Palavras sorteada - Terceira - Amor escrita por Ruviana Chagas


Capítulo 1
22/11/14 : rev 02/07/19 - Terceira história




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22/11/14 : rev 02/07/19 – Terceira história - Amor

O céu sobre o castelo amanhecia quando ela já se banhava nas primeiras horas frias da alvorada. O banheiro reluzia ouro e mármore diante da manhã dourada.

Suas pernas cruzadas apoiavam-se na borda, enquanto os braços trabalhavam delicadamente o corpo com a esponja. A pele cor de pêssego corado do sol, os cabelos morenos brilhavam dourado à luz.

A parte mais bonita das manhãs quando ela, enfim, podia tomar o banho que a devida alma merecia.

Sua vida não era tão fácil quanto seu rosto transparecia. No entanto, todas as manhãs, na banheira de mármore em frente à janela de madeira e vidro que se abria para o seu particular e extenso horizonte verde e laranja outonal, nos confins do imenso lar. Distante da rotina burguesa e tediosa, ela esquecia-se de toda sua atual vida, cheia de pessoas mesquinhas, bailes cínicos, conversas sonolentas, vestidos pesados com tecidos demais, jardins arrumados e simétricos demais, e dava lugar ao bom sentimento de se aproveitar as pequenas coisas.

Ela gostava de sua vida, gostava das festas e brincadeiras, de algumas companhias, gostava das roupas pomposas e decoradas, das comidas, dos olhares sedutores... Mas há momentos em que somente um banho quente diante do sol nascente e seu vento bastavam. Uma esponja macia acariciando, o sabão perfumado e um pouco de suas comidas preferidas, doces demais para o dia a dia.

Era este café que o jovem valete de seu falecido marido trazia: chá, bolo com mel e morango com creme de leite doce.

Ela sorriu ao vê-lo na porta. Pediu para que entrasse e pôs-se a bandeja na mesinha perto dela. Obediente aproximou-se envergonhado e tentou novamente não olhar para o colo que quase lhe mostravam os seios sob a espuma.

Ela percebeu e riu, lembrando o que sua criada pessoal dizia – “A senhora é tão despudorada” e ria. Ele envergonhado aprumou-se e virou-se para sair.

Mesmo com todas as manhãs, ele ainda não conseguia não se deter ante a grande porta do quarto de banho que emoldurava especialmente a banheira em frente à janela com a mulher seminua se banhando. Em todas as manhãs era inexplicável a sensação de arrepio e frio na barriga. Ele que à conhecia há anos, desde o casamento, que a acompanhava nos passeios pelo bosque quando ainda era lacaio, e depois a acompanhou no luto pelo esposo duque. Agora lhe assiste conviver com a pressão da sociedade sobre sua solidão. Pensa que tudo só parece ter aumentado sua beleza. E sua admiração e paixão por ela.

Mas isso não o deixa delirar a ponto de deixa-la a mercê de seus próprios impulsos. Sabia que pela proximidade de sua ocupação, permanecida por vontade dela, já que não tinha mais motivo de existir, e por sua intimidade adquirida pelas circunstâncias, precisava protegê-la. Protegê-la de suas atitudes incontidas e nocivas a si mesma e para com os outros. E para com ele. Pois ao perceber o que ele sentia por ela, começou a deixar-se mais sem pudor a ponto de lhe pedir serviços pessoais e restritos que seriam sua própria de sua criada. Acompanhava-a ainda nos passeios ao jardim, à floresta, ao rio; colocava-lhe o sapato que caíra enquanto no cavalo; colocava-lhe o colar enquanto seu dorso quase desnudo sob um vestido frouxo e depois o aproveitava para amarrar este. E agora, depois, de tantos olhares e risos entre conversas, depois de tantas tentativas e provocações contra a respeitosa atenção, tenta-lhe na banheira, nua sob as espumas deixando por vezes seu colo amostra.

Há poucos anos que seu marido faleceu. Um homem forte e vigoroso em corpo, mente e alma, religioso e piedoso, de espírito aventureiro e compadecido dos miseráveis. Um homem lindo e que lhe faz uma enorme falta. Porém, ele era amigo, mas não seu amante. Amou-a até o fim. Perdeu-se na guerra e fora encontrado morto longe dos outros soldados.

