A enxaqueca da vez estava piorando ainda mais. As criadas não a deixavam em paz mesmo que pedisse. Ah, Clarkson conseguia ser tão superprotetor quando queria...

A rainha suspirou, o que só fez com que sua cabeça latejasse com mais intensidade. Estremecendo, ela disse:

— Moline, você poderia fechar as cortinas? – o pano úmido em seus olhos não estava adiantando muito.

— Claro, Majestade. – o som das argolas derrapando na madeira a incomodou. – A senhora quer mais travesseiros?

— Não precisa, muito obrigada. Já está na hora do remédio?

— Ainda não, minha rainha.

Batidas na porta a sobressaltaram. Provavelmente algum guarda revisando o protocolo de segurança com as criadas. Ela retirou o pano úmido e espiou. Sim, com certeza. Era um guarda.

Nunca o rei. Nunca seu marido.

Amberly engoliu em seco. Sentia seu corpo pesado e dolorido. Uma fresta de luz solar passava pelas cortinas. Devia estar um dia lindo lá fora, mas logo o sol desapareceria e ela continuaria ali, trancafiada em sua própria mente. Ela gostaria de poder desfrutar de tudo o que aquela vida lhe oferecia, mas nunca conseguiria. Algo sempre a puxava para trás. Sua saúde, seu cargo, seu marido...

Exasperada, ela recolocou o pano no lugar e ouviu sua criada retomar seu lugar ao lado da cama. Aquilo deveria matá-la de tédio também. Pobre coitada, condenada a esse quarto por minha causa. Sempre a rainha doente. Gentil, mas debilitada. Adorada, mas problemática. Nunca perfeita.

How can I say this without breaking?

How can I say this without taking over?

How can I put it down into words

When it’s almost too much for my soul alone?

Ah, como ela gostaria de voltar no tempo. Não, não porque se arrependia, muito pelo contrário. Para poder fazer tudo de novo. De um jeito melhor. Porque ela não sabia onde tinha errado. Parte dela dizia que aqueles pensamentos eram sem fundamento, que ela nunca cometera nenhum erro, não do tipo do qual ela se culpava... Que, na verdade, tinha impedido os outros de cometerem diversos erros sem volta. Mas então...

Então por que eles tinham se distanciado com o tempo? Por que ela mal se lembrava da última vez que tocara seu rosto? Ou que sentira seu peito contra o dela, seu calor, seu sabor?

Clarkson era um homem quebrado de tantos jeitos diferentes. Ela tinha prometido ser seu centro. Ele queria que ela fosse seu centro. Ele, de seu jeito destruído e distorcido, havia se apaixonado por aquela menina desgastada pela vida. Havia ido contra os princípios de seu pai. Até de sua mãe, talvez. Ela o salvara. Salvara daquela vida de aparências, de frieza, de deuses intocáveis. Ela trouxera a chama, o sentimento, o riso.

E agora lá estavam eles: em quartos diferentes, em alas diferentes. Encontrando-se apenas nas refeições, ou em algum evento importante. Amberly tentara e tentara estar ao seu lado sempre, mas esse sempre era interrompido pelas suas enfermidades, e a rainha passara a se culpar cada vez mais por não poder acompanhá-lo e salvá-lo de seus demônios.

I loved and I loved and I lost you

I loved and I loved and I lost you

I loved and I loved and I lost you

And it hurts like hell

Yeah, it hurts like hell

— Moline, eu preciso ir ao banheiro.

Talvez aquele fosse o único jeito de ficar sozinha por um tempo. Amberly precisava daquilo.

A criada a ajudou a levantar e caminhar até a porta do outro lado. Ela a trancou por dentro, mesmo com os protestos da garota.

Suspirou novamente ao se olhar no espelho. Mesmo com a maquiagem impecável, as rugas de expressão ao redor dos olhos eram visíveis, fruto dos bons tempos. Aqueles em que Clarkson ainda a fazia rir, ainda tinha tempo para visitá-la à noite, ainda não havia cedido aos seus monstros.

O cabelo estava marcado onde a coroa estivera horas atrás. Aquela coroa em que um dia foi posta em sua cabeça com uma promessa e um quase sorriso. E ela a honrara por todos esses anos. Desempenhara seu papel de rainha, todos a adoravam. E ela adorava seu povo. Lutava por eles.

E então Clarkson se tornara mais distante, mais frio... as visitas ao seu quarto foram diminuindo até pararem de vez. Toda vez que ele a via, abria um sorriso radiante, todos os seus problemas desapareciam. Mas esses momentos se tornaram tão escassos. Eles se viam cada vez menos. A distância estava ali presente, suspensa no ar, quase palpável. E ela sentia por isso. Sentia tanto.

Queria seu amor de volta. Queria seu riso de volta. Queria seu olhar terno e seu toque urgente durante a noite. Amberly queria sua vida de volta.

I don’t want them to know the secrets

I don’t want them to know the way I loved you

I don’t think they’d understand it, no

I don’t think they would accept me, no

Clarkson era tão inescrupuloso com todos. Só o fato de ser sua esposa fazia com que os outros a olhassem chocados, mesmo que tentassem disfarçar. Mas Amberly sabia. E sentia por isso também. Ele havia chegado a um ponto que a fazia querer esconder seus sentimentos, esconder que sempre fora apaixonada por ele, desde quando eram apenas um rosto na tv e uma menina do campo.

Às vezes ele fazia coisas que a envergonhavam. E ela o amava tanto. Continuava amando e desejando aquele homem ardentemente.

