Worth It escrita por Mileh Diamond


Capítulo 2
Capítulo II


Notas iniciais do capítulo

E aqui temos o Lys! A interação com o Dimitry só tem mesmo no terceiro capítulo, e aqui temos um Lysandre bem diferente por causa da transformação.
XOXO



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P.O.V Lysandre

A primeira coisa que notou foram as flores ao pé da cama. Depois foi a janela e as cortinas brancas. Logo uma variedade de coisas entrou em seu campo de visão.
Seu corpo inteiro doía. Parecia que fora esmagado e colocado em uma lata repetidas vezes. Sua garganta estava seca, a visão embaçada e uma formicação peculiar no pescoço lhe deixava desconfortável. Fora isso, parecia que estava bem. A marca no pescoço realmente lhe incomodava. Tentou tocá-la, mas uma enfermeira entrou no quarto e soltou um pequeno grito ao vê-lo acordado. Resolveu que deixaria aquilo para depois.
As piores horas de sua vida começaram logo depois que a enfermeira saiu. Um grupo de médicos entrou e começou a fazer uma série de perguntas bem como a furá-lo com uma coleção de agulhas. A pior parte é que não conseguia responder metade do questionário.
Lembrava-se do seu nome, mas não os dos seus pais. Sabia sobre a escola, mas não fazia ideia de quem era Rosalya ou Lynn. Sabia que tinha um irmão, mas estava em dúvida se seu nome era Leigh ou Castiel. Algo o dizia que sua memória era péssima por natureza e que aquela amnésia seria mais um motivo para piadas. Esse pensamento era reconfortante.
Sua memória mais clara era a de alguém falando enquanto ele dormia. Poemas de Verlaine e Baudelaire, livros que ele nunca lera, mas que pareciam interessantes. E um nome que ele não conseguia se lembrar.
Além das perguntas falavam incessantemente sobre seus olhos. Ele sabia que tinha olhos incomuns, mas aquilo enchia a paciência. Diziam que estavam vermelhos. Ora, não era normal olhos vermelhos após semanas em coma? Então lhe deram um espelho e ele entendeu o que diziam. Suas íris estavam vermelhas como rubis. Nada da tradicional heterocromia. Seus olhos agora tinham uma cor única de sangue.
Ninguém reparara em seu pescoço e isso o deixara satisfeito. Queria manter aquilo um segredo, mesmo não tendo certeza do que se tratava.
Ele ficou mais calmo quando rostos familiares apareceram. Ele reconheceu o irmão e a mãe, apesar de não ter certeza sobre seus nomes.
— Estamos tão felizes que você acordou, meu filho. - disse sua mãe com lágrimas no rosto - Já havíamos perdido as esperanças.
— Não chore, mãe. Eu estou bem. - disse forçando um sorriso reconfortante.
— Os médicos disseram que ainda precisam fazer alguns exames e se tudo ocorrer bem, pode ir pra casa semana que vem. - disse seu irmão com um sorriso.
— Isso é bom. - ele disse para si mesmo. Estava com um pouco de medo de voltar a sua rotina, mas tudo ficaria bem. Estava confiante, acima de tudo.
Sua mãe tocou seu rosto delicadamente, um olhar contente e preocupado ao mesmo tempo.
— Eu não sei o que houve com seus belos olhos, mas se é esse o preço que temos que pagar para tê-lo conosco, não hesito em pagá-lo. - ela falou com um sorriso.
Após mais alguns minutos de conversa foi pedido que eles se retirassem, pois Lysandre precisava descansar. Agora só teria visitas no dia seguinte.
Estava sozinho novamente. Tentou se lembrar de mais detalhes sobre a sua vida, mas pouca coisa vinha. Lembrou-se do acidente e de Nina. A culpa o atingiu. Será que a menina estava se culpando pelo que ocorreu? Esperava que não. Havia sido um idiota em falar com ela daquela maneira. Esperava ter a oportunidade de se desculpar.
Fora isso, não se lembrava de mais nada. A sensação estranha em sua pele ainda estava lá. Tocou a área receoso. Parecia ser um machucado recente.
Olhou para os lados. Seu celular estava ali, assim como o bloco de notas. Pegou o aparelho e usou a tela como espelho. A imagem lhe mandou calafrios. Havia apenas dois furos, como uma mordida em que os caninos são mais protuberantes.
