A Borboletinha escrita por Lilás


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Quem diria que o grande Kurosaki Ichigo, heroi da Soul Society e terror dos hollows, seria um dia "derrotado" por uma menina de cinco anos, sua filha, Kurosaki Hisana. A pequena Hisana acaba se tornando um dos maiores desafios de Ichigo e Rukia. Além de ser geniosa, a menina parece ter herdado o poder dos pais e isso preocupa o antigo substituto de shinigami de Karakura.



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Havia dormido muito tarde ontem. Depois de um longo plantão no hospital, Ichigo voltou correndo para casa para ter seu merecido descanso. O dia seguinte prometia. Seria o primeiro dia de suas tão desejadas férias do hospital. Estava trabalhando muito ultimamente e precisava desse tempo para relaxar e ficar mais com sua família.

Quando chegou a casa, sua filha já dormia. Antes de tomar banho e jantar, passou rapidamente no quarto da menina. A diminuta garota dormia largada na cama e Ichigo não pode conter um acanhado sorriso enquanto jogava um lençol sobre o pequeno corpo. Quando ela era menor, ele tentava várias vezes colocá-la para dormir, mas acabava dormindo antes dela. No dia seguinte, ele mal havia aberto os olhos e a menina já estava elétrica. Por durante um bom tempo, chegou a desconfiar que a garota não dormia nunca.

Desfrutou de um bom banho quente e de um agradável jantar com sua esposa antes de subirem as escadas para o quarto. Largou-se pesadamente na cama e dormiu a sono solto. Teria conseguido dormir melhor se Rukia não ocupasse tanto espaço na cama. Não conseguia entender como uma mulher tão pequena quanto ela poderia ser tão espaçosa e folgada. Para reconquistar seu espaço, abraçou a esposa e a empurrou ligeiramente mais para o canto. Ela não poderia perceber sua manobra ou acabaria recebendo um cascudo como recompensa. Apesar disso, dormiu bem a noite inteira e só acordou pela manhã bem cedo por causa de um detalhe.

Sentiu algo passando repetidamente em seu rosto e abriu lentamente os olhos. Deu de cara com um par de olhos castanhos grandes e curiosos. “Ainda não”, Ichigo pensou e afundou o rosto nos travesseiros, “cedo demais”. Deveria ser um sonho. Era isso. Virou para o outro lado e tentou dormir de novo, sem sucesso.

— Papai – ele sentiu pequeninas mãos batendo na lateral do seu corpo – Papai! Acorda!

— Hisana – Ichigo falou com a voz abafada pelo travesseiro – O papai ainda está dormindo.

— Não está, não – a menina deu uma risada gostosa e Ichigo sentiu um lado da cama afundar – Eu estou ouvindo você falando.

— Eu não estou falando. Eu estou roncando – e fingiu fazer um barulho de ronco com a boca seguido de um assobio.

— Não está dormindo, não – Hisana riu alto e se aproximou mais do pai – Anda, papai!

Porém, mais do que as leves sacudidelas de Hisana, o que mais convenceu Ichigo a se levantar foi quando Hisana apoiou dolorosamente um dos joelhos nas costas de Ichigo.

— Está bem. Eu já acordei. Onde está a sua mãe? – disse, virando-se e pegando a garotinha no colo antes que ela estragasse ainda mais a sua coluna.

Como resposta, Hisana encolheu exageradamente os ombros e mostrou as palmas das mãos.

Provavelmente, Rukia havia saído antes da menina acordar. Se fosse o caso, com certeza ela pregou algum aviso na geladeira ou algo assim.

— Certo – ele disse, levantando-se da cama – Vamos comer alguma coisa, então. Está com fome?

— Siiiiiiiimmm! – responde a menina com excesso de animação.

— Por que eu ainda pergunto? – ele sorri de lado – Vamos logo, Hisa... O que é isso aí?

Hisana parecia ter pegado algo no meio do emaranhado de lençóis.

— Dá isso aqui – Ichigo tomou o objeto da mão da filha – O que você estava fazendo com essa caneta colorida, hein?

— Eu deixei o papai mais bonito - Hisana ri, inocentemente.

Ichigo andou até o banheiro do quarto e olhou para o seu reflexo na frente do espelho. Ele parecia que tinha uma taturana embaixo do nariz e esse não era nem o pior dos rabiscos. Ichigo também estava com três sobrancelhas, um óculos torto e vários riscos espalhadas pelo rosto.

— Hisana – disse, tentando controlar a voz – Quantas vezes vou ter de dizer que não se deve riscar o rosto dos outros?

— Mas papai ficou bonito – ela diz, sorrindo.

— Eu sou feio, por acaso?

— Você é lindo – diz com sua habitual inocência.

Esse foi um golpe bem baixo. Como ele poderia castigá-la agora? Não teria coragem para aplicar um castigo depois dessa. E também não era nada tão grave assim. Pelo menos, ela não o havia acordado pulando em sua barriga como costumava fazer.

Depois de lavar bem o rosto, Ichigo segurou uma mão de Hisana e a levou até a cozinha onde ele confirmou suas suspeitas ao encontrar o bilhete de Rukia colado na geladeira. Não tinha como confundir. De quem mais seriam aqueles desenhos horríveis? Até Hisana faria melhor.

Um chamado urgente da Soul Society fez a pequena tenente sair muito cedo de casa e ela nem sabia que horas poderia voltar. Ichigo precisaria apenas cuidar de Hisana durante a manhã e levá-la para a escola. Depois teria seu desejado descanso.

— Pai – Hisana já estava sentada a mesa – O que tem para comer?