Amberly sabia de sua amante. Nunca fora tola. Quando as visitas ao seu quarto cessaram, o pensamento passou a lhe ocorrer diversas vezes, até a noite na qual saiu para ir até a cozinha e avistou aquela mulher desfilando nos corredores de seu palácio, sua casa, desarrumada e com um sorriso debochado nos lábios, após ter dormido com seu rei. Seu marido.

Com lágrimas transbordando nos olhos, ela voltara silenciosamente para o isolamento de seu quarto, cheia de raiva e angústia, sentindo-se impotente. Ela era a rainha. Diversos reis tinham amantes, sempre fora assim. Mas o que a deixava mais despedaçada era que eles tinham se casado por amor! Ela havia aberto um caminho por entre suas paredes e o conquistado. Ao contrário do que muitos pensavam, não era um relacionamento abusivo. Ele era apenas temperamental, moldado pelo sofrimento com o andar dos anos. Clarkson nunca levantara um dedo contra ela. E quando ele ousava levantar a voz, a urgência nos olhos de Amberly o fazia recuar. E então aquele golpe.

Amberly sempre fora tão forte. Mas quando se tratava de Clarkson ela se sentia novamente uma garota apaixonada pela imagem tão linda que via na tv. A confiança que tinham construído e o amor que iluminava suas vidas pareceu então pertencer a outra dimensão.

Ah, tantos segredos, tantas decepções. E, ao mesmo tempo, tanta saudade, tanta culpa.

I loved and I loved and I lost you

I loved and I loved and I lost you

I loved and I loved and I lost you

And it hurts like hell

Yeah, it hurts like hell

Ela se sentava altiva em seu trono, usando sua coroa com orgulho. Se limitava a sorrir e ser amável como sempre. Mas uma parte sua havia morrido naquela noite.

O que a deixava mais irritada era que não importava por qual decepção Clarkson a fizesse passar, Amberly sempre se derreteria ao seu olhar, seu sorriso, seu toque. Queria poder confrontá-lo e exigir respostas, exigir um tratamento digno de esposa e rainha... mas ela já havia visto do que ele era capaz.

Além disso, mesmo com todos os erros, todos os defeitos, todos os ataques, Clarkson ainda a amava. Ela, antes de tudo, ao contrário de todos, o conhecia. Conhecia-o de dentro para fora, de trás para frente. E aquilo corroía seu estado de espírito e colocava sua sanidade à prova.

— Majestade? – as batidas na porta a sobressaltaram. Havia passado tanto tempo perdida no olhar do próprio reflexo. – Majestade, o rei está aqui.

Amberly respirou fundo e tentou não pensar. Nada em sua vida fazia sentido ainda.

Ao voltar para o quarto, pôde ver que o sol já tinha se posto. As luzes ainda não estavam acesas e nem seriam, se dependesse de sua enxaqueca.

— Pode nos deixar agora. – disse ele para a criada. E é claro que ele foi obedecido.

Ela o encarou de uma distância segura e foi em direção à janela. A lua ainda estava baixa, mas a vista era linda. Sentiu pontadas por trás dos olhos, mas não se importou. Não poderia passar todos os minutos presa à cama.

— Amberly. – ela pôde ouvir sua voz bem mais perto agora.

Clarkson a envolveu por trás e se enterrou em seus cabelos. A rainha prendeu a respiração.

Ah, aquele cheiro... o cheiro de sua mulher, seu centro. Ele havia cometido tantos erros com ela. E agora queria se afundar ali.

— Posso ficar aqui esta noite?

Era um pedido. E o rei nunca pedia. Amberly merecia aquilo. Merecia tudo no mundo.

— O que quer dizer com isso? – sua voz saiu num sussurro, com medo demais de começar a acreditar.

— Ah, você sabe... eu posso pedir para trazerem nosso jantar para cá. Quero cuidar de você, tomar banho com você, deitar com você... – ele sorriu e pegou sua mão. – Fazer tudo o que um marido pode fazer para sua esposa. Ainda mais quando são rei e rainha.

Ela se virou e olhou bem fundo em seus olhos. Não havia sombra de deboche ou mentira. Clarkson realmente queria fazer aquilo. Seu mundo estava de cabeça para baixo em questão de segundos. Ela sentia como se estivessem se conhecendo novamente, com exceção de que, bem, eles não estavam. O que era melhor ainda.

Ele olhou para seus lábios e a beijou terna e profundamente, depois ávido e cheio de desejo.

— Eu te amo, Amberly. – ela segurou a respiração novamente. – Você é minha rainha e esteve lá esse tempo todo e... eu cometi tantos erros... quase deixei você escapar pelos dedos... Mas não mais.

Dreams fight with machines inside my head like adversaries

Come wrestle me free

Clean from the war

Your heart fits like a key into the lock on the wall

I turn it over, I turn it over

But I can’t escape

I turn it over, I turn it over...

Amberly o beijou com tanta saudade e ternura e avidez e desejo e... ah, o que poderia dizer? Ela estava presa àquele amor, àquele homem. E amava cada parte disso.

Ela enroscou os dedos em seus cabelos e o puxou para ainda mais perto, prensando seu corpo no dela.

Naquela noite, todos os erros seriam consertados. Ela mostraria o que ele estivera perdendo esse tempo todo.

I loved and I loved and I lost you

I loved and I loved and I lost you

I loved and I loved and I lost you

And it hurts like hell