Nosso Último Verão escrita por Roses


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Bem... Olá meus amores. Como estão?

Eu sei que ainda não completou quinze dias, mas eu preferi adiantar o capítulo do que atrasá-lo, levando em consideração que essa semana seria impossível para eu conseguir postá-lo. Espero que gostem.

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/694604/chapter/2

Correria.

A casa naquela manhã encontrava-se alvoroçada, com os criados trombando pelos corredores, enquanto tentavam dar os retoques finais para que a casa estivesse perfeita para receber os patrões novamente.

A casa de campo raramente era utilizada pela família, o que tornava o trabalho mais fácil.

—Fiquei sabendo que o noivo da bruaca vem com ela. – Tinker, uma das moças que trabalhava comigo e que acabara por se tornar uma grande amiga, murmurou ao passar por mim. – Será velho ou um bonitão?

—Não sei. Mas aposto que será alguém com dinheiro. – respondi, tirando uma risada dela que veio ajudar-me com o enxoval da cama.

Eles chegariam a qualquer momento, provavelmente pelo inicio da tarde, e isso, a expectativa que quando menos esperassem a família estivesse ali, parada a porta deixava os criados mais antigos à flor da pele e cabelos em pé, verificando tudo mil vezes e reclamando que não estava do jeito certo.

Tire pó daquele quadro... Não, não. Esse vaso não fica aí... Pelos céus será que tenho que fazer tudo sozinha?!” a governanta passara o dia infernizando, cada criado toda vez que seu olhar caía sobre algum pobre coitado.

Escutamos o barulho de carruagens e apressamos o ritmo, para podermos desaparecer para a cozinha. Apenas a governanta e o mordomo recebiam os patrões na porta, enquanto o restante podia fofocar à vontade perto do fogão, fazendo as apostas sobre qualquer coisa que achassem relevantes ou uma novidade.

Não havia muitas no interior.

O cheiro do jantar pairava sobre a cozinha, fazendo minha barriga se contorcer de fome ao ver os assados já prontos nas bandejas, apenas esperando seu momento de serem solicitados. Quatro pratos diferentes de carne. Quatro! E provavelmente eles nem conseguiriam comer tudo. Sopas e os tubérculos eram preparados, juntamente com os doces.

—Será que comeremos bem esta noite? – Tinker perguntou com sarcasmo. Por mais que sobrasse na mesa, os patrões nunca deixavam que comêssemos, preferindo jogar fora que dividir sua comida cara com os criados.

Fazia um pouco mais de cinco anos que estava trabalhando na casa daquela família e apesar de ser puxado quando decidiam se esconder ali, por considerarem a cidade desinteressante quando não estava na alta temporada dos bailes, era na maior parte do tempo leve e com um pagamento que ajudava no fim do mês em casa, assim como permitia que eu trabalhasse na taverna na parte da noite para conseguir uns trocados extras.

Por ser fim do outono, quase inverno, não tínhamos o que colher, e as roupas que minha mãe lavava, se tornavam escassas, o que fazia entrar pouco dinheiro para nos sustentar.

Se fosse antes eu nem precisaria me preocupar com trabalho ou dinheiro. Meu pai conseguiria o suficiente para nos manter um inverno todo, arrumando um serviço aqui ou outro lá, que lhe rendia um dinheiro satisfatório. Todavia isso fora antes de ser convocado para a batalha por colônias na África e ter sido mandado de volta para casa, coxo e incapaz de se manter tempo suficiente em pé sem ajuda.

—Irá trabalhar na taverna hoje? – Tink indagou, passando um pedaço de pão disfarçadamente para mim.

—Se eu conseguir sair daqui logo, sim. Não posso me dar ao luxo de perder nem um centavo sequer... Estamos três meses atrasados, e se não pagarmos pelo menos um aluguel, teremos que sair da casa. – contei, enfiando o pão branco e macio de uma vez na minha boca.

—Tome cuidado Emma... Trabalhar lá é perigoso.

Abracei-a, encostando meu rosto no seu. Não tinha necessidade de dizer para ela como era trabalhar na taverna. Como os homens vivam tocando-me e enfiando suas mãos sujas por baixo de minha saia quando me virava para servi-los.  Por enquanto eu fora capaz de conseguir evitar que o pior acontecesse, e se Deus quisesse continuaria me livrando, os toques eram algo que poderia lidar, mesmo que vomitasse no caminho para casa de humilhação.

