Acredito que ele ligava os pontos mentalmente. Os pesadelos, minha distancia social, a metáfora de estar quebrada que ele usou. Sabia que falava o nome dela durante alguns pesadelos. Lembrava-me de gritar o nome dela no dia do acidente.
 

— Decidiu dividir algo comigo? – Ele me olhava sério, sustentei seu olhar.

— Você chegaria a conclusão que sou maluca se não explicasse algo. Não é tão simples como parece. Passo os dias em uma despedida eterna.

—Foi em um acidente? Digo, seus pesadelos ...

— Quase. Meu padrasto, pai dela bateu em nosso carro. – Apertei meu maxilar ao mencionar aquele homem. Chung ficou surpreso, sorri sarcástica – Não é simples, eu avisei.

— Mas .. Como assim? – Suspirei, vou contar a ele de uma vez.

— Lembra quando nos mudamos e você me perguntou sobre uma foto de uma menina loira ? – Ele apenas concordou com a cabeça – Aquela era Christi. Somos irmãs apenas por parte de mãe. Meu pai era asiático mas não quis assumir nada com minha mãe. Anos depois veio Christi. Não somos muito parecidas, mas éramos unidas. Nossa mãe acabou com o pai de Christi. Um homem agressivo e maluco. Separávamos as brigas dos dois sempre. Até o dia em que ele bateu em Christi . Minha mãe decidiu em fim deixa-lo. – Lembrava-me de cada cena enquanto as contava. – Só que pouco tempo depois ele adoeceu e faleceu. Christi e eu seguimos juntas. Estudávamos e trabalhávamos para nos manter. Ela era mais nova, mas era altamente aplicada. Um dia começamos a receber ameaças do pai dela. Ele nos culpava por perder nossa mãe.

Essas recordações eram difíceis. Parei para tomar folego das cenas que minha mente revivia . Senti ele colocar sua mão em meu ombro e o olhei. Sorri para tranquiliza-lo. Decidi repentinamente dividir com ele esses assuntos. Depois de entender como consegui conviver com Chung acredito não me faria mal se ele soubesse.

— Nunca imaginamos que ele tentaria algo. Em um fim de semana decidimos viajar para o campo. Ela sempre me pedia para dirigir, deixei que fosse conduzindo aquela vez. Havia saido de uma semana pesada de provas e estava cansada. – Abracei meus joelhos apoiando minha cabeça. – A lado do condutor foi o mais afetado porque fomos empurradas em um barranco pequeno. – sorri me recordando de quando acordei no carro - Ela estava acordada até a porta do hospital, mas não resistiu à hemorragia. Era para ter teimado com ela e ter ido dirigindo

Ficamos em silencio terminando nossas bebidas. Me levantei e Chung me seguiu de volta ao laboratório. Recoloquei o jaleco, luvas e mascara. Ele se sentou na cadeira colocando a mascara novamente. Peguei as laminas do microscópio e levei o material para perto do equipamento. Analisei tudo com cuidando verificando duas vezes e anotando tudo. Encaminhei-me para onde ele estava olhando minhas anotações.

— Chung, está tudo OK com seus exames. Isso é muito bom. Apesar da sua maluquice seu corpo está conseguindo tudo que precisa. – Olhei para ele, parecia estar dormindo. A posição não parecia confortável.

— Estou te ouvindo só fichei os olhos. Você me deu muito que pensar hoje. – Ele abriu os olhos lentamente fixando-os em mim, ele estava sério demais.

— É passado. Uma história que me afeta, não a você. Deixe isso de lado. – coloquei a prancheta de anotações na mesa.

— Você me contaria mais sobre ela? – Isso realmente me surpreendeu. Ele tinha um olhar distraído  –  Não te vejo fazer ligações ou recebe-las. Agora entendo por que.  Eram apenas vocês duas. Hoje é só você.
 

— Porque quer saber sobre Christi? – Sabia que não poderia falar dela. Mal conseguia pensar nela sem ficar emotiva.

— Você sabe cantar bem, dançar bem e é linda. Quando ouvi você soprar leves melodias pela primeira vez me surpreendeu. Imagine quando você facilmente corrigia meus erros nas coreografias. Ah! Claramente será uma ótima médica Mas é tão boa no que eu quero ser  .. Foi por ela que você mudou seus sonhos?

Foi tão repentino que meu impulso foi sair dali. Mas ele me observava e agiu tão rápido quanto eu. Consegui apenas sair do laboratório e já senti ele puxar minha mão puxando pra ele.  Tentei puxar no sentido contrario mas acabamos ficando ao lado da porta do laboratório com ele me encurralando na parede. Sentia as lagrimas ameaçando. Minha faculdade era para dar um futuro melhor para minha mãe e chances maiores para Christi. Elas não estavam mais aqui.