Deixou o celular de lado e ficou pensando a respeito. Ele nem sempre dava crédito ao sobrenatural, mas algo naquela história era muito estranho. Lysandre deveria ter morrido, mas repentinamente acorda com olhos brilhantes cor-de-sangue e com uma marca no pescoço? Ele sentia náuseas só de pensar.
E falando em náuseas, quando serviriam o almoço? Ele sentia muita fome. Sentia que poderia comer um boi inteiro se deixassem. O que era um pensamento tenebroso, pois Lysandre nunca fora um fã de carne.
Como se fosse uma resposta aos seus pensamentos, logo uma enfermeira chegou com uma bandeja. Ele não sentia o cheiro da comida. Ele sentia o cheiro da mulher. Cheiro de coisa viva.
Afastou aquele pensamento obscuro de sua mente e procurou se concentrar na comida. Purê de batata, caldo de peixe, pãezinhos, suco de maçã e pudim de sobremesa. Parecia apetitoso, mas ao terminar a farta refeição ele ainda estava com fome. Muita fome.
Quando a enfermeira apareceu para levar a bandeja ele perguntou educadamente:
— A próxima refeição poderia ter mais carne?
A mulher sorriu e disse que perguntaria à nutricionista. Ela saiu e logo estava sozinho de novo.
Ele queria um pouco de silêncio, mas parecia impossível. O tempo todo eram pessoas falando e andando. Ele podia ouvir o murmurinho das pessoas na rua e de vez em quando até entender algumas palavras. Era muito irritante.
De repente se deu conta de que talvez aquilo não fosse normal. Hospitais deveriam ser silenciosos. Talvez não houvesse tanto barulho, afinal. Talvez fosse ele quem estivesse ouvindo demais.
E provavelmente estava paranoico, também. Não via a hora de sair daquele hospital.

—--

Já haviam se passado dez dias desde que acordara. Ele saíra do hospital há três. Ainda não conseguia andar direito, de forma que estava em uma cadeira de rodas. Algumas seções de fisioterapia e logo voltaria ao normal novamente.
Ainda era estranho ver tantos rostos sem ter certeza de quais eram seus nomes. E ainda não conseguira encontrar o dono da voz que falava enquanto ele dormia.
Chegou a perguntar uma vez para Leigh se havia mais alguém que o visitava além da família e de seus amigos. Após um tempo pensando o irmão respondeu:
— Havia o Dimitry. Você não o conhece, mas ele é um conhecido meu. Ele viu o acidente e ficou interessado. Deve ter te visitado uma ou duas vezes.
Só isso? Ele tinha certeza de que eram várias vezes. Conversas suficientes para semanas. De qualquer forma, queria conhecer pessoalmente esse Dimitry, se por acaso ele aparecesse novamente.
A outra parte estranha de sua nova vida era a dieta. Não importava o quanto Lysandre comia, nada o saciava. Quanto mais carne melhor, mas até os maiores bifes daqueles restaurantes americanos eram como petiscos para ele. Isso o deixava com um particular mau-humor.
Seus sentidos estavam mais apurados. Não contou isso a ninguém, mas podia ouvir os passos de alguém chegando do outro lado da rua, ou o cheiro de alguém especial a poucos metros.
Sim, os malditos cheiros. Agora todos tinham cheiros. Não estava se referindo a perfumes, isso até mascarava o odor. Era um cheiro característico de cada um, como uma identidade. Mulheres eram mais doces, e quanto mais jovens, mais suaves. Isso fez ele aproveitar mais a presença de garotas. Sua amiga Lynn era muito gentil e estava lhe ajudando na recuperação. Rosalya o tratava como um verdadeiro irmão. Todas ótimas garotas.
Até Nina parecia mais suportável. Ele pediu desculpas assim que ela apareceu para visitá-lo no hospital. Estava acompanhada da mãe. Ela disse que havia sido culpa dela o acidente e que prometia não incomodá-lo mais. Ele sabia que a relação dos dois nunca mais seria a mesma. Ela ficou realmente chateada com o que dissera.
Bom, águas passadas.