Ela chorou por meses, e choraria até anos não fossem as moças e o rapaz que o marido deixou para que cuidassem dela.

Os amigos e parentes lhe aconselham a casar de novo para que não fique só e que tenha um filho. Mas ela não quer; a não ser o filho - um dos seus sonhos mais profundos. Porém, homem? Um novo marido? Não mais. Não outro. Não mais um casamento cheio de enfeites e brilhos de cristais fruto de uma herança bem escolhida. Ela queria amor, queria amar, desejar alguém como nunca desejara - ou como uma vez pensou sentir pelo marido quando em uma de suas noites juntos depois de uma longa conversa sobre os lençóis.

Ela queria amor, conversar, partilhar, rir, olhar com embriagues de felicidade, queria sentar do lado de alguém em quem pudesse confiar seus mais íntimos pensamentos e sentimentos. Queria desejar vê-lo, procurar por ele a cada porta que entrasse, cada esquina do labirinto verde do jardim, tê-lo por perto, sentir seu cheiro amadeirado de almíscar do campo no inverno com o cheiro de roupa limpa e lavanda e guardada com zelo; cheiro que só sentia quando ele se aproximava; queria sentir seus dedos continuar por sua perna quando esta parava no pé calçado, ou sua mão quando lhe ajudava a descer na carruagem, ou em sua cintura quando para descer do cavalo; acariciar seu pescoço depois do colar; desamarrar o vestido seguindo suas vontades invés de amarrar o mais forte que a respiração ofegante de sua senhora deixasse...

Ela o queria. Queria o mesmo olhar brilhante e fascinado de todas as vezes que a via. Sentir como seu tom de voz suavizava quando conversavam. Perceber quão fascinado e atento está quando lhe falava qualquer coisa. Deixá-lo nervoso sempre que pudesse igual quando lhe aparecesse bela.

Quer poder observar seus movimentos calculados, rigorosos e elegantes sem discrição. Poder ouvir sem parar seus pensamentos sobre a vida que tinha e a que via outros viverem; poder esconder-se da multidão nos bailes e ouvir somente suas boas palavras. Quer conhecer seus segredos e guardá-los consigo.

Ela adora o jeito acanhado, e, no entanto, revelador como a olha no banho. Ela lhe quer, mas não sabe o que fazer para conseguir, para quebrar o muro que se impunha. Sabe que a qualquer movimento que tendesse a mostrar mais de seus seios, ele se apressaria a sair. Ela sabe o que ele sente, mas que nunca demonstraria mais que decoro, serviço e amizade. Tudo e somente o que aprendeu com sua mãe e seu patrão que lhe deu abrigo.

Os banhos eram suas últimas tentativas de lhe comunicar o que queria. Depois desistiria e se deixaria cair na tristeza que a contornava. Ou se despiria exasperada de suas roupas e lhe pularia nos braços... E então ele a largaria e sairia envergonhado e não mais voltaria.

Ele parecia tenso e percebeu que novamente estivera olhando-o intensamente distraída passando a esponja no corpo enquanto nos devaneios. Desviou para a janela e sorriu.

Ele a chamou para que recebesse o chá, mas recusou pedindo os morangos. Ao que ele aproximou a taça, ela levou o braço para pegar e bateu derrubando no chão. Ele paralisou olhando os morangos sobre o creme no tapete. Ela virou para ver enquanto ele urgente ajoelhava-se para juntar e limpar o que podia.

Ele estava tão perto... Seu pescoço, seus cabelos negros, seu cheiro. Ela estendeu-se sobre a borda da banheira descendo a mão e pegou um dos morangos fora da taça encoberto pelo creme. Ele levantou o rosto para ver sua expressão desapontada, porém, seguiu entorpecido o morango ser levado à boca e ser mordido. Ela deixa cair o morango e estica-se para lhe pegar a mão coberta de creme e coloca alguns dedos na boca. Ela prende os olhos nos seus, tira-lhe os dedos e se ergui como uma ninfa do mar, beijando-o e puxando para dentro da água.

Palavras sorteadas: Castelo, esponja e creme.


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