Eu estava na porta de casa jogando pedrinhas na rua, ás vezes acertava a solo do sapato de alguém, ele parava brigava comigo e seguia seu caminho.

Ao ver que as pedrinhas haviam acabado, suspirei, derrotado pelo cansaço, e apoiei meu rosto na mão.

Não queria passar mais uma tarde naquele maldito sinal. Claro, havia o lado bom de passar meu dia ao lado de SeokJin, mas nós nem nos falamos, ficávamos o tempo todo correndo entre os carros vendendo balas. Eu estava ficando cansado daquilo.

Após alguns minutos Jin apareceu por cima da pequena cerca que ficava ao redor de minha casa.

—Vamos? -ele sorriu. 

Eu suspirei de novo. Pronto, ele havia vencido todas as minhas barreiras e somente com um sorriso me fez aceitar ir com ele. 

Eu era sim um garoto de apenas 14 anos, mas sabia oque era o amor. Tudo por culpa de Kim SeokJin.

 Me levantei e assenti lentamente.

—Olha, Jungkook... -ele falou um pouco mais baixo -Não precisa ir se não quiser... 

Olhei em seus olhos e percebi que ele estava triste, pelo simples fato de achar que não iria querer ir.

—Mas eu quero ir -dei meu sorriso mais convincente - Eu só estou meio cansado, porque não tivemos janta ontem.

Eu usei como desculpa, mas era verdade. Não tínhamos janta nem café da manhã havia uma semana, estava sendo difícil.

Meu pai nunca conseguia um emprego, ou nem se mantinha em um, pois era difícil, já que ele só tinha feito escola até o 5º ano. Ele era o primeiro a ser descartado nas empresas. E desde que meu avô materno morreu, tem sido bem mais difícil, pois ele ainda nos ajudava com parte de sua aposentadoria.

—Então você vai gostar disso.-Jin sorriu como uma criança.

Caminhei até ele, enquanto ele revirava nossa cesta de balas pra vender.

—Eu roubei isso do meu pai... Era pouca coisa, acho que ele nem vai dar falta... -murmurou enquanto procurava -Aí eu peguei e fiz. 

Ele sorriu pra mim estendendo um dos sanduíches que havia feito com a comida. 

SeokJin e sua mãe passavam altas dificuldades com o pai dele. Ele tinha um bom emprego, trabalhava em uma rede de hotéis como gerente, tinha condições de sustentar a família, mas não fazia isso. Gastava todo o dinheiro consigo e com outras mulheres. Comprava comida e comia na frente dos dois, sem deixá-los comer. Não gastava um tostão com roupas pra eles ou com educação para Jin. E se eles ousassem pegar dinheiro ou comida, eram espancados.

Nunca entendi porque o pai de Jin fazia isso, uma vez perguntei pra minha mãe e ela me disse que era porque ele era mal, disse que nunca aguentaria ficar com um homem desses, como a mãe de Jin fica. Nesse dia, jurei pra mim mesmo que nunca seria assim.

—Tem certeza, hyung? - perguntei pegando o sanduíche um pouco receoso, e se Jin apanhasse por isso?

—Tenho -respondeu ele já comendo o outro.

Nós seguimos o caminho em silêncio, comendo. Eram tão poucas as vezes que eu podia comer algo assim, que eu queria aproveitar mais o momento.

Ao chegar lá eu peguei uma parte das balas, e nós começamos a trabalhar como sempre fazíamos. Jin indo pelos carros da fila da direita e eu pelo meio, voltando pelos carros da fila da esquerda. 

Passamos a tarde assim, por volta da 14:00 minha boca ficou seca de tanto correr entre os carros e oferecer balas, mas tinha que continuar, o dinheiro que conseguisse, embora fosse pouco, garantiria o almoço de minha mãe e um pequeno lanche para meu pai amanhã.

O resto da tarde passou assim, o suor molhava minha blusa, mas, quem ligava? Era só olhar pra Jin tão empenhado que todo a dor sumia.

Quando começou a escurecer vi alguns guardas se aproximando, eles olharam para nós e gritaram: 

—EI! VOCÊS DOIS! NÃO PODEM TRABALHAR! 

Mas eu e Jin já estávamos tão a costumados aquilo, que antes que eles começassem a correr, já estávamos longe, com os pés raspando sobre o asfalto de tão rápidos.

Viramos uma esquina para despistá-los e paramos, nos encostando na parede arfando.

—Vo-você tá bem? -perguntou Jin.

Assenti com a cabeça e apontei pra ele, sem ar para fazer a pergunta.