—--

Já se passaram quatro meses desde que saíra do hospital. Seu cabelo estava longo até abaixo dos ombros e ele o prendia com uma fita. O medo de alguém descobrir sua marca ainda existia, assim como o desconforto provocado por seus novos hábitos.
Conseguira conhecer Dimitry. Foi há um mês e não passou de uma conversa rápida em frente a escola.
— Era você que lia Baudelaire pra mim? - perguntou o albino com uma sobrancelha arqueada.
— Sim, eu mesmo. - o moreno respondeu com um sorriso - Nós teremos outras oportunidades para conversar. Eu só queria saber se estava tudo bem com você.
E dito isso ele foi embora, simplesmente.
Dimitry era um rapaz misterioso. Devia ser mais velho, talvez a idade de Leigh ou mais. Seus cabelos compridos faziam o diferencial na sua aparência, mas não chegavam nem perto de seus olhos rubros. Eram da mesma cor que os de Lysandre.
Hoje o albino estava particularmente irritado. Não havia tomado café da manhã e pelo que Leigh dissera o almoço em casa seria sopa vegetariana. Como se ele pudesse sobreviver com isso. Para melhorar a situação teria educação física.
— Que tal a gente fugir da aula hoje? Vai ter basquete com um time de alguma escola famosinha, não estou a fim de jogar com nenhum filhinho de papai. - falou Castiel que sentava atrás de si na aula do Faraize.
— Diga-me um dia em que você quer jogar. - ele disse rabiscando algo em seu bloco de notas.
— Ok, nenhum. Mas, hey, você também não gosta. Nem o representante gosta. Quem gosta, afinal? Tá decidido, vamos ficar no terraço até a aula acabar. - o ruivo disse convencido. Hoje Lysandre estava particularmente cansado da rebeldia dele, também.
— Quer saber? Eu quero jogar. Pode ir pro terraço se quiser, mas eu vou aparecer naquela quadra e representar a minha escola. - falou sério, fechando o caderno.
Castiel piscou uma, duas vezes. Então começou a rir.
— Você não joga basquete desde o primeiro ano. Vai ser uma vergonha para a Sweet Amóris.
— Ao menos eu vou tentar. Eu não tenho uma Lynn para me distrair durante as aulas chatas. - alfinetou.
— Nossa, tá difícil hoje, hein? O que foi? Não conseguiu seu bacon com molho de churrasco? - falou sarcástico como sempre. Ainda não se acostumara com aquela mudança de Lysandre. Ele era a mesma pessoa, mas estava diferente. Mais agressivo.
— Eu não preciso estar de bom humor todos os dias, sabia? - respondeu calmamente. O sinal tocou anunciando o fim da aula.
Lysandre arrumou seu material, tomando cuidado para não esquecer nada. Seus novos sentidos o deixaram mais atento. Chega de perder blocos de notas.
No final Castiel acabou acompanhando-o apenas para vê-lo passar a maior vergonha de todas. Mas Lysandre estava determinado a impressionar naquele dia.
Chegaram à quadra. O time visitante estava treinando. O uniforme era verde e azul, mas ele não conseguia saber o nome da escola. Havia algumas meninas com o logo da escola e as iniciais F.T nas arquibancadas. Havia poucas meninas da Sweet Amóris, mas ele distinguiu Kim e Peggy. A última provavelmente estava lá para documentar o jogo para o seu jornal. Foram direto para o vestiário, onde os meninos da Sweet Amóris estavam se preparando.
Sentado em um banco amarrando os cadarços estava Nathaniel. Ao notar a presença dos dois ele franziu o cenho.
— Vocês vão jogar?
— Eu vou jogar. Castiel vai ficar na reserva reclamando como um bebê. - Lysandre disse abrindo a mochila e procurando o uniforme.
Você vai jogar, Lysandre? - o loiro perguntou cético.
— Viu? Nem o almofadinha acredita nisso, Lysandre. É idiotice. - disse Castiel tirando a jaqueta de couro e a camiseta vermelha, substituindo pela branca e salmão da Sweet Amóris.
— Eu também não queria vir, mas o Boris me ameaçou de tirar alguns pontos. Minhas notas nessa disciplina não são as melhores. - confessou o representante - Mas realmente me surpreende você participar, Lysandre. Você não é do tipo esportivo.
