A Garota do Ônibus escrita por Seed Gipsy


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Esse é o único, espero que gostem!

A inspiração para a fic veio de uma paixão momentânea no ônibus, que logo virou ideia e que logo virou fic ^^



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O mundo se renova todos os dias. Bebês nascem, idosos morem; Lugares abrem, lugares fecham; Pessoas se encontram, pessoas se perdem. Aliás, falando de encontros e desencontros, é justamente sobre isso que vamos tratar aqui. Essa não é uma história de contos de fadas, onde tudo acaba com lágrimas de felicidades e sorrisos apaixonados. Também não é uma história dramática, onde tudo acaba em tragédias. Na verdade, esta é uma história realista, que se passa no nosso mundo, com personagens reais e imperfeitos, vivendo sob o caos do dia a dia.

Mas estou me precipitando, essa história deve ser contada do começo, e como falamos de começo, falamos daquela noite específica.

Era uma típica noite de inverno fria e chuvosa. A garota – ela tem um nome, sim, mas não cabe a nós, meros espectadores dessa história, saber – acabara de sair do trabalho, e andava à passos rápidos para o ponto de ônibus mais próximo. Ela marchava sobre as poças como soldado que vai à guerra, com a determinação furiosa de chegar ao seu destino. O cabelo, que antes fora liso, agora estava molhado e armado. A roupa que usava também não presava pelo seu conforto e bem estar. Os saltos escorregavam e faziam barulhos irritantes sobre as calçadas molhadas, a saia não servia para esquentar nada e a blusa social nada a protegia. Para completar, havia esquecido o guarda-chuva em casa, e agora a garota sofria com a garoa fria e gelada que insistia em cair e parecia molhar mais que um temporal.

Ela não sabia disso, mas ela não ia chegar ao seu destino a tempo. Na verdade, logo à frente, o sinaleiro ia fechar e ela não ia poder atravessar a faixa que daria no ponto do ônibus para o qual ela se dirigia. Irritada e frustrada, ela perderia o ônibus, tendo então que ficar na já superlotada parada à espera de outro que fosse para o mesmo destino, e que com certeza estaria mais cheio ainda. Suspirando, ela colocou fones nos ouvidos, e bloqueou o caos e a confusão ao seu redor com uma música alta o suficiente para silenciar os próprios pensamentos.

Enquanto isso, do outro lado da cidade, o garoto – cujo nome também não nos é relevante – sentava confortável e seco em um dos vários assentos vagos no ônibus. Planejara cuidadosamente o seu horário para chegar ao terminal a tempo de pegar um lugar no veículo. Levara roupas quentes e confortáveis, e também um guarda-chuva.  O garoto gostava de ter controle absoluto de tudo o que era possível. Infelizmente, ele não pode controlar o universo, e este decidiu pregar uma peça nele. Já com o ônibus cheio e mais nenhum lugar livre, segundos antes do veículo dar a partida e rumar ao seu destino, uma senhora trêmula e molhada entrou no ônibus. Ele podia ter ignorado, podia ter fingido estar dormindo, podia até mesmo sugerir que algum dos jovens sentados nos assentos preferenciais se retirassem para a senhora sentar. Mas ele não fez isso, não.

O garoto se levantou e deu seu lugar para a senhora. Era um gesto simples, sim, uma pequena ação, mas esse pequeno gesto é o que dá todo o sentido à essa história. Ele não sabia disso, mas essa atitude trouxe a esse percurso um sentido completamente novo. E assim, o ônibus saiu do terminal e passou a se aventurar pelas ruas congestionadas.

A garota, agora ainda mais molhada, tremia e praguejava no ponto de ônibus. Amaldiçoava a sua falta de organização, sua cabeça nas nuvens e seus sapatos de escritório. Ela só queria ir para a sua casa, abrir caminho por entre as montanhas de bagunça, jogar-se na cama e ignorar o resto da vida acontecendo até cair no sono.

Enquanto praguejava, o ônibus em que o garoto estava parou a sua frente, e em meio a empurrões e cotoveladas, ela chegou à catraca. Passou o cartão e tentou, sem sucesso, ir até o final do ônibus em busca de um pequeno espaço para se segurar. Mas ela não fora a única a pensar nisso, e em meio à confusão ela foi mandada – aos poucos e aos tropeços – para frente, enquanto o ônibus arrancava e fazia a jovem – que já não tinha muito equilíbrio sobre aqueles sapatos – quase se estatelar no chão.

