Entre feitiços, muito cocô, e um Borela. escrita por Lucas Stumpf


Capítulo 16
A primeira despedida




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O último dia do ano letivo já começara desagradável para Ysa. Fora acordada inopinadamente com um riso descontrolado de uma garota da Corvinal, que, pela conversa que entreouvira assim que acordara, estava excitada porque seu ídolo trouxa viria tocar em sua cidade em janeiro do ano que vem.

 - Eu não acredito que vou poder ver ele ao vivo! - exclamou ela, seguida pelas risadinhas falsas das amigas ao redor.

A giganta tentava abafar a conversa fútil com seu travesseiro enquanto rangia os dentes e desejava fortemente para que elas descessem logo para o café e enchessem a paciência de qualquer outro. Ao notar que elas pretendiam ficar por ali mais um pouco, jogou as cobertas para o lado, com raiva, pôs-se em pé - inclinando a cabeça para não bater no teto -, e vestiu-se enquanto focava seus pensamentos em Gabi e Stelfart para bloquear os risinhos.

Desceu as escadas em caracol, enquanto algaraviava alguns xingamentos e, ao chegar no Salão Comunal iluminado pela manhã, colocou os olhos em Gabriel, que estava sentado na mesinha de madeira com a cara enfiada em um livro de capa roxa aveludada, a varinha em mãos.  

— Nem em sonho, giganta. - censurou Gabriel assim que Ysa fez menção de chamá-lo. 

O sorriso da garota murchou e ela assumiu um tom sério.

— O que foi? 

Gabriel nada respondeu. Continuou lendo o livro como se a menina nem estivesse ali - o que, Ysa tinha certeza, para Gabriel, não era muito difícil de imaginar. A garota notou que os olhos do Hobbit corriam as páginas com voracidade, como se estivesse muito atrasado para decorar alguma coisa. 

Ela tentou ver qual livro era, mas, ao que parecia, Gabriel o havia encapado de propósito, fosse o motivo que fosse.

Ela então girou os calcanhares e desceu para o Café da manhã. Encontrou Gabi e Borela deitados em um degrau de uma escada, trocando carícias e ignorando as pessoas que passavam por eles com as mãos nos narizes. Ela até pensou em dar um "bom dia", mas temendo que isso pudesse levar a alguma conversa, simplesmente os ignorou e seguiu o caminho decorado.

— O que faz aqui? - perguntou Pedro em um tom ofendido quando Ysa se juntou a ele e Lucas na mesa da Sonserina.

A menina alternou a atenção entre os dois, sem entender.

— Ué, tomando café.

— E por que não se senta na sua mesa? - perguntou Lucas, em um tom gentil, como quem fala a uma criança.

— Mas eu sempre me sento com vocês!

— Não é hora de começarmos a elencar os erros de cada um. - cuspiu Pedro, voltando os óclinhos esbranquiçados para uma edição do Profeta Diário. 

A menina bufou e enrubesceu. Levantou-se com honra e seguiu até a mesa dos Corvinos, onde sentou-se com força, fazendo todo o castelo estremecer.

Será que agora começariam a ignora-la de vez? Tudo porque a saga da Stelfart terminara? Então seria assim? Bem, de qualquer modo, ela tinha amigos em sua casa. Não precisava do trio de panacas, podia se divertir muito bem, sozinha. Entrementes, era o último dia de aula. Logo estaria em casa, e ao chegar, polvilharia a cabeça de Alexia com verdades sobre Gabriel que a fariam pulular de desgosto. A menina sorriu. Sim, com certeza faria isso. Gabriel se esquecia que Ysa podia arruinar sua felicidade quando quisesse. 

Serviu-se de panquecas, torradas, frutas e suco, e enquanto resistia à tentação de virar de costas para a mesa dos meninos, fingia rir das piadas que seus colocas corvinos contavam, apenas para que, se Pedro ou Lucas estivessem olhando, talvez se sentissem mal.