Isso, sim, era um problema. Não que Ichigo não soubesse cozinhar. Ele havia aprendido ainda quando morava com o pai e as irmãs. Seu problema era qual a comida certa para dar à Hisana. Crianças devem comer coisas que ajudem no seu crescimento, pensava. Quando sua filha nasceu, ele ficou intrigado com uma dúvida: o que diabos os bebês comiam? Sentiu-se mais aliviado ao ouvir que, nos primeiros meses, ela só precisava do leite da mãe. Após os meses iniciais, ele voltou a se perguntar o que deveria dar à sua filha. Rukia ficou brava com ele porque Ichigo tentou dar macarrão para Hisana e mostrou como deveria fazer a comida da bebê: bater verduras, legumes e carne no liquidificador e armazená-los em vários potinhos no refrigerador. Ichigo olhava aqueles potinhos empilhados com nojo todas as vezes em que abria a geladeira. Mas, ao perceber Hisana devorar aquela gororoba sem chorar, ficou curioso de como seria o gosto daquilo e resolveu provar um pouquinho. E não é que não era tão ruim assim?

— Você vai querer comer o quê? – olhou para dentro dos armários. Estava mesmo sem ideias.

— Eu quero sorvete de chocolate – Hisana se agitou na cadeira.

— Nem pensar. Se sua mãe souber que você tomou sorvete de chocolate no café da manhã, ela me mata. E você não vai querer perder seu papai lindo, não é?

— Não, papai – a menina respondeu, um pouco preocupada.

— Ótimo. Então, vamos comer algo saudável. Vejamos – ele procurou um pouco mais pelos armários – Tem um pouco de cereal e acho que vou pegar algumas frutas na geladeira.

— Ainda quero sorvete – Hisana cruzou os braços e amarrou a cara.

— Nada disso, mocinha. Pode ir desfazendo esse bico – Ichigo tirou uma travessa de frutas e uma caixa colorida da geladeira e colocou-os em cima da mesa – E quero ver você tomar todo o seu leite dessa vez, heim? Sem birra.

— Eu não gosto de leite – Hisana franziu ainda mais as sobrancelhas.

— Ah é, né? Pois, então, deveria parar de tomar seu adorado sorvete porque ele é feito de leite – cortou um pequeno pedaço de melão para a filha – Beba sem reclamar, Hisana.

— Não quero leite – e se encolheu na cadeira.

— Você não quer crescer? – chegou mais perto dela – Quer ficar pequena igual a sua mãe?

Hisana não respondeu. Apenas tapou a boca com as mãos, balançando a cabeça em sinal negativo e apertando os olhos. Ichigo suspirou fundo. Como Rukia conseguia convencer facilmente Hisana a fazer qualquer coisa? É bem verdade que Rukia sabia ser bem assustadora quando queria. Precisava urgente de algumas aulas com ela ou com Byakuya de como intimidar alguém apenas com o olhar.

— Experimente só um pouquinho, amor – ele pediu carinhosamente – Você vai gostar... – a menina continuava irredutível, mas Ichigo nem pôde continuar insistindo. O telefone tocou na sala e ele se levantou para atender – Deve ser sua mãe. Fica quietinha aí – ele andou até o aparelho, sem tirar os olhos da filha sentada na cadeira da cozinha. Tinha aprendido que não era bom deixar Hisana fora do seu campo de visão nem mesmo por alguns poucos minutos.

— Filho ingrato – ouviu o seu pai do outro lado da linha – Quer dizer que você está de férias e nem ao menos para trazer Rukia-chan e minha neta para visitar seu velho e suas irmãs.

— Minhas férias começaram hoje, velho idiota – esbravejou – E quem falou isso para você?

— Rukia-chan disse algumas semanas atrás – Isshin disse – Esperei que você tivesse a consideração de avisar, mas continua o mesmo malcriado de sempre.

— Eu não tenho tempo para suas maluquices – uma veia saltava da testa de Ichigo – Eu preciso tomar conta da minha filha.

— Espere, Ichigo – o tom de voz de Isshin ficou mais sério – Yuzu quer falar com você. E diz para minha netinha linda que o vovô mandou um beijo.

Ichigo ouviu algumas vozes ao fundo antes de escutar o cumprimento de sua irmã.

— Onii-chan – ela chamou, animada – Quanto tempo!

— Yo, Yuzu – Ichigo deu um breve sorriso – O velho está dando muito trabalho?

— Você sabe como o papai é, Ichi-nii – Yuzu riu – Estou ligando para saber se você não quer trazer Rukia-neesan e Hisa-chan para cá para tomarmos café da manhã todos juntos como fazíamos antigamente.

— Eu adoraria – Ichigo sorriu – Mas Rukia não está. Precisou ir para a Soul Society bem cedo.

— Que pena – Yuzu parecia desapontada – Mas, então, venha você e traga Hisa-chan para cá. Chamei a Karin também e ela disse que vinha.

— Ok. Só vou pegar as coisas da Hisana e vou para aí – Ichigo despediu-se de sua irmã e virou para a filha – Hisana, quer ir na casa da tia Yuzu?

— Na tia Yu, papai? – disse a menina com os olhos brilhando.

— Sim – Ichigo riu, imaginando que a empolgação da filha era devido à quantidade absurda de guloseimas que ela comia sempre quando visitavam Yuzu – Na tia Yu, filha.

Poucos minutos depois, Ichigo havia prendido Hisana no banco de trás do carro e dirigia para a casa da sua irmã. Não demorou muito no trajeto. Demorou muito mais tempo tentando acalmar Hisana para poder prender o cinto de segurança nela e quando precisou catar seus brinquedos espalhados pela casa. Hisana só ficou quieta quando Ichigo deu-lhe um coelho de pelúcia.

Yuzu atendeu a porta, sorridente. Seu pai fez imediatamente um escândalo assim que a porta abriu. Ichigo se posicionou para evitar um golpe porém, surpreendentemente, Isshin o ignorou e se direcionou para a garotinha que segurava a mão de seu pai com uma mão e com a outra abraçava o coelhinho.

