* Rosa:

Era sábado à tarde. Eu estava vendo tv sem prestar atenção no programa. Passei o dia inteiro pensando em uma maneira de falar com o Igor. Deveria questionar sobre o ciúme que ele sentiu de mim ontem? O que eu ia dizer? Que fiquei com o Gabriel pra causar ciúmes nele porque eu gosto dele?

Ficava olhando pra porta esperando ele aparecer. Nada. Não mandei mensagem por achar que esse assunto teria que ser tratado pessoalmente. Tomei coragem e fui. O pai dele estava lavando o carro.

—Oi Rosa!

—Olá tio Arnaldo. O Igor está?

—Está na cozinha, pode entrar.

Cheguei na cozinha e vi que a mãe dele preparava um bolo de chocolate e Igor e sua irmãzinha Rebeca que estava em seu colo, lambiam as vasilhas e a colher com o recheio.

—Osa – Disse Rebequinha olhando pra mim.

—Eae Rositta, senta ai. – Disse Igor ao me ver.

—Uhmm adoro bolo de chocolate – Eu disse sentando enquanto Igor me dava uma colher cheia de cobertura.

—Como vai Rosa? – Disse a mãe do Igor.

—Bem – Eu disse lambendo a colher.

—Mãe será que dá tempo de ir a pracinha antes do bolo ficar pronto? –Disse Igor enquanto Rebeca batia no pote com a colher sem parar.

—Sim, leve a Beca junto.

—Não. – Ele disse colocando ela na cadeirinha.

Pegou a minha mão e me levou até a pracinha que ficava bem pertinho de casa. Sentamos em um banquinho e ele segurou minha mão. Meu coração começou a bater um pouco mais rápido naquele instante.

—Rositta, você sabe que é minha amiga e que eu tenho que te contar tudo né?

—Sim – Uma felicidade imensa transbordava em mim.

—Então, ontem na festa, quando você estava beijando o Gabriel, senti um pouco de ciúmes e achei que talvez deveria estar gostando de você ...

Não conseguia conter meu sorriso.

—... mas é claro que eu estava confuso, afinal você estava tão bonita, mais do que o normal, e eu nunca tinha te visto beijando um cara na minha frente, por isso devo ter confundido as coisas. Mas tudo bem eu já superei essa ideia maluca porque agora eu sei que eu realmente estou gostando da Celina.

Meu sorriso diminuía a cada palavra até sumir completamente na palavra Celina.

—Ce...Celina? –Perguntei engolindo seco.

—Sim, a garota que estava fantasiada de grega, a que eu tirei pra dançar, não se lembra?

Achei que ele só tinha dançado com ela pra me fazer ciúmes, achei que ele estava gostando de mim e ele realmente disse que achou que estava gostando de mim.

—Ta tudo bem Rosa ? –Ele perguntou percebendo que eu tinha soltado a mão dele?

Continuei calada sem olhar pra ele.

—Eu não devia ter te contado que achei que estava gostando de você – Ele disse levando as mão ao rosto e se apoiando em seus joelhos – Acho que você nem consegue imaginar nos dois desse jeito, somos amigos a muito tempo e isso deve ser muito estranho pra você, ainda mais agora que você está com o Ga.

“Não não é totalmente ao contrário” mas essas palavras não conseguiram nem sair pela minha boca.

—Desculpa Rositta, mas agora já passou, como eu disse, estava muito confuso e percebi que gosto mesmo é da Celina. Vem vamos comer aquele bolo – Ele disse pegando a minha mão.

Enquanto voltávamos pensei em algo pra dizer. Dizer que eu gostava dele. Ao invés disso comecei a lembrar de quando percebi que gostava dele.

Eu tinha 11 anos e ele 13. Eu ainda falava meio “portunhol” pois só fazia 1 ano que eu tinha chegado do México. As crianças na escola me atormentavam por isso mas Igor sempre ficava do meu lado. Eu ia chorar escondida na quadra quando ela estava vazia e ele ia lá me abraçar. Senti que gostava dele mais do que só como amigo naquele momento. Sim, faziam 4 anos que eu mantinha isso em segredo e quando finalmente pesei que ele correspondeu ele fala que gosta de outra.