Se eu reclamasse sobre isso com Robin, o dono da taverna, que era uma das melhores pessoas que havia conhecido, assim como meus pais, eles iriam pedir para que eu parasse de ir trabalhar lá. Sr. Hood tentava evitar situações do gênero, mas sempre que ele virava as costas, os clientes se aproveitavam de sua distração.

—Muito bem. – a governanta entrou marchando na cozinha, com seu modo autoritário de sempre. – Garota da lareira, você está sendo solicitada. Quarto da viscondessa, sala de visitas e quarto da Srta. Odom.

Assenti, soltando Tink e pegando o corredor dos criados que levava até os cômodos que fora solicitada.

“Garota da lareira”

Não era nem digna de ter meu nome lembrado.

Comecei pela sala de visitas que permanecia vazia até o momento. Eu ouvia as vozes abafadas no vestíbulo, mas era incapaz de distinguir o que falavam. Coloquei a lenha na grade, tentando fazer as faíscas pegaram nos gravetos menores. Fiquei uns bons minutos batendo uma pedra na outra até que algumas pequenas gotas douradas surgiram e rezei mentalmente que não apagassem, enquanto continuava a fricção com as pedras, antes de colocar a palha sobre o pequeno fogo. Senti um sorriso em meu rosto ao ver o mato se incendiar e com cuidado, joguei-a sobre as toras, vendo o fogo se alastrar e começar a crepitar.

Percebi a maçaneta se mexer e rapidamente escapei pela porta que dava acesso a sala de música, saindo para o corredor e correndo até a escada em direção ao quarto da viscondessa.

Lady Odom já estava no quarto, sentada na ponta da cama, olhando fixamente para a parede.

—Com licença. – pedi, ao fechar a porta, para que soubesse que estava ali, mesmo que a mulher não tenha exibido qualquer sinal de que me notara ali.

A viscondessa era sempre daquele modo. Quieta e frequentemente ficava  encarando um ponto fixo sem se mover. As únicas vezes em que a via falando, era quando abria a boca para brigar com o marido ou quando estava apenas na presença da filha. Nos jantares que oferecia quando estava na casa de campo, ela não fingia animação ou ao menos era simpática com os convidados, ficando fechada durante a reunião toda.

Na cozinha, os criados sussurravam que seus modos passivos e fechados era por causa do vicio da mulher em paregórico que ela ingeria constantemente, mais que o necessário na tentativa de acalmar os nervos.

Para mim, aquilo era resultado de uma pessoa infeliz com a vida que levava.

—A senhora precisa de mais alguma coisa? – indaguei depois de longos minutos tentando acender a lareira e no processo ganhando mais um corte para a coleção no indicador.

Lady Odom piscou e virou a cabeça lentamente para mim.

—Um chá verde. – murmurou com a voz sem vida.

—Pedirei para trazerem, senhora. Com sua licença. – fiz uma mesura antes de sair.

—Será que eu consigo ter minha lareira acesa ainda hoje? – a voz detestável da Srta. Odom soou as minhas costas bem no momento em que estava indo para a cozinha pedir o chá da viscondessa.

Virei-me para ela. Os cabelos negros presos de modo impecável e seus olhos azuis esverdeados brilhavam com frieza. Seus lábios estavam contorcidos e as mãos pousadas no quadril.

—Talvez devessem contratar outra “garota da lareira”, porque afinal sou apenas uma. – retorqui. – E estava no quarto de Lady Odom.

Ela arqueou as sobrancelhas com uma expressão sarcástica.

—Você deveria ter mais cuidado com essa sua boquinha. Não gosto do jeito que fala. Sua obrigação é fazer o que ordenamos não me importa se é apenas uma. Talvez você devesse ser mais rápida. Afinal de contas não é tão difícil assim acender uma maldita lareira.

Respirei fundo e passei por ela, pisando duro ao entrar no quarto.

—Então acenda você, vaca. – murmurei irritada, batendo uma pedra com a outra, ignorando a dor do corte.

—Desculpe? O que disse? – indagou com a voz inocente.

—Não disse nada. – grunhi sem conseguir fazer uma única faísca surgir.

Parei por uns segundos, tentando me acalmar, antes de voltar a friccionar as pedras.

Um suspiro de alivio saiu de mim quando finalmente consegui fazer o fogo surgir e tratei de alastrá-lo o mais rápido possível querendo sair daquele quarto que possuía um ar tão pesado que, que me fazia prender a respiração, como se fosse impossível inspirar e expirar.

—Pronto, senhorita. – anunciei, limpando as mãos sujar de preto no avental branco.

