Os motivos que me trouxeram aqui pareciam tão fortes quando tomei a decisão de assinar os papeis, jamais imaginei que iria me questionar. Já faziam quatro meses que havia desembarcado neste novo pais. Estava me adaptando muito bem, mas sempre que tinha um tempo livre me continha para não ir andar pela cidade. Tudo me lembrava  ela!  Como estaria feliz aqui e se divertindo muito. Faria amigos rapidamente, sempre teria planos e compromissos, lugares novos para ir cada semana. Seria tumultuado, barulhento, preocupante porem  seria completo. Porque fizemos aquela promessa!?

Suspirei. Sempre acabava assim quando me lembrava dela. Respirei fundo, fechei os olhos querendo afastar  todas as sombras de minha mente. Tirei as mãos dos bolsos do casaco e escorei os cotovelos no parapeito. O clima estava esquentando na cidade, festivais estavam por vir e seria mais difícil ainda sair. O inverno realmente era bom e preferia que ele se estendesse  por mais tempo. Talvez porque internamente me encontrava como ele;

Frio, adormecido, neutro, cinza.

Meu ultimo suspiro do dia e voltei a caminhar, tinha de ir para a faculdade. Sempre faço meus caminhos automaticamente. Após o primeiro mês com os monitores já sabia me virar muito bem, o que era bom, andar com eles era agradável mas sempre surgiam perguntas discretamente pessoais e isso me incomodava profundamente. Eles eram gentis, educados, sempre dispostos a ajudar  e como qualquer humano curiosos também.  Acabei dando um sorriso involuntário com as lembranças das perguntas que me faziam e dos boatos que surgiam depois.

Chegando a biblioteca da faculdade selecionei os livros que iria precisar e me direcionei para meu isolado canto do silencio livre de olhos curiosos. Sempre vinha estudar a língua do novo pais aqui apesar de usar sempre o inglês. Estava longe de ser fluente porque raramente treinava a fala em conversação pois minhas aula também eram em inglês, mas era ótimo para me ocupar. As horas passavam rapidamente quando me encontrava com os livros. Sempre tento preencher meu tempo livre com algo, fica mais fácil de vencer os dias.

 Quando decido olhar o relógio percebo que passaram-se horas e minha aula começara logo. Havia trancado meu curso há alguns anos no meu pais de origem. Quando retornei levei um tempo para acompanhar didaticamente os assuntos mas como não havia nada a mais para mim lá. Lentamente recuperei-me nas matérias e meus professores me indicaram o intercambio. Sabia que era mais preocupação que os levaram a insistir constantemente para “não perder esta grandiosa oportunidade”.

Venho aprendendo muito aqui. Tanto, que tenho me interessando em talvez conseguir uma graduação nova no país . Talvez um pequeno sonho meramente idiota e impossível. Mas só por já te-lo era surpreendente. Sonhos. Achei que nunca mais poderia pensar positivamente sobre esta minúscula palavra. Parei de divagar e voltei a atenção para a aula. 

Gostava desta matéria o professor sempre conseguia projetos pretenciosos e animadores para praticarmos o que aprendíamos no curso. Esses projetos me ocupavam bastante juntamente com os pequenos trabalhos que conseguia pela cidade. Trabalhávamos em festivais oferecendo serviços e aconselhamentos de saúde, receitando medicamentos naturais ou indicando um acompanhamento mais detalhado de um profissional determinado. Era muito bom ocupar a mente com aqueles que precisavam e manter a minha constantemente trabalhando era essencial. 

Com todos esses projetos, dedicação, trabalhos e pequenas ocupações com meus hobbies acabaram fazendo com que eu criasse certa amizade com alguns professores. As vezes monitorava os projetos juntamente com eles ou ajuda com ideias novas . Já não me perguntavam se queria participar, meu nome era selecionado sem precisar me candidatar.
 

