Hook sente sua dor de cabeça se espalhar por seu corpo como se ele estivesse sendo atingido por um raio. Seu reflexo é levar sua única mão de encontro ao ponto no qual a dor é mais forte e é com a visão embaçada que ele enxerga na ponta de seus dedos a mancha vermelha de sangue entre resquícios de grãos de areia.

Com a testa franzida, ele sente um misto de náusea e tontura tentando recordar detalhes do que aconteceu entre a travessia do portal e o presente momento, mas tudo o que Hook consegue são uma porção de imagens soltas e desconexas. Então, ele escuta o som do cavalo relinchando e este lhe oferece um breve clarão.

Havia água, o mar, e então uma garotinha de olhos escuros e sérios e seu cavalo anão. Por um breve instante Hook questiona mentalmente a veracidade desses fatos. Isto é, até o animal em questão bufar novamente, cheio de indignação aparente.

Um relâmpago ilumina o céu, acompanhado em seguida por um estrondoso trovão. O animal emite um som que desta vez parece quase um lamento e Hook consegue – ainda que apenas por um instante – enxergar melhor seus arredores.

Trata-se do que parece ter sido um estábulo um dia, mas que ao que tudo indica, encontra-se abandonado ou relegado ao esquecimento, uma grossa camada de poeira e teias por toda parte confirmando suas suspeitas.  Mais um trovão, dessa vez mais forte, faz com que Hook – e o pônei – estremeçam. Nenhum dos dois parece ter grande apreço por tempestades, mas o motivo pelo qual Hook não pode ignorar o nó em seu estômago não é bem esse.  

Ruby, ele repete seu nome, determinado a não perder o foco. Ela não deve estar longe; é o que ele espera, imagina. Mas tampouco sabe de seu paradeiro ou suas condições, o que certamente não computa como um fator tranquilizante. Ainda mais com uma tempestade se insinuando em tão alto e bom som. Quanto mais despertos encontram-se seus sentidos, mais profundamente a preocupação queima na boca de seu estômago.

Ele precisa encontrá-la. Mas para isso ele precisa sair desse lugar primeiro.

Mais uma vez Hook tenta comandar o próprio corpo e somente então percebe as amarras que o prendem pelo tórax, limitando os movimentos de seus braços, bem como o nó apertado que contém seus tornozelos.

É também quando ele nota a ausência de seu gancho.

— Procurando por isso? – A porta do barracão é escancarada de uma só vez, contribuição do vento forte que assovia do lado de fora, e por ela passa a menina que ele apenas vagamente consegue reconhecer.

Ela é apenas uma criança e não há muito que ele possa concluir a respeito, contudo, o que Hook não pode ignorar, é que em uma das mãos ela traz uma lanterna e na outra o objeto que lhe deu nome.

— Hey, isso é meu!  – Ele reclama e reage tentando se livrar de suas amarras. O menor esforço já o deixa zonzo.

— Eu ficaria quietinho se fosse você. Pelo corte na sua testa, estou quase certa de que você tenha batido a cabeça em algum lugar. – Ela comenta casualmente e se aproxima de um caixote rudimentar para em seguida começar a retirar alguns mantimentos de sua mochila.

Mesmo com a visão ligeiramente turva, Hook consegue enxergar um recipiente plástico, duas maçãs e uma garrafa de água. Seja ela quem for, a menina parece bem preparada.

— Eu não sei quem você é garotinha, mas deveria saber melhor do que brincar com o que não lhe pertence. – Ele fala sério, invocando sua voz mais intimidadora. 

— Não se preocupe. Você vai ter seu gancho de volta. – Ela replica com naturalidade, aparentemente mais preocupada com o estado do pônei assustado do que com o fato de ter um pirata amarrado e sob sua custódia. – Preciso apenas ter certeza de que você não representa nenhum perigo pra mim ou para meu amigo aqui.