Ela me encarou longamente os braços cruzados e caminhou até mim, estudando-me de cima a baixo com desprezo.

Virei o rosto, perplexa ao sentir a ardência em minha bochecha, e olhei para a mulher que ainda estava com a mão erguida, o semblante impassível.

—Viu como não foi difícil... Vaca... Sabe por que você ainda não foi mandada embora? – instigou com divertimento. – Porque eu sei que você precisa desse emprego, sendo assim, irá aguentar qualquer humilhação. E acredite nada me dá mais prazer que infernizar a vida de criadas que se acham as espertinhas. – cantarolou. – Amanhã, sem falta, quero todos os meus vestidos que trouxe passados e muito bem engomados, está entendendo? Agora saía daqui! – ordenou, afastando-se bruscamente de perto de mim.

Saí de lá sentindo as pernas tremerem, assim como as mãos, que estavam fechadas e cada vez mais eu afundava as unhas na palma, como se fosse um modo de descontar aquela palpitação no peito que subia até a garganta e a fechava. Senti as pontas dos dedos ficando geladas e minha vontade de retornar ao quarto e devolver, não só aquele tapa, mas todos os anos que aturei cada bofetada vinda dela, era grande.

Eu sabia que eu tinha capacidade para odiar, porque céus, aquele meu estado em que me encontrava, era a forma mais pura de ódio e sempre era causado por uma única pessoa.

Eu detestava Milah Odom com todas as minhas forças.

E mesmo assim ela estava certa. Eu continuaria ali, aguentando todos os tapas, porque eu precisava do dinheiro.

Soltei uma lufada de ar, sacudindo os ombros na tentativa de tirar a tensão deles e peguei a direção do corredor para voltar à cozinha, respirando da forma que minha mãe havia ensinado ao mesmo, tempo que cantava em minha mente uma canção de ninar.

—Desculpe-me. – pedi distraída ao trombar com um homem no corredor. Olhei para o seu rosto e senti os olhos se arregalarem ao fitá-lo e encontrar aquelas orbes azuis que fazia tantos anos que não via. –Killian! – gritei de felicidade jogando meus braços ao seu redor com euforia.

Naquele momento, algo dentro de mim pareceu anuviar. Uma sensação de que estava acabado. Que meu Killy havia finalmente retornado para cumprir sua promessa.

Que todas as angústias iriam ficar para trás.

Inspirei profundamente, tentando encontrar o cheiro que ainda me lembrava, de suor e trigo, mas sua essência havia mudado. Era algo que exalava superioridade, fumaça de charuto, talvez, com algo amadeirado.

—Eu pensei que nunca mais iria vê-lo. Estou tão, tão feliz. – murmurei, estranhando a ausência de seus braços me envolvendo. Antes Killian não hesitava em me abraçar, fazia isso com afobação, animação.

Um calor que o homem que eu abraçava parecia incapaz de irradiar.

Talvez os anos em Londres tornaram-no mais fechado, todavia isso não teria importância. Ele estava ali, isso queria dizer que ainda era o mesmo.

Seu coração era o mesmo.

Afastei-me dele, estudando sua expressão perplexa, como se eu não fosse uma pessoa que ele esperasse ou quisesse ver. O rosto que um dia foi liso, hoje ostentava uma barba bem feita, que lhe dava um ar sério, ao mesmo, tempo que o deixara ainda mais lindo que da última vez e tão... Adulto.

Claro que estaria com a aparência de um homem, afinal fazia nove anos que ele havia partido e eu não o vira desde então.

Mas o esperava ansiosa, e dizia para mim mesma todas as noites, durante nove anos, que no dia seguinte ele voltaria para cumprir sua promessa e salvar-me da condição que me encontrava.

—O que está fazendo aqui? – ele perguntou com uma pontada de acusação na voz, seus olhos correndo pelo meu rosto, como se tentasse encontrar algo de familiar.

—Eu trabalho aqui, Killy... Meus pais nem vão acreditar quando eu contar que finalmente voltou! – exclamei. – Eu sabia que voltaria... Quero que me conte tudo. Como foram esses anos. A faculdade. Seu tio... Absolutament...

—Querido. – a voz da Srta. Odom surgiu no corredor antes da própria, fazendo-me calar e meu corpo se retesar, fazendo com que a calma que estava se instalando fosse embora.  – Está perdido? – indagou divertida, entrelaçando o braço de modo possessivo no de Jones. – Esse é o corredor dos criados, Killian.