— HISA-CHAN – berrou enquanto pegava a menina pela cintura e a jogava para cima – Vovô sentiu tanta saudade!!

Hisana apenas ria enquanto era jogada no ar, sem ter nenhuma noção do perigo.

— Para com isso, velho – Ichigo tentava pegar Hisana – Minha filha não é uma bola de praia para você ficar jogando para cima. Ela vai cair!

— Como se eu fosse deixar ela cair – Isshin diz em um tom severo e incomum. Contudo, logo depois, volta ao seu antigo tom lamurioso – MASAAAAKI!!! Nosso filho ingrato pensa que não sei cuidar direito de nossa neta.

Yuzu interviu bem na hora e chamou todos para ir até a mesa da cozinha antes dos dois começarem uma briga. Karin apareceu logo depois trazendo algumas sacolas de compras e os três irmãos puderam matar as saudades de tomar café juntos, acompanhados do pai e de Hisana.

Logo após a deliciosa refeição, Ichigo pensou que poderia descansar um pouco enquanto Hisana brincava quieta com seus brinquedos em um canto da sala. No entanto, se ela ficasse brincando quieta, não seria Hisana. Ichigo nem pôde fazer a digestão e já estava no quintal da casa de Yuzu, com Hisana, Karin e o pai, batendo em uma bola de futebol. Os três adultos tocavam a bola com cuidado e bem mais devagar que o normal para não machucarem Hisana. Mas a menina nem percebia isso e corria o mais rápido que podia com suas perninhas curtas para tomar a bola deles.

A coisa começou a desandar quando, com a desculpa de estar fazendo calor, Isshin pegou uma mangueira e passou a perseguir os filhos e a neta, disparando jatos de água gelada neles.

— Cuidado aí, velho – Ichigo gritava e era solenemente ignorado – Vai assustar a Hisana.

E Hisana ria muito enquanto corria junto com Karin para fugir dos ataques de água do seu avô. Karin pegou outra mangueira e contratacou com Hisana escondida atrás dela. Eles ficaram nessa guerrinha por breves minutos até se lembrarem de Ichigo e, em um ataque combinado, os dois direcionaram os jatos de água contra o ruivo. Pressentindo o perigo, Ichigo se abaixou na hora exata e se desviou.

— MAS QUE DROGA ESTÁ ACONTECENDO AQUI?!! – Ichigo olhou por cima do ombro para descobrir quem estava falando, apesar de saber bem de quem era aquela voz. Encontrou Abarai Renji caído sentado sobre um arbusto na lateral do muro do jardim. A força da água saída das duas mangueiras o jogara ali e encharcara suas “roupas para o mundo humano”.

— Foi mal, Renji – Ichigo ofereceu uma mão para ajudar o amigo a levantar – Foi apenas mais uma das ideias brilhantes do meu pai.

— TIO ENJI!! – Hisana apareceu correndo e pulou no pescoço de Renji.

— Yo, Chibi-chan – Renji carregou a menina e a jogou para cima, para o desespero de Ichigo. Que mania desse pessoal de jogar Hisana para o alto! – Fazendo muita bagunça, heim?

Hisana ria e balançava negativamente a cabeça. Quem não conhecesse, até poderia acreditar.

— Por que você está com a roupa toda molhada, heim? – Renji colocou Hisana no chão e virou para Ichigo – Ela não vai hoje para a escola?

Ichigo engoliu em seco. A escola! Como pôde se esquecer do horário da escola? Não estava atrasado, mas precisava arrumar Hisana o quanto antes.

— Eu sabia que iria precisar da minha ajuda – Renji esboçou um sorriso cínico quando viu a expressão no rosto de Ichigo – Rukia pediu para que eu viesse aqui ver se a Hisana não tinha te vendido em troca de um bando de quinquilharias no mercado negro. Palavras dela – acrescentou rápido ao perceber a aura assassina em volta do amigo.

— E por que ela mandou VOCÊ ao invés de vir pessoalmente? – Ichigo começava a se irritar.

— Ela precisou ficar para a reunião dos capitães do Gotei 13 – Renji respondeu, simplesmente.

— Pelo que eu saiba, ela não é capitã – Ichigo amarrou a cara – Ela é tenente. Igual a você.

— Mas o Ukitake taichou se sentiu mal e ela precisou substituí-lo – Renji olhou para os lados – Cadê a Hisana?

Ichigo se desesperou. E se Hisana tivesse saído para a rua? Já se preparava para sair correndo pela rua quando Renji o puxou pelo colarinho da camisa.

— Ichigo! Deixa de besteiras – ele apontava para o meio do quintal – A Hisana está ali sentada naquela poça de lama.

— Ah, que susto – Ichigo massageou seu peito esquerdo – Pensei que ela... Ei! Saia daí agora mesmo, Hisana!

Ichigo foi até onde a garota estava e a carregou, mantendo uma distância segura dele mesmo. Isshin e Karin se aproximaram dos três.

— Olha só para isso – Ichigo colocou a menina no chão, no meio deles – Vou demorar uns mil anos para escavar toda essa lama dela.

— Isso não é problema – Isshin religou a mangueira que trazia nas mãos e direcionou um jato mais fino para Hisana – Dá uma voltinha, Hisa-chan.

A menina ficou rodando igual a um pião enquanto Isshin jogava água nela. Apesar de mal ter começado a rodar, Hisana quase caiu e já dava sinais de que estava tonta.

— É ASSIM QUE SE DÁ BANHO EM UMA CRIANÇA, VELHO?! – Ichigo se exaltou – Karin, me ajuda aqui com essa porquinha – Ichigo virou-se para a irmã, deixando o pai de lado.

Precisavam primeiro tirar o excesso da lama antes de levar Hisana para dentro de casa. Então, a ideia de Isshin não era totalmente absurda. Com a ajuda de Karin, Ichigo tirou uma boa parte da lama. Porém, quando percebeu que também iria tomar um banho “de verdade”, Hisana começou a espernear e gritar. Renji e Ichigo carregaram a relutante menina para dentro da casa de Yuzu.