— Vale a pena uma mudança de vez em quando. - falou o albino com um meio-sorriso enquanto guardava suas coisas em um armário.
Após alguns minutos todos já estavam prontos. Faltava tanta gente ali. Talvez seja pelo fato de jogarem com outra escola. Lysandre imaginou se teriam garotos o suficiente para formar um time.
O professor Boris ao notar a presença dos dois abriu um enorme sorriso.
— Fico feliz que vieram se juntar a nós. Lembrando que quem compareceu ao jogo hoje já está com a média do semestre garantida!
O lado direito da quadra era da Sweet Amóris. No placar estava o nome da escola oponente: Lyceé François Truffaut.
Lysandre contou quantos alunos havia ali. Ele, Castiel, Nathaniel, Kentin, um garoto de dreads que ele tinha certeza que não estudava ali, três garotos com os quais ele nunca falara muito e Dake. De novo, tinha certeza que ele não estudava na Sweet Amóris.
— O que ele tá fazendo aqui?! - perguntou um Castiel irritado apontando para o loiro de cabelos longos.
— Acredite, amigo. Não queria estar aqui, mas o meu tio prometeu equipamento de surf novo se eu completasse o time. Então, cá estou eu. - disse o australiano com um sorriso de lado - Como está a Lynn? Adoraria dar uma volta com ela depois do jogo.
— Você vai ver a volta, filho da...
— Meninos, o jogo já vai começar! - Boris chamou a atenção de todos.
Após o alongamento o professor começou:
— Os capitães serão Dajan, pela Sweet Amóris, e Viktor, pela François Truffaut. O resto dos jogadores se posicione em seus respectivos lugares.
Na reserva estavam Nathaniel e dois dos garotos que ele não conversava, de forma que o time consistia dele, Castiel, Dake, Dajan e Kentin. Dajan, o cara de dreads, foi até o centro da quadra enquanto o resto assumia sua posição.
Fazia um bom tempo que não jogava basquete, mas ele lembrava o básico. Máximo três passos com a bola, acertar na cesta. Ele se sairia bem.
Boris apitou e jogou a bola para o alto. Dajan e Viktor pularam para alcança-la e o capitão da François Truffaut empurrou-a para o seu lado da quadra.
Foi então que Lysandre começou a ficar perdido. Talvez realmente tenha sido uma ideia idiota.
Kentin correu para bloquear uma ofensiva do time adversário e conseguiu a posse de bola. Por estar cercado não podia se movimentar.
— Lysandre! - ele chamou e arremessou a bola.
Ele conseguiu pega-la, mas por um microssegundo ele não sabia o que fazer. Mas logo a imagem dos cinco brutamontes da Truffaut o acordou de seus devaneios e ele começou a correr.
A pior parte era manter o controle da bola sem fazê-la escapar. Duas vezes seguidas tomaram-na de si e uma vez ele caiu de cara no chão. Logo depois os adversários faziam a primeira cesta do jogo.
— O que eu te disse? - falou Castiel ajudando-o a se levantar.
Mas agora ele estava determinado a fazer um ponto.
Apito. Nathaniel recebeu a bola. Quicou para Dajan, mas o número 7 adversário foi mais rápido e roubou a bola.
Veloz, ele correu desviando dos jogadores e se colocou na frente do oponente. Aquilo surpreendeu o garoto e lhe deu tempo para roubar a bola e tentar um ataque.
Ele não sabia de onde havia tirado tamanha velocidade, só sentia o vento no seu rosto enquanto desviava dos outros. Parecia que eles estavam parados.
Chegando ao garrafão ele saltou e se preparou para fazer uma enterrada, mas o pivô adversário entrou em seu caminho fazendo a bola desviar apenas alguns milímetros.
Ela bateu na cesta e rolou no aro por alguns segundos antes de cair para dentro. Ponto feito.
A torcida da Sweet Amóris foi ao delírio. Lysandre sorriu animado, enquanto isso seu time e o da outra escola o olhavam embasbacados.
— O que foi isso?! - Castiel perguntou vindo até ele.
— O que? Eu só me empenhei. - ele falou com um sorrindo.
— Não, você incorporou o Jordan. Eu nunca vi você correndo assim. O que está acontecendo? - o ruivo perguntou sério.