—Não conheço a casa ainda, Milah. – respondeu, olhando para a mulher com um sorriso educado. – Então como encontrei com essa criada, já aproveitei para pedir que me preparasse um banho.

Algo estalou dentro de mim, como se fosse um alarme de que algo estava errado.

Milah havia trazido o noivo junto, Tinker dissera.

Fixei os olhos no casal a minha frente, tentando não expressar nada.

Não que eu tivesse alguma emoção além da confusão e sensação de que aquilo não podia ser real.

Killian era o noivo da Srta. Odom.

Ele não voltara para mim.

E eu nem para ser esperta inteligente de ligar os pontos. Ficara tão feliz de vê-lo, e em imaginar que finalmente iria tê-lo comigo, que não prestei atenção ao redor... No momento em que o vi, apenas conseguia lembrar-me dos bons momentos, e por uns segundos esqueci a raiva da Srta. Odom, todas as dificuldades dos anos anteriores. Fiquei tão encantada com a forma que meu coração se tornou leve ao abraçá-lo, que não levei em consideração o ambiente em que estávamos e a situação. Afinal, por que outro motivo Jones estaria ali, justamente naquela casa?

Ele havia me esquecido. As dondocas mimadas haviam o conquistado.

Essa criada”.

Meu coração quando entendeu a cena à nossa frente, protestou de um modo estranho, como se estivesse se retraindo na tentativa de desaparecer para evitar que as rachaduras se tornassem maiores, que iriam acabar por quebrá-lo.

Fiz um esforço sobre-humano para manter a respiração estável.

—Responda quando seu senhor estiver falando com você, criaturinha deplorável! – o veneno na voz de Milah, tirou-me do estupor em que me encontrava.

—Perdão? – pisquei atordoada olhando para eles, torcendo para que meus olhos não estivessem vermelhos, indicando a vontade desesperada que sentia de chorar.

—Poderia preparar para mim? – Killian instigou lentamente, como se eu fosse alguma espécie de débil. – O banho. – acrescentou rapidamente

Anuí, dando-lhes as costas e praticamente correndo para longe dos dois.

[...]

Tinker estava ajudando-me a encher a banheira no quarto de Killian, olhando-me com curiosidade, como se quisesse perguntar o que causara a minha brusca mudança de humor.

Havia descontado minha raiva em todos os objetos que encontrei pela frente e que não eram quebráveis, causando um olhar de estranheza dos outros criados, que nunca haviam presenciado um ataque que fosse vindo de mim.

E não fora o suficiente.

Eu queria gritar e me bater por ter sido tão burra de imaginar que Killian voltaria para mim, conhecendo um novo mundo cheio de possibilidades, brilho e pessoas novas.

Queria estapear seu lindo rostinho por não ter me dado satisfação anos atrás.

A porta se abriu e Jones olhou para nós duas, enquanto terminávamos de preparar seu banho, parecendo desconfortável. Tink deixou as toalhas na cadeira e eu pousei o vidrinho de sabonete no chão, pegando os baldes e querendo com todas as minhas forças sair dali.

—Poderia acender a lareira? – perguntou quando já estávamos saindo.

Parei fechando os olhos, soltando um suspiro baixo, como se estivesse clamando por paciência. Tink olhou para mim e eu passei os baldes vazios para ela, retornando para dentro, segurando a respiração.

Ajoelhei-me, escolhendo os pedaços de madeira que pareciam estar mais secos para que o fogo pegasse logo.

Não demorou muito, ouvi o leve fechar de porta.

—Então você está noivo da Srta. Odom? – perguntei não aguentando, enquanto colocava as toras na grade, sem encará-lo.

Eu precisava de uma explicação, não? Não era o mínimo que eu merecia?

A resposta demorou um pouco para vir.

—Sim... Escute Emma. Eu sei que... Tivemos um caso no passado, mas gostaria que deixasse lá e não comentasse com ninguém. – pediu.

Assimilei sua resposta e comecei a bater uma pedra contra a outra, concentrada na tarefa diante de mim, pensando no que eu deveria responder. Se ele disseram aquilo com a intenção que eu retorquisse ou apenas falasse “tudo bem” e desse modo saísse de sua vida de vez.

Quem eu estava tentando enganar? Eu não fazia mais parte de sua vida havia um bom tempo, apenas não possuía conhecimento sobre esse fato, porque estava cega por uma promessa e a idealização de um futuro ao lado dele e recusava-me a pensar que Killian me esqueceria, sendo que sempre esteve claro que isso acabaria por acontecer.