Mas, será que ele só pensa que gosta dela pra não ter que pensar que gosta de mim?

Decidi deixar que ele descubra isso sozinho.

*Igor:

Eu não dormi direito pensando no que a Celina me disse. Eu poderia muito bem desistir dela ao saber que nunca teria uma chance, ela nunca ia acreditar que eu estava mesmo gostando dela. Ela nem me deu a chance de dizer isso!

Passei metade do meu dia procurando por ela no face. Nada. Parece que ela não tem facebook pois achei umas 50 Celinas e nenhuma era ela. Parece que na nossa cidade só tem uma Celina além dela, professora de uma auto escola, mas nada de encontrar a Celina de olhos meigos.

—Vou fazer um bolo de chocolate mas preciso que você vá a mercearia comprar os ingredientes! –Disse minha mãe entrando no quarto.

—Tudo por um bolo de chocolate! –Eu disse pegando a listinha e o dinheiro de sua mão.

A caminho da mercearia pensei em passar na casa da Rosa, precisava falar com ela sobre o que eu achei que senti ontem. Ela era minha amiga e nossa amizade só voltaria ao normal depois que eu confessasse tudo a ela. Porém, essa conversa poderia ser demorada e minha mãe precisava dos ingredientes para começar a fazer o bolo.

De tardezinha, Rosa apareceu lá em casa. Perfeito. Chamei ela pra ir a pracinha e contei tudo. Ela ficou calada, talvez chocada ao tentar imaginar nos dois. Eu me arrependi de ter contado a ela. Pelo menos agora eu sei que nunca poderíamos ficar juntos.

Na segunda-feira cheguei atrasado na escola. Encontrei o Gabriel sentado no lugar dele na sala de aula.

—Eae Ga!

—Fala Igor, firmeza?

—Opa, e você com a Rositta?

—Hahaha finalmente consegui ficar com ela!

—Parabéns, mas eai, vai levar isso adiante?

—Primeiro tenho que resolver uns pequenos probleminhas lá em casa pra depois tentar dar o próximo passo com ela!

—Bom, só vou avisando que a Rosa é minha irmãzinha de outra mãe e se você fizer algo ruim pra ela já sabe né?

—Relaxa cara, eu tenho uma irmã da idade dela e da mesma mãe! Sei do que você esta falando! –Ele disse rindo.

No recreio encontrei Celina sentada com a irmã do Gabriel.

—Gabi, me empresta a Celi um pouquinho?

—É toda sua!

—Não Gabriela fica aqui? –Pediu Celina.

—Tenho que ir ao banheiro de qualquer jeito! –Disse Gabi se levantando.

—O que você quer? - Disse Celi irritada.

—Te dizer que você está linda hoje. Mesmo sem maquiagem e de óculos.

—Eu não preciso que sinta pena de mim!

—Já disse que não é isso Celina, eu gosto mesmo de você.

Ela ficou calada alguns segundos e voltou a falar:

—O que foi Igor? Perdeu uma aposta? Qual é a sua de me irritar tanto semana passada e de repente dizer que gosta de mim?

—Por que você não acredita em mim?

Ela simplesmente se levantou e foi até Gabriela que tinha saído do banheiro. Fui até Rosa que estava sentada com as amigas na escada como sempre.

—Rositta você tem que me ajudar a conquistar a Celi!

* Celina:

No sábado de manhã, levantei um pouco mais tarde do que de costume. Papai já havia tomado café mas continuava na mesa lendo um jornal.

—Bom dia dorminhoca.

—Bom dia pai. – Eu disse me sentando na mesa.

—Como foi a festa ontem?

—Eu queria mesmo ter vindo embora mais cedo, mas esqueci meu celular pra ligar.

—Porque queria vir cedo? Não estava legal?

— Mais ou menos. Fiz uma amiga.

—Isso é bom não é?

—Sim, mas não sei se gosto muito de festas.

