A mulher saiu da cama de fininho, tentando não acordar o marido. Sentou-se na penteadeira e passou a escova nos cabelos distraidamente. Os minutos passavam e a escova continuava subindo e descendo nos cabelos. Com um suspiro, ela percebeu que não podia mais adiar aquilo.

 Lentamente, caminhou em direção ao guarda-roupa, onde tirou uma caixa azul [assim como seus olhos eram, meu amor...] de baixo de vários vestidos e blusas. Foi para o quarto ao lado, onde não incomodaria o sono do homem deitado.

 Suas mãos tremiam ao tirar a tampa da caixa, revelando várias fotos e cartas. Pegou a primeira, onde se podiam ver dois jovens fantasiados sentados no sofá. A legenda, que há muito tinha desaparecido, dizia algo como “Angel e Peter, Halloween 1999”. Naquele dia, eles fizeram suas tatuagens. Uma metade do coração para cada um, como que numa afirmação de que um completava o outro. Uma segunda foto, que ela nunca tinha visto, foi tirada naquele mesmo dia. Era ela, com um bigode feito a lápis e fazendo caretas. Saudade era a única coisa que descrevia.

 Sentia as lágrimas correrem pelo rosto, mas pegou a próxima. Foi tirada em um dia ensolarado. Ela estava deitada no colo de Peter, que mexia em seu cabelo com uma mão e, com a outra, tentava fazer-lhe cosquinhas [n/a: eu realmente não sei o que ele está fazendo aqui, então eu inventei okay?]. Eles tinham passado tanto tempo naquele lago... Ás vezes, ela chegava a sentir saudades de lá. Outras duas tinham sido tiradas no lago. Em uma delas, estávamos deitados sobre a toalha do piquenique, olhando um para o outro, olhares apaixonados. Na outra, ele me levava de carona na bicicleta. Eu sempre tive adorava quando ele fazia isso, então eu estava com a boca aberta, gritando, e os braços levantados. Não pude evitar rir disso.

 Quando eu peguei a próxima, lembrei-me de como nós gostávamos dos bailes. Nós dançávamos juntos, olhando um para o outro e sorrindo. Ele tinha me pedido em casamento. Estiquei a mão e peguei a última. Foi tirada no último dia que o vi. Estávamos em Nova York, em um dos becos, com alguns amigos. Fumávamos e bebíamos um pouco, nada excessivo. Quando já estávamos um pouco alterados, tentei fazê-lo parar de beber, mas nós acabamos brigando e ele foi embora com seus amigos.

 No dia seguinte, a polícia tinha aparecido na minha porta e disseram que seu corpo tinha sido encontrado em um carro amassado no meio da rodovia. Até hoje meu maior arrependimento era não ter insistido mais. Não ter tentado mais.

 Eu fazia isso todo ano, todos 31 de outubro. Eu me obrigava a pegar a caixa e lembrar-me. Não aceitava esquecê-lo, nunca aceitei.

 Só esperava que ele me perdoasse, porque eu não consigo...