Levantei-me quando consegui fazer o fogo pegar nos pedaços maiores de madeira, observando-o se tornar forte, o calor começando a se espalhar nos cantos do quarto.

—Você me fez uma promessa. – lembrei-o.  – E fez-me prometer que o esperaria.

—Éramos dois adolescentes. Não teve validade alguma. Você deveria saber.

Senti meu maxilar tremer, lutando para manter as lágrimas no lugar que pesavam em meus olhos.

Eu sentia frio e calor ao mesmo tempo. Algo tampava meus ouvidos e um zumbido irritante estava forte em minha cabeça.

—Teve para mim. – respondi com calma. De nada adiantaria fazer uma cena. – Você poderia ter ao menos, avisado por carta para que... Eu... Não ficasse o esperando. Avisado que havia mudado de ideia quanto a voltar para mim. Que se apaixonou. Eu não ficaria brava. Você sabe disso.

Killian abriu um sorriso insolente.

—Por que eu perderia meu tempo escrevendo para você se não sabe ler, Swan? – questionou com frieza. – Quero que esqueça, está entendido? Você não me conhece! – ordenou.

Fechei os olhos, ignorando a dor sufocante que senti ao ouvir suas palavras.

Seu pedido.

Ele sentia vergonha de mim. Do que tivemos. Agora que estava lá no alto, alguém como eu nunca poderia estar ao seu lado e Killian percebera isso. Eu apenas o envergonharia com a minha estupidez.

A noite estava quente, como qualquer outra naquele verão que parecia determinado a nos exterminar com tanto calor. Killian brincava com uma mecha do meu cabelo, enquanto lia para mim, sua voz rouca e concentrada, nas palavras que se perdiam na noite, que assim como eu, parecia querer as absolver para ficar ouvindo repetidas vezes mais tarde, até que escurecesse novamente e voltássemos a nos encontrar.

Gostava quando ele lia para mim. Sempre gostei de histórias, e minha mãe costumava contá-las, mas não com um livro em mãos como Jones, já que não sabia ler. Killian tinha a condição de vida um pouquinho melhor que a minha e tinha sido mandado para a escola, então me fascinava o modo que ele conseguia juntar as letras e formar uma palavra, seguida de outra até formasse uma frase.

—“Então ela disse assim para o rei: Eis a reposta da charada: o que as mulheres querem é que façam suas vontades – e a resposta pareceu ao Rei Arthur fazer todo sentido.”

—Isso não é verdade! – protestei indignada. – Eu sou assim?

Killian riu, fechando o livro e prendeu seus dedos em minha nuca, brincando com os fios cacheados daquela região.

—Um pouco sim, Emma. – respondeu. – É de sua natureza.

—Nunca exigi nada de você. A única coisa que peço é para que traga um livro para ler quando vem me encontrar.

—Um tempo que eu poderia estar beijando-a. – atalhou divertido.

Abaixei a cabeça, torcendo uma espiga de trigo nas mãos.

—Eu gosto de ouvir histórias e como não sei ler... Mas se não gosta, tudo bem. Não precisa trazer mais.

Jones abaixou o rosto, para encontrar meus olhos, fitando-me de modo carinhoso e que fazia eu me sentir amada de verdade.

—Eu sei minha menina. E não me incomoda ler para você, gosto de suas reações, seus comentários e de como me agradece depois quando gosta muito de um livro. Beija-me como se eu tivesse dado para você o melhor dos presentes e seu sorriso fica tão brilhante que penso que posso estar olhando para estrelas.

Olhei-o de forma cética.

—É verdade, Emma. Sei que soa piegas, todavia é a mais pura verdade.

—Se eu soubesse ler, você sabe que eu leria para você, não sabe?

—Claro que eu sei. Assim como tenho certeza que trocaríamos várias cartas durante o dia até a noite chegar, quando podemos nos ver.

—Sim. – concordei. - Eu adoraria receber cartas suas e respondê-las.

Jones se empertigou, pegando um gravetinho do chão.

—Sabe qual minha palavra preferida? – indagou e eu neguei com a cabeça. Killian escreveu na terra e voltou a me encarar. – Sabe o que está escrito aqui?

Balancei a cabeça em uma negativa novamente.

—Esta daqui é a letra “E” e essa é a “M”, se juntarmos ambas, temos o som “Em”. Aqui temos outro “M” e essa daqui é a letra “A”, que forma “Ma”.