Hook olha para a garota como se ela fosse o estranho ser que acaba de atravessar um portal. A menina parece não notar, sua atenção voltada ao animal assustado. Removendo a tampa da garrafa, ela enche o recipiente plástico com água e oferece ao pônei.

— Alguma chance de você ter um pouco de rum em meio às suas provisões? – Hook pergunta em tom irônico, suas próprias palavras parecendo ganhar eco aos seus ouvidos. Ela não responde, ao invés disso acariciando a crina do animal, e o pirata se aproveita de sua distração para tentar afrouxar com os dentes o nó que prende sua única mão .

Rapidamente percebendo o fracasso de sua tentativa, ele logo muda de tática se esforçando para esticar o braço direito e até consegue, mas não o suficiente para soltar suas pernas. O toco em seu braço esquerdo é tão inútil em suas tentativas de escape quanto é de se esperar. Mesmo sem olhar em sua direção, a menina parece ciente de suas intenções.

— Não adianta tentar se soltar, mesmo que você conseguisse, não chegaria muito longe. Não com a chuva que está caindo e em suas atuais condições.

— Você não entende. – Ele resmunga, frustrado. – Tem pessoas contando comigo.

— Eu sei disso. – Ela fala olhando diretamente em seus olhos, mas sua resposta, ao invés de esclarecer as coisas, apenas o deixa mais confuso. Ela parece se compadecer de sua situação. – Sinto muito, mas não posso soltar você ainda. Não posso correr o risco de que você desapareça antes de cumprir sua missão.

Desta vez, Hook está certo de que não ouviu direito. Afinal, quem essa criança acha que ele é?

— Que missão? – Ele pergunta sem disfarçar seu desconcerto.

— Quebrar a maldição, é claro.

.::.

O bebê nasce berrando, com pulmões potentes e sem receio em expressar seu profundo descontentamento em ser trazido a esse mundo frio. 

Uma menininha, Emma anuncia com olhos marejados, recebendo a criança em seus braços e se maravilhando com o tom rosado de sua pele e o tufo de cabelos escuros que cobre sua cabeça. Ruby ri também, em meio a lágrimas de alegria e alívio, dividida entre um medo avassalador e a surpresa provocada pelo sentimento que parece se derramar dentro de seu peito.

Emma lhe entrega a menina, enquanto Daniel usa uma tesoura de ferro para cortar o cordão umbilical, e o que poderia ser um momento de alegria e tranquilidade é subitamente obscurecido quando o rosto de Ruby se contorce e ela deixa escapar mais um grito de dor. 

Assustada, a recém-nascida chora alto, e Emma imediatamente toma a criança em seus braços, envolvendo a pequena em uma toalha enquanto seus olhos preocupados analisam a figura de sua amiga.

— Moça, eu lamento informar, mas seu trabalho não acabou ainda. – Daniel anuncia com firmeza e Emma imediatamente compreende o sentido de suas palavras, um sorriso incrédulo brotando em seus lábios. Ruby, por sua vez, não consegue juntar as peças, provavelmente exausta demais para assimilar algo de semelhante proporção.

— Por quê? – Ela choraminga, mas deixa seu corpo agir por instinto, fazendo força mais uma vez. Embalando a bebezinha em um dos braços, Emma lhe oferece sua outra mão e a segura com força.

— Você consegue Rubes! – A loira lhe dá seu melhor sorriso, ainda que a força com a qual Ruby agarre sua mão seja o suficiente para desalojar alguns ossos. Trincando os dentes, Emma ignora a dor por completo.

— Já está quase lá! – Daniel afirma com segurança, olhando-a por cima de seus joelhos trêmulos.

— Lá aonde? – Ruby pergunta quase rosnando e de fato, tão logo suas palavras abandonam seus lábios, uma forte contração a compele a empurrar com todas as suas forças e em meio aos seus gritos, Daniel puxa para si um corpinho ainda menor e mais frágil do que o que Emma traz em seus braços. 