—To -ele respondeu rapidamente.

Já recuperados, tiramos as moedas dos bolsos e começamos a contar o dinheiro, sentados no chão. Jin tinha feito um pouco a mais que eu, mas dividiu esse pouco ao meio e me deu metade. 

—Você fez um bom trabalho hoje. -ele sorriu me puxando pela cabeça e me deu um longo beijo na testa.

Ele estava nervoso, percebi. Suas mãos tremiam agora.

—Oque foi, Jin-hyung? — perguntei.

—Jungkook... -ele suspirou antes de continuar: -Eu vou embora de Busan. 

Arregalei os olhos, como ele nunca havia me dito aquilo? 

—Por causa do seu pai? Ele recebeu a oferta de emprego em Ilsan? -perguntei, embolando as palavras.

Jin negou com a cabeça e encarou o chão.

—Vou tentar a vida lá. Tentar ser cantor também. Ajudar minha mãe, para que ela possa, finalmente, se divorciar do meu pai. -ele disse esfregando uma mão na outra -Roubei uma certa quantia do meu pai, vou hoje a noite.

Meus olhos se encheram de lágrimas, como eu iria continuar sem Jin? Era óbvio que ele devia fazer isso, a mãe dele precisava, e ele era bem talentoso com a voz. Mas não queria perdê-lo. Ele era o que eu mais amava depois de meu pai e minha mãe.

—Ah, Jungkook... Não se preocupe. Eu vou juntar dinheiro e volto pra buscar você e sua família, eu prometo, baby.—disse me chamando pelo apelido carinhoso que havia me dado, me puxou mais pra perto e passou o braço pelos meu ombro, me abraçando -Então... Hoje na cabana?

A cabana era uma ''casinha'' que meu pai havia construído para que eu brincasse, quando pequeno. Há muito tempo, nós usamos essa cabana para nos encontrarmos a noite.

—Tudo bem... -disse baixo com a voz trêmula. 

—Eu te amo, okay? —ele perguntou.

—Eu também te amo... muito. -sussurrei.

Voltei para casa e entreguei o dinheiro para minha mãe, ela sorriu agradecida.

—Você não precisa fazer isso, Kookie—disse.

—Mas eu quero, omma—disse, dando-lhe um beijo na bochecha e seguindo para o quarto. 

No meu quarto, peguei uma roupa limpa e tomei um banho demorado, não porque eu quisesse, sabia que isso ia atrapalhar na conta no fim do mês, mas porque as lágrimas não paravam de sair, e não podia deixar minha mãe me ver chorando.

Sai do banho e me vesti, segui para o quarto e deitei na cama esperando. Logo uma pedrinha bateu na janela, a abri e fui para a cabana.

Estava escuro e eu não conseguia ver quando entrei.

—Jin? -sussurrei, para ter certeza de sua presença.

—Aqui -disse ele me puxando.

Sentei em sua frente.

—Desculpe pelo atraso, minha mãe demorou mais do que o planejado. Quase fui pego. -disse ele e eu passei a mão pelo seu rosto, estava molhado, tinha certeza que tinha chorado.

—Tudo bem... -minha voz estava trêmula de novo.

—Jungkook, não posso demorar muito. Se não perco o ônibus. -disse ele segurando minha mão -Quero que saiba que eu te amo, e que vou voltar. 

Eu assenti e Jin me beijou, meu primeiro beijo. Em questão de segundos ambos estávamos chorando. Eu não sei até hoje oque pensar sobre aquele beijo. Só sei que foi triste demais para um primeiro beijo. 

Senti que ele sorriu para mim na escuridão.

—Olha... Eu sei que não é muita coisa... -murmurou pegando na minha mão -Mas, por enquanto, é o que posso te dar. 

Ele amarrou oque percebi ser um pequeno pedaço de barbante no meu dedo anelar, o mesmo que eu sempre via minha mãe colocando a aliança de casamento com meu pai.

—Vou sentir sua falta... -murmurei.

—Eu também, Jungkook. Mas eu volto, prometo pra você de dedinho. -ele juntou seu mindinho com o meu. -Juro que vou voltar. 

E então ele saiu, me deixando sozinho, com o gosto de seu beijo em minha boca. E a única coisa que eu consegui fazer foi voltar para meu quarto, deitar na cama e me encolher.

As lágrimas não queriam sair, mas a partida de Jin doía como um soco.

Olhei para o ''anel'' que ele havia me dado.

—Eu te amo, Kim SeokJin. -sussurrei e beijei o ''anel'' em meu dedo.