Fiquei observando a palavra escrita, murmurando baixinho o som de cada letra e depois juntas como ele havia feito. Ergui os olhos para o seu rosto, que sorria.

—Emma! É o meu nome! – exclamei incrédula. – Então é assim que escreve? E... M... M... A?

—Sim minha Emma. É assim.

—Você pode me ensinar uma palavra diferente a cada noite?

—Claro que posso Swan. – concordou.

—E é sua palavra preferida mesmo? – instiguei.

—Escrevo-a sempre que tenho a oportunidade... Quando estivermos casados, eu ensinarei você a ler e escrever.

Escrutinei seu rosto, buscando qualquer indicio de que estivesse brincando comigo, mas ele estava sério e parecia apreensivo.

—Casar?

Killian assentiu.

—Estou juntando dinheiro para que isso aconteça... Mas não conte para ninguém. Precisamos ter uma casa para ficar até que eu assuma o lugar de meu pai.

—Você acha que seus pais não irão se importar? Não tenho certeza se tenho um dote para pagar a vocês. E se tiver, não é muito... Nunca conversei sobre o assunto com os meus pais. – confessei sem graça.

—Eu não me importo com isso, minha criança. E tenho certeza que meus pais irão aprovar quando informá-los.

—Pois deveria se importar.

—O dote não me importa de verdade, Emma. Sinto como se eu estivesse comprando você de alguma forma se exigir o dote. Não faço questão... Você irá se casar comigo quando eu tiver dinheiro suficiente e um trabalho fixo para que comecemos uma vida juntos?

Comecei a rir, jogando-me em cima dele e o beijando repetidas vezes, fazendo-o gargalhar com meu ataque.

—Sim, sim, sim. Eu o amo tanto, Killy!

—Também a amo, minha menina.

Forcei um leve sorriso, igual os que eu destinava aos convidados da família para demonstrar que eu estava ali às ordens, para servi-lo se caso precisasse.

—Seja muito bem-vindo, senhor Jones. Espero que goste da estadia em Hertfordshire. Precisando de alguma coisa é apenas tocar a sineta. – expliquei, apontando para o sino preso na parede, que quando puxado, tocava o da cozinha, evitando olhar em seus olhos.  – Com sua licença.  – pedi, praticamente correndo para fora do quarto em busca de um refúgio onde pudesse chorar, apenas porque eu não era tão forte quanto gostaria e estava doendo, uma dor fina e aguda.

Não deveria doer tanto assim...

Deveria?

Precisei parar no meio do caminho, para me apoiar na parede, com a mão pousada sobre o coração, que continuava resmungando da dor que se embrenhava cada vez mais fundo, partindo-o em pedaços que não estava mais conseguindo manter no lugar.

Voltei a caminhar de volta para a cozinha, pegando minhas coisas e saindo sem me importar em tirar o uniforme, sem parar para conversar com ninguém, apenas querendo me afastar daquela casa, começando a correr quando me encontrei na estradinha de terra. Minha visão estava embaçada, enquanto sentia as lágrimas descerem sem controle pelo meu rosto, e novas gotas pesadas pinicavam meus olhos, antes de rolarem, o processo se repetindo, meus pulmões reclamavam da falta de ar que era bombeado para eles e minhas costelas pareciam se comprimir, causando-me dor física.

Quando a queimação em minhas pernas se tornou insuportável, parei a respiração resfolegante e sentei-me, passando as mãos pelo rosto molhado. Senti a terra grudada em minha pele e percebi que a garoa incessante ainda continuava e se grudava em mim, deixando-me mais melada e suja.

Coloquei-me em pé e peguei a direção da taverna.

E pensei que pela primeira vez, eu poderia aceitar tomar um porre com os clientes, já que eles bebiam para esquecer e ficar feliz.

Eles sempre gargalhavam e cantavam alto. Sempre se esqueciam de seus nomes e consequentemente seus problemas.

Talvez de fato o álcool me ajudasse.

Talvez fosse tudo o que eu precisava para estar inteira no dia seguinte e vê-lo.

Talvez o gosto amargo do líquido que queimava ao passar pela garganta fizesse-me esquecer, quem era Killian Jones.

Queimar...

Uma bebida, sem dúvidas era tudo o que eu precisava para queimá-lo de minhas lembranças.

De esquecer sua promessa.

E ainda ficar feliz novamente...

Talvez, era tudo o que eu precisava.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então foi isso. Espero que tenham gostado do capítulo.

Muito obrigada por lerem e vejo vocês em breve, espero.

Beijos



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Nosso Último Verão" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.