Desta vez, contudo, há apenas silêncio. 

Exausta, Ruby deixa o corpo tombar sobre as cobertas, fechando os olhos quase que imediatamente e por um instante, Emma não sabe o que fazer. Se Daniel percebe sua preocupação,  está ocupado demais para demonstrar. Sua expressão permanece impassível, e sem perder tempo ele carrega o recém-nascido até a mesa, depositando seu corpo tão miúdo sobre sua superfície.

Identificando a respiração regular de Ruby, Emma se põe em pé, percorrendo a distância de uma extremidade à outra do pequeno cômodo com passos curtos, sem entender o que se passa, mas com uma forte apreensão pesando em seu estômago.  

Com uma das mãos, Daniel massageia o peito do bebê e quando Emma se aproxima, é com alívio que ela escuta um choro fraco, quase um murmúrio. Ela mal contém um soluço quando nota seu rosto ganhar cor, e suas mãos, tão impossivelmente pequenas, se agitarem como se estivessem procurando se agarrar em alguma coisa.

— É um menino. – Daniel o envolve em uma toalha limpa, procurando aquecê-lo e, Emma pode estar imaginando, mas mesmo por trás de sua barba farta e descuidada, ela reconhece a sombra de um sorriso.

.::.

Tudo acontece rápido demais uma vez que eles chegam ao hospital.

Ainda sentado no banco traseiro da viatura, Henry enxerga os paramédicos removerem Regina do interior da ambulância e a levarem as pressas para dentro do hospital em uma maca.

O impulso de Henry é saltar do veículo tão logo o mesmo é estacionado junto à entrada principal, mas a presença de Evan o impede. A tempestade parece ter trazido todos os moradores da cidade até ali e o lugar encontra-se tão lotado e caótico quanto é de se esperar em situações de emergência.

Em seus cinco anos de vida Evan nunca esteve em meio a um grupo tão grande de pessoas desconhecidas, e sua expressão é no mínimo apreensiva, uma vez que seus olhos azuis e imensos registram com visível alarme a movimentação através da janela do carro.

— Vocês não vêm? – A xerife Chao pergunta e Henry se vê obrigado a dominar seus impulsos.

— Acho que vamos precisar de um minuto. – Ele olha para Evan e depois para a xerife, que parece compreender o que se passa, ao menos em parte. Aos seus pés, Pongo late, já atento à movimentação do local.  

— Bem, eu preciso checar algumas coisas, então espero vocês lá dentro. – Ela destrava as portas e tira a chave da ignição. – Er, eu sei que pode ser difícil acreditar, mas ela está em boas mãos. Confiem em mim.

Somente quando tem certeza de que a Xerife está suficientemente afastada e já não pode ouvi-los, Henry se prontifica a falar. – Ei pirralho, tudo bem com você?

Evan não oferece qualquer reação em um primeiro momento, seus olhos fixos em seus tênis enlameados e as manchas que deixou no tapete do carro.

— Olha, é normal ficar assustado. Estamos em um mundo muito diferente do que o que você conhece. Mas eu prometo que nada de mal vai te acontecer. – Henry tenta soar confiante. Pongo late novamente, arranhando a porta do carro para sair e ele tenta acalmá-lo acariciando sua cabeça. Quando os olhos de Evan encontram os seus é como se ele mal estivesse registrando suas palavras.

— E a Regina? – O garotinho pergunta em um sussurro, sua atenção agora fixada na entrada do hospital pela qual um homem acaba de sair para acender um cigarro. Henry pondera por alguns instantes, escolhendo bem suas palavras.

— Esse lugar é um hospital. Você se lembra do que a grams te ensinou?

— É um lugar onde as pessoas vão quando estão doentes.

— Isso! Isso mesmo. Lá dentro trabalham pessoas como o Victor. Eles são médicos e vão tomar conta da Regina. Estou certo de que eles vão fazer de tudo para que ela fique boa de novo, porque é isso o que eles fazem; é o trabalho deles.