— O que ela tem? – Yuzu se aproximou preocupada com os gritos de Hisana.

— Isso tudo é birra – Ichigo disse com dificuldade – Só porque não quer tomar banho. Chega, Hisana! Ou eu vou chamar a sua mãe!

Hisana imediatamente parou de gritar e de chutar Renji, que ainda tentava segurar suas pernas.

— Não, papai – Hisana o abraçou e escondeu o rosto no pescoço de Ichigo – Não chama a mamãe, não.

— Depende. Você vai tomar banho direitinho? – Ichigo encarou a filha, mas ela não respondeu logo. Demorou alguns segundos para Hisana indicar um sim lentamente com a cabeça.

— Ichigo – Karin chamou – Você trouxe o uniforme e os materiais de Hisana?

— Ih, esqueci – Ichigo embalava a filha nos braços – Vai lá em casa e pega para mim, Karin. Por favor. Está tudo no lugar de sempre. Renji – ele virou-se para o amigo – Vai lá em cima e enche a banheira, por favor.

— Eu vou pegar umas toalhas – Yuzu sorriu e saiu também, logo após Karin e Isshin saírem batendo a porta da frente.

Ichigo tentou distrair Hisana com alguns brinquedos que trouxe na sacola. Ele conseguiu entrar em acordo com ela. Deixaria ela levar alguns brinquedos para o banho e, em troca, Hisana tomaria banho e se arrumaria para a escola sem fazer manha.

— A banheira já está cheia – Renji disse ao descer as escadas.

— Valeu, Renji – e carregou Hisana – Vamos, filha?

Hisana cumpriu o acordo. Pelo menos, até o final da escada. Quando chegou perto do banheiro, ela segurou o batente da porta com as mãos e os pés, impedindo a entrada de Ichigo no banheiro com ela no colo.

— Hisana! Pare com isso – Ichigo tentava inutilmente desprendê-la da porta – Largue a porta!

— Acho que eu vou lá chamar a Rukia – Renji cantarolou atrás deles e Hisana finalmente cedeu.

— Boa, Renji – e encarou a banheira cheia – Mas que monte de água é esse?! Você colocou o oceano aqui dentro?!

— Achei que precisava botar bastante água porque ela está muito suja – Renji se justificou.

— ERA PARA COLOCAR A QUANTIDADE SUFICIENTE PARA DAR BANHO EM UMA CRIANÇA, SEU IDIOTA! NÃO PARA AFOGAR UM ELEFANTE!!

— AH, TÁ!! ATÉ PARECE QUE VOCÊ SABE CUIDAR DE UMA CRIANÇA!!

— CLARO QUE EU SEI!! ELA É MINHA FILHA, SEU IMBECIL!!

— Ichi-nii – Yuzu chamou timidamente da escada – Está tudo bem?

— Sim, Yuzu – Ichigo diz, lançando um olhar raivoso para o amigo – É só o Renji que está tentando afogar minha filha.

Yuzu trouxe um balde e, com ele, Ichigo tirou quase metade da água da banheira.

— Não, pai! – Hisana segurou sua camisa quando seu pai fez menção de tirá-la.

— O que foi agora, Hisana? – Ichigo perguntou, já suspirando.

— Você é um menino – ela disse como se fosse uma grande descoberta.

— E o que isso tem a ver?

— Eu sou menina – Hisana apontou para si – A Sayuri-neesan – Sayuri era uma amiguinha de Hisana da escola – disse que um menino não pode ver uma menina tomando banho.

— Ah, é isso? – Ichigo deu um leve sorriso – Mas eu não conto. Eu sou seu pai. E sempre te dei banho. E você ainda é meu bebezinho.

— Não sou bebê nada – ela bateu o pé, com raiva – Eu tenho cinco anos – e mostrou os dedos.

— Mas antes você não era um bebê? – Renji pergunta.

— É que antes eu tinha quatro – Hisana usa a outra mão para abaixar um dos dedos da mão que indicava a sua idade – Mas agora eu tenho cinco.

— Grande diferença – Renji riu pelo nariz.

— Hisana – Ichigo indicou Renji com a cabeça – Você acha que o tio Renji é menina ou menino?

Hisana encarou Renji por alguns segundos, piscou os olhos e olhou de novo para Ichigo.

— É menino? – perguntou com inocência.

— Viu? – Ichigo sorriu, debochado – Nem ela tem certeza.

— Ora, seu...

Hisana mais espalhou água para todos os lados do que tomou banho. Ela só ficou sentada quieta na banheira porque Ichigo usou alguns brinquedos para distraí-la. Ao final, ele e Renji estavam mais encharcados que a garota.

— Ainda bem que eu também trouxe toalhas para os dois – Yuzu ria do estado do irmão.

— Valeu, Yuzu – Ichigo jogou uma toalha em cima dos cabelos molhados e abaixou-se para terminar de enxugar a filha – Karin e o velho já chegaram com as coisas da Hisana?

— Eles ligaram tem pouco tempo – Yuzu mexeu no guarda-roupa – Disseram que iam demorar um pouco porque estavam procurando as coisas dela. Enquanto eles não vêm, vou colocar esse roupão na Hisana para ela não sentir frio. Vocês esqueceram esse roupão dela aqui, lembra?

Depois de vestir a menina e deixá-la brincando com seus brinquedos, Yuzu saiu dizendo que poderiam chamá-la se precisassem de qualquer coisa. Ichigo sentou no chão ao lado de Renji que também estava secando os cabelos com uma toalha.

— Que trabalheira – Renji comentou com um sorrisinho – Quem diria que matar hollows fosse mais fácil que cuidar de uma criança?