— Você está imaginando coisas. Vem, vamos ensinar uma lição para os da Truffaut. - falou correndo para a sua posição.
A partir daí tudo ficou mais fácil, pois Lysandre estava mais confiante. Pegava todos os rebotes, bloqueava todos os ataques e não errava nenhum lance. Pode-se dizer que nem deixava os colegas jogarem, mas isso era o de menos.
Correndo ele era livre. Piscavam e ele já estava do outro lado da quadra com a cesta só pra ele.
O primeiro período acabara. 12 a 6 para a Sweet Amóris. Sentou-se no banco e pegou uma garrafa d'água do cooler, jogando um pouco no rosto e bebendo o resto.
— Fez um ótimo trabalho, Sr. Ainsworth. Mas peço que trabalhe um pouco mais em equipe. Um time é feito do trabalho em grupo. - disse Boris colocando uma mão em seu ombro e se afastando logo depois.
— Cara, você é demais! - disse Dajan sentando-se a sua frente com um sorriso animado - Como nunca vi você nas quadras? Você é o cara!
— Digamos que eu não jogo há um bom tempo. - ele respondeu humildemente, mas por dentro estava orgulhoso.
— Não joga há um tempo? Ele não toca em uma bola de basquete desde a sua primeira aula aqui no ano passado. - Castiel disse contrariado pegando uma garrafa também.
— As pessoas mudam. Lysandre deve estar mais preocupado com sua saúde, só isso. - disse Kentin. Ele entendia de mudanças como ninguém.
— Mas temos que concordar que mudou da água pro vinho. Sem dúvida deve ser o mais rápido da turma agora. - disse Nathaniel que iria entrar no jogo agora. Ele parecia confuso, mas não tanto quanto Castiel.
Lysandre apenas dava de ombros. A verdade era que não estava nem um pouco cansado e sentia que poderia jogar mais de cem partidas sem suar.
Um novo período iria começar. A François Truffaut fez algumas substituições, colocando caras aparentemente mais fortes para jogar.
O jogo começara. Lysandre ainda podia correr, mas aqueles jogadores novos bloqueavam qualquer tentativa ofensiva por parte dele, além de serem mais agressivos.
Quando realizou um passe para Nathaniel um deles empurrou o loiro entrando no caminho, fazendo-o cair no chão. Aquilo o deixou mais irritado.
Pediram um intervalo. Nathaniel estava bem, mas aquela queda realmente machucara. O albino virou-se para o autor da ofensa, um asiático alto que ele ouvira ser chamado de Anthony algumas vezes.
— Sabia que não é nada educado usar força bruta em um jogo amistoso? - perguntou com uma sobrancelha arqueada.
O garoto sorriu cheio de escárnio e se aproximou cruzando os braços.
— E o que a mocinha vai fazer? Me morder?
Quem sabe. Ele pensou, mas não falou. Apenas se virou e voltou para seu time. Atrás de si o oponente ria com seus amigos e falou em voz alta:
— Adorei o laço. Na próxima podiam ser marias-chiquinhas!
Ele não se virou, mas fechou os punhos com força. Ele estava apenas com um rabo de cavalo, mas antes havia a fita em seu cabelo. Eles devem ter percebido quando chegaram.
— Não foi nada, Lysandre. Sério. - Nathaniel disse estranhando a atitude do colega.
— Não foi certo. Aqueles idiotas deviam aprender uma lição. - murmurou em voz baixa.
— Pensei que você fazia o tipo pacífico, mano. Relaxa, é só um jogo de escola. - disse Dake dando tapinhas em suas costas.
O mais incomodado era Castiel. Lysandre não era assim. Estava longe de ser. Tinha mudado bastante desde o acidente e isso não o agradava em nada.
Voltaram ao jogo, Nathaniel ainda em campo. O agressor realmente gostava de uma briga, agora sua atenção era toda em Lysandre. O jogo era basicamente entre os dois. Eram eles os dono da bola, eles que atacavam, eles que defendiam, eles que se enfrentavam.
Faltando dois minutos para o fim do jogo o placar estava empatado em 46 a 46. A posse de bola estava com os François Truffaut.
Passaram a bola para Anthony, mas Castiel a tomou, correndo para o lado do oponente. Passada para Dake, mas bloquearam iniciando um contra-ataque. Lysandre entrou em cena recuperando a bola e tentando um último ponto.