Evan parece analisar suas palavras. – Mas e se ela morrer?

Sentindo um nó na garganta, Henry ergue o queixo, uma expressão de teimosia e determinação que em muito se assemelha à de sua mãe. – Ela não vai. – Ele expulsa as palavras com dificuldade. – Ela é mais forte do que você imagina Evan, pode acreditar.

Henry então pensa em todas as vezes em que sua mãe esteve a beira da morte, tudo o que enfrentou, todas as coisas que perdeu pelo caminho. Todas as vezes em que Regina caiu, somente para se levantar novamente. Teimosa demais para se deixar vencer, sempre. Ele não pode acreditar que justamente agora as coisas sejam diferentes. 

Um olhar na direção de Evan e Henry sabe que o garotinho aceitou a convicção de suas palavras. Pongo, por sua vez, continua a ganir junto à porta, sua impaciência cada vez maior. Henry toma isso como um sinal.

— Nós deveríamos entrar, esperar lá dentro. – Evan assente sem resistência e Henry hesita, sem saber ao certo como preparar o garoto para o que ele está prestes a testemunhar. – Olha, você vai ver e ouvir muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Muitas pessoas estranhas, objetos, sons. É natural você se assustar, mas acredite em mim quando eu digo que não precisa. Eu vou estar ao seu lado o tempo todo.

Coçando o nariz com a manga do casaco encardido, Evan balança a cabeça em concordância, sua testa franzindo por um instante. – Vai ter monstros?

Henry sabe exatamente à quais monstros o menino se refere e é com um sorriso aliviado que ele responde. – Não, Evan. Sem monstros. Eles ficaram pra trás.

O garoto parece satisfeito com essa constatação.

Ao abrir a porta do carro, Pongo pula sobre os dois, imediatamente procurando o arbusto mais próximo para farejar e se aliviar. Ao sair em seguida, Evan aperta a mão de Henry com força, seus olhos atentos a cada detalhe que o cerca. Então, quando Henry tenta dar um passo adiante, percebe a hesitação do pequeno, a puxar-lhe pelo braço.

— Que foi? – Henry pergunta pacientemente, se curvando diante de Evan e deixando seus olhos cinzentos na mesma altura do menino.

— O Pongo não vem com a gente? – Henry espia sobre o ombro do garoto, apenas para encontrar o cão cavando satisfeito na terra e rolando na grama.

— É claro. Não deixamos ninguém para trás, certo? – Com um assovio Henry chama o animal, que imediatamente corre em sua direção, pulando com as patas molhadas e soltando latidos animados. – Calma garoto!  

Evan deixa escapar um riso, por um momento distraído pela agitação do cão. – Qual o problema dele?

— Pode parecer estranho, mas acho que ele está se sentindo em casa pela primeira vez em muito tempo. – Henry lhe assegura com um brilho nostálgico no olhar.

— E os outros, Henry? Onde tá todo mundo? – O menino indaga ansioso, sem disfarçar sua preocupação.

— Eu não sei. – Ele admite, vencido. A noite nunca pareceu tão escura, a não ser por um único ponto brilhante que Henry faz questão de reforçar. – Mas pode ter certeza de que eles vão nos encontrar.

— Como você pode ter certeza?

— Porque é o que a nossa família faz de melhor.  – Henry afirma com segurança.

E pelo menos isso ele pode garantir.  

.::.

Tão logo coloca os pés dentro do hospital, a xerife Chao se depara com um verdadeiro caos, o que não chega exatamente a surpreendê-la.

Essa não é a primeira vez que a cidade se vê na mira de uma tempestade, embora ela deva admitir que não se recorde da última vez em que tenha visto uma de semelhantes proporções. Todavia, essa não é a sua principal preocupação esta noite.