— Nem quando tivemos que enfrentar os Arrankars... – Ichigo sorriu.

— Na verdade, você perde feio para a Hisana, Ichigo – Renji ri e dá tapinhas no ombro do outro – Ela consegue te dobrar tão facilmente. Quem diria, o grande Kurosaki Ichigo, herói da Soul Society, sendo passado para trás por uma menina de cinco anos.

— Nada disso – Ichigo franziu o cenho – Eu consigo impor minha autoridade de pai e...

— Impõe tanto que precisa ameaçar chamar a Rukia para ela te obedecer – Renji gargalha – Hisana é mais esperta que você. Admita, Ichigo. Você é um pai babão que faz qualquer coisa pela sua filhinha do papai e ela se aproveita disso.

— Está fazendo o quê aí, Hisana? – Ichigo eleva um pouco a voz para fugir do assunto – Vem para cá.

Hisana anda com cuidado até onde o pai e Renji estão sentados, segurando algo nas mãos. Ela para na frente de Renji e estende uma xícara e um pires de brinquedo.

— Para mim? – Renji pergunta e pega os brinquedos na mão de Hisana, fazendo uma reverência exagerada – Obrigado, mademoiselle*. Ih, olha só. Tem chá mesmo aqui – e bebe da xícara.

Mademoiselle? – Ichigo levanta uma sobrancelha – Está estudando outras línguas?

— Acha que eu não sou culto? – faz uma pose arrogante – Quer dizer “meu amor” em italiano.

Ichigo nem se deu ao trabalho de corrigi-lo.

— Onde você pegou esse chá, Hisana? – Ichigo perguntou, vendo Renji experimentar mais um gole da xícara.

Hisana apontou na direção da porta do banheiro.

— Mas o quê?!! – Renji cuspiu o “chá” no chão enquanto Ichigo dava gargalhadas – ELA ME DEU A ÁGUA DA BANHEIRA?!

Ichigo ainda ria muito e Renji bebia litros de água quando Isshin e Karin chegaram trazendo os materiais escolares e o uniforme de Hisana. Ichigo vestiu a filha com cuidado e penteou seus cabelos. Os cabelos de Hisana eram tão lindos, bem pretos como o da mãe, pensava enquanto deslizava suavemente a escova por eles. Já estavam bem grandes e Ichigo os prendeu em um rabo de cavalo. Quer dizer, quase, porque uma franja teimosa insistia em cair na frente dos olhos da menina. Ao final, ele parou para admirar sua linda filha. Parecia uma princesinha!

Por insistência de Yuzu, todos ficaram para almoçar. Até mesmo o Renji. Surpreendentemente para Ichigo, Hisana não aprontou uma das suas durante o almoço e comeu tudo sem chiar.

— Ei, Ichigo – Renji chamou quando viu o amigo jogar a pequena pasta de Hisana sobre o ombro e se dirigir à entrada da casa, segurando a mãozinha dela – Eu também vou.

— Eu também – Karin se adiantou. Ela nunca iria admitir, mas Yuzu não era a única que babava pela sobrinha.

Despediram-se de Isshin e Yuzu e entraram no carro de Ichigo. Ele acomodou Hisana ao lado de Karin no banco de trás. Renji já estava sentado no banco do carona na frente quando Ichigo entrou e deu a partida. Chegaram à escola rapidamente. Muitas crianças estavam na entrada da escola onde uma senhora alta e com grandes óculos chamava os alunos para entrarem nas salas.

— Senhor Kurosaki – a mulher cumprimentou de um jeito bem formal. Era a diretora da escola – Prazer em revê-lo. Posso levar a pequena Hisana até sua sala.

— Hisana – Ichigo chamou quando a menina já se afastava com a diretora, saltitando com se estivesse em um jogo de amarelinha – Não vai se despedir do seu pai?

Ichigo abaixou-se para poder se despedir de Hisana. Ela envolveu o pescoço de Ichigo com seus bracinhos curtos e o apertou o mais forte que pôde.

— Te amo, tá? – disse com sua vozinha infantil, ainda dentro do abraço.

— Também te amo – um sorriso se alargou no rosto de Ichigo e ele se afastou depois de uns segundos para encarar os olhos da filha – Muito.

— Eu posso ir com Hisana até a sala? – Karin perguntou à diretora e ela consentiu com um breve aceno de cabeça. Karin e Hisana se afastaram de mãos dadas, pulando e brincando de “não pisar nas rachaduras do piso”.

Ichigo assistiu sua filha indo embora com um aperto no peito. Hisana já estava totalmente acostumada com as pessoas e a rotina da escola. Mas, para Ichigo, nunca era legal o momento em que eles se despediam na entrada da escola. Mesmo que ficasse afastado dela só por algumas horas, ele queria sua filha por perto o tempo todo para ele poder protegê-la.

— Ei, Ichigo – Renji o chamou de volta à realidade – Os hollows não estão mais aparecendo?

— Não muito ultimamente – ele ainda encarava o corredor onde Hisana e Karin sumiram – Esse supressor de reiatsu do Urahara está dando conta de controlar a reiatsu de Hisana. Vamos ver por quanto tempo.

— Nem fale – Renji dá um suspiro – Hisana tem uma reiatsu tão grande que é um chamariz de hollows. Eu, o Yumichika e o Ikkaku praticamente tivemos que morar aqui em Karakura quando a Rukia estava grávida.

— Nem precisava – Ichigo franziu o cenho – Eu disse para o velho Yama que poderia dar conta de cuidar da Rukia sozinho.

— E não ia fazer mais nada o dia inteiro – Renji deu um sorrisinho – Só iria matar hollows.

— Estava funcionando, não estava? – Ichigo coçou a nuca com a cara enfezada.

— Quando será que os poderes de shinigami de Hisana irão se manifestar? – Renji ignorou a pergunta de Ichigo e assumiu uma postura pensativa.