Com sua recém-adquirida velocidade ele driblou os visitantes, chegando com facilidade à linha dos três pontos onde Anthony o esperava. O garoto era como uma muralha impenetrável. Não para Lysandre.
Olhou rapidamente ao redor e, de novo, parecia que todos estavam parados e ele era o único em movimento. Dake, a cerca de dois metros a esquerda junto com Nathaniel, marcados por três adversários. À direita havia Dajan, marcado apenas por um.
Poderia ser loucura o que ele faria a seguir, mas ele confiava na capacidade de seus colegas.
Foi então que quando parecia que ele ia literalmente atropelar Anthony para chegar à cesta, ele sem nem piscar jogou a bola para a direita. Ele firmou os pés no chão ficando apenas a alguns centímetros do asiático que piscou chocado, sem entender o que acabara de acontecer. Dajan pegou e arremessou, acertando a cesta de três pontos. Segundos depois o treinador apitava anunciando o fim de jogo e a vitória para Sweet Amóris.
O punhado de estudantes que assistiam comemorava a vitória da escola. O albino não se importava com aquilo no momento. Apenas a careta enfurecida do garoto a sua frente já fazia o seu dia melhor.
— Jogou bem. Mais sorte na próxima vez. - falou com um sorriso de lado se virando para sair da quadra.
Obviamente o cara não iria deixar barato. Ao sentir a mão puxando sua camiseta Lysandre só teve tempo de desviar o rosto do soco que teria quebrado o seu nariz.
Aproveitando que ele ainda o segurava o albino torceu o pulso de Anthony, fazendo-o cair no chão gritando de dor.
— Quem é a mocinha agora? - ele perguntou silenciosamente ao mesmo tempo em que um grupo se formava ao redor dos dois e os separava. Anthony ainda estava agonizando no chão quando Boris mandou-o para a Diretoria. Foi então que ele se deu conta do que fizera. Machucar pessoas não era algo normal, principalmente para o albino.

Antes de levar a bronca teve o direito de trocar de roupa. Foi para o vestiário e tomou uma ducha antes de se vestir com suas habituais roupas vitorianas. Castiel estava esperando ao lado de seu armário com cara de poucos amigos.
— Nathaniel está explicando a Boris o que aconteceu, já que viu quando o outro tentou te bater. Talvez isso diminua seu castigo.
— Hum. - ele falou sem dar muita importância.
— O que deu em você? - a pergunta parecia estar presa na garganta do ruivo há tempos.
— O quê? - ele disse finalmente encarando o amigo.
— E você ainda pergunta? Você só torceu o braço de um cara que nem conhecia! Entende onde eu quero chegar?!
— Eu só me defendi. - disse tentando evitar aquela conversa. Sabia que havia exagerado.
— Eu sei. Mas a história fica estranha quando estamos falando de Lysandre Sinclair Ainsworth. - disse sério - Pois ele não torce pulsos, não vai tomar satisfação em uma briga e com certeza não vira o melhor jogador de basquete da escola em apenas um dia!
— De novo o assunto do basquete? É só um jogo. - disse na defensiva.
— Não, não é só um jogo! São quatro meses de um comportamento que não é característico do meu melhor amigo! - ele falou em voz alta e irritado - Eu tentei me conformar. Disse a mim mesmo que o coma havia mudado você, mas isso já é demais, Lysandre. Você virou outra pessoa. Você está vivo e eu agradeço aos céus por isso, mas a verdade é que o Lysandre que eu conheci morreu naquele acidente. E em troca colocaram alguém completamente diferente no lugar dele!
O ambiente ficou silencioso a partir dali. Lysandre ouviu as palavras atordoado. Era assim que seu amigo o via? Ele realmente havia mudado tanto e de um jeito ruim? Era muita coisa para processar.
De cabeça baixa ele saiu do vestiário, quase dando de cara com Nathaniel no caminho. Foi direto para a Diretoria como haviam lhe mandado. Era a primeira vez que levava uma advertência, mas ele não ouvia nada. Sua mente estava rondando as palavras de Castiel.