Ainda junto à porta de entrada do Pronto Socorro, a xerife discretamente se põe a observar os dois garotos que deixou em sua viatura. Em verdade, de onde está, ela apenas é capaz de enxergar a cabeça do mais velho, Henry, enquanto o pequeno permanece escondido atrás do banco e algo em seu comportamento em especial deixa Prudence ainda mais intrigada quanto a toda essa história.

Com seus instintos de investigação em alerta, a jovem xerife não pôde deixar de notar detalhes como o estado de suas roupas, sua prostração, seus gestos e palavras calculados, como se eles não pudessem confiar em nada nem ninguém. E o fato de tê-los encontrado com uma mulher gravemente ferida no meio da floresta em plena tempestade, faz com que ela tenha uma forte desconfiança de que eles estejam fugindo de alguma coisa ou alguém.

— Finalmente! – Uma voz familiar interrompe sua meditação, e antes mesmo de olhar, ela sabe se tratar de seu parceiro e vice-xerife, Ryan Phillips. Usando uma capa de chuva amarelo berrante e com os cabelos castanhos ensopados, ele parece genuinamente aliviado ao vê-la. – A prefeita está feito uma onça atrás de você! Por favor, me diz que você teve mais sorte do que eu em suas buscas!

— Depende do que você estiver chamando de sorte. – Ela comenta com uma expressão sombria. – Acho que esbarrei em algo um pouco maior do que o que estávamos procurando. Você viu pra onde levaram uma mulher que acabou de dar entrada?

— Acho que pra sala de cirurgia. – Ryan responde distraidamente, coçando a barba por fazer que tantas vezes Prudence já disse não ficar bem em uma figura de autoridade, sua curiosidade aguçada pela visível tensão que ele enxerga nas feições de sua xerife e melhor amiga. – Prue, o que exatamente você encontrou?

Antes que ela possa responder, a porta principal é aberta e por ela entram os garotos e o cachorro. Henry segura a coleira do animal firmemente enquanto Evan segura sua mão como se sua vida dependesse disso.

Prue não consegue tirar os olhos dos garotos então, suas roupas esfarrapadas e imundas, bem como as marcas profundas de exaustão em seus rostos, ainda mais evidentes sob a luz fluorescente do hospital e suas paredes brancas.

Acompanhando seu olhar, Ryan se assombra com a visão dos garotos.  – De que buraco esses meninos saíram?

— É o que eu estive me perguntando. – Ela deixa escapar em um murmúrio e acena para o mais velho, que ao reconhecê-la caminha em sua direção, trazendo o pequeno pela mão, com o cachorro em sua cola.

— Cadê ela? – Ele pergunta preocupado, seus olhos percorrendo todo o perímetro, sem parecer notar a presença de Ryan. O menino loiro, por sua vez, não disfarça sua desconfiança, escondendo-se entre as pernas do mais velho, com o dedo polegar enfiado na boca enquanto o cachorro fareja os sapatos de Ryan com interesse.

— A equipe médica a levou para cirurgia. – Prue informa, mas suas palavras parecem ser pouco reconfortantes para o garoto. Ele esfrega os olhos com uma das mãos, e Ryan nota que o menininho tem os olhos presos no distintivo pendurado em seu pescoço com um cordão. – Escute Henry, não há mais nada que vocês possam fazer por ela agora. Você e seu irmãozinho parecem exaustos. Por que vocês não deixam um médico dar uma olha em vocês, certificar que está tudo bem?

— Nós não estamos feridos. – Ele responde na defensiva, colocando seu corpo na frente do pequeno como um escudo.

— É só um procedimento padrão, garoto. – Ryan elabora, tentando ajudar e ao mesmo tempo se livrar do cachorro cujo focinho molhado busca encontrar um acesso por debaixo de sua capa de chuva.

Henry olha para ele com uma expressão dura e impenetrável. – E quem é você?