— Eu não sei – Ichigo suspirou – Por enquanto, ela está muito nova.

— Você sabe que isso irá acontecer mais cedo ou mais tarde, não é? – ele olhou o amigo como se estivesse o analisando – Quando ela tiver uma borboleta infernal, ela será tão shinigami quanto eu e você – Renji comentou.

As borboletas infernais permitiam o trânsito dos shinigamis do mundo humano para a Soul Society e vice-versa. Por causa dos pais, Hisana tinha ganhado livre acesso entre os dois mundos, mas não podia fazer esse caminho sozinha.

— Quando isso acontecer – Renji continuou – ela precisará ir para a Soul Society e será treinada como uma shinigami. Você sabe que o velho Yama jamais deixaria alguém com uma reiatsu igual à de Hisana sem sua supervisão.

— Eu sei. Eu sei – Ichigo suspirou e bagunçou os cabelos – Mas Hisana não precisa se envolver nos nossos problemas. Ela é só uma criança!

— Ela não é qualquer criança – Renji sorriu triste – Você sabe – e não falou mais nada.

Karin retornou logo depois e os três foram embora. Ichigo deixou Karin na casa de Yuzu e Renji escolheu descer perto da loja do Urahara. Ichigo preferiu voltar para casa. Precisava realmente descansar um pouco.

Rukia ainda não havia chegado. Ichigo encarou a casa silenciosa e vazia com um pouco de desânimo. Andou pela sala sem nenhum motivo aparente e seus olhos se detiveram na estante. Sua atenção estava concentrada em um retrato de uma menininha sorridente de cabelos pretos e usando um uniforme escolar. Hisana parecia estar muito feliz no seu primeiro dia na escola. Ichigo pegou o porta-retratos e deu um suspiro nostálgico. Ela cresceu tão rápido. Parecia ter sido ontem quando ele a carregou pela primeira vez.

— AAAAAARREEEEEEEE!!! – Ichigo sentiu uma beliscada particularmente dolorosa em seu traseiro e, por isso, deu um salto e se pôs em posição de alerta. Estava pronto para encarar qualquer hollow, mas tudo que encontrou foi uma pequena mulher contorcendo-se de tanto rir.

Mesmo se Rukia não tivesse ocultado sua reiatsu, Ichigo estava tão distraído que nem percebeu a sua chegada.

— Desculpa, Ichi – Rukia dizia entre risos – É que você estava com uma cara tão boba e eu não consegui resistir.

— Sem graça – fez bico e deu as costas para ela.

— O que você estava olhando aí, heim? – Rukia se aproximou dele depois de conseguir controlar suas risadas.

— Só estava olhando uma foto de Hisana – ele voltou a encarar o porta-retratos que quase caíra de suas mãos por causa do susto – Lembra quando ela era apenas um bebezinho chorão?

— É mesmo – Rukia suspirou e segurou um braço do marido, olhando para a foto.

— Não gosto quando ela fica longe da gente – desabafou, depois de alguns segundos em silêncio.

— Ichi – Rukia disse em um sussurro – Eu já disse várias vezes para você. Hisana está bem. Ela só está na escola. Daqui a pouco ela vai estar aqui de novo com a gente. Vai ficar tudo bem.

— Eu sei – Ichigo suspirou no mesmo tom triste, sem tirar os olhos do porta-retratos.

— Mas você não está falando só da escola, não é? – ela cochichou, encarando o chão.

— Como é? – Ichigo suspendeu os olhos.

— Nada – sorriu, simplesmente – E também – Rukia muda o tom de voz e aproxima mais do rosto de Ichigo – às vezes, precisamos de um tempo para fazermos coisas que não podemos quando Hisana está.

— O quê? – Ichigo franziu a testa, confuso.

— Ai ai, Kurosaki Ichigo. Eu te amo – ela revira os olhos – Mas, às vezes, você é lerdo demais.

Ignorando a cara de confusão de Ichigo, Rukia o segurou pela gola da camisa e o puxou para um beijo apaixonado. Prontamente, Ichigo envolveu a cintura de Rukia com os braços e aproximou seu corpo do dela. Rukia precisava ficar na ponta dos pés para poder alcançá-lo.

— Entendeu, agora? – Rukia sussurrou, em uma voz manhosa, ainda com o rosto próximo ao de Ichigo – Ou quer que eu faça um desenho?

— Por favor, não – Ichigo suspendeu as mãos em sinal de rendição – Tudo, menos seus desenhos.

— Idiota – Rukia dá um murrinho no braço de Ichigo, que se encolhe inutilmente. Porém, os dois estão sorrindo e voltam a se beijar.

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— Ichi – Rukia chamou mais uma vez – Ichi, acorda.

Ichigo estava deitado de bruçus na cama com metade do corpo por cima de Rukia. Ela estava fazendo um carinho gostoso em seus cabelos e Ichigo acabou dormindo. No entanto, naquela posição, ela não podia se levantar e sacudia o ruivo para que ele acordasse.

— Ichigo – ela o cutucou – Levanta, Ichigo! Está na hora de buscar Hisana.

Com o rosto escondido no pescoço de Rukia, Ichigo apenas deu um grunhido ininteligível e voltou a dormir.

— SAI DE CIMA DE MIM, SEU IDIOTA!

Rukia perde a paciência e chuta Ichigo, fazendo com que ele caísse com tudo no chão.

— Quem? Onde? – Ichigo levanta assustado, olhando para os lados – O que aconteceu?

— É hora de buscar Hisana – Rukia aponta para o relógio ao lado da cama.

— Pode deixar, Kia – Ichigo não conseguia nem disfarçar a ansiedade – Eu pego ela.

— Tem certeza? – Rukia perguntou – Se quiser, posso ir.