Foi quando ouviu a voz de Gabriel reclamando porque o texto era demasiado longo para decorar tão rápido, e quanto era injusto que profa. Minerva exigisse algo tão trabalhoso logo na véspera das férias.

"Bem feito", pensou Ysa, com veneno. "Tomara que reprove. Que se danem todos vocês. Eu estudei". 

Quando o sinal tocou para a última aula de Transfiguração do ano, Ysa subiu sem rodeios, tomou seu lugar à frente da classe, e empertigou-se como uma aula exemplar que - ela acreditava - era.

O alunos foram entrando aos poucos, claramente desinteressados pois logo estariam de férias. Ysa teve certeza de que Lucas e Gabriel sequer tirariam os cadernos da mochila. Torceu o nariz e fez um bico de lady quando ouviu as vozes deles se avolumando na sala.

Sentaram nas mesas ao redor dela, e a giganta então começou a rabiscar algo sem sentido, porém, "culto", em seu caderno, apenas para passar a impressão de estar ocupada.

— Será que o Borela dará um trato no Gabi? - Gabriel quis saber.

— Duvido. - disse Pedro, sensato. - Nem o Dumbledore deu.

— Mas o Borela vai proporcionar rola ao Gabi. - pôs Lucas, escavando algo em sua mochila. - Sexo, hoje em dia, é remédio pra tudo.

— Pelo menos só precisamos encarar o Gabi no ano letivo. - disse Gabriel, aliviado. - O Lucas é que é parente dele.

Lucas estremeceu enquanto Gabriel e Pedro davam risadas cruéis.

— Será que é errado se transfigurar em um Elfo Doméstico e servir a alguma família rica? - perguntou Lucas, com pesar.

— É bem feito. - apontou Pedro, em ar de superior. - O Gabi é a penitência por tudo de ruim que você fez na sua vida.

Lucas então analisou o amigo balofo de cima a baixo, soltou um sorriso sarcástico e perguntou com azedume:

— Então eu imagino o crime horrível que você cometeu para ser tão feio, assim.

Mas a risada estridente de Gabriel não se estendeu, pois logo Pedro disse:

— Pois saiba que fodi uma buceta ontem

Ysa notou que Pedro não fez o menor esforço em conter o tom, deixando conspícuo para a turma toda.

Lucas riu pelo nariz e apertou o lado da barriga.

— Mentira.

— Verdade!

— Então quem foi?

Pedro hesitou. Sua boca se transformou em um sorrisso e seus olhos se perderam no nada. 

— Uma professora. - disse ele, com orgulho. - Não vou dizer quem é, só saibam que foi uma professora. - falou em tom de quem encerra a conversa. 

A professora Minerva entrou na sala, controlando as conversas levianas e as brincadeiras infantis como se tivesse um chicote nas mãos. 

A turma se manteve silenciosa e formal até que a bruxa assumiu seu lugar no fundo da sala.

— Professora? - chamou Lucas, a mão se erguendo no ar.

— Sim, sr. Stumpf?

— A senhora teve relações transversais com o Pedro? 

A turma explodiu em risadas altas, que Minerva preferiu não dar atenção, para poder perguntar a Lucas.

— Como disse, sr. Stumpf?

Pedro tentava impedir que Lucas tornasse a falar, com movimentos frenéticos dos braços rechonchudos, mas que apenas faziam o sorriso no amigo arrogante se alargar mais, tal como seu cu. 

— Quero saber se a senhora já deu para o Pedro.

As risadas aumentaram tanto que Ysa pôde ver os quadros ao redor da sala tapando os ouvidos. Até mesmo Gabriel parecia extremamente desconfortável, pois admirava a profa. Minerva, e claramente não gostaria de imaginar tal cena com o leitão.

— Vou imaginar que o senhor foi ludibriado por alguma poção da confusão dada por algum desses seus amigos, e ignorar a pergunta, sr. Stumpf. - A turma se calou, e os amigos assumiram uma pose relativamente educada. - Não estou com a mínima vontade de tirar os devidos pontos da Sonserina por esse insolência. Do contrário, creio que se conseguissem fechar o dia com dez pontos, seria muito.