— Este é o vice-xerife Phillips. Você pode confiar nele. – Prue declara com sinceridade, mas Henry não parece muito inclinado a aceitar sua palavra. – Ryan, esses são Henry e Evan Swan.

— Muito prazer! – Ryan estende a mão, mas não recebe nada em troca. Após alguns segundos de silêncio constrangedor ele recolhe a mão, com um sorriso sem graça a morrer nos lábios.  – Vocês não são daqui, não é mesmo?

Henry não responde, mas seus olhos parecem inspecionar a figura de Ryan, como se ele o estivesse avaliando. Ryan não sabe ao certo o que pensar, mas entende o que Prue quis dizer mais cedo.

Sem dar atenção ao estranho clima, Prue insiste. – Hey, que tal então uma refeição quente e uma muda de roupas secas? Você não quer que o Evan pegue uma pneumonia, não é?

Desta vez o argumento de Prudence parece acertar em cheio. Ainda que relutante, Henry aceita a sugestão.

— Ok. – Ele responde com um longo suspiro, se rendendo. 

— Ótimo! – Ela sorri brevemente, cautelosa, mas satisfeita. – Me acompanhem, por favor, tenho uma pessoa que vai poder nos ajudar com isso.

Sem qualquer demonstração de entusiasmo, Henry a obedece, levando Evan pela mão e puxando o cão pela coleira, embora este não demonstre qualquer resistência ou intenção em abandoná-los.

Passados alguns minutos Prudence retorna, tendo deixado os garotos sob os cuidados de uma enfermeira.  Ela encontra Ryan à sua espera, e antes mesmo de trocarem qualquer palavra, enxerga o reconhecimento em seus olhos. Ele, por sua vez, lhe entrega um copo descartável com o café horroroso da cafeteria. Prue não poderia se sentir mais agradecida, apesar de seu paladar não compartilhar semelhante entusiasmo.

— Agora você entende o que eu quis dizer? – Ela diz sem conseguir conter uma careta ao tomar um gole do copo.

— Onde foi que você os encontrou? – Ryan pergunta visivelmente intrigado. – Eles parecem refugiados de guerra.

— Eu sei. – Ela concorda com a avaliação dele. – Na verdade foi o mais velho quem me encontrou. Ou mais especificamente, minha viatura. Ele tava tentando arrombá-la e tinha quase conseguido quando o peguei em flagrante.

— Ele ia roubar sua viatura?!

— Não precisa parecer tão impressionado. – Prue lhe oferece um sorriso cansado. – Na verdade acho que não. Ele disse que queria apenas usar o rádio, pedir ajuda. Eu não sei, algo nos olhos dele me convenceu.

Ela toma mais um gole de seu café horrível. – Então ele me pediu que o acompanhasse e, de fato, não muito longe dali estavam o garotinho e a mulher que acabou de dar entrada. Eles estavam no meio da floresta, debaixo da chuva, sem qualquer proteção. O pequeno, Evan, estava encolhido ao lado do corpo dela, segurando sua mão. Ela tinha um ferimento aberto, estava com o pulso fraco e inconsciente. Nós tivemos sorte. A ambulância não estava longe e não demorou a atender o meu chamado.

Com um olhar distante, Prudence complementa. – Agora preciso dizer, a expressão no rosto daquele garotinho, Ryan. Eu não sei... Nunca vi nada parecido.

Ryan entende o que ela quer dizer e tenta lhe oferecer algum conforto. – Ele provavelmente estava em choque.

Prue não responde de imediato, sua expressão se contorcendo enquanto ela tenta encontrar as palavras certas. – Na verdade, não. E talvez tenha sido isso o que me deixou tão balançada. Sim, ele estava assustado. Mas tinha algo mais ali. Quase uma resignação...

Ela deixa a frase solta no ar, sem saber o que mais dizer, ou como descrever o que testemunhou. Um longo instante se passa sem que mais palavras sejam trocadas. Então, a voz de Ryan quebra o silêncio. – Swan, huh?  Você acha que é o nome verdadeiro deles?