Mas Ichigo não estava ouvindo. Já estava vestindo uma camisa e saindo porta afora. Em questão de minutos, chegou à escola da filha. Na entrada da escola, várias crianças reunidas brincavam enquanto esperavam por seus pais. Hisana estava no meio delas, correndo com outras crianças mais ou menos da mesma idade. Ichigo parou na frente do portão e ficou os observando. Uma das crianças o viu, cutucou Hisana e apontou na direção dele.

— Papai – Hisana correu até onde ele estava e atirou-se em seu pescoço.

— Minha princesinha – Ichigo a carregou e entrou na escola para pegar seus pertences. Se dependesse de Hisana, ele teria de comprar materiais escolares todos os dias.

— Ei, Hisana – uma menina acenava do outro lado da rua quando Ichigo e Hisana já saiam da escola de mãos dadas.

— Papai, posso ir no parquinho? – ela apontou na direção da outra menina.

— Só um pouquinho, tá? – ele sorriu para ela – Sua mãe não gosta de atrasos no jantar.

Ichigo levou Hisana até o balanço onde ela sentou ao lado de uma menina que sorria muito para ela. Aparentemente, as duas se conheciam e começaram a rir juntas com as oscilações do brinquedo. Ichigo posicionou-se logo atrás delas e ficou dando leves impulsos em Hisana.

Um pequeno sorriso formou-se nos lábios de Ichigo. Um pai empurrando o balanço da filha em um parque era uma cena bem banal e as pessoas que passavam ali não sabiam a importância disso para aquele jovem pai. Representava um pequeno momento de paz e felicidade para quem teve uma vida tumultuada como a dele. Sua filha levava uma vida normal igual a qualquer criança e isso o deixava aliviado. Sentia-se preocupado com o futuro de Hisana. Se acontecesse algo de ruim com ela apenas porque ela era sua filha, Ichigo nunca se perdoaria por isso.

— Olha, papai – a voz de Hisana o tirou de seus pensamentos – Olha! Que linda!

Hisana apontava para uma pequena borboleta que voava próximo a sua cabeça. Ichigo assustou-se com aquela visão. Por um minuto, pensou ser a borboleta infernal de Hisana. Suspirou aliviado quando percebeu se tratar de uma borboleta comum.

— Sim – forçou-se a sorrir – É muito linda, meu anjo.

— Posso ter uma igual a essa, papai? – ela continuava a apontar para a borboleta.

Era uma pergunta inocente, mas foi o suficiente para Ichigo ficar paralisado. Ele não pôde deixar de pensar em Hisana sendo levada para a Soul Society, Hisana começando seu árduo e doloroso treinamento, Hisana sofrendo machucados mortais, Hisana lutando com hollows, Hisana sendo ferida por hollows, Hisana lutando contra inimigos ainda mais poderosos do que os Arrankars, Hisana sendo ferida por esses supostos inimigos...

— Pai – Hisana estava parada em pé ao lado de seu pai e o puxava pelo casaco – Eu tô com fome.

— Ah, sim – Ichigo parecia ter acabado de despertar de seu pesadelo – Vamos para casa. Sua mãe deve estar nos esperando para o jantar.

Ichigo ficou muito aéreo por durante todo o jantar. Enquanto Hisana tagarelava sobre tudo o que havia feito durante o dia e Rukia a incentivava a continuar falando, Ichigo prosseguia absorto. Talvez, ele estivesse sofrendo por antecipação e sem motivo. Mesmo se os poderes de Hisana surgissem cedo demais, a Soul Society não iria expor uma criança como ela a nenhum perigo desnecessário, não é mesmo? A menos que eles quisessem experimentar a ira de um pai coruja. Mas, e se algum dos seus inimigos descobrisse sobre Hisana? Não poderia arriscar em deixar sua filha sem nenhuma proteção.

— Ichigo – ele ouviu a voz de Rukia – Eu estou falando com você.

— O que foi? – perguntou, suspendendo os olhos do próprio prato.

— Hisana estava dizendo que vocês foram à casa da Yuzu hoje – Rukia o encarava com um olhar desconfiado – Como eu não vou para a Soul Society amanhã, eu estava dizendo para convidar seu pai e suas irmãs para virem aqui amanhã.

— Por mim, tudo bem – forçou um sorriso.

Não deveria ter forçado esse sorriso. Ele era péssimo em mentiras. Ainda mais para Rukia que conhecia todos os seus sorrisos falsos. Ela o analisou por alguns segundos, mas não disse nada.

— Ouviu, meu amor? – Rukia mudou sua expressão severa para uma mais amorosa ao se dirigir à Hisana – Quer ver o vovô e suas tias de novo amanhã?

— Obaaa – a menina vibrou – O tio Byakun vai vir também?

Ichigo riu pelo nariz. Hisana não sabia falar o nome de Byakuya certo e, exceto quando era Hisana quem falava, Ichigo tinha certeza que ele detestava esse apelido. Rukia percebeu que Ichigo disfarçava uma risada, sabia até o porquê, e lançou-lhe um olhar de censura.

— Não sei se seu tio poderá vir, querida – Rukia disse, com um ar pensativo – Preciso falar com ele primeiro.

O restante do jantar foi tranquilo e Hisana conseguiu listar o nome de todos os doces que comeria quando fosse visitar Byakuya, antes mesmo de terminar a sobremesa. Ichigo achava incrível ela conseguir decorar todos aqueles nomes, mas não conseguia se lembrar de obedecer a nenhuma ordem sua.

Logo após terem jantado, Ichigo ficou brincando com Hisana no chão da sala. Na brincadeira, eles inverteram os papeis: Hisana era a mãe e Ichigo, seu filho. Apesar de Ichigo achar que Hisana fez uma representação muito caricatural da realidade quando ela o deixou de castigo, sentado perto da parede, mesmo ele não tendo feito nada enquanto ela saia para fazer compras em um shopping imaginário.