Lucas então foi fulminado pelos olhares irritados dos colegas Sonserinos, incluindo Pedro.

Minerva não se demorou na chamada, e logo começou a cobrar o texto que os alunos deveriam ter decorado.

— Sorte sua que obteve resultados satisfatórios nos exercícios de transfiguração, sr. Stumpf. - disse a professora logo antes de colocar um "T" ao lado do nome de Lucas, após avalia-lo. 

Ela seguiu importantemente até os demais alunos, que tremiam de nervosismo, como se o julgamento da professora fosse para toda uma vida. Gabriel teve o mesmo resultado de Lucas, mas conseguiu passar na matéria; Pedro teve um "Excede as expectativas", Gabi e Borela sequer fizeram o dever, estavam demasiado ocupados apertando o bumbum um do outro; por fim, Ysa conseguiu atingir o resultado esperado, e fez questão de lançar um olhar arrogante a Lucas e Gabriel, que fizeram pouco caso da amiga, voltando sua atenção para sua conversa interna. 

O sinal tocou, anunciando que, oficialmente, as aulas haviam terminado. 

O último jantar na escola fora preparado com um esmero nunca antes visto pela giganta. As comidas estavam tão suculentas que parecia uma tortura ter de esperar Dumby terminar seu longo discurso sobre coragem, fé e perseverança. Ysa pôde ouvir um "e ninguém tem ideia de que o senhor foi o causador da diarreia de Gabi e Borela, seu velho safado..." vindo de Lucas, que escondeu as palavras atrás de um livro para que ninguém além dos amigos em volta, conseguisse ouvir - Ysa só conseguiu ouvir porque era uma giganta dos infernos.

A cerimônia da taça das casas ocorreu rápido.

Como Ysa esperava, Grifinória ganhou sem muita dificuldade, pois era a casa favorita de Dumbledore. Corvinal terminou em segundo, seguido por Sonserina e por fim, Lufa- Lufa. Pedro não deixou de culpar Lucas pelo fracasso da Casa.  

— Se você fosse mais controlado... - reclamou ele ao amigo.

— Se você não jogasse professores pela janela... - disse Lucas, não dando bola. 

A fumaça do expresso de Hogwarts se dispersava no ar enquanto a multidão de alunos se empurrava para entrar nos vagões. Ysa arrastava seu malão pelo chão encardido enquanto abria caminho por entre os demais.

Os burburinhos pareciam insetos incômodos, os alunos atravancados entre gaiolas, despedidas, seus colegas e malões. Ysa topou com o trio de babacas de supetão. Transpassou-os sem sequer se despedir, empinando o nariz e roçando-o na quinta lua de Júpiter.

Assumiu um lugar aconchegante em uma cabine vazia. Fechou os olhos e aspirou o último ar de Hogwarts que teria ainda esse ano. Foi quando a porta de correr se abriu, roubando sua atenção. Seu sorriso que preparara para receber quem quer que fosse, derreteu ao notar que era o trio.

Ela sentiu uma forte vontade de sorrir, mas se conteve. Deslizou o olhar para os trilhos úmidos que cortavam a vista da janela na metade, enquanto Gabriel e Pedro sentavam e Lucas fechava a porta com força.

— Então, finalmente acabou. - disse Gabriel, com uma nítida tristeza.

— Sinto que voltaremos mais cedo do que imaginamos. - consolou Lucas.

Ysa sabia que, mesmo eles dizendo que não, sentiam falta dela, por isso se sentaram lá, mas nunca admitiriam, então sequer pensou em insistir. Apenas sorriu e concordou com as palavras de Lucas.

O trem escarlate se despediu da estação de Hogsmeade com uma alta buzina, desapareceu na negritude que cobria o horizonte, e suas janelinhas faiscaram com a luz da lua quando fez uma curva semi-aberta, pontuando com um final, o ano letivo mais fedido da história de Hogwarts. 

 


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