É nesse precioso momento, num intervalo de segundos, que a decisão que viria a ser a mais importante do dia do garoto foi tomada. A decisão não foi bem consciente. Na verdade, ele mal pensou no que faria. Em menos de uma passada ele segurou a moça da melhor forma de pôde, impedindo assim que ela caísse no chão. A situação não era habitual, nem confortável. O garoto não era nenhum salvador de donzelas em perigo, ao passo de que nossa garota não era nenhuma donzela em perigo. De toda forma, ela agradeceu e sorriu – mesmo que por dentro quisesse se enfiar num buraco e morrer –, fazendo com que ele se sentisse levemente orgulhoso do feito.

Agora com os dois pés plantados firmemente no chão, ela se segurou numa das barras verticais e tentou alcançar a barra horizontal que ficava no alto, sem sucesso. Mesmo de salto, o veículo continuava a humilhá-la. O garoto conteve uma risada ao ver a frustração e as tentativas dela, e prevendo mais uma queda se ela continuasse aquela dança ridícula para alcançar a barra, esticou-se e puxou a alça móvel, que permitia que pessoas menores se segurassem, e alcançou a ela.

Mais uma vez agradecida, a garota retirou um dos fones e sorriu para ele.

Ela não sabia disso, mas aquele sorriso poderia mudar completamente o sentido do trajeto. Encantado pelo sorriso simpático, eles se retribuiu o gesto, e continuaram assim pelo que poderia ser um pequeno pedaço de eternidade. Se não estivessem onde estavam, é claro. Como não falamos de contos de fadas, eles não ficaram se admirando por muito tempo, por que logo foram interrompidos por um velho barrigudo, que para tentar sair do ônibus empurrou e esmagou todos que estavam no caminho, enquanto reclamava audivelmente sobre corredores apertados e pessoas desrespeitosas.

Ao serem empurrados para frente pela saliente barriga do idoso, a troca de olhares entre eles gerou risadas, que provocou faces ruborizadas pela vergonha – apesar de a garota com certeza afirmar que na verdade era culpa do frio.

Com medo de que o momento passasse, o garoto fez um comentário casual sobre o tempo e sobre como estar feliz por ter trazido um guarda-chuva. A garota respondeu descontente, explicando sobre como ela esqueceu o dela. Uma curta, mas significativa, conversa se estabeleceu entre eles.

Nesse curto período eles souberam um pouco sobre o outro, mas nem de longe o suficiente. Ela descobriu que ele morava com os pais, fazia faculdade e parecia loucamente organizado, enquanto ele percebeu que ela era independente, desligada e despreocupada.

A verdade é que eles não podiam ser mais diferentes, ela era completamente perdida, enquanto ele sabia e tinha um plano para todas as direções; ele era uma brisa de fim de tarde, ela uma tempestade de verão; ele o frio, ela o verão. Mas naquele momento, nada disso importava. Naquele lugar apertado, abafado e desconfortável, os sorrisos eram mais importantes que as diferenças. E logo o que começou com uma conversa casual passou para um diálogo animado, o exterior pouco importando aos dois, que estavam juntos na sua pequena bolha.

A noite fria e cinzenta aos poucos tomou cor, a música – que antes era prioridade – passou a ser um modo desnecessário de passar o tempo, a faculdade já não era o principal objetivo da noite e chegar em casa para não fazer nada já não parecia tão interessante. Foi assim simples e assim súbita a paixão de ônibus do garoto e da garota.

Ainda havia muitas coisas que eles não sabiam um do outro, coisas o suficiente para horas, dias, meses ou até anos de conversas ininterruptas, mas eles não tinham tempo para isso. Na verdade, o tempo deles estava prestes a acabar, e a garota fingiu não sentir nada quando – com um pulinho – puxou a corda que sinalizava a próxima parada. Com um último sorriso, fez seu caminho pelo mar de pessoas até a saída do ônibus, e com um último olhar, se despediu da sua paixão momentânea.

O que eles não sabiam, no entanto, é que aquela era a última vez que eles se veriam.


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Notas finais do capítulo

Comentem! eu n mordo :3
...
muito
:3



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