— Vai ficar de castigo – Hisana disse, em uma voz autoritária, colocando as mãos na cintura e apontando para ele, imitando comicamente uma pose de Rukia quando reclamava com ela.

— Sua mãe não faz essas caretas – Ichigo contestou, tentando sufocar uma risada e sentado no chão ao lado de um fogão de brinquedo – E eu nem fiz nada para estar de castigo.

Hisana ignorou suas reclamações e desfilou pela sala com uma bolsinha pendurada no ombro.

Quando Hisana estava praticamente o forçando a “comer” sua comida de mentirinha, Rukia avisou que já estava na hora de Hisana dormir. Ichigo a levou até a cama e leu uma historinha para ela. Quer dizer, ler era maneira de dizer porque Hisana obrigava Ichigo a ler as mesmas histórias tantas vezes que ele já havia decorado até mesmo as falas dos personagens.

— Boa noite – ele sussurrou com um sorriso quando Hisana finalmente dormiu – Minha borboletinha – e jogou o cobertor por cima da menina.

Não demorou muito para Ichigo e Rukia também irem dormir. Ichigo percebeu que Rukia estava excessivamente séria e calada.

— E então? – Rukia falou quando ele terminou de vestir o pijama e deitou ao seu lado – Vai me dizer o que está te incomodando?

— Que ideia... – Ichigo afofou os travesseiros com socos.

— I-chi-go – Rukia disse cada sílaba de seu nome separadamente – Eu te conheço.

Ichigo não conseguia ver direito a expressão no rosto de Rukia por causa da escuridão, porém podia imaginar como ela estava. Sentou na cama e suspirou alto antes de responder.

— Não quero que a Hisana cresça – disparou.

— O quê? – Rukia também se levantou e sentou ao seu lado.

— Não quero que a Hisana cresça – repetiu.

— Isso é impossível, Ichigo – Rukia virou-se para ele apesar de estar escuro demais para conseguir vê-lo.

— Eu sei, mas... – ele bagunçou os cabelos – É só uma preocupação idiota da minha cabeça. Desde o dia em que a Hisana nasceu, eu não consigo parar de pensar no que pode acontecer com ela apenas por ser a minha filha.

Rukia não falou nada. Ichigo podia ouvir sua respiração no meio da escuridão.

— Eu sei que logo os poderes de shinigami de Hisana irão aparecer – Ichigo continuou – Ela tem uma reiatsu muito parecida com a minha e, sendo filha de dois shinigamis, não vai demorar muito para ela ter uma borboleta infernal e sua zanpakutou despertar.

— E isso é ruim? – Rukia perguntou – Alguma coisa contra shinigamis?

— Não. Claro que não, Kia. É que... – Ichigo parecia procurar as palavras – Ela é minha garotinha. Eu preciso protegê-la para que nada de ruim aconteça com ela – ele suspirou alto e esfregou o rosto nas mãos – Eu vi tantas vezes você quase morrer na minha frente...

— Ichigo... – Rukia sussurrou enquanto o abraçava.

— É minha obrigação proteger vocês duas – Ichigo retribuiu o abraço – Imagine quantos inimigos podem aparecer atrás de Hisana por causa de sua reiatsu.

— Podem até aparecer muitos, Ichi – Rukia se afastou dele e segurou o rosto do marido com uma das mãos – Mas nós vamos ensinar Hisana a enfrentar todos eles. Hisana tem muito poder e nós vamos ensiná-la tudo o que sabemos. Para que, um dia, ela ainda seja maior do que nós.

— Você acredita mesmo nisso? – Ichigo tinha um sorriso enviesado.

— Claro. Ela não é sua filha? – Rukia sorriu – Ela vai ser igual ao pai. Não vai ser qualquer um que vai conseguir derrubá-la.

Ichigo não pôde deixar de sorrir. Como sempre, Rukia sempre sabia o que falar.

— Mas, é claro – ela continuou – tudo no seu tempo. Agora, Hisana é uma criança como qualquer outra. Vamos aproveitar esse momento com ela.

— Você está certa – Ichigo sorriu levemente – Chega de pensar sobre isso – ele suspirou alto de novo antes de voltar a olhar para Rukia – Principalmente, porque agora eu estou pensando em outra coisa...

Ichigo segurou o rosto de Rukia com uma mão e com a outra envolveu sua cintura. Ele iniciou um beijo suave que ganhava intensidade aos poucos. Rukia retribuiu com a mesma vontade e afagou os cabelos de Ichigo com as duas mãos. Em determinado momento, Ichigo colocou Rukia sobre a cama e deitou por cima dela, distribuindo beijos pelo seu pescoço.

Um barulho os alertou e eles olharam para porta. Hisana entrava no quarto bocejando e esfregando os olhos ao mesmo tempo em que arrastava um bichinho de pelúcia.

— Mamãe – Hisana tinha um voz sonolenta e manhosa – Posso dormir com vocês?

— Claro, meu amor – Rukia prontamente ajeitou um lugar para Hisana no meio deles, fingindo não ver as olhadelas de Ichigo para ela – Mas é só hoje, tá bom?

Hisana engatinhou até onde eles estavam e enfiou-se embaixo das cobertas dos pais. Recebendo um beijo em cada uma das bochechas, a garota dormiu rápido. Quem demorou a dormir foram seus pais, trocando olhares por um bom tempo, enquanto a filha dormia tranquila entre eles.


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Notas finais do capítulo

*Mademoiselle quer dizer “senhorita” em francês. Renji não só errou o significado como errou também a nacionalidade.

Yoo! Espero que tenham gostado de ler. Ultimamente, ando sentindo falta do anime e até esqueci algumas coisas de Bleach. Espero não ter esquecido nada importante do anime nessa história. Como puderam ver, é apenas minha tentativa de adivinhar o futuro de Ichigo e seus amigos. Obrigada por terem lido e responderei qualquer comentário assim que puder.