Destinatário escrita por daddysaidno
Notas iniciais do capítulo
Agora chegamos ao fim, e se vc leu até aqui, só pode ser bom sinal
A sexta virou um sábado gloomy, cheirando a café frio e indisposição, em que nem Arthur o animou, e que se arrastou até o domingo, até a segunda, a terça e finalmente a quarta. Cinco dias durante os quais Felipe andava levando a culpa e a vergonha pelos tornozelos. Cinco dias durante os quais não conseguira esquecer dos olhos escuros encarando-o como se fosse a pior pessoa do mundo, sem que nenhum sms chegasse para acalmar suas ânsias.
Depois das últimas aulas da quarta, quando deixava o prédio de geofísica, atravessou o corredor gramado. Entre os bancos de cimento espalhados pelo jardim, sob a iluminação amarela dos postes do campus, viu os cachos morenos, mas estavam muito mais curtos do que se lembrava. Os óculos presos à ponta do nariz comprido refletiam a luz do celular em suas mãos, digitando tão depressa quanto Felipe havia visto da primeira vez.
Marcos levantou o rosto e, por um instante, seus olhares se cruzaram. Não durou muito, mas foi o suficiente para que Felipe sentisse o sangue subindo até a ponta das orelhas. Casualmente, o moreno voltou ao celular e Felipe continuou seu caminho em direção ao estacionamento.
O coração parecia que não se acalmaria, mesmo depois de longos minutos parado atrás do volante. Quando finalmente chegou em casa, estava quase desesperado.
A maior de suas indignações era porque Marcos havia agido como se não o conhecesse. Felipe preferia que trocassem xingamentos e que apanhasse, no final das contas, do que aquele tipo de indiferença. Acima de tudo, sabia que merecia e que aquela atitude era a mais esperada — mesmo assim, não conseguia simplesmente engoli-la.
Passou bons tempos deitado, antes de dormir, com o coração na mão. Até que finalmente encontrou a coragem, ou o desespero, suficientes para enviar a mensagem. ‘’Você me bloqueou?’’
Escondeu o celular debaixo do travesseiro e encolheu-se sob as cobertas, forçando-se a acreditar que uma resposta não viria. Torcia os dedos dos pés e pensava em mil coisas, até que a vibração familiar o fez arrancar o celular de baixo da fronha.
‘’Você bem que merecia.’’
Felipe observou a resposta, as entranhas prontas para saírem pela boca, e digitou o mais depressa que seus dedos trêmulos conseguiram. ‘’E por que não bloqueou?’’
‘’Desde quando você se importa?’’
Ele não havia percebido antes daquela mensagem, e não pareceu fazer sentido quando notou, mas, realmente, ele não tinha motivos para se importar. Mesmo assim, desde que a primeira mensagem chegara, passou a olhar ansioso pro celular sempre que tinha a oportunidade, e observava a caixa de mensagens constantemente. Perdia o fôlego quando pensava nos olhos escuros encarando-o por trás do óculos. ‘’Se tornou estranho não esperar uma mensagem sua.’’
Dois, cinco, dez minutos... e nenhuma resposta. Felipe já estava certo de que Marcos o havia bloqueado, e novamente enfiava no celular debaixo do travesseiro, como se pudesse esconder sua derrota ali e nunca mais encará-la, mas o aparelho vibrou em suas mãos no último minuto.
‘’Pra mim também.’’
A resposta positiva, por mais sutil que fosse, fez o mundo florescer, e um milhão de expectativas voltaram a se formar. ‘’Podemos nos ver?’’ finalmente sugeriu.
‘’O que isso significa?’’
Nem ele sabia. Nem sequer entendia aquela ansiedade que o estava deixando de mãos suadas, mas queria, além de qualquer entendimento, ver os cachos escuros de perto outra vez. ‘’Eu não sei. Eu posso te encontrar?’’