O Lysandre que eu conheci morreu naquele acidente. Será que restara alguma coisa, por menor que seja, do seu antigo eu? Ele já havia lembrado de praticamente tudo que perdera com o acidente. Mas havia tantas coisas novas que ele não podia explicar. A sua existência era confusa. Ele queria ter alguém para conversar sobre aquelas mudanças.
O resto do dia na escola passou como um borrão. Todos já comentavam sobre o ocorrido na educação física. Provavelmente o jornal de Peggy relataria tudo no dia seguinte. Ele não falou mais com Castiel em nenhuma das aulas.
No final do dia ele estava agradecido por poder finalmente ir pra casa. Enquanto arrumava suas coisas sentiu uma presença ao seu lado.
— Oi. - falou Lynn com um sorriso sem-graça - Vai direto pra casa?
— Acho que sim. Estou muito cansado. - respondeu com um pequeno sorriso - Por quê? Precisa de alguma coisa?
— Não, não. Só queria saber se você estava bem. O dia foi cheio, não? - disse mudando o peso de uma perna para outra.
— Sim, realmente cansativo. Lamento não poder conversar hoje, Lynn. Eu tenho que ir. - disse se preparando para sair da sala.
— Rosalya está preocupada. Eu estou preocupada. - a morena confessou.
— Eu estou bem. Não há nada com que se preocupar. - disse confiante. E assim a conversa finalizou-se. Ele saiu da escola com passos apressados, ansioso para sair daquele reduto onde todos cochichavam a seu respeito.
O clima lá fora era ameno. Em breve o inverno chegaria. As árvores já perdiam suas folhas e não era agradável andar nas ruas sem um casaco.
Pensou em ir direto para casa. Leigh ainda estava na loja e não fecharia até o anoitecer. Provavelmente a diretora ligou para ele avisando sobre o incidente do dia. Era muito mais prático que avisar a seus pais diretamente.
Pensando melhor, seria melhor andar por aí um pouco e esfriar a cabeça. Refletir sobre o que acontecera e principalmente sobre o que Castiel dissera.
Resolveu passear pelo parque perto da escola por um tempo. Sempre gostara daquele espaço ao ar livre. Fazia-o se lembrar de sua infância na fazenda. Mas há coisas que só são boas em lembranças.
Sentou-se em um banco abaixo de uma árvore e ficou observando ao redor. Mas sua mente estava em outro lugar, em outra pessoa.
Ele já havia notado mudanças em suas atitudes. Não combinava com o Lysandre pacífico de meses atrás. Perdera uma boa parte de si com aquele acidente.
O que acontecera com Anthony foi a gota d'água para Castiel lhe dizer na cara tudo que pensava. Estava contente que o ruivo fora sincero, mas a verdade o perturbava.
Sua mão foi instintivamente para a lateral de seu pescoço, onde marcas apagadas ainda guardavam um mistério não desvendado desde o dia em que acordou. Tanto quanto a nova coloração de olhos, aquela cicatriz significava várias possibilidades para Lysandre, mas nenhuma que fosse realmente plausível.
Tirou do bolso seu inseparável bloco de notas e folheou algumas páginas. Até o hábito de escrever diariamente perdera. Apenas alguns versos esparsos quando se concentrava. Pelo menos seu estilo de escrita continuava o mesmo. Ele não era uma pessoa completamente mudada.
Sentiu uma presença se aproximando e olhou para cima. Ao seu lado estava um moreno de cabelos longos, sobretudo negro e olhos avermelhados: Dimitry.
— Olá. - o outro dissera com um pequeno sorriso - Atrapalho?
— Não, não. Estava apenas distraído. - ele disse guardando o pequeno caderno e voltando a atenção para o homem - Dimitry, não? Eu não tenho uma memória muito boa.
— O próprio. Já fazia um tempo que eu queria conhecê-lo, Lysandre. Realmente conhecê-lo, quero dizer. - ele fez menção de se sentar e o albino retirou sua mochila do banco, abrindo espaço ao seu lado.
Por algum motivo sentiu que Dimitry era o tipo de pessoa que o entenderia.
Por outro motivo, teve o pressentimento de que aquela conversa lhe traria respostas. Mesmo não tendo certeza de que gostaria de ouvi-las.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que vocês estão aí, fantasminhas. Quero reviews dessa vez, hein?
XOXO



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