—Isso é bom também, mas uma festinha de vez em quando não faz mau.

—É, pode ser.

—Depois que você tomar seu café se troque, vamos dar uma volta no shopping.

...

Na manhã seguinte me sentei em meu lugar e comecei a mexer no celular quando Lucas chegou:

—Bom dia Celi!

—Bom dia Lucas!

—Me passa seu número. –Ele disse olhando pro meu celular.

Quem diria que ele ia querer meu número e que nem olhou e nem conversou com a gêmea hoje.

No recreio eu me desiludi. Ele se sentou com ela e seus amigos esquisitos.

—Ainda pensando no cabelo de Justin Bieber? -Perguntou Gabriela se sentando comigo.

Eu não sabia o que era GTA mas sabia o que era Justin Bieber. Sabia até que ele não usava o cabelo assim á muito tempo, e o do Lucas não parecia uma tigela era mais repicado.

—Eu sou uma iludida mesmo, quando é que um garoto assim vai gostar de mim?

—Esses meninos perdem tempo com esse tipo de menina mas na hora de escolher alguém pra namorar sério eles querem as tímidas e recatadas, acredite! Quem imaginou que meu irmão que pega todas da escola iria gostar logo de Rosa Fernandes? A menina quietinha que sofria bullyng á alguns anos atrás por ser mexicana?

Olhei para os curativos no braço da Gabi me distraindo completamente do assunto.

—O que aconteceu Gabriela? –Eu disse pegando o pulso dela.

—Soro na veia, passei mal esse fim de semana e fui parar no hospital. Eles não acharam veia no meu braço então aplicaram no pulso mesmo. –Ela disse soltando seu braço da minha mão.

—Nos dois braços?

—Pois é a coisa foi feia.

Eu não entendia muito de medicina mas sabia que não aplicavam soro no pulso e sim na mão quando não achavam veia no braço. Além disso vi uma marquinha de agulha no braço dela e sua pele era tão branca e suas veias tão verdes que até eu que era míope conseguia enxergar sem óculos.

—Essa história ta muito mal contada. –Eu disse por fim.

Antes que ela pudesse responder qualquer coisa o chato do Igor apareceu.

—Gabi, me empresta a Celi um pouquinho?

—É toda sua!

—Não Gabriela fica aqui? –Pedi.

—Tenho que ir ao banheiro de qualquer jeito! –Disse Gabi se levantando.

Eu não estava nem um pouco com paciência para ele, ainda mais agora que estava intrigada com os pulsos de Gabi.

—O que você quer?

—Te dizer que você está linda hoje. Mesmo sem maquiagem e de óculos.

—Eu não preciso que sinta pena de mim!

—Já disse que não é isso Celina, eu gosto mesmo de você.

Pensei no que Gabriela tinha dito agora a pouco sobre um cara gostar de garotas tímidas e retraídas, mas honestamente, eu não conseguia acreditar nele, eu não sabia o que ele queria mas não acho que estava gostando de mim.

—O que foi Igor? Perdeu uma aposta? Qual é a sua de me irritar tanto semana passada e de repente dizer que gosta de mim?

—Por que você não acredita em mim?

Eu tinha cansado daquela conversa e Gabi tinha saído do banheiro sem os curativos nos pulsos. Fui até ela deixando Igor pra trás.

—São cortes, geralmente os faço com gilette. – Disse Gabriela apontando para as cicatrizes no pulso. –Esses são mais antigos e esses mais recentes.

Fiquei chocada. Ela me puxou pra quadra e me contou toda a sua história sobre a morte do pai, a depressão da mãe, o ex-namorado que lhe apresentou as drogas e sobre como tudo aquilo a levava a se cortar.

—Nunca havia falado sobre isso abertamente com ninguém. Sinto que posso confiar em você. Posso?

—Claro que sim Gabi. Você ganhou uma amiga!

Chegando em casa, durante o almoço meu celular tocou. Era o Lucas. Atendi sorrindo.

—Alô.

—Quer vir aqui em casa jogar GTA?