— Alunos!! - disse o professor em seu tom sério-  Temos mais um projeto para a próxima semana. Nada pretencioso ou grandioso. Tenho um amigo que é produtor em uma das agencias de talentos na cidade. Em uma conversa ele nos convidou para substituir sua equipe de enfermeiros, médicos e massagistas de uma banda. Prontamente aceitei. Exijo descrição e que hajam como profissionais de todos que irão trabalhar neste dia! Os alunos já foram escolhidos. Os que menos participaram dos eventos anteriores irão primeiro. Se tudo ocorrer bem seremos convidados mais vezes para que possam dar mais folgas a equipe que iremos substituir.

Muito bom.  Um projeto que poderia  tornar-se  permanente para todos os alunos. Isso seria positivo para a faculdade e para o curso. Daria-nos mais estatus  e importância na cidade. O professor passou um bloco de folhas para distribuirmos entre nós. A escala dos alunos. Meu nome está lá, eu sei, mas em que função? Não me nego de fazer nenhuma, só evito a parte com massagens porque não gosto muito do contato físico e nestes pais temos de tomar muito cuidado. A cultura é muito diferente por aqui e acabam interpretando muito mal às vezes, apesar de sermos profissionais capacitados.
Quando peguei o papel fiquei visivelmente desapontada e olhei para o professor, ele já esperava por essa reação minha porque nossas olhares se encontraram. Depois da aula conversaríamos essa era a mensagem. Enquanto isso ouve alguns gritinhos extasiados. Lendo melhor o papel percebi o porque, iriamos trabalhar para uma banda famosa . Isso não me trazia emoção alguma. Seria como realizar o projeto em uma olimpíada de esporte qualquer.

—Exatamente esta reação que não quero acontecendo no dia.- o professor apontava para as meninas em êxtase da sala -  Todos entenderam? Durante as aulas da semana receberam instruções e serão questionados sobre como irão agir nas situações que poderão encontrar neste dia. Estejam prontos ou suas notas serão afetadas. Sim! Será uma forma de avalia-los. Mas serão recompensados, é um projeto remunerado.

Chegara o fim da aula, todos já recolhiam suas coisas e se retiravam. Continuava sentada, sabia o que iria ouvir e não pretendia argumentar contra, só queria deixar claro como estava me sentindo contrariada ao perceber que após me abrir com um amigo estas informações seriam usadas contra mim profissionalmente. Ele estava disfarçadamente analisando um relatório qualquer. Lentamente peguei meu material, me dirigi a sua mesa, olhei-o  até que ele me devolvesse o mesmo olhar. Certo, ele entendeu meu desapontamento porque surpreendeu-se com a intensidade que o encarava sem respeitar a hierarquia sociocultural.

—Desabafe. Eu não vou usar as suas palavras e emoções como armas mais tarde. Eu preciso entender melhor o que está acontecendo. Quem está aqui agora é seu amigo, não seu professor-Tentei usar o mesmo tom de preocupação que ele havia usado pronunciando estas palavras - Farei meu trabalho. Não haverá problemas. Mandarei um e-mail também atualizando o senhor de algumas funções sociais e culturais que parecem ser diferentes em nossos países de origem.

Ele continuava me olhando, suspirou longamente e veio em minha direção. Recuei de imediato e ele interrompeu qualquer intenção que tinha de se aproximar.

 - Esta vendo? Você precisa trabalhar sobre esta parte. Como professor encare este desafio e como amigo aceite minha ajuda. Seu curso exige que você desenvolva algum nível de sensibilidade – um sorriso sarcástico apareceu em meus lábios brevemente  - para se tornar boa no que faz.

— Não percamos a compostura. Sou boa no que faço, uso a sensibilidade necessária para isso. Você verá como seu julgamento está tomando direções erradas. Obrigada pela oportunidade professor. Farei o meu melhor.

Não pareceu satisfeito com a minha resposta.  Não importava me retirei da sala. Não iria discutir com um professor em outra língua, em outro país, sobre assuntos que não o envolviam. Estou aqui para ser melhor no que faço e irei focar nos estudos para me sair bem neste projeto. Responderei todas as perguntas possíveis e auxiliarei os colegas que não souberem as respostas. Tirarei qualquer suspeita desnecessária que criem sobre mim.