— Provavelmente não. – Ela responde, se esforçando para colocar suas impressões pessoais de lado e focar nos fatos. – A mulher não tinha nenhuma identificação, nem mesmo uma bolsa ou carteira. Os meninos tem uma mochila cada um, mas não tive a oportunidade de revistá-las ainda, e para ser sincera, não estou certa do que exatamente deveríamos estar procurando. Ryan, não havia no local qualquer sinal de um veículo ou de como eles teriam chegado até ali.  É como se eles tivessem caído do céu.

Ryan ergue uma sobrancelha, incrédulo. – Nenhuma pista?

— Nada, nem ninguém além dos meninos. Eles parecem tão assustados e alertas... O mais velho, Henry, se mostrou bastante protetor com o pequeno e se você observar com cuidado existe certa semelhança em seus traços. Deduzi que eles sejam irmãos ou relacionados de alguma forma.

— E a mulher?

Prudence tenta revisitar os eventos em sua memória, tentando capturar detalhes que possam ser de alguma relevância para desvendar esse mistério. – Nenhuma semelhança com os dois. Ela é latina, cabelos escuros e longos, baixa estatura, porte pequeno, nenhuma marca visível fora o ferimento em si e uma cicatriz sobre o lábio superior. Dadas as circunstâncias eu não seria capaz de dizer sua idade, poderia ser algo entre 30 e 40 anos. Ela estava muito fraca e em um primeiro momento achei até que se tratasse de uma fatalidade.  

— Você não acha que ela poderia ser uma sequestradora? Que os tivesse mantendo em cativeiro em algum lugar recluso? – Ryan indaga, tentando conectar as peças de alguma forma.

Prudence não tem muito em que se basear, a não ser seus instintos. – Não podemos descartar de imediato essa possibilidade, mas não creio que seja essa a história. Pelo menos nada no comportamento deles indicou algo assim. Não consegui que eles falassem muito, mas algo no mais velho principalmente me dá a impressão de que existe um vínculo forte ali. Eu queria fazer mais perguntas, mas não me pareceu o melhor momento.

— Eu diria que temos todo o tempo do mundo para decifrar esse enigma, mas a verdade é que nós temos outro problema ainda por resolver. – Ryan aponta em meio a um longo bocejo.

Fechando os olhos por um instante prolongado, Prue se permite deixar escapar um suspiro profundo antes de acordar para a realidade. – Certo! Que tal então eu pegar a viatura e dar mais uma circulada, ver o que consigo descobrir. Você pode ficar aqui de olho nos garotos, ver se descobre alguma coisa. Caso contrário vamos ter que esperar ela sair da cirurgia, rezando para que seja com vida.   

— Pode deixar. – Ele faz sinal de continência.

— Mas Ryan se ocorrer qualquer mudança ou se surgir alguma informação nova, me informe imediatamente, ok? Vou estar com meu rádio. – Ela levanta da cadeira e joga o copo descartável no lixo mais próximo. – Me deseje sorte.

— Boa sorte! E lembre-se: se você der de cara com a prefeita, está autorizada a usar até mesmo um civil como escudo. – Ele fala em tom de brincadeira, mas olha para os lados, para se certificar de que a mulher em questão não esteja por perto e tenha o ouvido.

Prue não o brinda com uma resposta, de modo a não encorajá-lo, mas mesmo ela é obrigada a concordar.

A ira da prefeita de Storybrooke é um vulcão adormecido. Uma ameaça constante cuja concretização pode muito bem culminar em desastres de proporções catastróficas e até mesmo fatalidades.

Ou assim reza a lenda.

Em todos os seus anos de serviço, a Xerife Chao nunca a viu perder a compostura, mas sempre há uma primeira vez para tudo.

Ela apenas esperar que este dia não seja hoje. 

.::.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Estrada não percorrida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.