‘’Tudo bem.’’ A resposta era simples, mas deu uma margem do tamanho da lua aos sentimentos de Felipe, que não demorou para convencer Marcos a recebê-lo, às 23:00h de uma quarta-feira, sob pretextos ridículos de acertar o assunto entre eles.
Como se estivesse a caminho do Alice, na semana passada, andava com os joelhos bambos e suava, o rosto tão vermelho quanto poderia estar. Estralava os dedos compulsivamente quando apertou a campainha do prédio residencial, esperou o estralo da porta abrindo, e seguiu ao apartamento de Marcos. Vestindo um calção e uma camisa preta, o moreno o esperava na porta, a expressão tão confusa quando estivera no dia em que soubera da verdade.
Felipe acenou envergonhado e passou por ele, entrando no apartamento como se pulasse pra jaula do gorila. O cheiro de menta que impregnava o lugar era, de certa forma, bastante agradável, e tudo ali tinha a cara de Marcos, como se as coisas pudessem ter a cara de alguém. Quando sentiu-se calmo naquele lugar, em que tudo tinha a forma daquela pessoa, percebeu o que estava querendo esconder.
— Você pode me bater, se quiser — foi a primeira coisa que dissera, escondendo as mãos suadas nos bolsos do moletom. Ainda observava ao redor, sem coragem de encarar o outro.
— Pra que você se sinta melhor, e eu pior? — Marcos respondeu sem rodeios.
— Pra gente zerar o placar — deu de ombros.
— Ainda é uma brincadeira pra você? — Marcos pôs as mãos nos quadris quando Felipe finalmente dignou-se a encará-lo.
— Você está sem óculos — comentou de súbito.
— O que você quer aqui? — estava perdendo a paciência.
— Eu não sei — Felipe respondeu sincero, mas soou como um cachorro encolhido na chuva.
— Vá embora, cara — Marcos voltou à porta e ameaçou abri-la, mas foi impedido por uma mão em seu braço.
— Eu queria te ver — precisou de muita coragem para admitir pessoalmente.
— Você já disse isso.
— Marcos, eu acho — sua língua amargou e ficou colada na boca, demandando um esforço digno de uma epopeia para se mover novamente — que estou atraído por você.
Marcos ficou estático, a mão no trinco da porta, o ar congelado entre os dois. As respirações quase se tornavam palpáveis, tal foi a quietude que se prolongou. Felipe permaneceu com a mão no braço dele, simplesmente porque não tinha coragem de tirar, e não conseguiu dizer mais nada, a única coisa em sua cabeça era o cheiro de menta e os cachos curtos que se aninhavam atrás das orelhas. Mas a cabeça de Marcos estava caindo num loop vertiginoso.
Como se não soubesse o que responder, ou não houvesse nada para ser respondido, Marcos se inclinou bem lentamente na direção dele, meio descrente no que acabara de ouvir e procurando a confirmação necessária para seguir em frente. Até que encontrou os lábios de Felipe, que tremiam de nervosismo, e os acalmou contra os seus.
O calor das duas bocas se uniram, e pequenos dedos frios percorreram a coluna de Felipe, até alcançar os joelhos que estavam sempre bambos. Quando, finalmente, trocaram as línguas, o mundo deixou de ter importância.
Não durou nem um minuto, mas ambos perderam a noção de espaço-tempo. Havia uma pele quente sob a palma de Felipe, e dois lábios felizes ao se encontrarem. E dois olhos, que se encararam até que sorrissem, confidenciando um segredo que haviam acabado de descobrir.
Não havia casa em que Felipe coubesse, de tanta alegria. E tudo em que havia se medido durante a última semana, para manter a mentira que criara, deixou transbordar para construir o que viria dali pra frente.
Quando chegou em casa, antes de dormir, o celular tremeu em suas mãos. Só depois que leu a mensagem, dormiu tranquilo. ‘’Boa noite, Felipe ♥’’
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Obrigadinha a quem leu até o fim. Espero que tenham gostado ♥